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\title{Anarquismo contra o Anarquismo - Menos complacência, mais autocrítica}
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\author{Rafael Viana da Silva}
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\chapter{Introdução}
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As palavras confiáveis não são belas,
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\begin{flushright}
as palavras belas não são confiáveis
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\begin{flushright}
(Tao Te Ching)
\end{flushright}
Um velho militante anarquista, que tivera de se exilar em Paris por conta de sua atividade política, relatara em uma entrevista, que sentira certa inadaptação com o “relaxamento” ético da geração mais nova dos anarquistas que travara contato.
Esta “inadaptação” sentida pelo velho combatente, longe de ser uma reminiscência de valores “obsoletos”, traduzia uma diferença de compreensão sobre um valor que é central na prática política anarquista. Este militante da “velha guarda”, afirmava também em seu relato, que sua adesão ao anarquismo se dera muito mais pela observação do comportamento e da coerência política de seus aderentes, do que propriamente na leitura dos chamados “clássicos”. A ética de seus companheiros, a solidariedade, o estilo militante com que estes renovavam pelo cotidiano sua adesão aos princípios libertários, convenciam mais do ponto de vista ideológico nosso antigo combatente, do que a leitura de dezenas de livros, jornais ou brochuras revolucionárias.
Tal espírito de camaradagem e de apoio mútuo, de coerência cotidiana entre os fins desejados e os meios respectivos, se inseria num contexto de profundo enraizamento do anarquismo na classe trabalhadora. Enraizamento que se traduzia no desenvolvimento de uma ética anarquista que possuía ligações estreitas com os dilemas, anseios e problemas da classe trabalhadora.
Obviamente, a ética anarquista recebera suficiente atenção dos clássicos para se referenciar como a “espinha dorsal” da prática política de seus partidários, algo imprescindível aos que propugnavam a defesa dos métodos libertários. Mas como o artigo em questão não se pretende um \textbf{panegírico} de uma suposta “superioridade” ética dos anarquistas sobre as demais correntes da esquerda, o que nos levaria a estudarmos o comportamento dos anjos e dos seres sobrenaturais; não seria demasiado afirmar que a discussão da ética e da liberdade para alguns setores anarquistas, ainda se constitui como um problema muito mal discutido.
O primeiro sinal deste problema, do ponto de vista imediato, é observarmos atitudes indiferentes, ou francamente contrárias ao espírito libertário sublinhado por nosso velho militante. A falta quase que permanente de autocrítica\footnote{Cf. DANTON, José Gutiérrez. Problemas e Possibilidades do Anarquismo. São Paulo, Editora Faísca, 2011.} nos meios libertários indica que a questão é alvo de terríveis confusões. A liberdade é reiteradamente confundida com “fazer o que quiser”. A autonomia individual deturpada num relativismo ético preocupante e que pouco tem a ver com o comportamento e a responsabilidade coletiva que o anarquismo propugnou. A crítica a determinadas e reiteradas atitudes, são vistas como “autoritarismo”, ou “coerção” da liberdade “individual”. Ser anarquista, longe de engajar-se num projeto coletivo, passou a designar apenas, àqueles que fazem “tábula rasa” de quaisquer convenções, leis ou regras instituídas. A teorização e a defesa de um anarquismo voltado à luta popular, simplesmente a retomada de posições que sempre fizeram parte da história do anarquismo, é vista como uma “tentativa de excluir as outras tendências do anarquismo”, estabelecer “verdades”, ou simplesmente, quando há alguma iniciativa de organizar os anarquistas especificamente, um sinal indefectível do \textbf{terrível} sintoma anarco-bolchevique.
Obviamente, mesmo que estes setores sejam minoritários, causam uma má impressão enorme sobre a compreensão do anarquismo. Nenhuma propaganda positiva sobre o anarquismo pode superar em grau, a inconsequência de determinados comportamentos, a amplitude de posições extremamente contraditórias com aquilo que os anarquistas defenderam durante a história, quando sabemos, que mais importante que o que se escreve e o que se diz, é a coerência entre o que se fala e o que se faz. De qualquer modo, ao realizarmos um trabalho de crítica, nos guiamos pelo espírito de debate e discussão franca, não pelo comportamento acusatório e anônimo das redes informais. A intenção é problematizar determinadas questões, não imprimir acusações ou definir rótulos reducionistas. Não pretendi escrever um artigo acadêmico, mas um documento de reflexão e autocrítica. Reitero também, que parte deste documento é também fruto do acúmulo socializado pelos anarquistas da “velha guarda” aos mais jovens. Não se trata de reproduzir tudo o que os mais “velhos” fizeram ou pensam, mas de não perder a experiência de anos de militância por uma iconoclastia estéril. Cabe também a nova geração, tentar não reproduzir os erros da antiga.
\chapter{A ética e a liberdade anarquista criaram raízes no terreno da classe trabalhadora e do socialismo}
O anarquismo pode ser compreendido enquanto uma ideologia, ou seja, um “conjunto de ideias, motivações, aspirações, valores, estrutura ou sistema de conceitos que possuem uma conexão direta com a ação” (FARJ, 2008: 17 [grifos nossos]). Esta ideologia deve ser contextualizada. Surge diretamente, como sabemos; dos dilemas, problemas e anseios da classe trabalhadora, e da prática política dos libertários nas entidades de classe. A história é relativamente conhecida: a anulação do grupo opositor. A ala antiautoritária da Associação Internacional dos Trabalhadores no congresso de Haia é “excluída”. O grupo próximo a Bakunin articula-se no bojo do congresso dos operários relojoeiros do Jura, em Saint-Imier. Nasce simbolicamente o anarquismo, que rapidamente se “alastra” como uma ferramenta revolucionária de transformação social, implicando não somente uma metodologia para o nascente sindicalismo, mas também, uma ética anarquista, profundamente conectada com a realidade dos trabalhadores. A \textbf{simples negação} \textbf{do estado} não é suficiente para definir alguém como anarquista\footnote{Cf. SCHMIDT, Michael; WALT, Lucien Van Der. Black Flame: The Revolutionary Class Politics of Anarchism and Syndicalism. Oakland, Ak Press, 2009.} . O surgimento do anarquismo atesta esta tese. O anarquismo se desenvolveu não só a partir da negação do estado, mas de princípios correlatos: igualdade econômica, ação direta, classismo, etc.
Já a liberdade, foi conceituada no movimento anarquista pela primeira vez por Mikhail Bakunin, que não fez nada mais do que sistematizar questões relevantes no interior do setor do movimento operário influenciado pelo espírito “libertário”. Ao conceito abstrato e filosófico de “liberdade absoluta”, Bakunin desenvolveu uma ideia de liberdade essencialmente coletiva\footnote{“Ser coletivamente livre é viver no meio de homens livres e ser livre pela liberdade deles. O homem, já dissemos, não poderia tornar-se um ser inteligente, dotado de uma vontade refletida, e, por consequência, não poderia conquistar sua liberdade individual fora e sem o concurso de toda a sociedade. A liberdade de cada um é, portanto, o produto da solidariedade comum. Mas essa solidariedade, uma vez reconhecida como base e condição de toda liberdade individual, evidencia que, se um homem está no meio dos escravos, ainda que fosse seu amo, seria necessariamente o escravo de sua escravidão, e só poderia tornar-se real e completamente livre por sua liberdade. Portanto, a liberdade de todo o mundo é necessária à liberdade; daí resulta que não é absolutamente verdadeiro dizer que a liberdade de todos seja o limite de minha liberdade, o que equivaleria a uma completa negação desta última. Ela é, ao contrário a sua confirmação necessária e sua extensão ao infinito.” BAKUNIN, Mikhail. Catecismo Revolucionário: Programa da Sociedade da Revolução Internacional. São Paulo: Editora Imaginário, 2009a: 76.} . O homem; alertava, só pode ser livre quando “todos os homens forem livres”, o que é impossível na sociedade capitalista. A liberdade segundo os anarquistas implica o reconhecimento das instituições políticas, econômicas e sociais que limitam a liberdade humana e dominam a classe trabalhadora. Reconhecê-las também significa traçar estratégias \textbf{coletivas} para superarem-nas: estratégias que tenham como objetivo finalista o “socialismo libertário”. O termo socialista libertário não é, portanto, um mero adorno identitário, mas diz respeito ao objetivo finalista dos anarquistas, que percorreu toda a história do movimento.
Estas estratégias envolvem necessariamente o conjunto dos oprimidos; o povo. O anarquismo; alertava Kropotkin, só pode florescer no meio do povo. Mas nem sempre, o anarquismo fora (ou é) compreendido desta forma.
\chapter{As influências burguesas sobre o anarquismo}
Luigi Fabbri, em um opúsculo relativamente conhecido na literatura anarquista [\emph{Influências Burguesas sobre o Anarquismo}], publicado depois do final da Primeira Guerra Mundial, retratou com grande precisão, os danos que determinados estereótipos construídos pelos jornais burgueses e pela literatura ficcional, fizeram ao anarquismo enquanto um movimento de classe. Fabbri espantava-se com a introjeção feita por determinados setores do anarquismo, da caricatura burguesa sobre os anarquistas, rascunhada pelos jornais das elites em seus periódicos. Surpreendentemente, muitos anarquistas assumiam comportamentos, estratégias e práticas que eram parte da representação cultural burguesa sobre o anarquismo. O anarquista enquanto um inimigo declarado de “qualquer” moral, terrorista, ou um indivíduo que desprezava qualquer deliberação coletiva se aproxima mais do imaginário niilista cunhado pela literatura burguesa, do que propriamente das estratégias delineadas pelos anarquistas no ambiente da classe trabalhadora. Esta crítica fora recorrente ao longo da história do anarquismo. Malatesta compreendera a influência nefasta dessa deturpação do princípio socialista do anarquismo.
\begin{quote}
Há indivíduos fortes, inteligentes, apaixonados, [\dots{}] que, encontrando-se por acaso entre os oprimidos, querem, a qualquer custo, emancipar-se e não se ofendem em transformar-se em opressores: indivíduos que, sentido-se prisioneiros na sociedade atual, chegam a desprezar e a odiar toda a sociedade, e ao sentir que seria absurdo querer viver fora da coletividade humana, buscam submeter todos os homens e toda a sociedade à sua vontade e à satisfação de seus desejos. Às vezes, quando são pessoas instruídas, consideram-se super-homens. Não se sentem impedidos por escrúpulos, querem “viver suas vidas”. Ridicularizam a revolução e toda aspiração futura, desejam gozar o dia de hoje a qualquer preço, e à custa de quem quer que seja; sacrificariam toda a humanidade por uma hora de “vida intensa” (conforme seus próprios termos).
\end{quote}
\begin{quote}
Estes são rebeldes, mas não anarquistas.
\end{quote}
\begin{quote}
[\dots{}]
\end{quote}
\begin{quote}
Pode ocorrer algumas vezes que, nas circunstâncias dinâmicas da luta, os encontremos ao nosso lado, mas não podemos, não devemos e nem desejamos ser confundidos com eles. E eles sabem muito bem disso. Contudo, muitos deles gostam de chamar-se anarquistas. É certo – e também deplorável.
\end{quote}
\begin{quote}
(MALATESTA, Errico. Anarquismo e Anarquia.)
\end{quote}
O que Malatesta chama de “rebeldes”, Berneri chamou de “cretinismo anarquista”, que vigorou minoritariamente não apenas no final do século XIX, mas dominou determinados setores também nas primeiras décadas do século XX. O individualismo anarquista baseava-se em teóricos \textbf{completamente} \textbf{exógenos} ao anarquismo. Stirner, Tucker, Nietzsche, jamais se assumiram anarquistas, este último inclusive, promoveu um ataque vigoroso ao anarquismo em diversos de seus escritos. O socialismo era visto com desdém por estes pensadores; não nos surpreende, portanto, que estes estivessem distantes das privações materiais suportadas pelos trabalhadores ou distantes do comprometimento com quaisquer doutrinas socialistas. E como vimos, se a simples negação do estado é problemática para definir os anarquistas, precisamos incluir outros princípios, estratégias e metodologias que estão imbricadas na própria formação histórica do anarquismo. Os anarquistas que atuavam nos sindicatos revolucionários das três primeiras décadas do século XX pareciam estar cientes desse dilema, pois estes enxergavam o anarco-individualismo normalmente como um “exotismo pequeno-burguês”\footnote{Cf. BOOKCHIN, Murray. Anarquismo, Crítica e Autocrítica. Editora Hedra, 2011.} , completamente inofensivo ao capitalismo e ao estado, algo restrito a artistas, boêmios, literatos, e outras figuras que resolveram afastar-se dos propósitos da classe trabalhadora.
Durante a Revolução Russa e Ucraniana, setores influenciados por esta compreensão equivocada do anarquismo acusavam o movimento revolucionário camponês da Ucrânia, profundamente influenciado pelo anarquismo, de ser mais próximo dos socialistas-revolucionários do que do anarquismo. Enquanto o grupo anarquista de Makhno enfrentava os guardas-brancos e os bolcheviques no flanco ucraniano arriscando suas próprias vidas pela revolução, anarquistas de Moscou procuraram o exército insurgente ucraniano não para apoiá-lo, mas para pedir dinheiro para a construção de uma “universidade anarquista”\footnote{Pedido que Makhno obviamente negou. Afinal, na Ucrânia não havia nem escolas para os camponeses. Esta história é relatada com maior detalhes no excelente livro de Anatol Gorelik. GORELIK, Anatol. El Anarquismo y La Revolución Rusa. Buenos Aires, Utopia Libertaria, 2007.} em Moscou. O desgosto de Makhno com parte dos anarquistas da Rússia era anterior neste caso. Em visita a Ekaterinoslav, uma cidade russa, Makhno encontrou um grupo de anarquistas ocupando pacientemente o “Clube Inglês” enquanto a revolução se desenrolava nos campos da Ucrânia e nos centros industriais da Rússia. O ambiente do niilismo russo contribuía para que parte dos anarquistas optasse por ações completamente descoladas da classe trabalhadora, ainda que houvesse uma corrente mais comprometida, atuando no interior dos sindicatos e dos sovietes.
Mas isto não explica a tendência centrípeta\footnote{Cf. DANTON, 2011.} de um anarquismo voltado para si próprio, posto, que isto não é exclusividade do individualismo anarquista nem do contexto histórico russo. E pode rapidamente “contaminar” um grupo anarquista de qualquer orientação, a ponto da ética anarquista, que é baseada no terreno da classe trabalhadora, rapidamente tornar-se-á uma moral e uma prática voltadas apenas para si mesmas. Este descolamento de determinados setores do anarquismo da classe, operou uma transformação interna de seus valores que se traduz numa deformação que em alguns casos chega a ser grotesca.
Os limites desta nova \textbf{moral} me pareceram mais nítidos quando soube de um caso de alguns anos atrás, de um autointitulado anarquista que se vangloriara de ter roubado (para si próprio) um livro anarquista de uma biblioteca \textbf{pública}. Outro, contemporâneo do primeiro, foi além: assumiu ter “yomangado” (roubado) livros anarquistas de uma banquinha de livros de um conhecido editor de material libertário. O perigoso “burguês” roubado pelo nosso amigo “revolucionário”, fora simplesmente o \textbf{responsável} pela publicação da maior parte dos materiais libertários lidos pelos anarquistas brasileiros nos últimos 10 anos, e cujo trabalho abnegado de venda de livros, garantiu que toda uma geração (como eu) pudesse ter acesso à literatura anarquista. O “yomango” (na gíria espanhola, “yo mango”) se define não como “um movimento social, ou um grande projeto de mudança”, mas como um “estilo de vida”\footnote{O Livro Vermelho: Yomango, pp. 21. Disponível em . Acessado em 03\Slash{}08\Slash{}11
GORELIK, Anatol. El Anarquismo y La Revolución Rusa. Buenos Aires, Utopia Libertaria, 2007.
JUNG, Carl. O Eu e o Inconsciente, Editora Vozes, Petrópolis, 1979.
Livro Vermelho, O: Yomango, s\Slash{}d. Disponível em