Título: Por uma via anarquista na luta popular
Data: janeiro de 1998
Fonte: http://sites.uol.com.br/jlimarocha/libera/80.htm
Notas: Texto assinado pelo Mutirão, núcleo carioca da Organização Socialista Libertária, que esteve ativa entre 1997 e 2000. O texto foi publicado na edição nº 80 do jornal Libera, do Rio de Janeiro.

Entramos em ano eleitoral e, mais uma vez, os movimentos populares do Brasil estão acorrentados pelas esquerdas reformistas-institucionais e sua via democrático-burguesa. Em todas ou quase todas as movimentações de classe este ano, a pelegada vai tentar acumular para uma candidatura dita de “esquerda”. Até um certo tempo atrás, os anarquistas se contentavam em xingar e atacar os reformistas sem, no entanto, apresentar nenhuma opção viável de luta popular. Felizmente a situação mudou e, na gíria de esquerda, “passamos de pedra a vidraça”. Temos uma série de trabalhos de inserção concretos, reais e radicalizados até o limite que este momento permite. Ainda é pouco, mas já é um começo.

Gostaríamos de poder analisar as razões de tamanha passividade dos movimentos populares no Brasil hoje, e começar a apresentar algumas de nossas tentativas para uma via anarquista de luta popular.

Para começar a entender o acúmulo de forças para um ano eleitoral, precisamos ter a noção de que se a pelegada acumula para a eleição, a classe e o povo não acumulam para a transformação. Ou seja, quanto mais se vincula o movimento popular dentro das regras do inimigo de classe e do sistema, mais se distancia a militância da luta direta. A esquerda manipulando as entidades de base, movimentos de caráter nacional (como o MST) e as grandes centrais (CUT, UNE e CMP) para conseguir um pouco da parcela do poder institucional que a burguesia lhe concede é, simultaneamente, uma derrota da classe em luta! A tentativa dos partidos da esquerda legal de ocupar espaços democrático-burgueses é uma aliança tática destes partidos com o inimigo, ou seja, é mais uma capitulação dessa laia que não pensou duas vezes em concordar com a abertura lenta e gradual e com a anistia para os torturadores!

Esta capitulação, na prática, significa a ingerência de políticos profissionais em nossas entidades de base, centralização das decisões, intermediação de parlamentares nos conflitos e o freio de mão permanentemente puxado nas lutas. Falando em português direto, para o PT, PC do B, PSTU, PPS, PCB, PSB e outros grupelhos ganharem a eleição, a classe tem que perder!!! Para a esquerdalha comer migalhas nas mãos do inimigo, nosso povo tem que morrer de fome!!!

Até agora nenhuma novidade, a lógica imposta aos movimentos populares desde o final dos anos 70 até agora os torna reféns dos compromissos com a democracia burguesa. Felizmente, o senso comum de boa parte da população já sabe que os traidores do povo ocupando parcelas do poder do inimigo, não é a construção do Poder Popular. Também se percebe que a burocracia profissionalizada, além de perdida politicamente, já ganha ideologicamente pelos prazeres e virtudes o sistema. Coisas simples e coerentes como associar o discurso à prática, transformar seus valores simultaneamente com a transformação social e vincular a luta com entrega pessoal, não passa na cabeça destes burocratas de plantão.

Se há concordância com a crítica, fica a pergunta de sempre: - E agora José, o que que a gente faz? E a pergunta na seqüência poderia ser: - E o que eu posso fazer nesta luta?

Primeiro a compreensão de que estamos participando, nos inserindo, e com o discurso, método e programa próprios, autênticos e legítimos. Os anarquistas não são “boiada” de dirigentes, são uma força política com identidade própria, sem “cair de pára-quedas”, como diz a gíria militante. Nossa inserção é legitimada por sua prática política cotidiana. Não se luta pelo povo ou para o povo, ou se está com o povo em luta ou não há luta, há mentira e conciliação de classes. Um outro ponto básico e geral, em cada tarefa, por mais simples que seja, tem que estar vinculada à Construção do Poder Popular. E o que isso significa na prática? Através de nossa experiência acumulada nos últimos três anos, significa de imediato não gerar nenhuma ilusão ou falsa expectativa. Quem faz os caminhos são os caminhantes e só o povo em luta traça e abre, na marra, seu caminho.

Simultaneamente gerar uma instância coletiva, uma assembléia da entidade ou um conselho de delegados de base (sempre em revezamento), que seja o fórum máximo de decisão e elaboração daquela comunidade e/ou categoria. Mas não basta criar a instância, é preciso gerar uma capacidade de tomada de decisão daquela parcela da classe. Aí é fundamental elementos de formação política, a partir da própria experiência de vida do pessoal envolvido. Mas tudo sempre numa noção de destino e caminho. Todos estes instrumentos auto-organizativos necessitam de um número de anarquistas inseridos no meio e dedicados de corpo e alma àquela luta específica. No processo, a militância vai sendo forjada, e nos embates diretos, irão surgindo novos militantes vindos daquele segmento e, aí, a coisa toda anda...

Este resumo de orientação de trabalho é parte dos frutos que viemos colhendo como experiências organizativas da Organização Socialista Libertária (OSL). Nada disso foi inventado ou lido, tudo foi e está sendo colhido na luta diária. Outras experiências são sempre bem vindas. Estamos escrevendo nossa própria história com os punhos erguidos, abrindo caminho no peito e na raça e, com isso, construindo a via anarquista na luta popular.

Ousar lutar, ousar vencer, viva à anarquia!