Título: A paralisação e a saída
Data: 7-13 de setembro de 1895
Fonte: KROPOTKIN, Piotr. Socialismo. Tradução e organização: Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Intermezzo Editorial; Biblioteca Terra Livre, 2021. pp. 59-63.

Tornemos ao nosso ponto de partida.

O socialismo, dizíamos, sofre incontestavelmente neste momento um tempo de paralisação, e buscávamos explicá-lo.

Ele havia começado por uma ampla promessa. Chegara o tempo, dizia ele, de retomar dos açambarcadores o solo, as fábricas, as ferrovias, as casas habitadas, o capital inteiro dos quais eles havia-se apoderado, não para produzir e fazer viver, mas para acumular tudo o que o despertar da ciência e os desenvolvimentos das artes técnicas permitiam ao homem acrescentar à sua força de produção natural. Essa retomada era necessária para reorganizar a produção em benefício de todos; era uma necessidade econômica, social e moral ao mesmo tempo. E era possível; a expropriação devia ser a obra do povo a partir da próxima revolução.

Em consequência, o socialismo afirmava que a questão econômica primava entre todas as outras; que a luta dos proletários contra a sociedade atual devia engajar-se nesse terreno, e ele apelava aos proletários do mundo inteiro para unir-se sob a bandeira do trabalhador revoltado, – a Internacional. A greve, parcial, de início, para preparar a greve geral dos trabalhadores do mundo inteiro, tornou-se a arma de combate da Internacional.

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Mas logo se tornou evidente que o trabalhador não podia nem mesmo servir-se dessa arma sem ter contra si o Estado, – essa organização poderosa e malfazeja, pela qual e sobre a qual a burguesia havia fundado seu poder. Em cada greve, pequena ou grande, em monarquia ou em república, o trabalhador encontrava-se confrontado com o Estado, com seus funcionários, sua força de corrupção, seus juízes e suas prisões, suas baionetas e sua metralhadora.

Tendo em vista o aprofundamento do papel do Estado no conflito, ele engajou a luta contra o Estado tanto quanto contra o capital.

Nisso, duas correntes desenharam-se imediatamente no seio dos socialistas. De um lado, os admiradores do Estado, aqueles que ainda creem em sua força benfazeja, e pensam apenas que a burguesia fê-lo desviar de sua verdadeira destinação, – a escola dos jacobinos do século passado, – demandavam “a conquista dos poderes”. Entre suas mãos, o Estado, tal qual, com seu sistema representativo e sua legislação unitária, organizaria as relações humanas sobre as bases da fraternidade e da igualdade. E, por outro lado, os anarquistas, que, compreendendo o papel histórico do Estado, afirmavam que a máquina que serviu na história para constituir o poder da burguesia não podia servir para demoli-la; que uma nova fase econômica demandaria uma nova fase nas relações políticas, e que concluíam à abolição do Estado, a sua desagregação, seu despedaçamento, e ao estabelecimento de novas relações entre homens sobre as bases do livre acordo.

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Com nossa educação cristã e romana, com a predominância assegurada às ideias burguesas jacobinas para toda a educação do século, era evidente que a ideia de “conquista” do Estado devia ter para si a grande maioria, mesmo entre os operários. O operário sofre, mais do que ele pensa, a influência da grande burguesia do século e de sua educação. A massa operária aceitou, portanto, a primeira direção, sem prever, por sinal, suas consequências inevitáveis.

As consequências não se fizeram esperar. Gradualmente, a ideia de luta lenta e pacífica sobre o terreno das lutas eleitorais, a ideia das meias medidas, para tornar a situação do trabalhador menos penosa, e para fazer “a educação” do operário, veio a substituir-se à ideia de luta direta, para desapossar o capital. E, uma vez sobre o declive, a evolução do socialismo rumo ao burguesismo benevolente era fatal. Assim, a ideia de retomada de posse desapareceu cada vez mais, não só dos programas do partido do socialismo jacobino, mas também de seus escritos. Toda a atenção voltou-se para o que poderia captar melhor os votos daqueles que não são socialistas, e apavorar menos os burgueses, para debilitar sua resistência durante as eleições. E acaba-se por falar, na literatura dessa escola socialista, da condição de assalariado como da coisa mais natural do mundo: o essencial tornou-se melhorar a posição do assalariado pela limitação da jornada de trabalho, pela inspeção higiênica e pela proibição às crianças de trabalhar na fábrica, ou, então, por medidas que permitissem ao operário ser roubado menos pelos intermediários, quando ele fosse despender seu salário. Sempre seu salário!

Assim, após ter começado trovejando contra o salariado e prometido sua abolição, o socialista jacobino já diz simplesmente ao operário: “Assalariado tu és, assalariado permanecerás. Busca ver como poderás utilizar melhor teu salário, e o Estado adotará medidas para que teu salário não seja por demais corroído pelo capitalista”.

Socialista e conservador burguês ou proprietário de terras encontram-se, assim, tão próximos um do outro, que só a distância de um fio de cabelo separa-os, e o trabalhador vê-os com surpresa caminhar de mãos dadas às urnas, unir-se em ódio comum contra o anarquismo, cumprimentar-se, discutindo totalmente de maneira amigável medidas de ordem burguesa: patriotismo no exército, política colonialista e o resto.

É nisso que a Internacional deveria resultar?

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E se o operário houvesse feito também a mesma evolução em sentido contrário? Mas ele não o fez. Ao contrário, progrediu imensamente em sua educação social. A ideia de expropriação percorreu um imenso caminho, mesmo na Inglaterra, onde o último despertar do socialismo data apenas de 1884 ou 1885. “Que eles partam, não precisamos deles”, torna-se a ideia do trabalhador inglês; e quanto ao trabalhador francês ou ao camponês italiano, espanhol ou russo, sua opinião sobre o proprietário e o patrão está desde há muito tempo formada.

Os expedientes em voga não satisfazem de modo algum o trabalhador. Ele aceita-os, algumas vezes protestando, mas não se apaixona por eles. Quando muito, deseja-os, entrevendo por trás desses expedientes o Estado, que não dá nada por nada, que não se mexe se não vê nisso um crescimento de seus poderes. Em vão, ele procura até mesmo expedientes que atacam, ainda que pouco, o princípio da propriedade. À parte a lei Gladstone, segundo a qual o juiz fixa o preço do aluguel da terra na Irlanda, e a experiência Basly, ele não encontra nada, a não ser o pão gratuito que concerne a uma ordem de ideias completamente nova e tem outra origem.

Eis porque o trabalhador torna-se cada vez mais indiferente ao socialismo. Republicano na Alemanha, ele reforça a organização republicana da democracia socialista, porque vê nela um meio de luta política. Mas é tudo; pois a democracia socialista dá pouquíssima atenção ao socialismo, compreendido como a expropriação da classe possuidora. E, na Alemanha como alhures, é certo que o socialismo entrou em período de paralisação completamente marcado em seu desenvolvimento.

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O que ele pode fazer para sair desse período de marasmo? Eis a questão que hoje se debate em toda parte nas hostes socialistas.

Um partido não muda de pele à vontade. Assim, é inevitável que a grande massa dos líderes do partido democrata socialista deverá mergulhar pouco a pouco nas hostes dos burgueses reformadores. Mas a grande massa operária não os seguirá. O operário não se suicidará para dar-lhes prazer. Ele é forçado a lançar-se em nova direção.

A greve geral, colocada cada vez mais na ordem do dia pelos próprios acontecimentos, já começa a apaixonar um grande número de trabalhadores. Mas o trabalhador também se pergunta qual ideal político ele vai perseguir.

O regime parlamentar esgotou seu tempo. Ele não pode ser rejuvenescido e insuflado de nova vida. Arma da burguesia, deve morrer com ela. O parlamento comunal também mostrou a que veio. A quem ele inspira confiança? Apaixonar as massas por uma nova edição dos velhos clichês burgueses, pode-se, decerto, atrelar-se a essa tarefa, mas a chance de obter êxito nisso é nula. Uma nova ideia do socialismo é necessária. E ele não a encontrará alhures, só na Anarquia.

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Que os socialistas meditem muito bem sobre a situação; eles próprios verão, se souberem rasgar os cueiros de sua educação, que só lhes resta arvorar francamente a bandeira por tanto tempo conspurcada da Anarquia: declarar francamente que eles também trabalharão pela abolição do Estado, e que sua inteligência vai doravante trabalhar pela busca das formas de livre acordo na sociedade, – formas que já existem sob a forma de tendências, e que só demandam a igualdade econômica, a liberação de todos, o consumo por todos, e a produção reorganizada em consequência, para dar livre curso ao livre acordo sobre as bases entrevistas, em parte, pelos anarquistas.

O socialismo deve se tornar anarquista, ou mergulhar no burguesismo. Ele não tem outra saída diante de si. Eis o ensinamento dos últimos vinte e cinco anos.