Título: Sem Chefes
Data: 1911
Fonte: https://theanarchistlibrary.org/library/ricardo-flores-magon-without-bosses
Notas: Título original: Sin Jefes. Traduzido da versão em inglês (Without Bosses). Credito: Coletivo Editorial Letra A.

Querer chefes e ao mesmo tempo querer ser livre é querer o impossível. É necessário escolher de uma vez por todas entre duas coisas: ou ser livre, completamente livre, recusando toda autoridade, ou ser escravizado perpetuando o poder do homem sobre o homem.

O chefe ou o governo só são necessários num sistema de desigualdade económica. Se eu tiver mais que o Pedro, naturalmente temo que o Pedro me agarre pelo pescoço e me tire o que precisa.

Neste caso, preciso de um governo ou de um chefe para me proteger contra os possíveis ataques de Pedro; mas se Pedro e eu formos economicamente iguais; se ambos tivermos a mesma oportunidade de aproveitar as riquezas naturais, como a terra, os bosques, as minas e tudo mais, assim como as riquezas criadas pela mão do homem, como as máquinas, as casas, as ferrovias e os mil e um objetos fabricados, a razão diz que seria impossível que eu e o Pedro nos agarrássemos pelos cabelos para disputar as coisas que ambos aproveitamos igualmente e neste caso não há necessidade de ter um chefe.

Falar de patrões entre iguais é uma contradição, a menos que falemos de iguais na servidão, de irmãos na cadeia, como nós trabalhadores somos agora.

Muitos dizem que é impossível viver sem patrões e sem governo; se são os burgueses que dizem tais coisas, admito que têm razão no seu raciocínio porque temem que os pobres os agarrem pelo pescoço e tomar a riqueza que acumularam fazendo o trabalhador suar; mas para que os pobres precisam do chefe ou do governo?

No México, tivemos e temos centenas de provas de que a humanidade não precisa de chefes ou de governo, a não ser em caso de desigualdade económica.

Nas aldeias e comunidades rurais, as pessoas não consideram necessário ter um governo. Até recentemente, a terra, as florestas, a água e os campos eram propriedade comum da população da região. Quando se fala de governo para essas pessoas simples, elas começam a tremer porque para elas o governo é o mesmo que um carrasco; significa o mesmo que tirania. Vivem felizes em sua liberdade, sem saber em muitos casos o nome do Presidente da República, e só sabiam da existência de um governo quando os chefes militares passavam pela região em busca de rapazes para transformar em soldados, ou quando o coletor de impostos do governo vem cobrar impostos. O governo era, então, para grande parte da população mexicana, o tirano que tirava os trabalhadores de suas casas para transforma-los em soldados, ou o explorador brutal que ia tomar tributos deles em nome do fiscal.

Podiam essas populações sentir a necessidade de ter governo? Elas não precisavam dele para nada e puderam viver assim por centenas de anos até que estas riquezas foram tomadas para o proveito dos latifundiários vizinhos. Eles não comiam uns aos outros, como temiam que acontecesse aqueles que apenas conheceram o sistema capitalista; um sistema em que cada um tem que competir com todos os outros para colocar na boca um pedaço de pão; os fortes não exercem tirania sobre os fracos, como acontece na “civilização” capitalista, em que os mais gananciosos e os mais espertos dominam os honrados e os bons. Todos eram irmãos nestas comunidades; todos ajudaram e, sentindo a igualdade como ela realmente era, não precisavam de autoridades para zelar pelos interesses de quem os tinha, temendo possíveis ataques dos que não tinham.

Nestes momentos, para que precisam de governo as comunidades livres de, Yaqui de Durango, do Sul do México e de tantas outras áreas onde os habitantes tomaram posse da terra? A partir do momento em que se consideram iguais, com o mesmo direito à Mãe Terra, não precisam de um patrão para proteger seus privilégios contra os sem privilégios, porque todos são privilegiados.

Não nos deixemos enganar proletários: o governo só pode existir quando há desigualdade econômica. Adotem todos como
guia moral o manifesto de 23 de Setembro de 1911.