Título: Gêneros e Sexualidades em Movimentos Anarquistas
Data: 2012
Fonte: Tradução do capítulo “Gêneros e Sexualidades em Movimentos Anarquistas”, originalmente publicado em inglês no livro “The Continuum Companion to Anarchism” (2012), organizado por Ruth Kinna e editado por Continuum International Publishing Group.
Notas: Tradução de Cello L. Pfeil

“Nossa tarefa como anarco-feministas não pode ser nada menos do que mudar o mundo e, para isso, precisamos consultar as nossas heroicas antecessoras”. [1]

Roxanne Dunbar-Ortiz

“Os queers radicais conseguiram explorar a energia erótica/sexual para vivificar o seu ativismo de uma forma única; . . . talvez no futuro as pessoas de todos os gêneros e orientações sexuais sejam capazes de mobilizar esta força que dá vida contra as forças de morte com que nos confrontamos nas nossas lutas pela justiça.” [2]

Liz Highleyman

Introdução

Os contemporâneos movimentos sociais anarquistas europeus e norte-americanos são bastante ativos em questões de gênero e sexualidade, influenciados por e produzindo teorias e práticas feministas e queer radicais. O propósito deste capítulo é traçar uma genealogia de vários desses movimentos, fornecendo recursos para pesquisas futuras. Isto representa um desafio tanto em termos de metodologia como de fontes de pesquisa. As práticas anarquistas são facilmente distorcidas pela codificação textual. Dada a importância da experiência e da ação, valorizando diferentes tipos e áreas do saber, e examinando a multiplicidade de opressões que se cruzam, as feministas anarquistas e os anarquistas queer desenvolveram metodologias e práticas de escrita específicas que serão aqui destacadas.

As primeiras mulheres anarquistas desafiaram a estrutura familiar patriarcal, defendendo a autonomia corporal, o acesso a métodos contraceptivos, a igualdade de gênero e a liberdade sexual. Ao mesmo tempo que desafiavam a dominação masculina, também rejeitavam a dominação do Estado, recusando-se a participar nas lutas pelo sufrágio feminino. No início do século XX, as mulheres anarquistas envolveram-se cada vez mais em uma série de questões, desde os direitos dos trabalhadores imigrantes até organizações anti-guerra. Simultaneamente, anarquistas desempenharam um papel no crescente movimento de emancipação LGBTQ [3], à medida que estas lutas emergiram. As anarquistas feministas e queer envolveram-se numa multiplicidade de estratégias e táticas, desde publicações clandestinas e panfletagem até ação direta e protestos, bem como práticas cotidianas, como comunas de habitação e amor livre, muitas vezes transgredindo as normas sociais e a lei. Emergindo desta multiplicidade de ações anarquistas, os movimentos anarquistas queer e feministas contemporâneos têm desenvolvido análises e práticas interseccionais que levam em consideração as políticas interrelacionadas de sexualidade, gênero, antirracismo, (i)migração, imperialismo, colonialismo, capacitismo, trabalho sexual, brutalidade policial, o complexo industrial-prisional, capitalismo e o Estado, entre outros.

Os movimentos anarcofeministas e anarcoqueer [4], como passaram a ser conhecidos, desenvolveram-se em articulação tanto com o movimento anarquista mais amplo, predominantemente branco-heterossexual-masculino, como com os movimentos radicais feministas e queer. Como tais, anarcofeministas e anarcoqueers conseguiram implementar práticas e teorias revolucionárias em cada um dos movimentos anarquistas, feministas e queer, ao mesmo tempo em que, dentro desses movimentos, atuavam em posições que eram ou são, por vezes, marginalizadas, isoladas ou em tensionamento. Por um lado, desafiam as opressões sexuais e de gênero, tanto no mundo em geral como dentro do movimento anarquista, levando anarquistas não-feministas e não-queer a considerar o que é frequentemente rotulado como questões feministas e queer, incluindo o corpo, a parentalidade, o trabalho sexual, o capacitismo, a saúde e a saúde mental. Por outro lado, desafiam os movimentos feministas e queer a considerar opressões interseccionais para com sexo e gênero, tais como capitalismo, classe, pobreza, trabalho e habitação, em que a análise e a prática anarquistas são particularmente fortes. Por último, incitam todos estes movimentos a considerar a raça e o colonialismo, as prisões, as fronteiras, a imigração, a brutalidade policial etc. Ao mesmo tempo, os movimentos antirracistas e anticoloniais nem sempre são aliados diretos dos métodos ou grupos de organização anarcofeministas e anarcoqueer por uma série de razões, que precisam ser mais exploradas.

Assim como anarquistas queer e feministas têm frequentemente vivenciado atritos com e dentro de movimentos anarquistas, feministas e queer, também têm se inspirado nas literaturas distintas desses três díspares movimentos. Este capítulo tem, portanto, o modesto objetivo de guiar os leitores a uma série de fontes e tópicos, de modo a criar um "espaço delimitado" nos estudos convencionais que lhes conduzirá a uma diversidade de metodologias e fontes anarcofeministas e anarcoqueer. Começaremos por abordar os movimentos anarcofeministas, seguindo para os movimentos anarcoqueer e, posteriormente, consideraremos as intersecções entre estes e o anarquismo antirracista e a defesa de profissionais do sexo, para analisar dois estudos de caso de organização nas ruas. Concluiremos com algumas considerações preliminares sobre novas direções para a investigação anarquista à luz das teorias, políticas e práticas anarcofeministas e anarcoqueer.

Repensando as Histórias Anarcofeministas e Anarcoqueer

Desde o princípio do movimento anarquista, as mulheres anarquistas desafiaram a dominação masculina na sociedade em geral, e as maneiras pelas quais ela é replicada dentro do movimento anarquista. Da mesma forma, ativistas radicais LGBTQ contestaram a homofobia, o heterossexismo e a heteronormatividade [5] na sociedade em geral e no movimento anarquista em particular. Contudo, este esforço nem sempre é documentado ou valorizado. Hoje, no entanto, existe um movimento crescente para repensar e revalorizar estas histórias, incluindo o momento atual, como um projeto que apresenta benefícios e desafios.

Judy Greenway sugere que há cinco metodologias adotadas para recuperar historiografias anarcofeministas. A "abordagem aditiva" tem como objetivo incorporar elementos em falta nas histórias existentes; o "curto-circuito Emma Goldman" é a tendência para assumir que "Emma já disse tudo" [6]; e a "abordagem das questões das mulheres" estuda temas como a sexualidade, estereotipadamente considerados da competência das mulheres [7]. A "abordagem inclusiva" estuda o papel das mulheres em eventos notórios [8]; enquanto a "abordagem transformadora" analisa de forma crítica as histórias de gênero, para pôr em evidência o privilégio masculino e o apagamento feminino [9]. Greenway apresenta as vantagens e limitações de cada abordagem. Ela argumenta que, sendo anarquistas, é necessário não apenas recuperar as histórias apagadas, nem somente apontar para uma ou duas personagens importantes como Goldman ou Louise Michel, mas sim desafiar a natureza fundamentalmente hierárquica da produção de histórias [10]. Além disso, Greenway considera que "escrever e lutar" são vistas como tarefas importantes na organização anarquista masculina-branca-heterossexual, deixando de fora as vozes femininas e queer [11]. No entanto, como ela argumenta, "os tipos mais valiosos de histórias falam em muitas vozes; levantam mais perguntas do que respostas; fornecem histórias e análises cautelosas e inspiradoras que alimentam a imaginação, [e] sugerem novas possibilidades" [12]. Como Roxanne Dunbar-Ortiz afirma, a valorização das anarcofeministas nas histórias é crucial [13]. A política prefigurativa anarquista sugere que os meios de produzir histórias são tão importantes como as histórias produzidas. As metodologias anarcofeministas centradas na reformulação de conteúdos devem também envolver-se em práticas epistemológicas anti-hierárquicas críticas. O nosso capítulo tenta fazer as duas coisas.

Ao repensar as histórias, é importante avaliar quais as práticas políticas que são valorizadas, de modo a recuperar os textos e as histórias que refletem estas práticas de valores. Um sistema alternativo de valores é praticado em organizações anarcofeministas e anarcoqueer que envolvem cooperação, colaboração, inclusão e consenso dentro de coletivos não-hierárquicos. Aqueles que falam sempre para os meios de comunicação social, aqueles que ocupam demasiado espaço nas reuniões, os que se voluntariam constantemente para fazer tarefas glamorosas e os autodesignados líderes são criticados em vez de lhes ser conferido poder. Os anarquistas queer e feministas ganhariam reconhecimento e aprovação de um grupo não dominando, mas sim partilhando competências, recursos e praticando o apoio mútuo. Este importante conjunto de valores orienta, portanto, o atual processo de produção histórica.

Ler as histórias anarcofeministas e anarcoqueer através desta lente revela o propósito de partilhar a produção de conhecimento coletivamente, sem que nenhum indivíduo receba os créditos. Kytha Kurin argumenta que, nos anos ‘70, as mulheres anarquistas do movimento pela autonomia corporal estavam "[cientes] de que as estruturas autoritárias, quer do Estado quer de grupos políticos radicais, retêm o poder da autoridade acumulando e mistificando o conhecimento, [por isso] as feministas tentaram evitar tornar-se as "novas especialistas"" [14]. As fontes históricas usuais, tais como livros de um só autor, artigos de jornais acadêmicos e até mesmo textos anarquistas predominantes são portanto inadequados aos nossos objetivos, uma vez que reproduzem as estruturas de dominação epistemológica aqui postas em questão. Assim, temos de pesquisar em outros locais, avaliar os textos que encontramos de forma diferente e recusar a posição de especialistas.

Recentemente, várias anarcofeministas decidiram investigar em coletivos, tais como o coletivo canadense CRAC, que está documentando o meio antiautoritário feminista e pró-feminista no Quebeque. Anarcofeministas também publicam coletivamente textos como Quiet Rumours, originalmente uma série de seis panfletos e agora um livro antológico compilado pelo Dark Star Collective (2002). Grupos anarquistas como Les Panthères Roses (LPR) e Anti-Capitalist AssPirates (grupos de ação direta anarquista queer em Montreal), Gay Shame (um grupo global anticapitalista queer que desafia a corporativização das marchas do orgulho gay) e Queeruption (um encontro anarquista global) também publicam textos em colaboração, como as várias zines e e-zines do Queeruption, os vídeos do coletivo anarquista Les Lucioles de mídiativistas de Montreal, ou Crée par Queers Made This, a recente antologia bilingue de arte queer de cartazes de Montreal produzida pela QTeam (2010) [15]. Equilibrar a necessidade de recuperar e arquivar as nossas histórias para as gerações presentes e futuras com a preocupação de nos tornarmos os "novos especialistas" é um dos desafios que enfrentamos, em que o nosso objetivo é tanto recuperar histórias como produzir novos métodos críticos para a produção histórica anarquista [16].

A organização e o pensamento feminista anarquista talvez tenham sempre manifestado as valorizadas qualidades das trocas coletivas e abertas de ideias ligadas à produção não-hierárquica de conhecimento. No entanto, as metodologias tradicionais de escrita da história obscurecem este aspecto. Como Anne Lopes demonstra em seu estudo de caso sobre a historiografia do movimento Berlin Women (2009), os textos publicados por editoras tradicionais tendem a ser tratados como mais legítimos do que as produções populares [17]. Mas estes textos tradicionais estão disponíveis porque o privilégio (ao longo das linhas de raça, classe e gênero) torna sistematicamente mais fácil publicar o trabalho de alguém. Além disso, estes textos são entendidos como um produto exclusivo de seus respectivos autores, apesar de os membros dos grupos anarquistas trabalharem coletivamente na troca de ideias, e provavelmente terem contribuído para o desenvolvimento do pensamento que foi subsequentemente escrito por um único autor. Os textos de um só autor podem ser criticados dentro do meio anarquista, com base no modo de publicação, na análise política, nas contradições com as lutas anarcofeministas, anarcoqueers e antirracistas e na omissão de histórias, imagens e vozes importantes. Estas críticas não circulam, no entanto, juntamente com os textos, de modo que as ideias dos textos e sua atribuição individual aos autores se propagam. Assim, embora os textos tradicionalmente publicados sobre anarquismo possam ser fontes valiosas, o resultado é que o cânone anarquista não constroi nem reflete a diversidade, as contradições e o debate aberto e síncrono que caracteriza a teorização anarquista vivida e as práticas dos coletivos. Cria-se, assim, uma contradição fundamental na qual a história e a teoria anarquistas são produzidas, propagadas e lidas de uma forma que é antitética à sua própria política. A implicação destes textos na metodologia hegemônica da história clássica faz deles um veículo inerentemente precário para a transmissão de ideias anarquistas.

Embora Greenway considere cada abordagem da metodologia feminista como limitada, ela argumenta que, em conjunto, elas podem ajudar a "repensar toda a estrutura" das histórias, reabrindo completamente as histórias e questionando "Quem conta como história?", "O que conta como história?" e "Onde procuramos?” [18]. Por exemplo, os relatos históricos sugerem que os primeiros grupos anarquistas eram predominantemente masculinos. É possível, no entanto, que o número de mulheres no movimento anarquista nos períodos pré-guerra e entre-guerras tenha sido grosseiramente subestimado devido a um viés historiográfico que desconsidera a participação das mulheres. Os registros policiais de Paris nos anos '20, por exemplo, sugerem que poucos dos anarquistas sob vigilância das autoridades eram mulheres [19]. No entanto, as forças policiais são notoriamente patriarcais e, portanto, tenderiam a subestimar qualquer ameaça real ou percetível por parte das mulheres anarquistas. Estereótipos comuns mantidos por historiadores masculinos sobre mulheres politicamente ativas - por exemplo, que os seus grupos eram voláteis, 'desqualificados', especialmente propensos ao sectarismo ou essencialmente ineficazes - afetaram a historiografia do movimento [20], como Lopes argumentou, e podem também ser responsáveis por deturpações e exclusões de movimentos revolucionários de mulheres.

Para remediar este fenômeno, Lopes (2009) utilizou uma metodologia genealógica foucaultiana para estudar o movimento feminino berlinense de 1880, fortemente influenciado pelo anarquismo. A autora constatou que o movimento foi historiado de forma incorreta, apesar de sua relativa importância, por duas razões. Em primeiro lugar, temendo a repressão estatal, os organizadores destruíram muitos dos seus próprios documentos. Em segundo lugar, a maioria das histórias deste movimento pode ser rastreada até uma obra de 1889 fortemente influenciada por estereótipos femininos negativos, abordando muitos dos aspectos mais interessantes dos grupos de forma desdenhosa [21]. A recuperação que Lopes faz dessas histórias talvez seja enriquecedora, mas também conduz a uma reabertura e reordenação da história anarquista, distanciada das narrativas orientadas para os homens. Se o movimento de mulheres de Berlim foi enterrado por documentos perdidos e percepções tendenciosas, e as estimativas da participação feminina nos grupos anarquistas parisienses do século XIX são igualmente distorcidas, o que é que isso significa para as histórias feministas anarquistas? Para além de fazer um esforço de recuperação, esta constatação põe em causa outras histórias que se baseiam em fontes sistematicamente enviesadas em termos de gênero.

Para pensar criticamente sobre fontes e metodologias históricas, podemos recorrer à cooperação, à colaboração e à construção de consensos como valores defendidos não só por anarcofeministas e anarcoqueers, mas por todos os anarquistas, pondo em discussão o valor de textos e ações de homens cuja 'escrita e luta' não seja coletivamente orientada de forma não-hierárquica. Não estamos postulando um falso binário entre o indivíduo e o coletivo, pois o sucesso do indivíduo e o sucesso do coletivo são mutuamente dependentes. Também não estamos fomentando uma divisão entre anarcofeministas/anarcoqueers e homens anarquistas, já que a maioria dos homens anarquistas são (pró)feministas, anti-heteronormativos, e talvez queer ou homens trans. Em vez disso, questionamos o processo através do qual se atribui maior valor a publicações como livros de autor único e artigos acadêmicos do que a zines, livros de pequena imprensa, textos independentes, posters, folhetos, adesivos, manifestos auto-produzidos, antologias e outros materiais DiY [22] - por anarquistas e por historiógrafos. A antologia anarquista de Allan Antliff, Only a Beginning (2004), é um excelente contraponto a isto, com seções sobre feminismo, sexualidade, patriarcado, os Vancouver Five e os Wimmin's Fire Brigade, cada uma introduzida por um escritor diferente [23]. Por conseguinte, como correção parcial às fontes históricas canônicas potencialmente distorcidas, iremos recorrer tanto a trabalhos acadêmicos como a publicações DiY, reconhecendo que o material DiY é igualmente importante para o conteúdo e a metodologia deste capítulo. Este tipo de investigação apresenta outros desafios, uma vez que se trata de algo mais difícil de apurar e é frequentemente específico de cidades ou regiões locais.

Publicações, Públicos, Ações e Interseções Anarcofeministas

Curiosamente, no século XIX e início do século XX, muitas mulheres anarquistas não se consideravam feministas. No entanto, elas tiveram um papel relativamente proeminente nos públicos anarquistas - mesmo em momentos em que as mulheres eram quase totalmente excluídas dos espaços públicos em geral. Em particular, a publicação, os espaços públicos radicais e as ações diretas são três áreas onde as mulheres anarquistas exerceram influência. Além disso, a história incipiente das mulheres que lutam pelo reconhecimento da interseccionalidade das opressões, tal como descrito acima, teve um impacto duradouro no movimento anarcofeminista contemporâneo.

Dentre os anarquistas do pré-guerra, as mulheres ocupavam muitos papéis ativos, particularmente na escrita, edição e publicação de jornais anarquistas, e como oradoras públicas populares. No período pré-guerra, A. A. Davies foi uma das editoras do jornal Freedom [24]. As irmãs Rossetti, Olivia e Helen, publicam a revista The Torch desde a adolescência [25] e são co-autoras do romance realista A Girl Among the Anarchists, sob o pseudónimo Isabel Meredith (1903) [26]. No mesmo período e no período entre guerras, Jeanne Humbert publicou La Grande Réform com seu marido Eugene, contribuindo com muitos artigos [27]. Nos Estados Unidos, Emma Goldman editou e publicou o jornal anarquista Mother Earth (1906-17), que foi reunido em Anarchy! An Anthology of Emma Goldman's Mother Earth (Glassgold, 2000).

Em sua autobiografia, Goldman menciona uma jovem organizadora ativa chamada Annie Netter e a sua mãe. A "Sra. Netter mantinha a casa aberta" [28], oferecendo um espaço para refeições e discussões políticas. Da mesma forma, Charlotte Mary Wilson foi uma líder anarquista de longa data na Londres pré-guerra, muitas vezes organizando reuniões em sua casa em Hampstead [29]. É interessante que as mulheres anarquistas que se destacavam tendiam a transformar o espaço doméstico privado das suas casas em espaços quase públicos, um ato particularmente transgressor numa época em que o lar burguês estava estruturado em torno da privacidade da família [30]. Habermas descreveu esta domesticidade como central para a família burguesa patriarcal, que se diferenciava da aristocracia, que tinha um espaço familiar muito menos íntimo, e das pessoas "comuns", que viviam mais comunitariamente [31]. Ao trazerem a discussão política para a esfera doméstica a partir do mundo público, onde as mulheres não eram bem-vindas, as mulheres anarquistas da classe média, como Annie Netter e Charlotte Wilson, diluíram a divisão público/privado e, consequentemente, perturbavam a família burguesa patriarcal.

As mulheres anarquistas, para além do seu papel nas publicações e nos públicos, eram também conhecidas na ação direta e na violência política. O envolvimento em ações diretas violentas sugere que as mulheres estavam emancipadas dos papéis passivos de gênero, ou que as mulheres anarquistas da época não tinham tido a chance de contribuir com abordagens estereotipadamente femininas ao anarquismo? O envolvimento de mulheres anarquistas em espectáculos públicos indica que elas estavam mais habituadas a papéis públicos do que as mulheres de outros movimentos. O assassinato tem sido desde há muito um elemento básico das caricaturas anarquistas e, no final do século XIX, não só os homens anarquistas mas também as mulheres anarquistas recorreram a esta tática. Na Rússia, por exemplo, em 1878, a conhecida anarquista Vera Zasulich matou Trepov, o chefe da polícia de São Petersburgo [32]; e em 1881 a costureira Geza Gelfman esteve envolvida no assassinato do czar russo Alexandre II [33]. Em 1892, Emma Goldman esteve envolvida em um plano com Alexander Berkman para assassinar o industrial Henry Clay Frick, que estava a interromper uma greve, e depois disso recusou-se firmemente a denunciar a violência. Em 1923, Germaine Berton matou um político francês de direita [34]. Estes casos de violência politicamente motivada, apesar de controversos, foram apoiados por homens anarquistas e demonstraram uma vontade por parte das mulheres anarquistas de ultrapassar os papéis passivos e domésticos que lhes eram atribuídos pela sociedade.

Mais recentemente, na década de 1980, no Canadá, Ann Hansen e Julie Belmas fizeram parte de um pequeno grupo de guerrilha chamado Direct Action, também conhecido como os Vancouver Five, que bombardeou vários campos militares e prejudiciais para o meio ambiente [35]. Eram também membros da Wimmin's Fire Brigade, que bombardeou três lojas da Red Hot Video, que faziam parte de uma rede que vendia "cassetes que mostram mulheres e crianças a serem torturadas, estupradas e humilhadas" [36]. Neste caso, podemos constatar que aquilo que é retratado como violência dura nos meios de comunicação social deriva, na verdade, de um profundo respeito pela vida humana e animal, para além de um simples modo estereotipado de educação feminina. Além disso, estes exemplos demonstram o colapso do binário de gênero que define a ação como masculina e a criação como feminina - uma vez que estas mulheres faziam ambas as coisas.

Em “Anarchism and Feminism”, Sharif Gemie faz uma leitura histórica da forma como o sexismo e o patriarcado da sociedade em geral foram refletidos pelos ativistas e escritores masculinos no meio anarquista europeu entre 1840 e 1940. Não é de surpreender que, desde o final do século XIX até a Primeira Guerra Mundial na Europa Ocidental, as mulheres anarquistas estivessem frequentemente em desacordo com alguns homens anarquistas que eram resistentes às ideias feministas. As anarcofeministas desafiaram as atitudes estereotipadas em relação às mulheres, expandindo as análises anti-estado, anti-igreja e anticapitalistas do anarquismo para demonstrar as ligações destas formas de opressão institucional a outras formas de opressão, como o sexismo, o heterossexismo e o racismo. Gemie descobriu que isso começou no início do século XX, demonstrando "que os anarquistas eram capazes de aprender com as feministas" [37], uma estranha declaração, como se feministas e anarquistas fossem dois grupos mutuamente exclusivos, quando havia mulheres feministas entrincheiradas nas fileiras e em posições públicas de destaque no movimento anarquista. O artigo de Gemie, apesar do seu título auspicioso, em muitos casos reifica a posição dos homens como o centro do movimento anarquista.

Emma Goldman era uma feminista anarquista convicta que associava a sua análise do estado e da liberdade de expressão ao que muitas vezes são consideradas questões femininas, incluindo a sexualidade, os afetos, o trabalho sexual e o casamento. De acordo com Candace Falk, Goldman tinha um "sentido instintivo de que a sexualidade era uma força social crítica, inextricável da defesa política da liberdade de expressão" [38]. A análise de Goldman dos papéis de gênero estende-se, assim, das relações de propriedade baseadas na classe à sexualidade e ao casamento, e do amor livre à liberdade de expressão, demonstrando como o gênero, a classe, a liberdade de expressão, a sexualidade e os direitos de propriedade mantêm uma relação complexa entre si. Gemie sugere também que Goldman "rejeitava a estratégia de entrar nas estruturas do estado para as reformar, vendo "o Estado como destruindo ou amortecendo os impulsos libidinais e o lado emocional da vida"" [39]. Por outras palavras, Goldman construiu uma análise do estado que apontava para a sua intersecção e controle sobre a sexualidade e os afetos, práticas cotidianas importantes tanto para os homens como para as mulheres. Gemie, no entanto, interpreta este fato como uma confirmação de que Goldman acreditava que "as mulheres deviam procurar a sua libertação através de uma maior sintonia com a sua própria natureza" [40], uma posição que a obra de Goldman desmente.

A imagem que emerge das mulheres anarquistas neste importante período de 1880 a 1930 é a de um grupo de mulheres que ganharam proeminência no movimento anarquista através dos seus papéis na publicação, discurso público e organização anarquista em grupos de ação direta em torno de determinados assuntos, muitas vezes sem fazer parte de grupos feministas ou anarcofeministas organizados. Os movimentos contemporâneos continuam a registar tensões entre anarquistas feministas e não-feministas; algumas anarcofeministas, particularmente nas décadas de 1970 e 1980 na América do Norte, escolheram explicitamente uma estratégia separatista. De acordo com Kytha Kurin, “Enquanto sempre houve mulheres que se consideraram anarquistas, o termo anarco-feminista é um produto dos anos 70” [41]. O seu artigo em Only a Beginning, 'Anarcha-Feminism: Why the Hyphen', reproduzido do jornal anarquista canadense Open Road, 11 (1980), descreve como as mulheres se cansaram de lutar para serem ouvidas em grupos anarquistas e outros grupos de esquerda e começaram a se organizar em grupos só de mulheres. Anarcofeministas do final do século XX, como Elaine Leeder, Lynne Farrow, Carol Ehrlich e Peggy Kornegger, escreveram sobre as importantes conexões entre as políticas anarquistas e feministas em artigos antologiados em Reinventing Anarchy, Again (1996) e Quiet Rumours (2002). Quiet Rumours também reproduz um debate histórico sobre dinâmicas de poder informais, com 'The Tyranny of Structurelessness' de Jo Freeman e a resposta de Cathy Levine, 'The Tyranny of Tyranny'.

O feminismo da terceira onda, um movimento popular radical por vezes de mãos dadas com o anarquismo, colocou em primeiro plano a interseccionalidade de identidades e ideias. Em "Anarchy Girl Style Now: Riot Grrrl Actions and Practices" (2009), Caroline Kaltefleiter reflete sobre as suas próprias experiências políticas formativas como anarcofeminista numa subcultura anarco-punk americana que se separou da cena punk dominada pelos homens, refletindo a política anarcofeminista nas suas letras musicais e estilos de organização. As mulheres ativistas em questões de paz, veganismo, pacifismo, racismo e imperialismo também eram musicistas na cena anarco-punk [42]. Este movimento teve o seu início "no verão de 1991, quando um grupo de cinco jovens mulheres em Washington, DC, se juntou em resposta à gentrificação do bairro, à discriminação racial e aos atentados à bomba contra clínicas de aborto" [43], abordando três questões locais interseccionais: pobreza e classe (gentrificação), raça (discriminação racializada da polícia) e sexualidade ou gênero (justiça reprodutiva). A interseccionalidade é agora uma abordagem chave na teoria anarcofeminista.

Ao longo desta história, as anarcofeministas têm participado e transformado tanto a política anarquista como a feminista - encorajando os grupos anarquistas a desafiarem o binário de gênero e as dinâmicas de grupo baseadas no gênero, e a levarem a sério as questões das mulheres; e desafiando as feministas a tomarem medidas em relação a questões de raça, classe, capitalismo, estado, colonialismo, prisões, brutalidade policial e direitos LGBTQ, entre outros, à medida que se cruzam com o feminismo.

Públicos, Publicações, Ações e Interseções Anarcoqueer

Tal como a dupla abordagem das anarcofeministas, os anaroqueer estão empenhados em lutas contra a heteronormatividade do mundo em geral, bem como dentro do meio anarquista, apesar de os militantes e artistas queer, tal como as mulheres, estarem há muito tempo presentes entre os anarquistas. Além disso, as histórias e as preocupações da teoria e do ativismo queer, embora por vezes se inter-polinizem, não são idênticas.

Embora o ativismo gay tenha as suas raízes no início do século XX, o que hoje se pode considerar ativismo queer radical surgiu no movimento dos direitos civis dos EUA, ou por volta dele, nas décadas de 1960 e 1970. Isto foi bem antes do surgimento da teoria queer na Europa, na década de 1980, a partir do campo do pós-estruturalismo dominado por homens brancos (Foucault 1984) e ainda mais tarde, na década de 1990, nos Estados Unidos, a partir da teoria radical feminista e de gênero [44]. As teorias e ações anarcoqueer contemporâneas traçam outras trajetórias, inspirando-se em movimentos de base como as riot grrrls e o grupo de protesto de ação direta queer conhecido como pink bloc. As teorias de gênero e o ativismo transgênero, queer e transexual, em grande parte da competência dos ativistas queer, têm permeado a organização anarquista desde meados da década de 1990. A teoria queer e a teoria feminista também têm trajetórias e raízes diferentes, embora com algumas sobreposições; além disso, nos espaços feministas e queer, as teorias e as práticas nem sempre são coextensivas. Por exemplo, enquanto a teoria transgênera pode desconstruir os binários de gênero e as performatividades na sociedade, na cultura e nos meios de comunicação social [45], as práticas transgêneras podem centrar-se nas necessidades cotidianas, como os cuidados de saúde, a identificação neutra do gênero e os banheiros [46] ou a negociação de desafios aos binários sexo/gênero no sistema jurídico [47]. Além disso, alguns grupos feministas, como o Michigan Women's Festival, não apoiam os direitos de transexuais, e alguns grupos anarquistas não se envolvem no ativismo ou na teoria queer.

Candace Falk sugere que tem havido tensões ao se trazer sexualidades alternativas à tona na organização anarquista, já que "sempre houve anarquistas que ou compartilhavam os preconceitos da cultura dominante ao considerar a sexualidade um assunto predominantemente pessoal, ou para quem até mesmo as questões mais importantes da vida privada permaneciam secundárias" [48] em relação às lutas contra o estado e o capitalismo. Terrence Kissack traçou a influência dos primeiros anarquistas no que ele chama de ativismo "homossexual", usando a nomenclatura histórica. Ele descobriu que os anarquistas do século XIX apoiavam a "homossexualidade", mas mesmo assim os discursos sobre o assunto não apareciam com frequência nas publicações anarquistas. Magnus Hirschfeld foi um dos primeiros anarquistas a falar publicamente e a tomar medidas coletivas a favor dos "direitos dos homossexuais" [49]. O seu Comitê Científico e Humanitário foi fundado em 1897, em Berlim, como um grupo de ativistas para "homossexuais" [50]. Kissack argumenta de forma mais geral que, nos Estados Unidos, o ativismo pelos direitos dos homossexuais tinha fortes raízes e apoio no meio anarquista. Nesse momento, em seus anos de formação, o movimento gay e lésbico defendia a assimilação (ou seja, que os gays seriam iguais aos heterossexuais), ao passo que o crescente enfoque anarquista e radical queer era a emancipação (ou seja, a sexualidade devia ser libertadora, dando ênfase à visibilidade queer, especificamente à cultura queer, ao orgulho gay e a se assumir) [51].

Durante o julgamento sensacionalista de Oscar Wilde, em 1895, os anarquistas, dentre os quais as bichas queers, foram os poucos que se opuseram à condenação pública e legal de Wilde [52]. O editor anarquista Benjamin Tucker foi o primeiro nos Estados Unidos a publicar a obra de Wilde na prisão, The Ballad of Reading Gaol [53]. Além disso, Emma Goldman foi uma das primeiras defensoras de Wilde, e reimprimiu o seu trabalho na Mother Earth [54] após a sua prisão. Vários anarquistas proeminentes nos Estados Unidos - desde a editora Margaret Anderson a ativistas da classe trabalhadora como Amelda Sperry, passando por Alden Freeman, um rico financiador de Emma Goldman - juntaram-se ao movimento anarquista por causa da sua posição progressista em relação à diversidade sexual [55].

As mulheres anarquistas, especialmente Goldman e Louise Michel, eram regularmente 'acusadas' de serem 'gays' ou 'demasiado masculinas' pelos seus compatriotas heterossexuais, demonstrando a tendência do anarquismo, primeiramente, de confundir performatividades de gênero não-normativas com sexualidades não-normativas e, segundamente, de condenar ambas. Goldman e Michel ficaram incomodadas com este policiamento das normas de gênero e sexualidade, e manifestaram-se contra o mesmo [56]. Alguns anarquistas do século XIX construíram laços valiosos com e dentro de grupos artísticos e ativistas queer.

Historicamente e na atualidade, protestos radicais queer e gênero-transgressores e outras ações são frequentemente anarquistas do ponto de vista tático. É famosa a participação de queers radicais nos motins de Stonewall, que tiveram lugar quando a polícia tentou invadir um bar gay em Nova Iorque, no final de junho de 1969. Os clientes reagiram, uma ação que se transformou num confronto de dois dias entre 400 polícias de choque e mais de 2.000 militantes queer e seus aliados. Mais recentemente, o grupo radical de ativistas queer Gay Shame desafiou a tendência capitalista das paradas do Orgulho Gay, uma orientação que privilegia a heteronormatividade e a homonormatividade dos corpos e das relações. Matt ilda (Matt) Sycamore-Bernstein, cuja auto-renomeação para além das linhas de gênero pode ser lida como revelação de uma identidade trans, documentou a história do movimento Gay Shame nos Estados Unidos. Para elu [57], é a esse legado de militância que os movimentos anarquistas contemporâneos se referem quando organizam ações diretas, incluindo desde encontros queer em praças, como o festival globalmente nomádico Queeruption (queerewind), zaps, kiss-ins e die-ins no centro comercial Queer Nation, até intervenções anti-capitalistas do Gay Shame no desfile do Dia do Orgulho Gay.

Alguns teóricos de gênero acadêmicos feministas, como Judith Butler e Eve Sedgwick, teóricos dos estudos da masculinidade, como Bobby Noble e Jackson Katz, e feministas queer antirracistas, como Audre Lorde, têm sido influentes no pensamento anarcoqueer. Para além disso, as teorias e abordagens transgêneras têm sido cada vez mais adotadas na organização anarquista [58]. A desconstrução do gênero a partir de uma perspetiva anarquista também tem lugar na poesia, como no livro de Trish Salah, Wanting in Arabic [59]. Na ficção, as questões trans e de gênero são um tema recorrente abordado por escritores anarquistas. Por exemplo, a ficção científica de Ursula LeGuin explora relações de gênero antiautoritárias. A obra mais famosa é The Dispossessed [60], que retrata um planeta anarquista a partir do qual uma sociedade descentralizada e igualitária em termos de gênero encontra o seu passado histórico capitalista e patriarcal sob a forma de um planeta semelhante à Terra, do qual foram exilados após a revolução. De forma um pouco diferente, A Mão Esquerda da Escuridão [61] prevê um mundo em que ninguém tem género, exceto quando se deseja envolver-se sexualmente com alguém. Estes romances não são lidos apenas por anarquistas queer, mas pelo meio anarquista em geral, bem como por um público de ficção científica. Como tal, estes textos são capazes de desafiar os binários de gênero e de criar um espaço, tanto no pensamento anarquista como no mainstream, para ideias, políticas e ações radicais de gênero e queer.

Para explorar as teorias e práticas anarcoqueer, podemos olhar para vários textos alternativos. Um exemplo de um texto DiY sobre a transcendência do binário de gênero é a zine Gouixx (2005), uma zine de língua francesa auto-publicada pelo grupo Gouixx em Montreal. Ela aborda explicitamente a transfobia, que os autores definem como "o ódio às pessoas que questionam o binário homem-mulher, quer vivendo um gênero diferente do que lhes foi atribuído à nascença, quer não sendo assimiladas à categoria homem ou mulher" [62]. "Pode ir de um simples olhar a um assassinato" [63], um leque que mostra bem o que está aqui em causa. Nesta zine, vemos a política queer do corpo, a autonomia corporal e a liberdade sexual explicitamente articuladas através de informação específica sobre práticas para além das "normas do hetero-patriarcado" [64]. Outras zines francófonas de Montreal que abordam o transativismo e o anarquismo queer incluem: personne n'est parfaitE [65] (ninguém é perfeito) que é, de acordo com a sua capa, "para todas as pessoas que querem modificar o seu corpo, a sua aparência, mudar o seu sexo, o seu gênero, passar por um ou outro, ou apenas tentar ficar no meio", Queer Beograd/Transpedegouine, Trans Couple e Le Mouvement de Liberation Transgenre (o movimento de libertação transgênero) que contém um excerto de um ensaio de Leslie Feinberg. Estes são apenas alguns exemplos de textos radicais queer DiY que proliferam nas comunidades anarcoqueer.

Em termos de ação direta centrada nas pessoas queer e trans, o LPR, um coletivo anarquista queer ativo em Montreal (2001-7), desafiou a heteronormatividade da sociedade dominante; a homonormatividade da classe média, capitalista, dominada por homens brancos, cisgêneros e cissexuais [66] do movimento LGBT dominante; e o fracasso do anarquismo em abordar adequadamente as lutas LGBTQ. Produzindo vários projetos audiovisuais e um website bilingue que radicalizou muitos anarquistas em Montreal, o seu ativismo levou os anarquistas em Montreal e outros territórios a incluir as lutas queer e as teorias e práticas da interseccionalidade.

De fato, a interseccionalidade é um dos maiores desafios do movimento anarquista, e também, diríamos, um dos maiores sucessos. O coletivo de pesquisa CRAC, mencionado anteriormente, descobriu que, embora cada grupo dentro do meio anarquista em Montreal possa não ser interseccional nas suas lutas, tomado como um todo, o meio antiautoritário é. Com efeito, muitos participantes em workshops e entrevistas sugeriram que esta era uma das suas maiores frustrações - sentir o empenho nas políticas interseccionais anti-opressão, mas confrontar-se com limitações de tempo que os impediam de trabalhar em tantas questões como gostariam [67].

As produções culturais trans e queer têm fundamentado os entendimentos anarquistas sobre sexualidade e gênero, embora as sexualidades e gêneros não normativos nem sempre tenham estado na vanguarda dos movimentos anarquistas. Jamie Heckert argumenta que os anarquistas e outros dissidentes sexuais precisam ir para além das políticas de identidade e das identidades queer para encontrar outras formas de organização política que fomentem os pontos comuns e a comunidade em vez de tensões e divisões [68]. Ao mesmo tempo que situa os movimentos queer no seio da política anarquista, estabelecendo ligações entre a promoção do consumismo pela publicidade heteronormativa e a destruição capitalista do ambiente, por exemplo, ele defende uma política que possa proporcionar mais oportunidades para o consentimento, a escuta ativa, o respeito mútuo, o respeito por si próprio etc., no âmbito de uma política de ação militante.

Autonomia Corporal e Escolha: de Métodos Contraceptivos à Justiça Reprodutiva

No final do século XIX, as mulheres que estavam envolvidas em lutas anticapitalistas e antiestatais levantaram questões como a autonomia do corpo, a diversidade sexual, o controle da natalidade, as leis do casamento e relações sexuais livres, questões que ainda hoje são atuais. Ao longo do tempo, a luta pelo controle da natalidade acessível transformou-se num movimento pela justiça reprodutiva.

Anarquistas pioneiros estiveram na vanguarda do movimento de controle de natalidade no século XIX, quando distribuíram métodos contraceptivos ou mesmo informações sobre o mesmo era criminalizado. Tanto Jeanne e Eugene Humbert, editores de La Grande Réform, como Ben Reitman, um ginecologista americano e amante de longa data de Emma Goldman, foram presos por distribuírem informação sobre métodos contraceptivos [69], tal como a própria Goldman. Nos anos entre guerras, em França, a recém-inventada vasectomia foi promovida por anarquistas que criaram clínicas não oficiais em cafés e apartamentos de Paris [70]. Milhares de homens em França fizeram vasectomias numa determinada campanha de 1935, até que o médico que as realizava foi preso [71]. O apoio anarquista ao controle da natalidade resultava da oposição feminista à família patriarcal, mas também da crença controversa de que a sobrepopulação conduziria à guerra [72].

Especificamente para os anarquistas individualistas, o ativismo pela reforma sexual era inseparável da atividade contra a guerra. Manuel Devaldes, autor de Croitre et multiplier, c'est la guerre [73], argumentava que a superpopulação era a causa da guerra, porque os estados eram capazes de explorar os corpos de um número excessivo de homens como soldados, e as mulheres como reprodutoras de soldados. Alguns Estados eram muito francos quanto a esta ligação: depois da Primeira Guerra Mundial, a França proibiu o controle de natalidade com o objetivo declarado de aumentar a população esgotada pela guerra [74]. Nos Estados Unidos, Roosevelt opunha-se igualmente ao controle da natalidade e considerava que as famílias numerosas eram "um dever" [75]. Para Louise Michel, a guerra estava ligada a uma exigência capitalista patriarcal dos homens para que os corpos de homens e mulheres fossem reduzidos à sua função física: "agrada-lhes levar os homens em manadas para o matadouro e as mulheres em manadas para o bordel", escreveu ela [76]. Victor Margueritte exprimiu uma opinião semelhante à de Devaldes em Ton corps est à toi [77]. Assim, o movimento de controle da natalidade desafiou as políticas estatais diretamente ligadas à guerra, à reprodução sexual e ao trabalho sexual. Nem todas as pessoas acima mencionadas podiam ser descritas como feministas; para algumas, a escolha reprodutiva não era um bem em si, mas antes um passo em direção a outro objetivo. No entanto, a integração de questões de sexualidade e autonomia corporal com a política anarquista serve como evidência de uma crescente compreensão anarcofeminista de questões interrelacionadas. Indica também a vontade das feministas anarquistas de tomar medidas diretas, muitas vezes de forma ilegal, como a distribuição de informação sobre controle de natalidade ou a realização de abortos ilegais, de modo a fazer mudanças que beneficiem imediatamente as mulheres.

O controle da natalidade nos Estados Unidos tornou-se legal em 1965, mas apenas para casados. Só em 1972 é que as mulheres solteiras foram legalmente autorizadas a utilizar contraceptivos [78]. Em 1964, Heather Booth, uma mulher ativa no Movimento dos Direitos Civis em Chicago, começou a encaminhar mulheres solteiras para a realização de abortos e acabou por fundar uma clínica de aborto autônoma e ilegal chamada Jane, onde as mulheres realizavam abortos em outras mulheres [79]. Shelby Knox refere-se aos membros do coletivo Jane como "feministas foras-da-lei" [80] , uma vez que não esperaram que a lei mudasse, mas tomaram as iniciativas necessárias, respondendo ao fato de que "mais de cinco mil mulheres morriam por ano devido a abortos mal feitos" [81]. Embora não fosse explicitamente anarquista, o coletivo Jane era um exemplo interessante de táticas anarquistas, como a partilha de competências e a autonomia estratégica em relação à profissão médica. Além disso, reconheciam as opressões interligadas da marginalização econômica das mulheres, uma vez que também forneciam alimentos e cuidados emocionais, e implementavam uma escala de pagamento móvel que tornava os abortos acessíveis a todas.

Desde a década de 1970, os movimentos de autonomia corporal das mulheres passaram de uma da ênfase no argumento pró-escolha para a "justiça reprodutiva" [82], liderada por mulheres racializadas que apoiavam o movimento pró-escolha, ao mesmo tempo em que davam prioridade à autonomia corporal e à auto-determinação das mulheres negras e das mulheres indígenas em relação à reprodução e à parentalidade. Por exemplo, o SisterSong Women of Color Reproductive Health Collective adotou três princípios: “o direito a ter um filho, o direito a não ter um filho e o direito a sermos pais dos nossos filhos” [83]. O direito a ter um filho é uma exigência que emerge da situação histórica das mulheres negras e das mulheres indígenas que foram sujeitas a programas globais eurocêntricos e americanocêntricos de controle da população. Por exemplo, as mulheres indígenas no Canadá foram frequentemente esterilizadas em tenra idade, numa tentativa de reduzir a população indígena. Da mesma forma, Nawal El Saadawi escreve que, no Sul Global, "as mulheres são forçadas a usar métodos contraceptivos pouco seguros, como o contraceptivo injetável Depo Provera e o implante contraceptivo Norplant" [84].

Quando as mulheres negras e as mulheres indígenas têm filhos, os seus "direitos parentais são constantemente afetados" [85]. No Canadá e em outros países, as crianças indígenas foram (e são em número crescente atualmente) afastadas dos seus pais e colocadas em escolas residenciais, proibidas de falar as suas próprias línguas e assimiladas ao sistema educativo colonial, sendo também frequentemente sujeitas a violência sexual e física. Nos Estados Unidos, as crianças racializadas são muitas vezes colocadas no "sistema de adoção que utiliza um padrão de parentalidade que pode não ser aplicável ou culturalmente apropriado para as comunidades de cor" [86]. Loretta Ross emprega uma perspetiva interseccional para discutir a relação entre raça, classe e autonomia corporal. El Saadawi dá um passo a mais para analisar o impacto da localização global na vida das mulheres e nas suas opções reprodutivas. Os exemplos de Jane e do movimento Reproductive Justice, abordados na zine anarquista The F-Word [87], demonstram que as anarcofeministas se inspiram em muitos movimentos radicais que praticam valores anarquistas, e que alguns movimentos feministas radicais e antirracistas se envolvem em práticas anarquistas sem se chamarem explicitamente anarquistas.

Sexualidades Não-Heteronormativas: Consentimento, Amor Livre e Poliamor

A forma como os anarquistas se comportam nas amizades, intimidades e relações reflete "práticas-valor" [88], ou práticas sociais baseadas em valores anarquistas, que diferem das normas sociais. A abertura, o desejo, a liberdade de expressão e a escolha de parceiros são cruciais. Como as relações não-coercitivas são centrais para a política anarquista, o consentimento também desempenha um papel crítico.

Historicamente, nem sempre foi assim. E. Armand foi um expoente da reforma sexual anarquista individualista que equiparava promiscuidade com generosidade, e argumentava que qualquer membro de uma unidade conjugal alternativa "merecia" satisfação sexual [89]. John William Lloyd, um anarquista americano, também acreditava que formas mais diversas de sexualidade eram a chave para uma maior paz e justiça na sociedade; no entanto, como Armand, ele acreditava que a "mesquinhez egoísta" era uma grande parte da razão pela qual as pessoas não eram mais promíscuas [90]. Os anarquistas contemporâneos frequentemente criticam o paradigma popular da escassez do amor, ao mesmo tempo que criticam a pressão exercida sobre os anarquistas, particularmente sobre as mulheres, para colocarem-se como sempre sexualmente disponíveis. Richard David Sonn apontou que as utopias sexuais anarquistas masculinas incluíam "formas de constrangimento" [91] que nem sempre se baseavam num ethos de cuidado, partilha, escuta, respeito e consentimento de todas as partes - valores-práticas que são fundamentais nas relações anarquistas.

Apesar das correntes contrárias, o consentimento sexual tem ocupado um lugar importante no pensamento anarquista desde o século XIX. A obra de Alexander Berkman, Prison Memoirs of an Anarchist, é notável pelo fato de o autor reconhecer que se apaixonou por homens na prisão e, mais importante ainda, pela distinção entre relações sexuais coercivas e predatórias e relações amorosas e consensuais. Para Berkman, as relações desiguais de poder na prisão evidenciaram a repugnância da dominação ou da submissão não consentidas nas relações sexuais, enquanto as relações íntimas iguais entre homens eram algo que ele passou a ver como belo.

Voltairine de Cleyre condenou a falta de consentimento sexual das mulheres no casamento [92], tal como Emma Goldman, que equiparou o casamento à prostituição com um único parceiro. O zine Baby, I'm a Manarchist fornece uma definição completa de consentimento sexual retirada da Política de Prevenção de Ofensas Sexuais do Antioch College [93]. Embora se trate de uma política institucional, é um ponto de referência importante para as pessoas na cena anarquista e indica que o consentimento para a conduta sexual necessita de um acordo verbal voluntário num contexto de julgamento sem limitações, que é necessário para cada passo da conduta sexual e em cada nova interação. Também afirma que o silêncio indica uma falta de consentimento.

Historicamente, a prática anarquista do "amor livre" baseava-se no consentimento livre, por vezes entendido como monogamia sem a necessidade de reconhecimento por parte das autoridades estatais ou religiosas [94]. Para muitas mulheres anarquistas, o "amor livre" também implicava desafiar a construção social normativa da sexualidade que negava a possibilidade de prazer e ação sexual feminina [95]. Em vez do casamento, as uniões de "amor livre" permitiam que os parceiros vivessem juntos como iguais, eliminando a autoridade legal dos homens sobre as mulheres. Contudo, apenas alguns anarquistas foram para além deste enquadramento legal para criticar a autoridade cultural e corporal dos homens sobre as mulheres [96]. De acordo com Kissack, talvez por isso tenham sido especificamente as mulheres que ocuparam a vanguarda de muitos movimentos de "amor livre" entre 1870 e 1920.

Emma Goldman, de forma bastante célebre, em Living My Life, descreve as suas relações não monogâmicas de "amor livre" com Alexander Berkman e Modest Stein ou Fedya. Ela escreve: "Tornou-se claro para mim que os meus sentimentos por Fedya não tinham qualquer relação com o meu amor por Sasha. Cada um deles despertava emoções diferentes no meu ser, levava-me para mundos diferentes. Não criaram qualquer conflito, apenas trouxeram satisfação" [97]. Quando ela conta a Berkman sobre a sua relação amorosa e sexual com Fedya, ele responde-lhe "Acredito na tua liberdade de amar" [98]. No entanto, ele debate-se com o ciúme, uma questão ainda muito discutida pelos anarquistas poliamorosos contemporâneos, que podem ler The Ethical Slut para obter ajuda na negociação desta questão.

Práticas de vida colectiva também podem ter um papel importante. Ann Hansen escreve sobre os vários lares em que viveu, por exemplo, nos quais grandes grupos de anarquistas dormiam juntos em camas de sótão, partilhando o espaço com viajantes, anarquistas, feministas, lésbicas e outros ativistas [99]. Estas casas coletivas são espaços importantes não só para o poliamor e para as práticas de amor livre, mas também para o envolvimento nas políticas prefigurativas da vida cotidiana que são fundamentais para a organização anarquista. Como observa Laura Portwood-Stacer, as casas coletivas fornecem "apoio comunitário às sexualidades queer" [100], incluindo o poliamor. “Expressões íntimas da sexualidade encontram-se em exposição para que os outros as observem e imitem - todos podem ver (e ouvir) quantas pessoas alguém leva para casa regularmente e quem desaparece com quem no quarto de quem” [101]. Portwood-Stacer constatou que, "[o] sistema de monogamia trata o corpo, o amor e a intimidade sexual do indivíduo como se fossem bens econômicos exclusivos, cujos valores são degradados quando são acessíveis a múltiplos parceiros" [102]. Os anarquistas acreditam que estes aspectos de um indivíduo não são artefatos rarefeitos que devem ser preservados num museu (casamento) após "usados", mas sim livres e abertos ao jogo e à expressão através de práticas éticas com outros indivíduos e coletividades. Assim, as casas coletivas oferecem, em primeiro lugar, oportunidades para se encontrarem e discutirem sexualidades queer; em segundo lugar, exemplos de pessoas que estão envolvidas nas complexas negociações que podem ser relações poliamorosas queer; e, em terceiro lugar, uma abertura geral em relação às sexualidades. Estes são três elementos importantes de apoio mútuo no desenvolvimento daquilo a que LPR e Jamie Heckert, entre outros, chamam "sexualidades dissidentes" baseadas numa ética anarquista radical.

Portwood-Stacer argumenta que o apoio da comunidade é crucial para o desenvolvimento de sexualidades anarquistas queer. Os anarquistas que ela entrevistou identificavam-se todos com a queeridade e o poliamor, quer estivessem ou não envolvidos em relações queer ou poliamorosas. "A prática da monogamia é particularmente suspeita ideologicamente para os anarquistas por causa dos seus laços com o capitalismo, o patriarcado e o estado" [103]. Esta postura anti-heteronormativa incorpora aspectos do "amor livre", do poliamor e das sexualidades queer para fornecer aquilo a que Portwood-Stacer chama uma "anarconormatividade" [104] - um conjunto de práticas sexuais pessoais-políticas normativas e marcadores de identidade dentro da comunidade anarquista.

Portwood-Stacer critica, no entanto, a pressão que os anarquistas sentem por vezes para se envolverem em relações poliamorosas, que podem achar pouco agradáveis ou demasiado difíceis de lidar. Práticas inaceitáveis de coerção sexual masculina, ou aquilo a que um dos entrevistados de Portwood-Stacer chama "tipos que são jogadores sob os auspícios do anarquismo" [105], são denunciadas por pessoas da comunidade anarquista. Estas normas culturais anarquistas são muito diferentes das da corrente dominante, apoiando práticas sexuais radicais e denunciando ações normativamente aceitáveis, como a coerção no namoro, a agressão e competição sexual, ou a "traição" não consensual. As sexualidades dissidentes devem, portanto, contemplar a possibilidade de explorar novas expressões de desejo, respeitando, ao mesmo tempo, os limites das pessoas em relação às suas próprias sexualidades, afetos e intimidades.

Lutas Feministas e Queer Antirracistas e Anti-Coloniais

A organização anarquista feminista e queer tem se empenhado numa série de lutas que se cruzam com questões feministas e queer desde há pelo menos três ou quatro décadas e, indiscutivelmente, desde o início do pensamento e da prática anarcofeminista e anarcoqueer. Para além do movimento de justiça reprodutiva discutido acima, estas lutas incluem o antirracismo, o apoio e a abolição das prisões, o confronto com a violência policial e a impunidade, as campanhas contra as fronteiras, a imigração e o trabalho com refugiados e a autodeterminação indígena.

No final do século XIX, Louise Michel apercebeu-se, muito antes da maioria dos seus aliados anarquistas franceses, das ligações entre a opressão de classe e o colonialismo. Michel valorizava a cultura camponesa e oral da sua infância provinciana e, enquanto esteve exilada na Nova Caledónia, passou a ver os nativos da Nova Caledónia, os Kanaks, como tendo uma situação basicamente semelhante à dos camponeses franceses [106]. Para a indignação dos seus amigos e companheiros de exílio, ela apoiou os Kanaks na sua revolta contra o domínio colonial francês, chegando mesmo a dar-lhes instruções sobre como fazer avançar a sua causa cortando os fios do telégrafo [107].

Existem exemplos de luta organizada em organizações anti-racistas (pró)-feministas como a Cell 16 (ativa nos anos 70) e, mais recentemente, a No One Is Illegal (NOII). Estes grupos podem não se identificar explicitamente como anarquistas, mas as suas publicações, ações e discursos tendem a ser anarquistas na prática. Há também muitos grupos feministas radicais antirracistas e indivíduos que influenciaram o anarcofeminismo, como as Mães da Plaza del Mayo, mulheres do Weather Underground como Bernardine Doehrn, mulheres do Partido dos Panteras Negras como Angela Davis e Katherine Cleaver, lésbicas radicais que foram encarceradas por se organizarem politicamente como Laura Whitehorn, Linda Evans e Susan Rosenberg, mulheres do Exército de Libertação Negra como Assata Shakur, e muitas outras.

Na sua autobiografia, Outlaw Woman (2002), Roxanne Dunbar-Ortiz descreve o seu trabalho como uma feminista anarquista antirracista que imediatamente incluiu a classe, o antirracismo e os direitos indígenas na sua análise do feminismo. Cell 16, um grupo em que ela era ativa, produziu muitos panfletos feministas antirracistas que continham discursos anarquistas, e muitas das mulheres da Cell 16 eram anarquistas. Do mesmo modo, no movimento Porto Rico livre, mulheres como Diana Block passaram à clandestinidade e envolveram-se ou estavam preparadas para se envolver em atividades ilegais para apoiar uma luta de libertação de guerrilha anticolonialista, como descrito na sua autobiografia, Arm the Spirit: A Story from Underground and Back [108].

Atualmente, o grupo NOII, uma estrutura de organização de bandeiras com muitos grupos em diferentes cidades do mundo, também está envolvido na organização anarcofeminista antirracista, embora não seja explicitamente rotulado como tal. O NOII exige o fim de todas as fronteiras, para que as pessoas possam viajar livremente entre estados-nação, que também seriam abolidos na sua forma atual. Este é, naturalmente, um dos princípios centrais do anarquismo. Como argumenta Harsha Walia, "os argumentos antirracistas raramente incorporam exigências para o fim da discriminação no sistema de imigração e de refugiados. Nem as lutas pelos direitos dos imigrantes incluem lutas para acabar com a discriminação na vida dos imigrantes para além do sistema de imigração" [109]. O NOII faz este tipo de exigência com base numa análise anarquista enraizada em discursos e lutas anti-estatistas, apontando para as formas como o estado se cruza com o gênero e a raça no sistema de imigração e de refugiados. Por exemplo, enquanto alguns advogados exigem uma flexibilização das leis que regem o trabalho de cuidadores no Canadá, o NOII apela à "justiça racial" [110], que incorpora uma análise da racialização e da igualdade de gênero da migração laboral global.

Na última década, mais ou menos, os organizadores anarquistas antirracistas começaram a formar redes mais formais, como evidenciado pelos encontros do Anarchist People of Colour (APOC) que ocorrem em feiras de livros e eventos anarquistas; conferências como o encontro APOC de Detroit (2006); e zines como Our Culture, Our Resistance: Anarchist People of Color Speak out about Race, Class and Gender, Race Riot, de Mini Nguyen, e How to Stage a Coup, de Helen Luu. Estas zines anarquistas antirracistas abordam questões de racismo no meio anarquista e na cena punk no contexto do sexismo e do heterossexismo. Em Montreal, a série de cabarés Artists Against Apartheid associa o anarquismo e a organização antirracista e anti-colonial através da palavra falada, da música e de outros atos.

Especificamente, os grupos antirracistas queer ou grupos de pessoas queer racializadas (QPOC), como o Ste-Emilie Skillshare e o Fire, são grupos não mistos que tentam proporcionar espaços mais seguros para que as pessoas queer não brancas auto-identificadas como antirracistas se juntem e organizem lutas ou, no caso do Ste-Emilie, produzam arte, organizem oficinas, projetem filmes e convivam. Os grupos não mistos podem ser uma estratégia entre muitas outras nas redes anarcofeministas e anarcoqueer antirracistas e anticoloniais, nas quais as tensões entre as exigências concorrentes de organização podem ser abordadas, e estas redes podem crescer e expandir-se sob a sua própria liderança, com as pessoas mais diretamente afetadas na vanguarda da luta.

Anarquismo e a Defesa de Trabalhadores Sexuais

A injustiça sistêmica e a necessidade econômica em torno do trabalho sexual criam uma intersecção em torno da qual anarcofeministas, anarcoqueers e outros teóricos e ativistas se reúnem e militam. As mulheres anarquistas assumiram um papel de liderança na Alemanha e em França do século XIX, trabalhando para melhorar a situação de trabalhadoras do sexo através da descriminalização do trabalho sexual. Gertrud Guillaume-Shack começou a sua carreira política ao trabalhar para pôr fim aos exames médicos obrigatórios e a outros regulamentos impostos às trabalhadoras sexuais, com base no fato de penalizarem as mulheres e, ao mesmo tempo, ignorarem os seus clientes masculinos [111]. Louise Michel argumentou com veemência que, longe de ser um "vício", a injustiça econômica sistêmica de gênero sob o capitalismo não dava a muitas mulheres outra opção senão envolverem-se no trabalho sexual [112]. Michel culpava a burguesia, que se sentia no direito de usar a sua riqueza para comprar seres humanos [113], e defendia o fim do trabalho sexual através de meios revolucionários, e não legais. Tanto Guillaume-Shack como Michel defendiam as trabalhadoras do sexo e, ao mesmo tempo, consideravam os casamentos da classe alta como um tipo de prostituição, devido às desigualdades de poder neles existentes [114].

Emma Goldman também apoiou as trabalhadoras do sexo e, por vezes, considerou ela própria considerou aceitar o trabalho sexual, criticando os abolicionistas da prostituição da classe média. Ela associou a opressão da monogamia heteronormativa aos juízos morais inerentes ao sexismo sistêmico, aos imperativos classistas das progressistas da classe média, que eram mais leais aos seus maridos do que ao seu feminismo, e à criminalização das atividades das mulheres pelo sistema jurídico masculinista. Esta defesa demonstra os esforços de Goldman em desafiar o movimento feminista dominante a pensar e agir para além do seu próprio privilégio de classe média.

Em Genebra, na Suíça, de 1960 a 1995, Grisélidis Réal foi trabalhadora do sexo, ativista anarquista e escritora. Uma série de entrevistas e os seus diários foram recentemente traduzidos para inglês pela Semiotext(e) em: The Little Black Book of Grisélidis Réal: Days and Nights of an Anarchist Whore [115]. O seu ativismo centrou-se especificamente nos direitos das trabalhadoras do sexo, e o seu obituário no The Independent online refere-se a ela como "uma mulher única que era uma escritora altamente talentosa e também uma prostituta revolucionária", uma vez que escreveu vários livros e se envolveu em ações directas pelos direitos das trabalhadoras do sexo com um grupo de trabalhadores do sexo masculinos e femininos. Segundo o The Independent, "foi o protesto e a ocupação da Chapelle Saint-Bernard em Montparnasse, em 1973, que a envolveu pela primeira vez na defesa dos seus direitos humanos contra os controles brutais dos proxenetas, dos vendedores ambulantes e da polícia" [116]. Criou depois um arquivo de trabalhadores do sexo, o Centre Grisélidis Réal - Documentation internationale sur la prostitution, um instituto que arquiva informações sobre os direitos, as leis e a história do trabalho sexual.

O fio condutor das mulheres anarquistas que se dedicam ao trabalho sexual e ao ativismo aparece de novo no Canadá contemporâneo, entre outros locais, particularmente em vários grupos de ativismo de redução de danos de trabalhadores do sexo, como Stella em Montreal e Maggie's em Toronto. Estes grupos são organizados por e para trabalhadores do sexo, defendendo não o fim do trabalho sexual, mas a promoção de materiais educativos e o conhecimento boca-a-boca sobre a redução de danos. Stella, por exemplo, fornece clínicas legais flutuantes e deu formação a agentes da polícia para lidarem com trabalhadoras do sexo que foram violadas ou alvo de homens violentos, de modo a que as mulheres que denunciam estes crimes não sejam presas por trabalho sexual, mas sejam tratadas como sobreviventes de crimes. Também organizam todos os anos a Red Umbrellas March, em protesto contra a violência exercida sobre profissionais do sexo, tendo declarado um Dia Internacional para Acabar com a Violência Contra Profissionais do Sexo. Defendendo práticas mais seguras, compilam uma lista de "maus encontros" que nomeia e descreve homens que são conhecidos por serem violentos, e fazem-na circular entre profissionais do sexo. Recentemente, também estiveram envolvidas numa ação bem sucedida no Supremo Tribunal, com o objetivo de anular as leis contra a prostituição. Coloquialmente conhecidas como leis de "viver das vantagens", criminalizavam de fato qualquer pessoa que vivesse no mesmo apartamento com uma profissional do sexo, incluindo os seus filhos e/ou parceiros.

Maggie's em Toronto é outro grupo de redução de danos entre pares. De acordo com o seu site, "a missão da Maggie é fornecer educação, defesa e apoio para ajudar trabalhadores do sexo a viver e trabalhar com segurança e dignidade" [117]. O grupo baseia-se no princípio anarquista de que aqueles que são mais diretamente afetados por uma luta devem ser os que a lideram: "profissionais do sexo devem tomar o poder de controlar os nossos próprios destinos" [118]. No Dia Internacional para Acabar com a Violência Contra Profissionais do Sexo, em 2010, organizaram uma apresentação no Native Canadian Centre, "Partilhar, Celebrar e Descolonizar o Trabalho Sexual Indígena". Isso demonstra a interseccionalidade das questões relacionadas com o trabalho sexual. No Canadá, especificamente as mulheres indígenas, em particular as das comunidades de trabalhadoras do sexo, têm desaparecido massivamente, sendo muitas vezes assassinadas. Um grupo chamado Missing Justice está atraindo a atenção para esta questão. Embora nenhuma destas organizações seja anarquista no nome, são-no nas suas práticas, princípios e atribuições. Para além disso, há mulheres anarquistas a trabalhar nelas, algo que não se pode constatar em nenhuma das suas publicações. O seu trabalho, tal como uma grande parte da organização anarquista e de outras organizações de base, situa-se numa posição desconfortável entre a oposição às intervenções do estado na vida das pessoas e a necessidade de pedir ao estado que altere as leis punitivas contra as mulheres.

Conclusão: Para Além da Interseccionalidade, Para Além da Identidade, Para Além da Anarquia

Há muitas questões em que anarcofeministas e anarcoqueer têm estado ativos nos últimos 100 anos, ou mais em que não conseguimos abordar com profundidade aqui. Richard Cleminson [119], entre outros, escreveu sobre as posições anarquistas acerca da eugenia, que têm sido por vezes bastante problemáticas. Existem também muitas zines sobre questões relacionadas com ervas e outras abordagens não-tradicionais à saúde física e mental, como a Hot Pants zine e a Nailbiter: An Anxiety Zine. Anarcofeministas e anarcoqueers positivos em termos sexuais também produziram uma vasta gama de material sobre sexualidades, desde várias edições da zine sexualmente explícita Lickety Split até o programa de rádio SMUT na CKUT [120]. A zine Get Your Squirt On, distribuída pela banda Indie feminina Mountain Man, de Bennington Vermont, EUA, é sobre ejaculação feminina. Da mesma forma, a banda Indie feminina Sleepover, de Austin, Texas, produziu uma zine de banda desenhada sobre sexualidade chamada Juicy Steam. Estas zines são distribuídas em seus shows musicais, à semelhança das zines anarcofeministas que surgiram na cena riot grrrl dos anos 1990. O site anarchalibrary [121] arquiva breves descrições de centenas de zines, muitas das quais são anarcofeministas - incluindo AnarchaFeminism zine (2007), Anarchism and Polyamory (2010), Anarchist Parenting (n.d.), Manifesto for the Trans-Feminist Insurrection (2010) e Consent zine (n.d. ) - e anarcoqueer ou trans - incluindo Dismantling Hierarchy, Queering Society (2010), Queer Liberation, Class Struggle and Intersectionality (2010), Gay Shame Opposes Marriage in Any Form e "I am not a man or a woman, I am a transsexual" - Jamrat Mason Speaks at Hackney Pride (2010) e Transgender Day of Remembrance (2010). A incrível variedade destas zines, websites e outros materiais anarcofeministas e anarcoqueer contemporâneos demonstra o quão difundidos estes movimentos se tornaram, e o quão importantes estes textos são como fontes historiográficas anarquistas. Há também um novo livro que acabou de sair chamado Anarquismo e Sexualidade [122] que aborda uma série de tópicos tratados aqui.

Esperamos que este capítulo tenha demonstrado como os anarquistas, e mais especificamente as feministas anarquistas, os anarquistas queers e os anarquistas antirracistas e anti-coloniais, estão entre os pioneiros a defender aquilo a que hoje chamamos interseccionalidade ou política anti-opressão. Porque os anarquistas acreditam que todas as injustiças derivam da imposição de uma autoridade sistêmica ilegítima sobre os seres humanos uns pelos outros, aqueles que eram ideologicamente consistentes foram capazes de reconhecer múltiplas formas de opressão.

Ao mesmo tempo, há também certo desconforto com a exclusão, em vários grupos organizadores, indivíduos, teorias etc., de grupos e movimentos anarquistas feministas e anarquistas queer. Por isso, futuras pesquisas podem incluir: (a) lacunas na documentação dos queers nos movimentos anarquistas; (b) transgressão de gênero nos movimentos anarquistas e/ou a sua relação com os papéis nostálgicos de gênero de uma determinada época; (c) porque é que os movimentos e grupos anti-coloniais e antirracistas nem sempre se rotulam explicitamente como anarquistas; (d) a teoria transgênera tal como se encaixa num quadro anarquista, em comparação com a experiência vivida da transição de gênero fora dele; e muito mais.

Anarcofeministas e anarcoqueers desenvolveram uma compreensão crescente do princípio de que a libertação de cada pessoa está intrinsecamente ligada à libertação de todas as pessoas. Para que isto se concretize, talvez haja tantas intersecções e tensões contemporâneas a abordar como sucessos e histórias em que podemos nos inspirar.

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[1] Versão original: “Our task as anarcha-feminists can be nothing less than changing the world and to do that we need to consult our heroic predecessors.”

[2] Versão original: “Radical queers have succeeded in harnessing erotic/sexual energy to enliven their activism in a unique way; . . . perhaps in the future people of all genders and sexual orientations will be able to marshal this life-affirming force against the forces to death we confront in our struggles for justice.”

[3] LGBTQ = Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Transexuais e Queer. Muitas vezes, não se trata de um único movimento, mas de um grupo informal de movimentos correlacionados com as suas próprias solidariedades e tensões.

[4] O termo anarcofeminista foi usado pela primeira vez na década de 1970, embora as feministas anarquistas já estivessem ativas muito antes. Da mesma forma, anarcoqueer começou a ser usado nos anos 1990 para descrever um movimento em crescimento. Neste texto, usaremos os termos "feministas anarquistas", "anarquistas feministas" e "anarcofeministas" indistintamente, com anarcofeminista como adjetivo; da mesma forma, "anarquistas queer", "queers anarquistas" e "anarcoqueer".

[5] Homofobia é um termo que está caindo em desuso, uma vez que implica um medo racionalizado da homossexualidade, que foi normalizado nos Estados Unidos, por exemplo, na defesa legal do pânico homofóbico como desculpa para o violento espancamento de gays. O heterossexismo é o equivalente ao sexismo aplicado à sexualidade e não ao gênero. A heteronormatividade é o pressuposto ideológico de que todos os casais são heteronormativos, com um parceiro do sexo feminino e outro do sexo masculino, em torno do qual se estrutura a maioria das nossas instituições (casamento, cinema, hipotecas, parentalidade, prisões, escolas, etc.).

[6] J. Greenway, ‘The Gender Politics of Anarchist History: Re/membering Women, Re/minding Men’, apresentado no Political Studies Association Annual Conference, Edinburgh, UK (2010), p. 4, disponível em www.judygreenway.org.uk/articles.html.

[7] Ibid., pp. 4–5.

[8] Ibid., p. 5.

[9] Ibid., pp. 5–6.

[10] Ibid., p. 7.

[11] Ibid.

[12] Ibid.

[13] Dark Star Collective, Quiet Rumours: An AnarchaFeminist Reader (Oakland: AK Press, 2002), p. 1.

[14] Kytha Kurin, ‘Anarcha-Feminism: Why the Hyphen’, in Allan Antliff (ed.), Only a Beginning: An Anarchist Anthology (Vancouver: Arsenal Pulp Press, 2004), p. 258.

[15] Muitos destes exemplos são de Montreal, pois é lá que as autoras estão situadas; no entanto, é de notar que existem inúmeros grupos semelhantes no Norte e no Sul Global.

[16] É certamente uma sensação desconfortável produzir este capítulo de livro, uma vez que não pretendemos, de forma alguma, ser "especialistas" em movimentos anarcofeministas ou anarcoqueers, e o que escrevemos aqui vem tanto da experiência como de livros e investigação acadêmica. Podemos também contestar este falso binário experiência/investigação, particularmente porque uma de nós está envolvida em investigação-ação participativa como parte do movimento anarcofeminista.

[17] Anne Lopes, ‘Feminisms, Foucault, and the Berlin Women’s Movement’, Historical Reflections, 35(1) (2009), pp. 114–36.

[18] Greenway, ‘Gender Politics’, p. 7.

[19] Richard David Sonn, Sex, Violence, and the Avant-Garde: Anarchism in Interwar France (University Park, PA: Pennsylvania State University Press, 2010), p. 33.

[20] Lopes, ‘Feminisms’, pp. 116 and 121.

[21] Ibid., pp. 117–118.

[22] Nota do tradutor: a sigla DiY significa, em inglês, “Do it Yourself”. Em português, “faça você mesmo/a/e”.

[23] Allan Antliff (ed.), Only a Beginning: An Anarchist Anthology (Vancouver: Arsenal Pulp Press, 2004).

[24] Hermia Oliver, The International Anarchist Movement in Late Victorian London (London: Croom Helm, 1983), p. 144.

[25] Ibid., p. 121.

[26] Isabel Meredith, A Girl Among the Anarchists (Lincoln, NE: University of Nebraska Press, 1992 [1903]).

[27] Sonn, Anarchism in Interwar France , p. 24.

[28] Emma Goldman, Living My Life (Mineola, NY: Courier Dover Publications, 1970 [1931]), p. 55.

[29] Oliver, international Anarchist Movement, p. 25.

[30] Jürgen Habermas, The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a Category of Bourgeois Society (trans. from 1962 edn by Thomas Burger and Frederick Lawrence; Cambridge, MA: MIT Press, 1991), pp. 44–5.

[31] Ibid., p. 44.

[32] Oliver, International Anarchist Movement, p. 13.

[33] Ibid., p. 20.

[34] Sonn, Anarchism in Interwar France , pp. 27–53.

[35] Ann Hansen, Direct Action: Memoirs of an Urban Guerrilla (Toronto: Between the Lines, 2001).

[36] Antliff , Only a Beginning , p. 157.

[37] Sharif Gemie, ‘Anarchism and Feminism: A Historical Survey’, Women’s History Review, 5(3) (1996), 433.

[38] Candace Falk, Barry Pateman and Jessica M. Moran (eds), Emma Goldman: Made for America, 1890–1901 (Berkeley, CA: University of California Press, 2003), p. 11.

[39] Gemie, ‘Anarchism and Feminism’, p. 435.

[40] Ibid., p. 435.

[41] Kurin, ‘Why the Hyphen’, p. 257.

[42] Kaltefleiter, ‘Anarchy Grrrl Style’, p. 226.

[43] Ibid., p. 227.

[44] Eve Kosofsky Sedgwick, Epistemology of the Closet (Berkeley, CA: University of California Press, 2008 [1990]); Judith Butler, Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity (New York: Routledge, 1990).

[45] Jean Bobby Noble, Masculinities without Men? (Vancouver: UBC Press, 2004).

[46] Coco Riot, ‘Artist Features’, interview by Jenna Meyers, Revel and Riot , available at http:// revelandriot.com/news/revel-riot-artist-features-coco-riot-34041, accessed 15 March 2010.

[47] Dylan Vade, ‘Expanding Gender and Expanding the Law: Toward a Social and Legal Conceptualization of Gender that is More Inclusive of Transgender People’, Michigan Journal of Gender and Law , 11 (2005), 253–316.

[48] Falk, Pateman and Moran (eds), Emma Goldman: Made for America, p. 13.

[49] Terrence Kissack, Free Comrades: Anarchism and Homosexuality in the United States, 1895–1917 (Oakland, Edinburgh, West Virginia: AK Press, 2008), p. 1.

[50] Sonn, Anarchism in Interwar France, p. 25; Kissack, Free comrades, p. 87.

[51] Nikki Sullivan, A Critical Introduction to Queer Theory ( New York: NYU Press, 2003).

[52] Kissack, Free Comrades, pp. 15 and 67.

[53] Ibid., p. 63.

[54] Ibid.

[55] Ibid., pp. 140–2.

[56] Ibid., pp. 149–50.

[57] Os pronomes ‘they’ e ‘them’ [elu / elus] são usados como um pronome queer ou gênero neutro na terceira pessoa do singular, usado por algumas pessoas trans.

[58] Noble, Masculinities ; Leslie Feinberg, Stone Butch Blues (Ann Arbor, MI: Firebrand Books, 1993); Pat Califi a, Sex Changes: The Politics of Transgenderism (Berkeley, CA: Cleis Press, 1997).

[59] Trish Salah, Wanting in Arabic (Toronto: Tsar Publications, 2002).

[60] Ursula Leguin, The Dispossessed (New York: Harper and Row, 1974).

[61] Ursula Leguin, The Left Hand of Darkness (New York: Ace Books, 1969).

[62] Crew Gouixx, Gouixx (Montreal: self-published, 2005), p. 5.

[63] Ibid., p. 38.

[64] Ibid., p. 4.

[65] O E maiúsculo no final deste termo enfatiza a inclusão das mulheres no termo "nobody" ["ninguém"] que, em francês, seria normativamente do gênero masculino, como o termo genérico que outrora foi entendido como incluindo "toda a gente", mas que na realidade é masculino.

[66] Cis-gênero se refere a uma pessoa que se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento; do mesmo modo, cis-sexual se refere a uma pessoa que vive com o sexo que lhe foi atribuído ao nascimento.

[67] CRAC, ‘Antiauthoritarians in Quebec: United by a Political Culture’, discussion paper submitted to a CRAC retreat, 12–13 February 2011, Québec.

[68] Jamie Heckert, ‘Sexuality/Identity/Politics’, in J. Purkis and J. Bowen (eds), Changing Anarchism: Anarchist Theory and Practice in a Global Age (Manchester: Manchester University Press, 2004), pp. 101–16.

[69] Sonn, Anarchism in Interwar France, p. 15; Kissack, Free Comrades, p. 97.

[70] Sonn, Anarchism in Interwar France, p. 129.

[71] Ibid., p. 130.

[72] Ibid., p. 24.

[73] Manuel Devaldès, Croître Et Multiplier, C’est La Guerre! Préface De Victor Margueritt e (Paris: Editions Mignolet et Storz, 1933).

[74] Sonn, Anarchism in Interwar France, p. 24.

[75] Kissack, Free Comrades, p. 31.

[76] Louise Michel, The Red Virgin: Memoirs of Louise Michel (Alabama: University of Alabama Press, 1981), p. 125.

[77] ‘Your Body is Yours’. V. Margueritt e, Ton Corps Est À Toi: Roman (Paris: E. Flammarion, 1927).

[78] Shelby Knox, ‘Jane: The Story of a Pre Roe v. Wade Underground Abortion Service’, in Melody Berger Spring (ed.), The F-Word: A Feminist Handbook for the Revolution (2008), p. 11. Online at www.pmpress.org/productsheets/pm_titles/fword03sheet.pdf, accessed 2 December 2010.

[79] Ibid., pp. 12–13.

[80] Ibid., p. 12.

[81] Ibid., p. 11.

[82] Melody Berger (ed.), ‘Featured Activist: Lorett a Ross’, in The F-Word: A Feminist Handbook for the Revolution , p. 5

[83] Ibid., p. 6.

[84] Nawal El-Saadawi, Women and the Poor: The Challenge of Global Justice; Women in Resistance: The Arab World (np: Post nerd x PC THUGS for Feudal-Patriarchal Ideology Committee, nd), p. 7.

[85] Berger, Lorett a Ross, p. 5

[86] Ibid., p. 5.

[87] A zine em si é um bom exemplo de um texto anarquista não-canónico - ou texto de guerrilha - que circula na cultura impressa anarquista.

[88] Sandra Jeppesen, ‘Creating Guerrilla Texts in Rhizomatic Value-Practices on the Sliding Scale of Autonomy: Toward an Anti-Authoritarian Cultural Logic’, in Jun and Wahl (eds), New Perspectives on Anarchism (Lanham, MD: Lexington, 2009), pp. 473–96.

[89] Sonn, Anarchism in Interwar France, p. 107.

[90] Kissack, Free Comrades, p. 79.

[91] Sonn, Anarchism in Interwar France, p. 107.

[92] Ibid., p. 21

[93] Charlie Clements, ‘System, Sex, and Patriarchy’, in Tali and Laura (eds), Baby I’m a Manarchist (Boston: self-published, 2003) (unnumbered).

[94] Sonn, Anarchism in Interwar France, p. 100.

[95] Kissack, Free Comrades, pp. 20–1.

[96] Oliver, International Anarchist Movement, p. 53.

[97] Goldman, Living My Life, p. 61.

[98] Ibid., pp. 61–2.

[99] Hansen, Direct Action .

[100] Laura Portwood-Stacer, ‘Constructing Anarchist Sexuality: Queer Identity, Culture, and Politics in the Anarchist Movement’, Sexualities , 13(4) (2010), p. 488.

[101] Ibid., p. 488

[102] Ibid., p. 483

[103] Ibid.

[104] Ibid., p. 490.

[105] Ibid., p. 491.

[106] Kathleen Hart, ‘Oral Culture and Anti-Colonialism in Louise Michel’s Memoires (1886) and Legendes et chants de gestes canaques (1885)’, Nineteenth Century French Studies , 30(1) (2001), p. 109. Online at http://muse.jhu.edu/journals/ncf/summary/v030/30.1hart. html, accessed 9 December 2010.

[107] Ibid., pp. 107–8.

[108] Diana Block, Arm the Spirit: A Story from Underground and Back (Oakland: AK Press, 2009).

[109] Harsha Walia, ‘The New Fortified World: Colonialism, Capitalism, and the Making of the Apartheid System of Migration in Canada’, New Socialist (June 2006), 63.

[110] Ibid., p. 64.

[111] Lopes, Feminisms, p. 124; Oliver, International Anarchist Movement, p. 58.

[112] Michel, The Red Virgin, p. 141.

[113] Ibid., p.176.

[114] Ibid., p. 141; Lopes, Feminisms, p. 125

[115] Jean-Luc Hennig and Ariana Reines, The Little Black Book of Grisélidis Réal: Days and Nights of an Anarchist Whore (New York: Semiotexte, 2009).

[116] James Kirkup, ‘Griselidis Real – Virtuoso Writer and “Revolutionary Whore”’, The Independent , 7 June 2005, available at www.independent.co.uk/news/obituaries/griselidis-real-493264.html.

[117] Maggie’s, Sex Work is Real Work , available at htt p://maggiestoronto.ca.

[118] Ibid.

[119] Richard Cleminson, Anarchism, Science and Sex: Eugenics in Eastern Spain, 1900–1937 (Oxford: Peter Lang, 2000).

[120] www.ckut.ca/.

[121] http://anarchalibrary.blogspot.com/.

[122] Jamie Heckert and Richard Cleminson (eds), Anarchism and Sexuality: Ethics, Relationships and Power (London: Routledge, 2010).