Piotr Kropotkin
A reação na Internacional
I.
Vimos como se falseia a história para adormecer os trabalhadores e afastá-los do grande objetivo – a Revolução Social.
É ainda pior para a economia política. Aqui, a pretexto de erigir uma economia socialista, elaborou-se toda uma construção de falsas teorias que hoje servem para adormecer os trabalhadores. Isso foi feito, sem dúvida, inconscientemente no início. Mas os interessados por isso se aferraram a seu objetivo. E, com essa construção, apresentada como elevada ciência, que o trabalhador não pode compreender e deve aceitar tal qual, trabalharam desde há trinta anos – com sucesso – a denigrir as revoluções, desviar a atenção dos trabalhadores do objetivo que eles propunham-se, e diverti-los entretempos com disparates. Quase os persuadiram de que eles só tinham de esperar que a destruição do regime capitalista fizesse-se por si mesma, em virtude das leis imanentes de seu desenvolvimento.
Essa campanha, para administrar aos trabalhadores doses cada vez mais fortes de ópio econômico, merece ser discutida a fundo, e é o que faremos.
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A Associação Internacional era uma organização revolucionária. Seu objetivo era a Revolução Social. Dizia-se “liquidação social” (tomando emprestado esse termo dos anos de reação que se seguiram a junho de 1848); todavia, todos sabiam de que “liquidação” tratava-se. Por sinal, ninguém se incomodava em afirmar o objetivo: a revolução social, até mesmo sob o nariz da polícia napoleônica.
O objetivo da Internacional era a revolução. Não mais uma revolução política, semelhante àquela de fevereiro de 1848, que foi um engodo, mas a revolução social, que permitiria aos trabalhadores das cidades e aos camponeses apoderar-se de tudo o que é necessário para produzir, e proceder à organização do comunismo, fazendo, como dizia Malon, um dos fundadores da Internacional, a caridade de “bônus de sopa” aos burgueses que fossem incapazes de trabalhar.
O plano da organização (que data – observemo-lo, de passagem – de 1830, quando Robert Owen tentou realizá-lo, mas teve de desistir sob as terríveis perseguições do governo inglês) – o plano, eu dizia, era admirável. Unir todos os trabalhadores, cada um em seu ofício, e todos os ofícios em um feixe único, internacional. O “negro da fábrica, o forçado da mina, o hilota do campo” eram convidados a entrar na Internacional, e os emissários da Associação trabalhavam com energia para organizar seções de ofício por toda parte – na grande e na pequena indústria, nas oficinas, entre os mineiros mais atrasados, nos mais reacionários dos campos. Não fazer distinção entre o operário das cidades e do campo, englobar os camponeses na Internacional, sempre foi a ideia dos fundadores. Esse foi o sonho de Malon e de André Léo, de Dumartheray e tantos outros, e os espanhóis, sabemo-lo, conseguiram perfeitamente fazê-lo, sobretudo na Andaluzia. Arch, na Inglaterra, inspirou-se na mesma ideia quando criou em alguns meses a poderosa Liga agrária – morta desde quando entrou no parlamento.
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Os operários franceses que, durante sua visita à Exposição de Londres de 1862, entenderam-se com os operários owenistas ingleses para fundar a Internacional, haviam compreendido muito bem que, se a próxima revolução não for uma revolução política – se ela for uma revolução social, que faça desmoronar o poder do Capital – as lutas preparatórias, que precedem as revoluções devem fazer-se no terreno da luta direta entre assalariados e capitalistas. {Glória a Marx, como tão bem o disse nosso amigo Tcherkesov, por ter compreendido a nova força que se afirmava na Internacional, e ter-se juntado a ela sem demora. Mas fazer de Marx, como o quer a lenda alemã, um fundador da Internacional, é afirmar um contrassenso. A ideia da Internacional estava tão disseminada após 1848, entre os franceses, que um jornal, L’Internationale, foi publicado pelos refugiados franceses em Nova York bem antes de 1864. O encontro dos fourieristas e mutualistas franceses com os owenistas ingleses fez a Internacional.}
Diziam que, por toda parte, eclodem greves, e elas são logo vencidas por falta de apoio por parte dos outros trabalhadores. E cada derrota é um elo a mais acrescentado à cadeia que o operário porta. Seus magros meios esgotados, e o desencorajamento semeado à sua volta, tornam-no cada vez mais dócil e resignado.
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Resultado muito diferente seria se se conseguisse agrupar os trabalhadores em um feixe de ofícios em cada fábrica, grande ou pequena, em cada oficina, grande ou medíocre; se se conseguisse constituir, em seguida, as federações locais e regionais, nacionais e internacionais, de cada ofício e de todos os ofícios. Levar todos os ofícios de tal cidade ou de tal região – ofícios que ainda hoje vemos desprezarem-se mutuamente (tal como “a fábrica”, isto é, a relojoaria na Suíça e “a construção civil”) – a unir-se em uma federação operária. Levar os trabalhadores das cidades e aqueles do campo a conhecer-se e compreender que, em relação aos possuidores, os proprietários, os patrões, os banqueiros e os governantes, eles constituem uma massa separada que tem seus interesses diametralmente opostos àqueles de todos os possuidores e de todos os governantes, – que se chamem radicais ou conservadores, livres-pensadores ou clericais – tal era o objetivo da Internacional.
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Além disso, como é possível despertar nos trabalhadores essa comunidade de interesses de todos os explorados, senão organizando a luta dos explorados contra os exploradores, dando a todos os explorados, qualquer que seja seu ofício, a possibilidade de tomar parte nela, sentir-se unidos, realizar suas forças na luta, quando eles separam-se dos exploradores e lutam diretamente contra eles?
E o que poderia despertar melhor a consciência da comunidade de interesses entre trabalhadores de todas as nações, senão essa união internacional de todos os ofícios para além das fronteiras? O que melhor poderia impedir o desenvolvimento do espírito estreitamente nacional e das invejas nacionais, pelo qual trabalham todos os burgueses? As questões políticas forçosamente dividem os trabalhadores. Protecionismo e livre-mercado, tratados comerciais, escrutínio de lista ou de bairro, liberdade ou não de ensino etc., são todos pontos de divisão. As questões religiosas dividem ainda mais, pois jamais ódios foram tão fortes quanto aqueles que são nutridos pelos diferentes cultos e capelas. Só há uma questão que une todos os explorados: aquela de lutar contra o explorador, quaisquer que sejam sua nacionalidade e sua religião: a questão do Trabalho em luta contra o Capital. E só nesse terreno, liberado de todos os entraves políticos, nacionais, religiosos ou locais, podem unir-se todos os trabalhadores, – todos aqueles que têm de sofrer com o capitalismo moderno.
E se, um dia, os acontecimentos tornarem uma revolução possível, será necessário que a batalha seja travada sobre a questão de Capital e Trabalho, se todas as lutas dos anos precedentes houverem sido travadas nesse terreno; se se lutou, não por tal partido burguês, nem por tal chefe de partido, mas para saber se o trabalhador terá, sim ou não, toda sua parte no que ele produz, ou se ele será sempre forçado a mendigar a permissão de trabalhar, aceitando abandonar a parte do leão em favor do leão.
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Os fundadores da Internacional, eles próprios trabalhadores e unionistas ingleses, conheciam muito bem, sem dúvida, o espírito de estreito egoísmo que se introduzira nas questões de ofício inglesas. Eles previam esse perigo na Internacional.
Eis por que, ao lado das uniões de ofício, eles criavam, em cada localidade, um Conselho federal composto de representantes de diversos ofícios, ou, – melhor ainda – a “seção mista”, ou, ainda, a “seção de propaganda”, que podia discutir todas as questões de ordem geral, preparava os Congressos e alimentava de antemão suas discussões, impedia as uniões de ofício de adormecer em seu egoísmo de satisfeitos.
Havia, enfim, os grandes congressos internacionais, dos quais cada questão era discutia com seis meses de antecedência nas seções, e durante as quais se buscava o entendimento sobre as grandes linhas do socialismo, sobre os meios de realizar a revolução social. Foi nesses congressos, – basta consultar seus anais para convencer-se disso – e não nos escritos de pretensos economistas, que se desenvolveu todo o socialismo moderno. O relatório de De Paepe relativo ao coletivismo, os relatórios da Federação jurassiana relativos à abolição da propriedade individual, e assim por diante – é daí que vem o nome socialismo moderno, que se quis batizar pelo nome de “científico”, ao passo que seu verdadeiro nome é “Socialismo da Internacional”.
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A Internacional caminhava, assim, a passos largos rumo à Revolução Social. Esses milhões de trabalhadores de todas as nacionalidades, apoiando-se uns nos outros, lutando sempre no terreno econômico, chegando a compreender-se e compreender que seu interesse coletivo dominava todos os outros, não podiam fazer outra coisa senão imprimir um caráter social a toda revolução que houvesse eclodido.
Compreende-se o temor da burguesia. E compreende-se porque, assim que a reação tornou-se onipotente após a derrota da Comuna, ou melhor, das comunas de Paris, de Saint-Étienne, de Cartagena e de Alcoy, – a primeira coisa que a burguesia apressou-se a fazer foi votar uma lei draconiana contra a Internacional, pôr a Internacional no índex da Espanha, na Itália.
Entretanto, duas correntes já se desenvolviam na Internacional: o espírito praticamente revolucionário latino, que se afirmava na França, na Espanha e na Itália, e o espírito doutrinário, contrarrevolucionário em sua essência, que encontrava seus partidários sobretudo entre os alemães. A luta entre essas duas tendências, que termina pelo triunfo do doutrinarismo contrarrevolucionário, merece ser contado completamente, e falaremos disso no artigo seguinte.
II.
Duas direções desenhavam-se, eu dizia, no seio da internacional desde 1869: a direção revolucionária prática, representada sobretudo pelos trabalhadores franceses, espanhóis e italianos, e a direção doutrinária, contrarrevolucionária, representada pelos alemães. A luta devia necessariamente se engajar, e, como sempre, ela encarnou-se em dois homens: Bakunin e Marx tornaram-se os representantes dessas duas direções opostas.
Bakunin e seus amigos franceses, espanhóis, italianos e suíços franceses compreendiam que é por uma série de revoluções que os povos caminham para sua liberação. Seu objetivo era a revolução social. Mas eles também sabiam que não se chegaria a isso em um único salto: que era preciso prepará-la por uma série de lutas, escaramuças, insurreições parciais e locais. Lutas de todos os dias – desde que essas lutas assumam sempre um caráter revolucionário. Escaramuças para as quais os governantes e os ricos proporcionam ocasiões em demasia, e nas quais se pode encontrar, cada vez mais, o caráter econômico e antiestatista do movimento. Insurreições, enfim, parciais e locais que geralmente começam sobre questões de importância insignificante, mas que são capazes de assumir um caráter social mais franco, se os revolucionários souberem ao menos colocar a questão social em destaque.
Os revolucionários da Internacional queriam a revolução social: não reconheciam outra. Todavia, eles sabiam que, se, por um lado, é preciso, para chegar a ela, fazer uma ampla propaganda de princípios, também é necessário despertar e manter ao mesmo tempo o espírito revolucionário. Para isso, não se deve negligenciar nenhuma ocasião de luta e insurreição. As greves, os motins da fome, as lutas locais contra a opressão governamental – tudo contribui para preparar o espírito que faz as revoluções. E quando há, além disso, uma organização como aquela da Internacional, que se deu por motivo a revolução comunista – e anarquista em algumas de suas federações, – ela sempre fará surgir alguns aspectos comunistas e anarquistas em cada movimento grevista ou insurrecional, qualquer que seja sua origem imediata.
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Com esse objetivo, Bakunin e seus amigos da Internacional constituíram a Aliança, que se declarou francamente revolucionária – comunista e ateia – e que, malgrado as excomunhões e as calúnias do partido oposto de Marx, desempenhou, entre os povos latinos, – seja diretamente, seja mais tarde por tradição, – um papel considerável na história do quartel de século que se seguiu à guerra franco-alemã.
Quando se pensa, com efeito, atualmente, na história desses anos, e sobretudo dos primeiros quinze ou vinte anos que se seguiram à queda do império na França, – vê-se que foi a Comuna, de início, depois esse núcleo revolucionário de trabalhadores latinos, que impediram a reação bismarckiana de triunfar definitivamente na Europa. Internacionais de Paris. – “Todo dia, fazei-nos um relatório detalhado sobre a situação” e – aguardai nossas ordens! – “Não vos aventurais! Se a revolução não assumir um caráter socialista, não vos engajais! Permanecei apartados!”
Isso prova que os doutrinários de Londres não compreendiam absolutamente nada, nem do movimento que ocorria em Paris, nem dos movimentos populares em geral, dos quais eles desconheciam até seus aspectos fundamentais. Uma revolução vive, a todo instante ela muda de aspecto e adquire desenvolvimentos inesperados. E ela acentua seu programa à medida que vive e desenvolve-se, em proporção da energia da qual é dotada.
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Julgados sob esse ponto de vista, o caráter das duas correntes da Internacional já se afirmou em sua atitude diametralmente oposta em relação à Comuna. Quando, em 18 de março de 1871, os batalhões dos federados marchavam em direção ao Hotel de Ville e dele se apoderavam, quando a tropa abandonava Paris, e todos o funcionário, sob as ordens de Thiers, fugiam para Versalhes; quando, enfim, o povo de Paris encontrava-se senhor de seus destinos e anunciava ao mundo a nova fase na qual a revolução devia entrar, – a fase comunalista – o que faziam uns e outros?
O Conselho geral de Londres, obedecendo a Marx, escrevia ordem após ordem, e as ordens de Marx e Engels parecem tão absurdas que se poderia até mesmo duvidar de que pessoas inteligentes houvessem podido escrevê-las. Mas elas estão aí, elas existem, publicadas com todas as letras.
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Os aliancistas, enquanto isso, não ordenavam nada. Eles iam a Lyon e Marselha onde tentavam envolver a população em um movimento revolucionário, proclamando a Comuna. Eles proclamavam a Comuna em Saint-Étienne. E, socorridos por algum dinheiro enviado por seu amigo Varlin, igualmente aliancista, – infelizmente demasiado tarde: só alguns dias antes da entrada dos versalheses em Paris – eles armavam-se no Jura bernês para marchar sobre Besançon e outras cidades e vilarejos do Jura francês e ali proclamar com o apoio de seus amigos as Comunas.
Na Espanha, eles logo proclamariam a Comuna em Cartagena e (em consequência uma greve) em Alcoy, onde Albarracin cobrava contribuições sobre os ricos em favor da greve e fuzilava o prefeito que havia enviado a tropa contra os grevistas.
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Eles estavam errados ao agir assim, quando tinham pouquíssima chance de sucesso?
– A história deu sua resposta.
O que quer que diga o abjeto panfleto Os bakuninistas em ação, que permanecerá sempre uma mácula na memória de Marx e Engels, a história deu razão aos revolucionários latinos. Se a reação não triunfou sobre todas as frentes da Europa, ao mesmo grau que havia triunfado em 1815, é a eles, a seu espírito revolucionário e sua compreensão das revoluções que o devemos.
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Todo mundo, até os revolucionários consumados, compreende hoje que, se a França não caiu, após a derrota de 1870, sob uma monarquia das mais reacionárias, foi a Comuna que tornou esse retorno impossível. Foi a Comuna que fez a república na França; e se nós mesmos dizemos amiúde que a república burguesa que existe na França há mais de trinta anos não vale mais do que uma monarquia, também sabemos que se a monarquia houvesse conseguido implantar-se na França, todo o esforço, que foi dirigido desde há trinta anos a disseminar a ideia comunista e anarquista, teria sido dirigido a derrubar a monarquia e o clericalismo tornados o objetivo supremo. E ninguém negará que a propaganda anarquista, socialista, clerical, antigovernamental, libertária, que foi feita nestes trinta últimos anos na França, bem como a experiência fracassada do parlamentarismo republicano burguês, criaram uma nova França. Uma França meio século mais avançada em socialismo e política do que seus vizinhos – uma França que não poderá mais se satisfazer, quando da próxima revolução, com o que ainda é o sonho dos alemães: uma república jacobina, semelhante àquela de 1848. A Alemanha continua a sonhar com 1848; mas a França já superou sua Comuna não comunista; e as Comunas que serão proclamadas durante a próxima sublevação serão necessariamente mais ou menos comunistas.
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Todavia, há mais. É preciso ter vivido no movimento durante os anos que se seguiram imediatamente à queda da Comuna na França e à queda da república na Espanha para dar-se conta de toda a força da reação que ameaçava toda a Europa nessa época. Pois bem, permito-me sustentar, segundo o que vi nesses anos com meus próprios olhos, e sem temer ser contraditado, que o que impediu a reação de triunfar vitoriosamente nos países latinos foi o espírito revolucionário que continuava a manter-se nas federações anarquistas da Internacional.
Essas federações decerto não eram numerosas – mesmo assim, elas foram muito numerosas na Espanha e na Itália. Elas não podiam mostrar um front tão ameaçador quanto aquele da Internacional antes da guerra, quando tinha consigo a França. Mas o espírito revolucionário permanecia entre esses mesmos que não podiam afirmar sua filiação à Internacional na França, ou que se mantinham apartados alhures; e esse espírito, essa atitude revolucionária manifestavam-se de mil maneiras. Lembro-me muito bem desse momento de debilitação na França, às vésperas do golpe de Estado preparado sob Mac-Mahon; lembro-me como, tendo alguns conscritos começado a cantar a Marselhesa em uma estação ferroviária, todos os passageiros de nosso vagão de terceira classe olhavam-se estupefatos e perguntavam-se: “É permitido novamente cantar a Marselhesa?” Tal era o aviltamento dos espíritos, mesmo no sudeste.
Pois bem, se o golpe de Estado monarquista não foi feito sob Mac-Mahon, foi porque a França, sobretudo no sul, havia sido coberta por Clémenceau e pelos blanquistas de comitês revolucionários, prontos a empunhar armas. E, como eu já disse alhures (em minhas Memórias), encontravam-se em cada um desses comitês antigos membros da Internacional ou da Aliança bakuninista, que geralmente eram a alma revolucionária, os homens de ação desses comitês.
Quanto à Espanha, quem quer que conheça a história moderna desse país, reconhecerá, sem dúvida, que a forte organização da Internacional, – fundada pelo aliancista Fanelli, e permanecida sempre anarquista e revolucionária – bem como a estima da qual a Internacional sempre gozou na Espanha, e consequentemente a permanente ameaça de um movimento popular feito na Catalunha, na Andaluzia, de acordo com os “cantonalistas” (partido de Pi y Margall), foram durante trinta anos o único dique que se opôs à reação monarquista e clerical. As violentas greves e as pequenas insurreições durante as quais eram trocados tiros de fuzil, – e contra as quais os doutrinários alemães babavam de raiva, – lembravam incessantemente aos reacionários que eles deviam colocar uma surdina nas suas intenções, sob pena de o povo sublevar-se, na aurora das propriedades e das fábricas.
O mesmo ocorreu na Itália. Durante o período de reação que a Europa atravessou após a queda da Comuna, decerto não se podia esperar que a Itália ou que a Espanha fizessem sozinhas a revolução social. Mas é certo, para quem quer que conheça a história desses trinta anos, que a agitação contínua e a ameaça de ação comum dos socialistas e dos republicanos foi o único freio que se opôs, na Itália bem como na Espanha, ao clericalismo monarquista. Se o rei Humberto chamou o ex-garibaldino e ex-revolucionário Crispi ao poder, foi precisamente porque só um renegado como Crispi podia lutar contra o partido ao qual ele havia outrora pertencido.
Sem esses revolucionários operários, prontos a todo momento a empunhar armas, a insurgir-se e começar uma revolução popular violenta, dirigida contra a burguesia – (e, se sabemos como uma revolução começa, jamais sabemos aonde ela irá, sobretudo se os insurretos estão prontos a afirmar imediatamente o caráter social, antiburguês e antigovernamental de sua insurreição) – sem esses revolucionários, eu dizia, a Europa teria atravessado um período de reação ainda pior do que esse de 1815 a 1820.
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O que fizeram, entretempos, os doutrinários políticos do socialismo internacional?
Eles consagraram a essa vanguarda da próxima revolução um ódio como eles jamais consagraram ao mais feroz dos burgueses, nem mesmo a Bismarck. Se eles só tinham mesuras com os burgueses, não tinham nenhuma relação a "esses anarquistas” que perturbavam seus planos e ameaçavam introduzir o espírito revolucionário latino na “grande, na livre Alemanha”, que nos glorificava Liebknecht no Vorwärts.
Entretempos, eles elaboravam toda uma teoria de socialismo coletivista, empresta da do ministro alemão Schaefle, e toda uma teoria do desenvolvimento economista da história, feita com fragmentos tomados emprestados dos socialistas antes de 1848, e com a qual eles tentavam matar o movimento operário, arregimentando-o para as eleições, e sufocar todo o espírito revolucionário nas massas.
Retomaremos essas teorias em um próximo artigo.