Rudolf Rocker
Anarquismo e Organização
Capítulo 1
Não é satisfatório que, nos círculos anarquistas, essa questão ainda não tenha sido elucidada, sendo que é tão importante para o movimento anarquista como tal e para o seu desenvolvimento futuro. É precisamente aqui na Alemanha que as perspectivas sobre esse assunto são mais complexas. Naturalmente, o estado especial sob o qual o anarquismo moderno se desenvolveu aqui é o principal responsável pelo que está acontecendo hoje. Uma fração dos anarquistas na Alemanha rejeita em princípio todos os tipos de organização com certas linhas de conduta e acredita que a existência de tais organismos contrasta com a ideologia anarquista. Outros reconhecem a necessidade de pequenos grupos, mas rejeitam qualquer união íntima deles, como, por exemplo, através da Federação Anarquista Alemã, porque nessa fusão de forças eles acreditam que veem uma restrição à liberdade individual e tutela autoritária de alguns. Pensamos que esses pontos de vista nascem de uma total confusão da origem dessa questão, ou seja, de uma completa ignorância do que é entendido pelo anarquismo.
Embora em suas considerações sobre as várias formações sociais e correntes ideológicas o anarquismo comece a partir do indivíduo, é, no entanto, uma teoria social que se desenvolveu autonomamente dentro do povo, pois o homem é acima de tudo uma criação social em que toda a espécie trabalha lenta, mas sem interrupção, e da qual sempre extrai novas energias, celebrando sua ressurreição a cada segundo. O homem não é o descobridor da coexistência social, mas seu herdeiro. Ele recebeu o instinto social de seus ancestrais animais cruzando o limiar da humanidade. Sem sociedade, o homem é inconcebível. Ele sempre viveu e lutou dentro da sociedade. A coexistência social é a pré-condição e a parte mais essencial de sua existência individual, mas também é a pré-forma de qualquer organização.
Talvez o poder das formas tradicionais que observamos na maior parte da humanidade seja apenas uma certa manifestação desse profundo instinto social. Como o homem não tem condições de interpretar exatamente o novo, sua fantasia vê nele a dissolução de todos os relacionamentos humanos e o medo de que ele mergulhe no caos, convulsivamente se mantém nos moldes históricos tradicionais. Certamente, é um dos erros da coexistência, mas mostra-nos ao mesmo tempo como o impulso social está intimamente ligado à vida de cada indivíduo. Quem ignora ou não concebe exatamente esse fato irrefutável nunca será capaz de entender claramente as forças impulsivas da evolução humana.
As formas de coexistência humana nem sempre são as mesmas. Elas se transformam com o curso da história, mas a sociedade permanece e trabalha incessantemente na vida dos indivíduos. Quem está acostumado a se virar sempre na mesma esfera de representações abstratas – para a qual os alemães têm uma inclinação especial – certamente conseguiria arrancar o indivíduo daqueles relacionamentos incalculáveis que o ligam à multidão, mas o resultado de tal operação científica não seria o homem, mas sua caricatura, uma entidade pálida sem carne ou sangue, que só levaria uma vida espectral no mundo nebuloso do abstrato, mas que nunca foi encontrado na vida real. O mesmo aconteceria com o cocheiro que queria tirar o burro do hábito de comer e que gritava desesperadamente quando este morreu: Que vergonha, se ele tivesse vivido apenas mais um dia, teria chegado a viver sem comer!
Os grandes teóricos do anarquismo moderno, Proudhon, Bakunin e Kropotkin, sempre enfatizaram a base social da teoria anarquista, tornando-o um ponto de partida para suas considerações. Eles lutaram contra o Estado, não apenas como defensor do monopólio econômico e dos contrastes sociais, mas também como o maior obstáculo para qualquer organização natural que se desenvolva dentro do povo, de baixo para cima, e que tende a realizar tarefas coletivas e defender os interesses da multidão de agressões contra eles. O Estado, o aparato político da violência da minoria privilegiada da sociedade, cuja missão é unir a grande massa ao jugo da exploração e proteção espiritual do empregador, ele é o inimigo mais amargo de todas as relações naturais dos homens e aquele que sempre tentará que essas relações sejam verificadas apenas com a intervenção de seus representantes oficiais. Ele se considera o dono da humanidade e não pode permitir que elementos estranhos interfiram em sua profissão.
Essa é a razão porque a história do Estado é a história da escravidão humana. Somente pela existência do Estado é possível a exploração econômica dos povos e sua única tarefa, pode-se dizer em resumo, é defender essa exploração. Ele se torna o inimigo mortal de toda a solidariedade e liberdade naturais – os dois mais nobres resultados da convivência social e que evidentemente constituem uma e a mesma coisa – tentando, por todos os tipos de dispositivos legais, restringir ou pelo menos paralisar toda iniciativa direta de seus cidadãos e toda fusão natural de homens para a defesa de seus interesses comuns. Proudhon já o havia concebido exatamente e, em sua Confession d’un Révolutionnaire, ele faz a seguinte observação afiada:
Consideradas do ponto de vista social, liberdade e solidariedade são dois conceitos idênticos. Encontrar a liberdade de cada um, não um impedimento na liberdade dos outros, como diz a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1793, mas, como apoio, o homem mais livre é aquele que tem mais relações com seus semelhantes.
O anarquismo, o eterno oposto de todos os monopólios, científico, político e social, luta contra o Estado como protetor dos monopólios e inimigo feroz de todas as relações diretas e indiretas dos homens entre si, mas nunca foi um inimigo da organização. Pelo contrário, uma das acusações mais graves, contra o aparato estatal da violência, é que encontra no Estado o maior obstáculo a uma organização eficaz, baseada em interesses iguais para todos. Os grandes comentaristas da concepção anarquista universal entenderam claramente que quanto mais interesses opostos existissem nas formações sociais dos homens, mais eles estariam ligados entre si e maior o grau de liberdade pessoal que o indivíduo desfruta na comunidade. É por isso que eles viam no anarquismo um estado social em que os desejos e necessidades individuais dos homens transbordam de seus sentimentos sociais e são mais ou menos idênticos a eles. No que engloba o mutualismo, eles encontraram o estímulo eficaz de toda evolução social e a expressão natural de interesses gerais. Por isso, eles rejeitaram a lei do torniquete como um meio de relacionamento para as organizações e desenvolveram a ideia do livre acordo como base para todas as formas sociais de organização. A predominância de leis é sempre a predominância de privilégios sobre a multidão que é excluída das prerrogativas e é um símbolo de violência brutal, sob a máscara da lei de nivelamento.
Pessoas vinculadas por interesses comuns criam tendências comuns na forma de acordos livres que servem como padrão de conduta. Uma convenção entre iguais é o fundamento moral de toda organização verdadeira. Todas as outras formas de agrupamento humano são violência e despotismo de prerrogativas. Nesse sentido, Proudhon entendeu a ideia da organização social da humanidade, que ele expressa em sua grande obra Idée Générale de la Révolution du XIX Siecle, nas seguintes palavras:
Colocamos acordos em vez de leis. Nenhuma lei já foi votada por maioria consensual. Cada cidadão, cada comunidade, cada corporação faz sua própria lei. Em vez de violência política, colocamos forças econômicas. Em vez das velhas classes de cidadãos, nobres, burguesia e proletariado, colocamos a categoria e especializações nas funções: agricultura, indústria, intercâmbio, etc. Em vez de violência pública, colocamos violência coletiva. Em vez dos exércitos de pé, colocamos as seções industriais. Em vez da polícia, colocamos interesses iguais. Em vez de centralização política, colocamos a centralização da economia. Você concebe essa ordem sem funcionários, essa profunda união intelectual? Você nunca soube o que é o sindicato, você que só sabe conceber com uma parada de legisladores, policiais e promotores. O que vocês chamam de união e centralização nada mais é do que o caos eterno, servindo de pedestal para uma situação real sem outro objetivo que não a anarquia (é claro, Proudhon usa a palavra anarquia aqui em sua interpretação popular e falsa como desordem) das forças sociais, que você baseou em um despotismo que não poderia existir sem essa anarquia.
Uma direção ideológica semelhante foi frequentemente desenvolvida por Bakunin em seus conhecidos escritos e publicações. Lembro-me apenas de suas conclusões no Primeiro Congresso da Liga da Paz e Liberdade, em 1867, em Genebra. Não queremos mais falar sobre Kropotkin aqui, porque suas principais obras são bem conhecidas de todos. Apenas apontaremos seu admirável livro Mutual Aid, no qual ele estuda a história das formas de organização humana mesmo em seus primeiros tempos, proclamando solidariedade, o resultado mais maravilhoso da convivência social, o maior e mais poderoso fator na história da evolução da vida social.
Proudhon, Bakunin, Kropotkin não eram amoralistas, como alguns dos ruminantes sem graça de Nietzsche na Alemanha que se chamam anarquistas e são bastante modestos em se considerar super-homens. Eles não construíram habilmente uma chamada moral imponente e escrava, da qual todos os tipos de conclusões podem ser tiradas, mas, pelo contrário, preocupavam-se em investigar a origem dos sentimentos morais no homem e a encontravam na coexistência social. Longe de dar à moral um significado religioso e metafísico, eles viram nos sentimentos morais do homem a expressão natural de sua existência social que lentamente se cristalizou em certos comportamentos e costumes e serviu de pedestal para todas as formas de organização que saíam da cidade. Bakunin e Kropotkin, que lidaram com esse assunto até o final de sua vida, observaram-no com particular clareza e tornaram conhecidos os resultados de suas investigações em uma obra especial, da qual apenas alguns capítulos foram publicados até agora (Origen y evolución de la moral, Buenos Aires, Ed. Americalee. N. d. E.). Certamente, porque observaram a origem social do senso moral, eles eram profetas inflamados da justiça social que encontram sua expressão complementar na eterna luta do homem em direção à liberdade individual e à igualdade econômica.
A maioria dos incontáveis escritos socialistas burgueses e estatais que até agora tratavam da crítica do anarquismo, neles não notaram muito do caráter básico profundo da doutrina anarquista – em Guillermo Liebknecht, Plekanoff e vários outros, isso aconteceu intencionalmente – porque somente assim é possível explicar o contraste artificial entre anarquismo e socialismo, absurdo e infundado, que eles pretendem explicar. Para essa classificação singular, eles se basearam principalmente em Stirner, sem considerar que seu brilhante trabalho não teve a menor influência sobre a origem e evolução do verdadeiro movimento anarquista e o máximo que Stirner pode ser considerado, como observa o conhecido anarquista italiano Luis Fabbri, é um dos precursores e ancestrais mais distantes do anarquismo. O trabalho de Stirner, O Único e a sua Propriedade, apareceu em 1845 e foi completamente relegado ao esquecimento. Noventa e nove por cento dos anarquistas não tinham a menor ideia desse filósofo alemão e de seu trabalho, até 1890, o livro foi descoberto na Alemanha e desde então foi publicado em várias línguas. E, desde então, a influência das ideias de Stirner no movimento anarquista nos países latinos, onde as teorias de Proudhon, Bakunin e Kropotkin por décadas já exercem sua influência decisiva nos amplos círculos da classe trabalhadora, foi bastante pequena e nunca aumentou. Em certas esferas de intelectuais franceses, que estavam flertando com o anarquismo na época, e dos quais a maioria já se aposentou do outro lado das barricadas, o trabalho de Stirner teve um efeito fascinante, mas a grande maioria dos anarquistas nunca tiveram contato com ela. Nenhum dos primeiros teóricos do anarquismo havia sequer pensado que chegaria o dia em que o rotulariam de a-socialista. Todos se sentiram socialistas, porque estavam profundamente imbuídos do caráter social de sua teoria. Por esse motivo, eram mais frequentemente chamados de revolucionários ou em oposição aos socialistas de Estado, socialistas anti-autoritários; só mais tarde o nome dos anarquistas se tornou natural para eles.
Capítulo 2
É claro que os grandes expoentes do anarquismo e os comentaristas do movimento anarquista moderno, aqueles que nunca se cansaram de afirmar o caráter social de suas ideias, não poderiam ser contra a organização. E eles nunca foram realmente. Eles lutaram contra a forma centralizada de organização transportada da Igreja e do Estado, mas todos reconheceram a necessidade absoluta de uma fusão organizada de forças e encontraram no federalismo a forma mais apropriada para esse fim. A influência de Proudhon nas associações trabalhistas francesas é geralmente conhecida. Este não é o lugar para tratar detalhadamente da história desse movimento altamente interessante, que sem dúvida representa um dos capítulos mais admiráveis da grande luta do Trabalho contra a força exploradora do regime capitalista. Aqui estamos preocupados apenas com a atitude de Proudhon em relação às organizações de camaradagem. Proudhon criticou fortemente a ideia original da associação em seu jornal e tentou influenciá-la com seus pontos de vista. Com o incansável trabalho de seus amigos dentro das associações, ele conseguiu romper a influência do socialista estatista Luis Blanc na comunidade e realizar uma grande transformação espiritual nelas. Em todos os lugares e em todos os momentos, ele exortou seus companheiros a lutar contra o governo, e eles permaneceram fiéis ao seu lado em todas as suas lutas. Com a ajuda da associação, as ideias do grande pensador francês penetraram beneficamente nos círculos trabalhistas, adquirindo uma forma prática. O famoso projeto do Banco Popular contava principalmente com a comunidade de trabalhadores, aqueles que a aceleraram com sacrifício. O Banco Popular deve ser um meio natural de coalizão entre associações em todo o país e, ao mesmo tempo, subtrair terras do Capital. Agora, não é nossa intenção criticar o valor e o significado desse projeto nascido nas circunstâncias especiais da época. É apenas salientar que Proudhon e seus seguidores eram fervorosos defensores da organização. O projeto Banco Popular era uma empresa organizadora de larga escala e o próprio Proudhon acreditava que, em seu primeiro ano de existência, o Banco teria mais de dois milhões de participantes.
Em geral, basta observar as inestimáveis conclusões de Proudhon, sobre a essência e o objeto das formações organizadoras, frequentemente encontradas em todas as suas obras e nos jornais que ele produziu, para reconhecer em que profundidade e com quantos detalhes esse pensador francês definiu os atributos e substância de todas as formas sociais de organização. Com dedicação especial, ele se expressa em seus trabalhos: Sobre o Princípio Federativo e Sobre a Capacidade Política das Classes Trabalhadoras.
Os inúmeros admiradores que Proudhon capturou entre a classe trabalhadora foram todos partidários convencidos da organização. Eles foram o elemento mais importante que originou a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores e as primeiras fases evolutivas do grande sindicato dos trabalhadores estavam completamente sob sua influência espiritual.
Mas todos esses esforços que encontraram expressão nas organizações dos mutualistas, como eram chamados os apoiadores de Proudhon, podem ser considerados precursores e o início do movimento anarquista só começou no período da Internacional, principalmente quando a influência de Bakunin e seus amigos é mais reconhecida nas federações dos países latinos. O próprio Bakunin foi um fervoroso defensor da ideia de organização ao longo de sua vida, e a parte mais importante de sua atividade na Europa consistia em seu desejo inabalável de organizar elementos revolucionários e libertários e prepará-los para a ação. Sua atividade na Itália, a fundação de sua Aliança, sua propaganda prodigiosa nas fileiras da Internacional sempre tiveram esse objetivo como sua aspiração. Ele defendeu esse pensamento em toda uma série de artigos admiráveis, publicados em L’égalité, em Genebra, e que tratam especialmente da organização da Internacional como uma co-fusão de federações econômicas em oposição a todos os partidos políticos. Em seus escritos La política y la Internacional, publicado no jornal mencionado acima, nos números de 8 a 28 de agosto de 1869, Bakunin alerta aos trabalhadores que toda política, sob qualquer forma de vestuário, fundamentalmente persegue apenas um propósito: a manutenção do domínio da burguesia, ou seja, ao mesmo tempo a escravidão do proletariado. Portanto, a participação na política da burguesia não deve ser de interesse, na esperança de melhorar sua situação, pois toda tentativa nessa direção levaria a decepções cruéis e adiaria a emancipação do trabalho do jugo capitalista para um futuro distante. A única maneira de emancipar o proletariado é o sindicato dos trabalhadores, em organizações econômicas de combate, como a Internacional. O trabalhador isolado é uma nulidade contra as forças do Capital, possuindo até habilidades extraordinárias e energia pessoal. Somente dentro das organizações as forças de todos se desenvolvem e se concentram em ações comuns.
Até seu último suspiro, Bakunin era um fervoroso defensor da organização e estava tão absorvido em sua necessidade que não se esqueceu de lembrá-lo mais uma vez em sua sensível carta de despedida a seus irmãos na Federação Jura, logo após o Congresso de Genebra em 1873, uma carta que pode ser considerada como testemunho de seus amigos e colaboradores:
O tempo não pertence mais a ideias, mas a ações e execuções. Hoje, o essencial é a organização das forças proletárias. Mas essa organização deve ser obra dos próprios proletários. Se eu ainda fosse jovem, me estabeleceria em um bairro da classe trabalhadora, onde, participando da vida laboriosa de meus irmãos, os trabalhadores, eu teria ao mesmo tempo participado com eles no grande trabalho da organização.
No final dessa carta de despedida, ele resume novamente as duas conclusões que, em sua opinião, estão em posição de garantir o triunfo do trabalho por conta própria, nas seguintes palavras:
1) Apegue-se ao princípio da grande e extensa liberdade do povo em que a igualdade e a solidariedade não são mentiras.
2) Organizar da melhor maneira possível a Internacional e a solidariedade prática dos trabalhadores de todas as profissões e de todos os países.
Lembre-se sempre de que, embora você seja fraco por si só, ou como simples organizações locais e nacionais, você encontrará força colossal e poder irresistível na comunidade universal.
Bakunin, o grande profeta da liberdade individual, mas que sempre a concebeu no âmbito dos interesses da comunidade, reconheceu plenamente que a necessidade de uma certa subordinação do indivíduo a resoluções e linhas de conduta gerais, voluntariamente concebidas, se baseia em a essência da organização. Ele não viu de maneira alguma nessa ação uma violação da personalidade livre, como certos dogmáticos servis que, sendo embriagado em algumas frases banais, nunca penetraram na verdadeira origem da ideologia anarquista, apesar de sempre terem sido declarados pomposamente verdadeiros depositários dos princípios anarquistas! Assim, ele declara, por exemplo, em sua grande obra O Império Knuto-Germânico e a Revolução Social, escrita sob a nova impressão da Comuna de Paris:
Por mais hostil que eu seja em relação ao que na França é chamado de disciplina, devo, no entanto, reconhecer que uma certa disciplina, não automática, mas voluntária e fundamentada, é e sempre será necessária quando vários homens se reúnem voluntariamente para um trabalho comum ou desejam uma ação comum para fortalecer um movimento. Esta disciplina nada mais é do que um acordo fundamentado voluntário para um propósito comum e para a unificação de todas as energias individuais para um propósito comum.
Nesse sentido, os anarquistas do período de Bakunin conceberam a organização e tentaram verificar o que consideravam prático. Nesse sentido, eles trabalharam nas federações e seções da Internacional, dando frutos com suas ideias. Eles organizaram os trabalhadores em seções locais de propaganda e em grupos de comércio. As sociedades e grupos locais estavam ligados a sindicatos regionais e estes a organizações nacionais, que por sua vez estavam ligadas entre si na grande união da Internacional.
Se você quiser ter uma imagem exata da atividade de organização extraordinária e ocupada que os anarquistas estavam implantando na época, basta olhar para o relatório apresentado pela Federação Nacional Espanhola no VI Congresso da Internacional em Genebra em 1873. Este relatório é precisamente de especial importância, porque a Internacional na Espanha, desde o início, foi guiada por princípios anarquistas. Se o anarquismo até hoje permaneceu o fator decisivo no movimento trabalhista espanhol em geral, e foi capaz de rejeitar com sucesso todas as tentativas social-democratas, é principalmente porque os anarquistas espanhóis, mais do que outros, continuaram viciados em seus princípios e métodos primitivos, apesar das horríveis perseguições que sofreram de tempos em tempos e continuam sofrendo até hoje. Eles nunca ficaram tontos com a doença super-hombrista e a mania estúpida do Ego, cujas infelizes vítimas estão sempre submersas em uma admiração silenciosa do próprio umbigo, e não temiam que a organização pudesse prejudicar sua figura insignificante. Os anarquistas espanhóis estavam sempre profundamente enraizados no movimento operário, cuja eficiência espiritual e organizadora sempre tentava acelerar com todas as suas forças e em cujos combates eles sempre ocupavam as primeiras fileiras.
No relatório da Federação Nacional da Espanha, lemos o seguinte:
A Federação Nacional da Espanha tinha em 20 de agosto de 1872 com 65 federações locais existentes, com 224 seções de escritório e 49 seções de vários escritórios. Além disso, havia em 11 cidades com adeptos individuais. Em 20 de agosto de 1873, a Federação Nacional da Espanha possuía 162 federações locais existentes, com 454 organizações comerciais e 77 várias seções comerciais.
Adicionando às federações locais existentes acima mencionadas, as federações que estão sendo formadas (ou seja, as seções existentes que estão prestes a ingressar nas federações), é alcançado o seguinte resultado: A F. N. da Espanha tinha até 20 de agosto de 1872, com 204 federações locais existentes e em formação, com 571 seções comerciais e 114 várias seções comerciais, também possui adeptos individuais em 11 cidades, onde não há organização.
Em 20 de agosto de 1873, a F.N. da Espanha tinha 270 federações locais em formação, com 557 seções comerciais e 117 várias seções comerciais.
Eu também poderia trazer trechos de vários relatórios da Federação Italiana, da Federação Jura, etc., que se referem às atividades de organização dessas empresas, mas eu teria estendido muito. Toda a literatura nos jornais e folhetos da época está repleta de indicações da necessidade de organização e, nas fileiras dos anarquistas da época, não havia ninguém que representasse outra tendência a esse respeito. Todos afirmaram o caráter social da concepção anarquista e todos estavam convencidos de que a libertação social só será possível através da educação e da organização das massas, e essa organização é a primeira condição para a ação comum.
Capítulo 3
O caráter mencionado do movimento gradualmente se transformou após a guerra franco-alemã e, especialmente, após a terrível queda da Comuna de Paris. O triunfo da Alemanha e a política de Bismark deram origem a um novo evento histórico na Europa, do qual nada mais poderia ser travado. O surgimento na Europa central de um Estado militar-burocrático equipado com todos os meios de poder, teve inevitavelmente de influenciar o desenvolvimento da reação geral que então surgiu em toda parte. De fato, essa também foi a causa. O centro do movimento trabalhista europeu foi jogado da França para a Alemanha, contribuindo para o desenvolvimento do movimento social-democrata, que no decorrer de seu desenvolvimento influenciou resolutamente, com poucas exceções, os outros países. Assim, por um lado, nasceu o período infeliz, em que a Europa caiu cada vez mais como vítima da militarização geral iniciada na Alemanha, enquanto do outro lado do movimento trabalhista em geral, sob a influência contínua da crescente social-democracia alemã, afundou-se cada vez mais em uma possibilidade desesperada.
Nos países latinos, onde a ala libertária da Internacional teve a maior influência no início da sétima década (do século 19), uma reação violenta foi desencadeada. Na França, onde os melhores e mais inteligentes elementos do movimento trabalhista encontraram a morte na horrível queda da Comuna ou foram exilados na Nova Caledônia, se eles eram incapazes de fugir para o exterior e levar a vida inquieta e angustiada de refugiado, todas as organizações de trabalhadores eram reprimidas pelo governo e a imprensa revolucionária era proibida. O mesmo se repetiu dois anos depois na Espanha, após a repressão sangrenta do movimento cantonal e a capitulação da Comuna de Cartagena. Instantaneamente, todo o movimento trabalhista foi suprimido e todas as notícias públicas do movimento revolucionário durante anos foram impossíveis. Na Itália, membros da Internacional foram provocados como se fossem bestas selvagens, e a propaganda pública se tornou tão difícil, forçando-os assim a recorrer às organizações secretas pelas quais eles eram mais inclinados do que os camaradas de outros países devido a suas antigas tradições das sociedades secretas dos Carbonarios e Mazzinianos.
Dessa maneira, devido às perseguições atrozes que o movimento anarquista teve de suportar, ele desapareceu da vida pública nos países latinos por longos anos, sendo forçado a criar um refúgio em sociedades secretas. Como o período de reação durou mais do que se acreditava, o movimento adquiriu lentamente uma nova psicologia, que era fundamentalmente diferente de seu caráter anterior. Os movimentos secretos certamente são capazes de desenvolver, em seu círculo limitado, um maior grau de disposição para sacrificar e sofrimento físico nos indivíduos pelo bem da revolução, mas eles não têm contato extensivo com as massas populares, a única coisa capaz de dar frutos e mantê-los por muito tempo, frescos e animados. É por isso que acontece que cada um dos adeptos desse tipo de movimento inadvertidamente perde toda noção exata dos eventos reais na vida real e o desejo se torna o pai de seus pensamentos. Eles lentamente perdem o senso de atividade construtiva e seu pensamento evolutivo toma uma direção puramente negativa. Em resumo, eles inconscientemente perdem a concepção de um movimento popular. Esse processo evolutivo original geralmente ocorre com surpreendente rapidez e, em alguns anos, confere a um movimento um caráter muito diferente quando circunstâncias externas, isto é, perseguições cegas pelos governos, favorecem o desenvolvimento de organizações secretas.
Entende-se que, em tempos de reação geral, quando os governos eliminam qualquer possibilidade de vida pública de um movimento, a organização secreta é a única maneira de preservar esse movimento, mas, ao reconhecer esse fato, não devemos permanecer cegos para o inevitável defeitos dessas organizações e vangloriar-se de sua importância. Uma organização secreta sempre pode ser considerada apenas como um meio, justificado pelo perigo do momento, mas nunca será capaz de promover ou iniciar com sucesso uma revolução social. Na própria atmosfera de reuniões secretas, o indivíduo esquece facilmente esse fato irrefutável. A influência mágica que essas sociedades exercem sobre os elementos jovens arranjados romanticamente, é um obstáculo poderoso para uma observação clara da propaganda real e cega muitos para a realidade nua. Tudo é visto como através de um sonho, não como realmente é, mas como você gostaria que fosse.
As organizações secretas dos antigos revolucionários russos contribuíram enormemente, mas, apesar disso, tiveram que sangrar lentamente sangue e suas ideias não puderam alcançar a multidão. O movimento tornou-se invencível quando, pelo desenvolvimento da indústria russa, as grandes massas do proletariado, e em parte também os camponeses, foram absorvidas pelas ideias socialistas.
Além disso, um movimento subterrâneo está ligado a toda uma série de falhas sérias, que inevitavelmente se originam de sua própria existência. Na primeira linha, eles estão em contínua luta com os guardiões da ordem estatal, que espiam sempre e em toda parte para descobrir conspirações ou, se necessário, criá-las por seus próprios provocadores. Essa luta inabalável que força o conspirador a buscar continuamente novas regras de segurança, além de causar um enorme desperdício de energia, também gera uma desconfiança mórbida permanente em tudo, que se torna uma segunda natureza. A suspeita se arrasta por toda parte e destrói para sempre inúmeras vidas humanas. Basta recordar aqui o caso Poucquart, que se tornou não apenas a tragédia de sua própria vida, mas também por muito tempo dividiu terrivelmente o movimento, paralisando suas forças. Também é evidente que as lutas personalistas devem assumir movimentos fatais nesses movimentos, quanto mais sérios, mais limitado o círculo de suas atividades. Lembremos as amargas lutas entre Barbes e Blanqui, nas sociedades secretas do governo Luis Felipe, que paralisaram por muito tempo as atividades de suas organizações.
Todos esses eventos colocam seu próprio selo nos movimentos subterrâneos e exercem uma poderosa influência na estrutura espiritual de seus membros. Prejudicam o desenvolvimento espiritual desses movimentos e suas habilidades criativas, porque são sempre obrigados a superar sua eficácia destrutiva.
Nesse período de reação e relações secretas, o movimento anarquista entrou na última década do século passado e é natural que não tenha sido capaz de se libertar da influência da nova atmosfera. Ao longo de vários anos, era costume nas fileiras anarquistas considerar a atividade clandestina como um estado normal. Os novos elementos que se uniram ao movimento, no período da conspiração, tinham uma inclinação especial em considerar a organização secreta e sua atividade como uma consequência lógica do movimento anarquista, que deveria ter precedência sobre toda a atividade pública. Um conceito, nesse sentido, defendeu o Comitê Italiano para a Revolução Social em uma extensa carta ao 7º Congresso da Internacional, verificada em novembro de 1874, em Bruxelas. No manifesto acima mencionado, toda atividade pública dos revolucionários é rejeitada como perigosa. Eles dizem:
As massivas repressões implantadas pelos governos nos forçarão a uma conspiração totalmente secreta. Como essa forma de organização é muito superior, parabenizamos a nós mesmos porque as perseguições terminaram com o público internacional. Continuaremos o caminho secreto; Nós o escolhemos como o único que pode nos levar ao nosso objetivo: a Revolução Social.
Essa era a situação do movimento quando vários social-democratas alemães radicais no exterior o conheceram. As grandes lutas ideológicas dentro da Internacional passaram pelo proletariado alemão quase sem deixar vestígios. Acima de tudo, a influência da grande Aliança dos Trabalhadores na Alemanha quase não se distinguia. Os poucos antigos pioneiros do anarquismo na Alemanha haviam sido esquecidos há muito tempo, enquanto os trabalhadores alemães começaram a se organizar autonomamente. Os escritos de Carlos Grun, Moises Hess, Guillermo Marr, etc. eles foram completamente ignorados por eles, bem como as valiosas traduções de Proudhon, que pela quarta e quinta décadas (do século XIX) foram publicadas na Alemanha. Todo o movimento estava então sob a influência total dos social-democratas.
As terríveis perseguições ao movimento anarquista nos países latinos levaram um grande número de refugiados à Suíça francesa. Lá eles conheceram franceses, italianos, espanhóis. Esse círculo foi ampliado quando, na Alemanha, a lei contra os socialistas foi implantada, e muitos alemães tiveram que se refugiar no exterior devido às perseguições. A Federação Jura, que teve uma forte influência na Suíça na última década, distribuiu uma animada propaganda envolvendo refugiados. Nesta esfera, trabalhadores alemães, como Emilio Werner, Eisenhauer e Augusto Reinsdorf, conheciam o anarquismo. Foi precisamente a fase evolutiva do movimento, da qual falamos, que eles se conheceram e que carimbaram um selo especial em sua própria evolução. No espírito da época, ele considerou o Arbeiter Zeitung, fundado em julho de 1876 em Berna, como o primeiro jornal anarquista escrito em alemão. Quando o Reischtag adotou, dois anos depois, a lei contra os socialistas, e todo o movimento socialista foi declarado ilegal por essa razão, naturalmente ele teve que contribuir poderosamente para colocar a nova tendência no caminho em um sentido extremista.
Além disso, um novo fator de grande importância deve ser adicionado. Na Rússia, começou a terrível campanha de Narodnaia Volia, contra os representantes do absolutismo czarista, inflamada por uma paixão que não se vê até hoje na história da Europa. Os atos dos revolucionários russos tiveram uma influência mágica no movimento socialista na Europa, especialmente onde o movimento foi perseguido pelo governo. Não há nada que contribua tanto para despertar nos homens instintos violentos e sede de vingança quanto a difamação incessante de sua dignidade. Você tem que viver esse período para poder apreciar exatamente sua influência fatal. As eternas perseguições da polícia, as baixas humilhações aos quais ele é exposto diariamente, as disposições econômicas e a provocação de todos os lados, podem desesperar o homem mais pacífico. Quando isso acontece com um homem de grande valor pessoal, como Augustus Reinsdorf, que estava sendo verdadeiramente perseguido de cidade em cidade como um animal selvagem, entende-se que seu espírito finalmente transborda de pensamentos vingativos que devem ter uma influência decisiva em toda a maneira e o significado de sua propaganda. Quanto mais vítimas são mortas, mais o desejo de vingança se enraíza em sua alma.
Entende-se que, em tal estado de espírito, pode-se ter pouco entendimento para o desenvolvimento de ideias e para atos criativos. A comunicação espiritual com a massa popular desaparece cada vez mais à medida que os aspectos extremos são desenvolvidos em cada revolucionário. Apesar disso, ele está convencido de que, dessa maneira, está mais próximo das pessoas, quando na verdade o contrário é verdadeiro. É tão impossível quanto entender a psicologia especial de um homem enquanto desconhecemos a atmosfera da esfera em que ele opera. E essa foi a causa em seu sentido mais amplo. O sentido de uma ótima atividade de organização, baseada na multidão, para completá-la com novas ideias e depois mergulhar na vida prática das pessoas, uma mudança mútua eficaz sem a qual um verdadeiro movimento popular é incompreensível, esse sentido, aos poucos, se perde completamente e gera todo tipo de alucinação que não tem contato com a realidade da vida. Tampouco pode ser de outra maneira, uma vez que toda atividade, por mais extensa que seja, além da multidão, se deve mais ao estado de exceção do que à ilusão. O grande pensamento fecundo de uma organização de massa, representada pela Internacional, é gradualmente deixado para trás. A organização se torna um pequeno núcleo de conspiradores, embora acredite que seja de alguma importância e, naturalmente, pode ter um campo de influência bastante limitado. Nesse sentido, Reinsdorf concebeu a organização, sobre a qual, em julho de 1880, ele expressou os seguintes pensamentos em Freíheit de Most:
Quando consideramos a razão do terrorismo contra os trabalhadores socialistas alemães, por uma pequena fração dos funcionários e jornalistas do Reichtag, que culminaram na expulsão do partido Hasselmann e Most e a zombaria dos trabalhadores social-revolucionários e o desprezo por toda atividade revolucionária, chegamos à conclusão de que a causa desse infeliz evento está nos mesmos trabalhadores alemães que, com sua organização centralista, criaram o partido fetichista, que se opõe a de toda ação individual e boicota todos os que se permitem duvidar de sua infalibilidade. A grande lição a ser tirada desses fatos pelos trabalhadores socialistas alemães é que, no futuro, eles cuidarão de sua autodeterminação individual contra todos os chamados chefes. Cada indivíduo deve ter o direito de ajustar sua ação revolucionária e, de acordo com sua própria ideia, cada grupo independente deve usar o veneno, a adaga e a dinamite como meio de libertação em seu campo social, sem ser declarado irresponsável ou que esteja a serviço da polícia. Cada grupo também deve ter o direito de ingressar, em determinados trabalhos comuns, com um ou mais grupos diferentes, sem ser acusado de agir contra as táticas do partido e outras considerações artificiais e verbais que, até agora, não têm outro propósito senão criar privilégios. Liberdade de atividade revolucionária para cada indivíduo e para cada grupo, liberdade para cada grupo e para cada indivíduo em relação a uma coalizão e, dessa maneira, aceleração de iniciativas e confiança nas forças do indivíduo, em benefício da causa, através dos fatos e do que é mais importante: a libertação do enorme peso do protetorado de líderes inaptos à ação, resultado de uma organização antiautoritária do trabalho socialista revolucionário.
No número 39 de Freiheit (1880), Reinsdorf toca novamente a organização anarquista e diz:
Qual é o estado atual da organização dos anarquistas? Você não ouve muitas conferências, discursos e resoluções longas; sem ser responsabilizado por ser recalcitrante contra a chamada disciplina partidária (a palavra soa militarmente) cada grupo e até cada membro trabalha à sua maneira pela revolução, seguro do acordo de solidariedade dos camaradas, quando se trata de um ato de propaganda. Mas um flash agudo no Neva, um flash rápido no Deniester, uma trama camponesa na Romênia, um ataque armado contra funcionários fiscais nos vales da Sierra Nevada, uma demonstração colossal na cidade mundial às margens do Sena, ou um combate com a polícia nas costas republicanas de Aar, são sinais vitais que aparecem de tempos em tempos e isso mostra que eles sempre têm diante deles o objetivo: a destruição da sociedade de hoje.
Como é fácil ver, Reinsdorf concebe a organização quase que exclusivamente sob o horizonte de conspirações e atos terroristas. Todos os anarquistas da época foram colocados em torno do mesmo ponto de vista. Eles não conheciam a essência natural do anarquismo, ou a conheciam superficialmente e sem perfeição, e a maioria deles confundiu circunstancialmente uma necessidade do movimento com o ser substancial da propaganda anarquista. Dessa maneira, muitas vezes acontecia a Reinsdorf que ele se desviava de ideias puramente blanquistas e, inadvertidamente, se deixava influenciar por ideias extremamente autoritárias. Por exemplo, em setembro de 1880, em uma correspondência em Freiheit, ele exortou os trabalhadores alemães a estudarem cuidadosamente O Catecismo de um Revolucionário, aquele que ele erroneamente atribui – como muitos outros fizeram – a Bakunin e que realmente pertence a Netschaiev e, precisamente aquele documento que o excita tanto é a negação de todo sentimento pessoal, de toda personalidade em geral. Mas isso não aconteceu com Reinsdorf sozinho. O chamado Comitê Executivo Revolucionário de Nova York, de que John Most falou tanto nas décadas de oitenta e noventa (do século XIX), mas aquele que certamente existia mais na imaginação do que na realidade, não era de modo algum um produto das ideias anarquistas. Em tais períodos de reação geral, quando movimentos revolucionários só podem existir clandestinamente, tais confusionismos são inevitáveis. É uma atmosfera de erros dos quais ninguém pode se livrar completamente.
Capítulo 4
Assim como os anarquistas daquele período exageraram o significado das organizações conspiratórias, da mesma maneira, ao longo do tempo, sublimaram a importância dos atos individuais atingirem as últimas proporções distantes, muitos deles chegando a ver na chamada propaganda pelo ato o ponto essencial do movimento. Atos terroristas individuais de caráter apaixonado são concebíveis e explicáveis em períodos de reação desenfreada e perseguição hedionda. Esses meios não foram usados apenas pelos anarquistas. Pode-se até dizer com segurança que, comparados aos defensores reacionários do terrorismo individual, os anarquistas eram meras criaturas inocentes. De qualquer forma, está bem estabelecido que esses atos em si não têm nada a ver com anarquistas. Como seres humanos, como todos, certos estados incitaram alguns anarquistas a cometer certos atos, como também aconteceu com pessoas de diferentes tendências ideológicas. Somente, devido às terríveis perseguições a que os anarquistas nos vários países estão sujeitos, pode ser explicado por que a importância desses atos foi exagerada nos setores anarquistas daquele período.
Os atos individuais nunca podem servir de base para um movimento social e não são capazes de transformar o sistema social. Eles só podem, em certos momentos, assustar alguns apoiadores do sistema existente, mas não têm absolutamente nenhuma influência no próprio sistema. Isso também não foi afirmado pelos anarquistas. Apenas certos indivíduos podem ser induzidos por procedimentos terroristas e esse fato, por si só, é a melhor demonstração de que um movimento não pode ser construído com base em indivíduos. As transformações sociais só são viáveis pelos movimentos de multidões. Foi assim que os anarquistas do primeiro período o entenderam e, portanto, eles dedicaram a parte principal de suas atividades à propaganda entre as massas e tentaram relacioná-las em uniões econômicas e centros de estudos sociais. Somente mais tarde, quando a reação cada vez maior terminou com essa atividade e o movimento anarquista foi perseguido pelas autoridades, a tendência de que já falamos se desenvolveu nela.
Sob o domínio da Lei contra Socialistas na Alemanha, o movimento anarquista desenvolveu uma atividade clandestina, mas limitada apenas à distribuição clandestina de jornais e panfletos publicados no exterior. Organismos anarquistas como Freiheit de Most e Warheit, que também apareceram em Nova York e especialmente a Autonomía de Londres, foram introduzidos na Alemanha pelas fronteiras da Bélgica e da Holanda. A divulgação desta literatura estava sujeita a inúmeras vítimas e os camaradas que caíram nas garras das autoridades foram quase todos, sem exceção, punidos com prisão. O movimento nunca foi forte o suficiente, porque sempre teve que lutar com imensas dificuldades e não apenas ter que suportar todo tipo de perseguição por parte do governo, mas também os ataques odiosos e intoleráveis dos líderes social-democratas, especialistas em todo tipo de difamação. Dessa maneira, Guillermo Liebknecht caluniou Augusto Reinsdorf, acusando-o de estar no serviço policial quando já havia sido condenado à morte.
Havia grupos em Berlim, Hamburgo, Hannover, Magdeburgo, Frankfurt am Main, Mainz, Manheim e em várias outras cidades do Baixo Reno, Saxônia e sul da Alemanha. A maioria dos membros, especialmente nos anos posteriores durante a Lei Anti-Socialista, era composta de jovens entusiastas, que conceberam o anarquismo mais com sentimento do que com razão. Mas isso não é totalmente estranho, uma vez que a literatura anarquista no idioma alemão não podia se orgulhar de um conteúdo rico. Além de Deus e o Estado de Bakunin, havia numerosos folhetos de Kropotkin, Most e Poucquart. Essa era toda a pouca riqueza. Também não devemos esquecer que as palavras fortes de Most então nos influenciaram, a juventude, mais do que as simples exposições de Kropotkin. Psicologicamente, é fácil entender isso. Em um país onde a palavra livre era proibida, entende-se que as expressões mais radicais devem ter sido mais bem-sucedidas, mesmo que essas expressões não tenham sido estudadas em profundidade.
Com a queda da lei contra os socialistas em 1890, houve também uma mudança no horizonte anarquista da Alemanha, de proporções consideráveis, mesmo quando operada lentamente. A oposição dentro da social-democracia, que já podia ser vista bem nos últimos estágios da lei de emergência, surgiu agora publicamente, causando desagrado aos antigos líderes do partido. Os velhos tentaram todos os tipos de recursos para se conformarem com os jovens e, quando fracassaram, declararam-se abertamente por uma ruptura, chegando a tal extremo que os oradores da oposição foram expulsos durante a Convenção de Erfurt em 1891. Os expulsos fundaram então uma nova organização, o Partido dos Socialistas Independentes, fundando seu próprio corpo em Berlim, Sozialist.
Esses eventos também forneceram publicamente aos anarquistas suas ideias, com Berlim sendo o ponto em que as primeiras conferências anarquistas foram realizadas. Dois anos depois, foi feita uma tentativa de fundar um corpo anarquista próprio na Alemanha, mas o Arbeiter Zeitung, que era chamado de órgão dos anarquistas da Alemanha e deveria aparecer em novembro de 1893 em Berlim, foi imediatamente confiscado pelo governo. Toda a edição da primeira edição, com exceção de algumas cópias, caiu nas mãos da polícia. Enquanto isso, o Sozialist estava evoluindo cada vez mais para o anarquismo, até que, finalmente, sob a liderança de Gustavo Landauer, houve uma ruptura entre os socialistas independentes e a maioria se declarou anarquista. Desde então, o Sozialist era puramente anarquista.
Então, ou seja, no meio da nona década, talvez fosse possível organizar os vários grupos anarquistas na Alemanha e, assim, estabelecer as bases para um movimento saudável e vigoroso. De fato, uma parte dos anarquistas alemães tinha essa intenção, mas foi precisamente então que a discórdia interna começou que, durante anos, abalou todo o movimento juvenil. Uma enxurrada inteira de ideias diferentes foi derramada no novo movimento anarquista, o que levou a uma terrível confusão para os espíritos. Se o movimento tivesse tido a possibilidade de se desenvolver publicamente por alguns anos sem contratempos e de se fortalecer espiritualmente, muitas ideias que eles adquiriram teriam ajudado a acelerar e dar frutos em sua evolução espiritual. Infelizmente, ele não estava nessa situação feliz. A maioria de seus apoiadores na época carecia da maturidade espiritual que lhes permitia, de forma independente, testar e avaliar criticamente todas as novas ideias que foram introduzidas de repente em seu meio.
99% dos anarquistas na Alemanha nem sequer tinham uma idéia da origem e aspirações do movimento anarquista. Através dos jornais e panfletos anarquistas que apareceram no exterior, eles conheceram superficialmente uma certa fase da luta, mas as circunstâncias que mediavam a nova forma do movimento eram completamente desconhecidas para eles. Os camaradas que conheceram o período da conspiração do movimento na Alemanha, todos sem exceção, eram partidários do anarquismo comunista. De outra tendência antes nem era conhecida. Em 1891, o famoso romance de Juan Enrique Mackay The Anarchists apareceu em Munique. O livro acima mencionado fez muito barulho nos círculos anarquistas na Alemanha, apesar de sua baixa base teórica. Discussões intermináveis foram realizadas em reuniões de grupo e palestras noturnas sobre a questão: anarquismo comunista ou anarquismo individualista? Poucos chegaram à conclusão de que o chamado individualismo representa em si a verdadeira direção ideológica do anarquismo. Alguns foram tão longe depois de Mackay que até contestaram seriamente o direito de chamar os anarquistas de comunistas. É notável que os prosélitos mais fanáticos da liberdade sejam precisamente aqueles que querem limitá-la de perto.
Um ano depois, uma nova edição da obra de Stirner, O Único e a sua Propriedade, apareceu na Biblioteca Universal Reclam, que já havia sido quase completamente esquecida. (A segunda edição, que apareceu em 1852, foi pouco publicada e nos centros anarquistas era quase completamente desconhecida). O reaparecimento desse estranho trabalho é um evento importante para o movimento anarquista na Alemanha. Apenas uma pequena porcentagem tinha uma ideia completa do tempo e das circunstâncias em que o trabalho de Stirner apareceu. As grandes lutas ideológicas do período anterior a 1848 foram esquecidas há muito tempo e, portanto, entende-se que muitos daqueles que beberam avidamente o Único, não os conheciam ou, se os conheciam, era pouco e insuficiente para interpretar os fortes ataques controversos no livro. É fácil presumir isso, porque esse período não deixou nenhum vestígio de literatura que nos apresente valores contrários às lutas daquele tempo remoto. É por isso que o trabalho de Stirner se tornou para muitos um novo manifesto, um tipo de verdade suprema que não pode ser superada. Embora seja paradoxal, esse clássico trabalho de negações, que certamente não tem outro em toda a literatura, tornou-se, para muitos anarquistas da época, uma nova Bíblia que foi de muitas maneiras comentada e interpretada e, infelizmente, não faltavam comentaristas. Penso que é uma tragédia para todos os grandes espíritos, ou talvez para o espírito em geral, que precisamente as cabeças mais obtusas e os charlatães mais chatos sejam sempre considerados prontos para aparecer como seus apóstolos. Com Stirner e Nietzsche já excede a medida, e isso eles realmente não mereciam. Em muitos grupos anarquistas, havia comentaristas agitadores que estavam sempre prontos para comentar sobre a egocracia – que, aliás, eles não entendiam – e impossibilitavam qualquer trabalho razoável. Ou seja, naturalmente em cada grupo apenas um desses espíritos poderia figurar, porque assim que outro espírito apareceu no grupo, a ruptura foi inevitável e causou a fundação imediata de um novo grupo. Esses alemães lutavam principalmente com todas as atividades organizadoras olhando de cima a baixo, com orgulho desdenhoso do grande rebanho. Eles até esqueceram que o próprio Stirner dá um valor relativo à organização quando fala das Sociedades egoístas. Tive a oportunidade de estudar alguns daqueles que seguem seu próprio caminho, aqueles que estavam sempre prontos com suas frases banais, rebanho de gado, e o idiotismo em massa a experiência me mostraram que a maioria desses santos estranhos estava sempre no auge do homem simples do povo e que para muitos deles o epíteto fora das massas era pintado. O mesmo se aplica à heresia autoritária desses senhores. Espreitavam sempre recair sobre alguma autoridade e reduzi-la a cinzas, mas elas mesmas sempre foram as pessoas mais intolerantes concebíveis e imbuídas de uma teimosia e oposição doentia que tornavam simplesmente impossível colaborar com elas por um tempo.
Mas elas não foram as únicas novas influências no movimento juvenil, embora certamente tivessem a eficácia mais prejudicial. Em 1892, o trabalho do Dr. Benedict Fridlander apareceu O socialismo libertário, em oposição à escravidão estatal dos marxistas, um livro que vale a pena ler, que lembrou aos anarquistas o trabalho vital de Eugene Duhring, que também era desconhecido para a maioria dos jovens. Isso forçou muitos anarquistas a estudarem as obras de Duhring, especialmente quando a nova tendência começou a publicar em 1894 um órgão próprio Der moderne Volkergeist (O espírito popular moderno) que facilitou a propagação mais intensa de suas ideias.
Além disso, o movimento a favor da terra livre que Teódoro Hertzka propagou na época influenciou o movimento anarquista de uma maneira tão poderosa que é impossível valorizá-lo. Suas obras Terra Livre, Uma Viagem à Terra Livre etc. foram amplamente lidas nos centros dos anarquistas alemães e muitas vezes comentadas no Sozialist.
Em 1894, o Dr. Bruno Wille publicou seu trabalho Philosophie der Befreiung durch das reine Mittel (Filosofia da emancipação por um meio puro), que também causou grandes divergências de opinião, porque trouxe de volta à mesa a questão do uso de violência como meio tático de luta, um meio que naturalmente Wille rejeitou. Pode-se falar aqui de outras coisas que tiveram uma influência maior ou menor no desenvolvimento do movimento anarquista na Alemanha, mas é suficiente apontar as correntes mais importantes. Repetimos novamente que todas as novas idéias e aspirações que cercavam o movimento juvenil poderiam ser úteis e vantajosas para você, se você tivesse tempo suficiente para se fortalecer espiritualmente e estabelecer uma base para sua atividade. Mas, infelizmente, não foi assim, todas essas novas tendências funcionaram como fogo no movimento jovem, destruindo-o cada vez mais internamente. Os escritos do Sozialist, que consideravam Gustavo Landauer um representante admirável, fizeram grandes esforços para unir e educar o movimento interno, mas não era um trabalho fácil e tornava-se cada vez mais difícil pelas perseguições atrozes e pelos golpes policiais que o movimento tinha que suportar. Os ataques de Ravachol, Vaillant, Henry, Pallás e outros que ocorreram na França e na Espanha enlouqueceram a polícia alemã, induzindo-os a perseguir atrozmente os anarquistas. As perseguições caíram sobre o movimento como um granizo e foram dirigidas especialmente contra os publicadores do Sozialist a quem ele pretendia destruir a todo custo. No curto período de sua existência, ou seja, de novembro de 1891 a janeiro de 1895, foram acusados nada menos que 17 editores responsáveis e, com exceção de dois que conseguiram fugir para o exterior, todos foram condenados e, quando esses meios de comunicação não deram mais resultados chegaram ao ponto de violar as leis, a fim de acabar com esse jornal odiado, até que finalmente conseguiram.
Capítulo 5
Os editores do Sozialist inicialmente pretendiam republicá-lo no exterior, mas após um hiato de sete meses, eles conseguiram republicá-lo em Berlim como época nueva. Mas o gênero e o estilo de escrever eram diferentes. O novo Sozialist perdeu o tom anterior de um jovem corajoso desde os primeiros anos, concentrando-se exclusivamente em questões puramente teóricas para as quais contribuiu consideravelmente. Como exemplo, recordo apenas os admiráveis estudos sobre o marxismo e, principalmente, as análises críticas da interpretação materialista da história, amplamente tratadas.
Mas os artigos do Dr. Eugenio Enrique Smith, Ladislauer, Gunplowicz, Benedicto Frid Lander, Bruno Wille, Ommer Born, Brude etc., apesar de toda a gentileza, eles não podiam corresponder às necessidades dos trabalhadores anarquistas que não eram suficientemente educados para apreciar as idealizações dos intelectuais. Logicamente, isso deveria terminar com uma profunda confusão dentro do movimento de Berlim e que mais tarde se espalhou para outros locais. Os próprios editores do Sozialist entenderam que algo teria que ser tentado para equilibrar as contradições cada vez mais expressivas e, em 1896, eles fundaram a Annen Konrad (O pobre Conrado), uma espécie de complemento popular para o Sozialist. Também o novo jornal, que apareceu sob a direção de Alberto Weidner, foi bem apresentado, mas seu formato era pequeno demais para ocupar o lugar de que precisava. Enquanto isso, as divergências causadas pela orientação do Sozialist foram aprofundadas demais. Embora com um pouco de boa vontade um acordo razoável e favorável possa ter sido alcançado para todo o movimento, mas na Alemanha, onde essas disputas tinham sido mais hostis em caráter do que em outros lugares, parece impossível.
Assim, apareceu em 1897 no setor dos elementos insatisfeitos com a orientação do Sozialist, um novo órgão anarquista Neues Leben (Nova Vida). Mas o novo jornal não ganhou nenhuma honra especial por seu título promissor, apesar de toda a boa vontade de seus editores, porque eles não tinham a capacidade suficiente necessária para produzir um jornal bem escrito. No entanto, o novo jornal conseguiu desapropriar o Sozialist, que, no final de 1899, após longas e árduas lutas financeiras, deixou de aparecer.
Obviamente, não era um bom sinal para a força espiritual desse movimento, que uma folha como Neues Leben conseguirá lançar um jornal excelente e contido, como o Sozialist estava no palco. Mas esses eventos também devem ser julgados de outro ponto de vista. Sem dúvida, havia entre os anarquistas alemães um certo número de elementos que podem ser considerados mais justamente como socialistas decepcionados do que como anarquistas. Esse elemento ainda hoje não desapareceu inteiramente na Alemanha.
É fácil entender que o Sozialist não poderia ter sido um jornal conveniente para eles, mas há outra causa que desempenhou um papel importante nessa luta mútua entre anarquistas, e talvez tenha sido de importância decisiva. Alguns dos trabalhadores anarquistas sentiram instintivamente que a posição que o Sozialist estava adotando o distanciava cada vez mais da classe trabalhadora, porque uma parte considerável de seus colaboradores se perdeu, de fato, em ideias que eram completamente estranhas à vida real com suas lutas diárias. Considerou-se que o contato interno com o movimento trabalhista em geral estava enfraquecendo, cada dia mais, prevendo um acidente que prejudicaria o desenvolvimento posterior do movimento.
Em geral, essas coisas são sentidas pelo trabalhador simples com mais tenacidade e intensidade do que o intelectual, embora ele nem sempre tenha condições de expressar esses sentimentos. A maioria dos camaradas alemães aspirava a um movimento trabalhista anarquista e instintivamente sentiu que uma acentuação unilateral de teorias puramente abstratas sobre a soberania ilimitada do indivíduo e outras coisas análogas pelas quais tudo o que é possível e impossível pode ser assumido, desalojaria as massas do campo de movimento, transformando-o em uma seita petrificada. Isso levou muitos a adotar uma atitude resoluta contra o Sozialist e seguir de outras maneiras. A amarga injustiça que foi cometida dessa maneira é profundamente sensível, tanto do ponto de vista puramente humanitário quanto do interesse do movimento, com um homem como Gustavo Landauer. Uma olhada em seu excelente Manifesto ao Socialismo é suficiente para reconhecer que Landauer foi apenas um dos poucos na Alemanha que mais profundamente interpretou o lado social do anarquismo. Mas também seria injusto se fosse atribuído, nessa luta, a simples ódios personalistas ou restrições espirituais, apesar de muitas vezes serem, infelizmente, eventos que acompanham esses processos.
O bom senso levou muitos trabalhadores anarquistas a desejar uma raiz mais poderosa de união do anarquismo com o movimento trabalhista. Para muitos, foi talvez mais instintivamente do que conscientemente. Você sentiu a necessidade interna, mas não tinha a certeza do caminho apropriado. O período Neues Leben certamente não era um caminho verdadeiro, mas, para alguns, acelerou o esclarecimento interno, apesar de ter sido fortemente influenciado pelos eventos que estavam ocorrendo no exterior. O jovem movimento sindical na França desenvolveu-se com velocidade espantosa, e muitos anarquistas ativos despejaram toda a sua energia no novo movimento, participando de suas incontáveis lutas. A razão de ser de um movimento de massas aumentou poderosamente após um sono tão longo durante o tempo das leis de exceção. A grande idéia da Greve Geral começou a abranger a multidão de países latinos e, sob a influência direta de grandes lutas operárias, que, durante os primeiros anos deste século, movimentaram Espanha, França, Itália, Suíça Francesa, Holanda, a Hungria e em outros países, o movimento anarquista também entrou em uma nova fase de sua evolução, que o aproximou de seus antecessores.
Em janeiro de 1904, Der Freie Arbeiter (O Trabalhador Livre), cujos editores se colocaram inteiramente no terreno do movimento revolucionário de massas, começou a aparecer em Berlim, pregando uma greve geral e ação direta. Uma tentativa firme, nesse sentido, já havia sido feita anteriormente por Rodolfo Lange e outros camaradas, que por esse motivo removeram o Anarchist. Mas, na hora de se colocar no terreno do movimento revolucionário das massas, o ponto da Organização voltou à mesa e, de fato, Lange era um dos partidários determinados da organização anarquista em larga escala, muitas vezes levantando a oposição de um grande parte dos camaradas alemães, com sua firme defesa deste pensamento. Quando a Conferência de Mannheim, da Federação Anarquista Alemã (1907), elaborou e aprovou linhas de conduta nesse sentido, como esperado, provocou inúmeros protestos, um protesto em que a frase A autonomia absoluta do indivíduo autocrata teve um papel de destaque.
Os mesmos eventos ocorreram também, de maneira mais ou menos idêntica, quase em toda parte, ou seja, eram assuntos que tinham que ser realizados em toda parte, o mesmo efeito. O conhecido anarquista holandês Christian Cornelissen, relatou esse estado em detalhes em seu interessante estudo sobre A evolução do Anarquismo, onde ele dá sua opinião da seguinte maneira:
Em vários países modernos, o anarquismo só recentemente se tornou um caminho prático em oposição à centralização e disciplina da social-democracia. Mas essa oposição, como geralmente ocorre nos movimentos de oposição, logo foi para o outro extremo. Juntamente com a influência dos elementos libertários e artísticos, contribuiu muito para dar algum apoio ao individualismo como teoria e até mesmo introduzir desorganização no movimento em todos os lugares. Especialmente no início da nona década do século passado, durante o período em que a chamada ação individual incitou vários ataques a bomba, as críticas individualistas de lá e da Itália, Alemanha, Holanda, Boêmia etc., atacaram primeiro a forma de organização e depois a própria organização. Nas uniões, o espírito individualista de desorganização apareceu e, em muitas sociedades recém-fundadas, foi colocado como uma questão preliminar na agenda que os estatutos e presidentes carregam consigo o germe de um novo domínio. Não contente em criticar o abuso da organização e o uso de todos os meios para impedir que os membros do sindicato dos diretores possuam muito poder em suas mãos, por serem simplesmente os líderes dos associados, os individualistas começaram a lutar contra a mesma organização, sonhando em sempre ver novos tiranos até onde se tratava apenas de regular os assuntos sindicais mais simples. Também nesses casos, palavras como tiranização da minoria pela maioria e repressão da liberdade individual foram usadas erroneamente. Mas a crítica individualista não percebeu aqui o perigo de que, quando em uma organização de trabalhadores não há regulamentação, a autoridade pessoal e até a ditadura de indivíduos de ação são mais facilmente afirmadas, como na antiga sociedade combatida. Mais ainda do que nos sindicatos, o individualismo encontrou ressonância no período de transição sobre o qual estamos falando aqui, nos grupos e nos centros de estudo e agitação que se colocavam diretamente na frente das sociedades dos social-democratas. Recentemente, há pouco tempo, em vários países, foram discutidos problemas como os seguintes: Se votar e conceber resoluções em grupos revolucionários não é um repúdio à liberdade do indivíduo? Se os membros desses grupos puderem apelar, pagar regularmente suas contribuições para o fundo do grupo? Se você estiver autorizado a nomear um presidente dos grupos para anotar aqueles que pedirem para falar ou um secretário e, especialmente, um tesoureiro, porque todos são responsáveis perante os membros e isso estabelece um novo domínio, como ocorre nos social-democratas? Além disso, em relação à responsabilidade, o indivíduo soberano é um devedor de sua responsabilidade. Não acredite que é exagerado. Ainda assim, no Congresso Revolucionário Internacional em Londres em 1896, entre os presentes havia um stirneriano inveterado protestando toda vez que uma resolução precisava ser aprovada: O que, uma resolução? Eu não quero resoluções! Não cheguei a um acordo com os outros! Eu quero ser EU MESMO! Mas então a tendência comunista já tinha supremacia e o oponente foi informado: Você poderia ter feito isso em casa! Você não deve vir nos aborrecer.
Eu citei Cornelissen em detalhes, porque ele apertou a tecla com suas considerações e tudo sobreviveu como eu. Infelizmente, o espírito da época ainda não desapareceu completamente do movimento anarquista na Alemanha e continua a enlouquecer as pessoas aqui e ali que facilmente se embebedam com palavras vazias e não têm a capacidade de se aprofundar na substância dos conceitos. Essas pessoas estão apegadas às formas externas das coisas, porque sofrem de um fetichismo incurável que sempre representa as imagens de sua imaginação como a verdade realista. Basta recordar aqui apenas o Boletim que a Bolsa de Jovens Trabalhadores considerou oportuno publicar por ocasião do último congresso sindical em Düsseldorf. A mesma heresia autoritária e as mesmas réplicas que estavam completamente intactas pelas experiências do tempo. Apenas uma coisa foi mudada. A folhinha chama-se Der Vorgeschobene e é realmente algo novo. Bem, em uma sociedade tão iluminada de indivíduos soberanos também pode haver um rebanho, algo que ninguém jamais sonharia. Fora isso, são como velhos espectros noturnos que submergem novamente no túmulo, antes da primeira iluminação do amanhecer.
No momento em que o movimento anarquista retornou ao campo da ação de massa, assim como seus grandes pioneiros na época da Internacional, o problema da organização naturalmente teve que voltar à ordem do dia, e foi principalmente esse problema que deu origem à convocação do Congresso Anarquista Internacional de Amsterdã (1907) e da criação da Internacional Anarquista. O camarada francês Dunois iniciou o ponto Anarquismo e Organização, com um pequeno relacionamento, no qual apontou a natureza social da ideia anarquista e declarou que o anarquismo não é individualista, mas federalista e que pode ser definido como federalista em todos os campos. Na discussão, todos os camaradas, exceto o individualista holandês Croiset, se expressaram pela necessidade de organização. Com ênfase especial, ao nosso antigo camarada Errico Malatesta, que sempre foi um incansável campeão na organização de ideias.
Vamos tomar cuidado com a falsa concepção, diz Malatesta, de que a ausência de organização é uma garantia de liberdade; fatos palpáveis nos mostram o contrário. Um exemplo a seu favor: existem jornais anarquistas na França que não dependem de nenhuma organização, mas estão fechados a todos aqueles cujas ideias, estilo e pessoa têm o infortúnio de não se apaixonar por seus editores; nesse caso, alguns indivíduos têm mais poder para restringir a liberdade de opinião a outros, não como poderia acontecer com um jornal editado por uma organização. Fala-se muito de autoridade e autoritarismo. Esclareçamos de uma vez por todas o que se entende por tal. Não há dúvida de que nos revoltamos do fundo de nossos corações, e sempre nos revoltamos contra a autoridade representada pelo Estado e que persegue o único objetivo de manter a escravidão econômica na sociedade, mas nenhum anarquista, sem exceção, se recusaria a respeitar uma autoridade puramente moral que deve sua origem à experiência, inteligência e talento. É um erro grave acusar os partidários da organização, os federalistas, de autoritarismo, e é um grande erro acreditar que os chamados inimigos da organização, os individualistas, se condenaram voluntariamente a um isolamento completo. Sou da opinião de que a luta, que continua entre individualistas e apoiadores da organização, geralmente gira em torno de frases vazias, que não podem ter valor para fatos práticos. Na Itália, muitas vezes acontece que os individualistas não levam em conta que são anti-organização, mais organizados do que alguns defensores da organização, que a cada passo reafirmam sua necessidade e nunca a realizam na prática. Também acontece frequentemente que em grupos, onde se reivindica tanto a liberdade do indivíduo, um autoritarismo mais eficaz do que nas sociedades ditas autoritárias porque elas têm um presidente de mesa e adotam resoluções. Chega de frases vazias e vamos nos dedicar melhor a fatos práticos. Palavras separadas, fatos se unem. É hora de organizarmos nossas forças para obter uma influência decisiva nos eventos sociais.
Nesse sentido, o Congresso adotou várias decisões, criando um Bureau Internacional para facilitar as relações entre as diferentes organizações nacionais. O segundo Congresso da Internacional Anarquista a ser realizado no verão de 1914 em Londres e para o qual já foram notificados delegados de 21 países diferentes da Europa e América, foi interrompida pela guerra mundial que começou exatamente quando o congresso teve que ser realizado e os cinco membros que compunham o Bureau foram posteriormente dispersos por vários países.
A primeira parte da gigantesca catástrofe está agora para trás e seria impossível prever o que a segunda parte poderia nos trazer. Só podemos supor isso com contornos bastante obscuros. Imensos problemas surgem diante de nós, esperando por uma solução. O movimento anarquista sofreu muito em toda parte como resultado da guerra, e os camaradas de todos os países devem fazer o maior esforço possível para reunir nossas forças dispersas e revivê-las para a ação. Agora é concebido em toda parte que o movimento anarquista precisa de uma base organizadora para obter um resultado efetivo nas grandes lutas que nos são apresentadas e para que os socialistas estatais de uma ou outra tendência não se tornem os alegres herdeiros de nossa atividade e sacrifício. A Rússia nos deu um exemplo perspicaz a esse respeito. Lá, o movimento anarquista, apesar da enorme influência que exerceu sobre o povo, e apesar dos imensos sacrifícios com os quais os anarquistas contribuíram pela causa da revolução, acabaram sendo vítimas de sua dispersão e desorganização interna. Ajudou a exaltar os bolcheviques ao poder, e nossos camaradas sentem hoje seu sabor amargo. O mesmo acontecerá em todo lugar, desde que não consigamos nos unir em certas linhas de conduta e unir nossas forças nas organizações.
Na França, nossos camaradas se uniram na União Anarquista e realizam atividades satisfatórias. Hoje, na Itália, a União Anarquista é uma das organizações mais importantes e influentes do movimento operário italiano. Na Espanha, onde os anarquistas sempre concentraram o peso de suas atividades propagandísticas e organizadoras no movimento sindical revolucionário, imediatamente após a guerra a Confederação do Trabalho se desenvolveu com pressa. Depois de toda uma série de lutas, ela ficou um pouco despojada da publicidade devido à terrível reação que se alastrou por lá nos últimos dois anos, mas não desapareceu apesar das terríveis perseguições que sofreu e continua perdurando até hoje. Somente devido à sua atividade inabalável de organização, nossos camaradas espanhóis resistiram aos violentos ataques da reação e reafirmaram a estabilidade do movimento. Também em Portugal e na América do Sul, onde os movimentos estão intimamente relacionados ao espanhol, nossos companheiros no campo da organização contribuíram muito e têm as melhores esperanças para o futuro.
Na Alemanha, o anarquismo adquiriu um terreno firme, começando com a revolução, devido ao forte desenvolvimento do movimento anarco-sindicalista que abrange todos os elementos do movimento trabalhista anarquista. Na minha opinião, é o evento mais significativo em toda a história da evolução do anarquismo na Alemanha, apesar de ainda não ser suficientemente valorizado pela fração dos camaradas que são, em princípio, baseados no movimento operário e na organização. Quem sabe valorizar toda a odisseia desse desenvolvimento concebe que precisamente aqueles camaradas que deixaram de ser novatos no movimento devem estar especialmente interessados em acelerá-lo o máximo possível, porque um longo divisionismo, como podemos ver hoje na maioria das organizações extremistas existentes, teria sido ao mesmo tempo um colapso do movimento anarquista do qual não poderia ser restaurado por um longo tempo.
Capítulo 6
Queremos que você não fique confuso. Se defendemos com tanto fervor a organização aqui, não queremos de forma alguma afirmar que é um bálsamo para todos os tipos de doenças. Sabemos muito bem que o espírito que anima e inspira um movimento está na vanguarda; quando esse espírito está ausente, a organização é inútil. Você não pode ressuscitar os mortos organizando-os. O que interpretamos é que, onde o espírito realmente existe e onde estão as energias necessárias, é a organização das forças na base federativa o melhor meio para alcançar os melhores resultados. Na organização, há um campo de atividade para todos. A estreita cooperação dos indivíduos por uma causa comum é um meio poderoso para aumentar a força moral e a solidariedade de cada membro. É absolutamente falso afirmar que a individualidade e o sentimento pessoal estão perdidos na organização. Pelo contrário, precisamente por causa do contato constante com iguais, as melhores qualidades da personalidade são exibidas recentemente. Se o individualismo é entendido como nada além do constante polimento do EU e o medo ridículo de que, em todo contato próximo com outros homens, há um perigo para a própria pessoa, esquece-se de que nela reside o maior obstáculo ao desenvolvimento da individualidade. Quanto mais intimamente um homem está vinculado a seus vizinhos e mais profundamente ele sente suas alegrias e dores, mais profundo e rico é seu sentimento pessoal e maior sua individualidade. Pode-se afirmar com segurança que o sentimento personalista de um homem se desenvolve diretamente a partir de seu sentimento social.
É por isso que o anarquismo não é contrário à organização, mas seu defensor mais fervoroso, é claro, assumindo que é uma organização natural de baixo para cima, que nasce das relações comuns dos homens e encontra sua expressão em uma cooperação federativa das forças. É por isso que também combate toda imposição dessa cooperação que é imposta de cima aos homens; porque destrói as relações naturais entre eles, que é a base de toda organização real e faz de cada indivíduo uma parte automática de uma grande máquina administrada pelos privilegiados e que trabalha para determinados interesses privados.
Pode-se, como Malatesta, repousar todo o peso sobre a organização dos grupos anarquistas e sua união federativa, ou estar com Kropotkin, para que os anarquistas continuem com seus pequenos grupos e depositem todo o peso de suas atividades nas organizações sindicais. Pode até representar o mesmo ponto de vista de James Guillaume, o valente parceiro de luta de Bakunin, de modo que nem se fala em organizações anarquistas especiais, mas antes trabalha exclusivamente dentro dos sindicatos revolucionários para a evolução e o aprofundamento do socialismo libertário. Essas são disparidades de critérios que se prestam à discussão, mas a necessidade da organização ainda está estabelecida.
Agora, antes da tempestade se aproximar, essa necessidade é mais urgente. As contradições sociais tornaram-se mais palpáveis em todos os países, e enormes massas do proletariado ainda são dominadas pela crença de que o uso da violência estatal pelo próprio proletariado a coloca em posição de resolver o problema social. Nem mesmo o terrível colapso do Oriente pode curar a maior parte dessa presunção. É absurdo pensar que o socialismo de Estado perdeu seu poder fascinante sobre as massas. É exatamente o contrário, e acima disso deve ser colocado diante do espírito de servidão geral, o IDEAL DA LIBERDADE E DO SOCIALISMO. Uma luta, uma luta impiedosa a todas as forças da tirania e a todos os idólatras do poder e do domínio, sob qualquer máscara que eles estejam protegidos. O destino do nosso próximo futuro está na balança da história. Eles devem, portanto, unir todas as forças em uma grande aliança e abrir as portas para um futuro livre.