Nota do tradutor: O ensaio que você vai ver tem sua profundidade. Eu o traduzi porque o mesmo ilustra bem o quão rasas e sem base são as acusações contra Proudhon. Há também um questionamento do conceito de pequena burguesia o qual me parece desnecessário ao primeiro olhar e com o qual eu não sei se concordo, mas o qual também não anularei e deixarei para o julgamento de quem está lendo.
Rudolf Rocker
Sobre o Conceito do Pequeno Burguês
Proudhon. Li não apenas todas as suas obras, mas também 14 volumes de suas correspondências e tirei grande proveito. Ainda possuo uma coleção completa de tudo que escrevia diariamente em jornal, da qual se pode obter uma imagem fiel dele e de sua época. Quem pensa que Proudhon pode ser simplesmente descartado como um pequeno-burguês nunca se deu ao trabalho de realmente conhecê-lo. Aliás, isso só acontece na Alemanha, onde, sob a influência do marxismo, todos os outros movimentos sociais foram suprimidos ou nunca realmente emergiram. Foi o próprio Marx quem tentou descartar Proudhon e todos os oponentes que não lhe eram convenientes com o termo sem sentido de pequeno-burguês e aqui na Alemanha em particular isso foi tomado como revelação, sem sequer se fazer o esforço de perguntar o que alguém realmente deveria entender com o termo.
O que é um pequeno-burguês? Na melhor das hipóteses, é apenas um termo sociológico muito vago. Pode-se entendê-lo como (referente a) uma pessoa que ganha a vida com em uma condição econômica confortável. Mas o que se ganha com isso? Absolutamente nada. Se fosse possível provar que uma pessoa que pertence economicamente a uma determinada classe social dependesse desta para seus pensamentos e ações, a questão seria rapidamente resolvida. Mas ninguém conseguiu fornecer essa prova até agora. Quase todos os grandes pioneiros do pensamento socialista vieram do campo da pequena burguesia, da alta burguesia, da aristocracia e dos intelectuais. Apenas Weitling, Proudhon e alguns outros vieram da classe trabalhadora. (Observe! Não estou falando aqui dos seguidores do socialismo, mas de seus fundadores teóricos.) Quando enfatizo aqui que Proudhon veio da classe trabalhadora e teve que ganhar a vida como compositor durante muitos anos de sua vida, não considero isso sua vantagem especial e muito menos a causa de seu desenvolvimento intelectual.
Ainda sabemos muito pouco ou nada sobre a causa interna do talento criativo de uma pessoa tão brilhante como Proudhon. Mesmo o psicólogo mais perspicaz ainda não foi capaz de desvendar esse segredo da natureza para nós; mas é certo que esse impulso criativo interno não pode ser explicado pelo fato de uma pessoa pertencer a uma determinada classe social. Mas o termo “pequeno-burguês” não pode ser aplicado a Proudhon, mesmo se o analisarmos de puramente sociológica, porque ele nunca foi membro da pequena burguesia por descendência, e nem mais tarde, quando abandonou a composição tipográfica e se dedicou inteiramente à escrita.
Marx não queria que fosse entendido dessa forma. Ele usou a palavra em um sentido puramente desdenhoso porque acreditava que poderia atingir seu oponente mais forte com ela. Se a palavra tivesse sido para ele apenas um meio sociológico de classificação, como a divisão da Terra em latitude e longitude feita pelo geógrafo, ele teria que julgar seu mais próximo e talvez único amigo, o rico industrial Friedrich Engels, de forma semelhante, cuja situação econômica ia muito além do padrão de vida da pequena burguesia.
Mas ele nem sequer pensou nisso. Apesar da visão materialista da história, a palavra tinha para ele um significado puramente psicológico, com um gosto residual irônico. O que ele queria que fosse entendido por ela era uma pessoa sem imaginação que não consegue ir além das profundezas do pensamento, ou que é comumente chamada de filisteu. Hoje, a palavra “contrarrevolucionário” cumpre a mesma função, e como esse elogio se tornou monótono ao ponto do tédio, onde qualquer um que não jure pela sabedoria do Kremlin agora também é chamado de “fascista”, já que nenhum outro termo está disponível.
Mas quem considera Proudhon um filisteu ou mesmo uma pessoa de inteligência limitada jamais tentou penetrar em sua obra ou mesmo fazer-lhe justiça como ser humano. Proudhon foi, sem dúvida, um dos pensadores mais ousados de todos os tempos e levantou questões que continuarão a preocupar as pessoas por séculos. Ele também foi um verdadeiro guerreiro que seguiu suas convicções interiores com uma honestidade incorrupta e nunca se calou sobre coisas que precisavam ser ditas por conveniência ou cálculo pessoal. Nenhum homem foi odiado tão amargamente por reacionários de todos os tipos quanto ele, algo que ele frequentemente teve que vivenciar em primeira mão. Um homem que teve que definhar na prisão por anos por suas convicções e que mais tarde, já atormentado pela doença, só conseguiu escapar de novas perseguições sendo banido, certamente não era um filisteu. Seja qual for o julgamento de suas opiniões, ninguém pode, de boa fé, acusá-lo dessa forma.
Proudhon tem sido frequentemente acusado de inconsistência por julgar as coisas de forma diferente em suas obras posteriores do que em seus primeiros escritos. Mas é justamente aí que está a sua grandeza. Ele foi um homem que lutou incansavelmente consigo mesmo e, portanto, estava sempre em processo de transformação. Para a maioria das pessoas, a consistência só começa quando os pensamentos estão congelados. Mas ele mesmo disse certa vez, com um toque de ironia: “Uma pessoa consistente é alguém que está mentalmente exausto e não consegue mais se superar”. Devemos sempre nos lembrar dessas palavras hoje, quando nosso espírito começa a secar devido à enxurrada de slogans. Somente quando finalmente nos libertarmos do lixo da propaganda dos canalhas da direita e na esquerda, tão ocupados hoje, para realmente abordarmos os grandes problemas que nossa época nos apresentou, uma nova ascensão espiritual poderá começar. Quanto mais rápido e completo for isso, melhor.