#title O Catecismo de um Revolucionário #author Sergey Gennadiyevich Nechayev #date 1869 #lang pt #pubdate 2022-11-22T23:00:00 #topics revolucionário, catecismo, Sergey Nechayev, Mikhail Bakunin, Revolução Publicado em 1871 no periódico Arauto do Governo em Moscou como um manifesto da Sociedade Secreta da Retaliação do Povo, que inspirou Dostoievski a escrever Demônios. Redigido por Sergey Nechayev com a suposta colaboração de Mikhail Bakunin em 1869 D.C.
* 1 - Os deveres do revolucionário consigo mesmo 1 – O revolucionário é um homem condenado. Não tem nem interesses, nem negócios, nem sentimentos pessoais, nem laços, nada que lhe seja próprio, sequer um nome. Tudo nele está tensionado em direção a um único interesse exclusivo, um só pensamento, uma só paixão: a Revolução.

2 – O revolucionário sabe nas próprias profundezas de seu ser, não somente em palavras mas também em atos, que rompeu todos os laços que o atam à ordem social e ao mundo civilizado com todas as suas leis, moralidades, e costumes, e com todas as suas convenções comumente aceitas. Ele é o seu inimigo implacável, e se ele continua a viver entre eles é somente a fim de destruí-los mais rapidamente.

3 – O revolucionário despreza todas as doutrinas e se recusa a aceitar as ciências mundanas, deixando-as para as futuras gerações. Ele só conhece uma ciência: a ciência da destruição. Por esta razão, mas somente por esta razão, ele estudará mecânica, física, química, e talvez medicina. Mas dia e noite ele estuda a ciência vital dos seres humanos, suas características e circunstâncias, e todos os fenômenos da atual ordem social. O objetivo é perpetuamente o mesmo: o meio mais certo e rápido de destruir toda essa ordem asquerosa.

4 – O revolucionário despreza a opinião pública. Ele despreza e detesta a moralidade social existente em todas as suas manifestações. Para ele, é moral tudo o que contribui para o triunfo da revolução. Imoral e criminoso é tudo o que permanece em seu caminho.

5 – O revolucionário é um homem dedicado, sem misericórdia para com o Estado e as classes educadas; e ele não pode esperar qualquer misericórdia da parte deles. Entre ele e eles existe, declarada ou dissimulada, uma guerra incansável e irreconciliável. Ele deve se acostumar a si mesmo à tortura.

6 – Tirânico para consigo mesmo, ele deve ser tirânico para com eles. Todos os gentis e irritantes sentimentos de simpatia, amor, amizade, gratidão e mesmo honra, devem ser suprimidos nele dando lugar à fria e obstinada paixão pela revolução. Dia e noite ele deve ser só um objetivo e um pensamento – destruição sem misericórdia. Lutando com sangue-frio e sem descanso por esse fim, ele deve estar preparado para destruir em si mesmo e destruir com suas próprias mãos todos os obstáculos no caminho para a revolução.

7 – A natureza do verdadeiro revolucionário exclui todo sentimentalismo, romantismo, comoção e exaltação. Todo ódio e vingança pessoais devem ser excluídos. A paixão revolucionária, praticada a todo momento do dia até se tornar um hábito, deve ser empregada com cálculo frio. A todo tempo, e em todos os lugares, o revolucionário deve obedecer não os seus impulsos pessoais, mas somente àqueles que servem à causa da revolução.
* 2 - As relações do revolucionário com seus camaradas 8 – O revolucionário não pode ter amizades ou laços, exceto por aqueles que provaram através de suas ações que, tal como ele, são dedicados à revolução. O grau de amizade, devoção e obrigação para com tal camarada é determinado exclusivamente pelo grau de sua utilidade à causa da destruição revolucionária total.

9 – É supérfluo falar em solidariedade entre revolucionários. Toda a força revolucionária está nisso. Camaradas que possuem a mesma paixão e entendimento revolucionários deveriam, tanto quanto possível, deliberar todos os temas importantes juntos e chegar a conclusões unânimes. Quando o plano tiver sido decidido, o revolucionário deve se fiar somente de si mesmo. Ao levar a cabo atos de destruição, cada um deveria atuar sozinho, jamais recorrendo a outro para conselho ou assistência, exceto quanto são necessários para a conclusão do plano.

10 – Todos os revolucionários devem ter sob si revolucionários de segundo ou terceiro graus – i.e., camaradas que não foram completamente iniciados. Estes deveriam ser vistos como parte do capital revolucionário comum a ser colocado à sua disposição. Este capital deveria, evidentemente, ser gasto com a maior parcimônia possível de modo a derivar daí o maior lucro possível. O verdadeiro revolucionário deveria olhar a si mesmo como capital consagrado ao triunfo da revolução; no entanto, ele não deve dispor pessoalmente e sozinho desse capital sem o consentimento unânime dos camaradas plenamente iniciados.

11 – Quando o camarada está em perigo e a questão surge se ele deve ser salvo ou não, a decisão não deve ser tomada com base no afeto, mas somente no interesse da causa revolucionária. Portanto, é necessário sopesar cuidadosamente a utilidade do camarada contra o dispêndio das forças revolucionárias para salvá-lo, e a decisão deve ser tomada nesses termos. * * 3 - As relações do revolucionário com a Sociedade 12 – O novo membro, tendo dado provas de sua lealdade não através de palavras mas de atos, pode ser recebido na Sociedade [da Retaliação do Povo] somente pelo consentimento unânime de todos os membros.

13 – O revolucionário entra no mundo do Estado, das classes privilegiadas, da chamada civilização, e ele vive nesse mundo somente com o propósito de precipitar sua rápida e total destruição. Ele não é um revolucionário se tem qualquer simpatia por este mundo. Ele não deveria hesitar em destruir qualquer posição, qualquer lugar, ou qualquer homem neste mundo. Ele deve detestar tudo e todos nele com um ódio igual. Tanto pior para ele se tem qualquer relação com pais, amigos ou pessoas amadas; ele já não é um revolucionário se vacila em função dessas relações.

14 – Visando a revolução implacável, o revolucionário pode e frequentemente deve viver na sociedade, fingindo ser completamente diferente daquilo que ele realmente é, pois ele deve penetrar em todo lugar, em todas as classes altas e médias, nas casas de comércio, nas igrejas, nos palácios da aristocracia, e nos mundos da burocracia e da literatura e do exército, e também na Terceira Divisão e no Palácio de Inverno do Czar.

15 – Esta ordem social asquerosa pode ser seccionada em diversas categorias. A primeira categoria compreende aqueles que devem ser condenados à morte sem demora. Os camaradas deveriam compilar uma lista daqueles a serem condenados de acordo com a gravidade relativa dos seus crimes; e as execuções devem ser levadas a cabo de acordo com a ordem preparada.

16 – Quando a lista dos condenados for feita, e a ordem de execução for definida, nenhum senso privado de indignação deverá ser considerado, nem é necessário prestar qualquer atenção ao ódio provocado por estas pessoas entre os camaradas ou o povo. O ódio e o senso de indignação devem ser úteis na medida em que eles incitam as massas à revolta. É necessário ser guiado somente pela relativa utilidade destas execuções em razão da revolução. Acima de tudo, aqueles que são especialmente hostis à organização revolucionária devem ser destruídos; suas mortes violentas e repentinas produzirão um pânico extremo no governo, privando-o, pela supressão de seus apoiadores mais lúcidos e energéticos, de sua vontade de agir.

17 – O segundo grupo compreende aqueles que serão poupados provisoriamente a fim de que, por uma série de atos monstruosos, eles possam precipitar o povo numa revolta inevitável.

18 – A terceira categoria consiste em um grande número de animais em altas posições, que não se distinguem nem por sua sagacidade nem por sua energia, enquanto gozam riquezas, influências, poder, e todas as posições em virtude de seu ranque. Estes devem ser explorados da melhor maneira possível; eles devem ser implicados e emaranhados em nossos negócios, seus segredos imundos devem ser desentocados, e eles devem ser transformados em escravos. Seu poder, influência, e conexões, sua riqueza e sua energia, formarão um inexaurível tesouro e um auxílio precioso em todos os nossos empreendimentos.

19 – A quarta categoria compreende profissionais corporativos e liberais de vários matizes de opinião. O revolucionário deve fingir colaborar com eles, seguindo-os cegamente, enquanto, ao mesmo tempo, bisbilhota seus segredos até que estejam completamente em seu poder. Eles devem ser assim de tal forma implicados que não sobre saída para eles, e então podem ser utilizados para se criar convulsão no Estado.

20 – A quinta categoria consiste naqueles doutrinários, conspiradores e revolucionários que talham uma bela figura no papel ou em seus círculos. Eles devem ser constantemente levados a fazer declarações comprometedoras: como consequência, a maioria deles será destruída, enquanto da minoria sairão revolucionários genuínos.

21 – A sexta categoria é especialmente importante: mulheres. Elas podem ser dívidas em três grupos principais. Primeiro, as frívolas, estultas e insípidas, que utilizaremos como utilizamos a terceira e a quarta categorias de homens. Segundo, mulheres que são ardentes, capazes, e devotas, mas que não são das nossas porque ainda não atingiram aquele entendimento revolucionário austero e impassível; estas devem ser usadas como os homens da quinta categoria. Finalmente, há as mulheres que estão completamente do nosso lado – i.e., aquelas que são totalmente dedicadas e que aceitaram nosso programa em sua integralidade. Devemos olhar essas mulheres como o mais valioso dos nossos tesouros; sem a sua ajuda, nós jamais seremos bem sucedidos.
* 4 - A atitude da Sociedade com o povo 22 – A Sociedade não tem outro objetivo senão a completa libertação das massas – i.e., do povo que vive pelo trabalho manual. Convencida de que a sua emancipação e a conquista de sua felicidade só podem se concretizar por uma revolta popular totalmente destrutiva, a Sociedade usará todos os seus recursos e energia rumo ao aumento e à intensificação dos males e misérias do povo até que sua paciência seja finalmente exaurida e eles sejam precipitados numa rebelião generalizada.

23 – Por revolução, a Sociedade não entende uma revolta ordenada de acordo com o modelo clássico ocidental – uma revolta que sempre se interrompe na hora de atacar os direitos de propriedade e os sistemas sociais tradicionais da assim chamada civilização e moralidade. Até agora, tal revolução sempre se limitou a derrubar uma ordem política a fim de substituí-la por outra, tentando assim erigir um assim chamado estado revolucionário. A única forma de revolução benéfica ao povo é uma que destrua todo o Estado até as raízes e extermine todas as tradições, instituições e classes na Rússia.

24 – Com esse fim em vista, a Sociedade se recusa portanto a impor qualquer nova organização de cima para baixo. Qualquer futura organização irá sem dúvida abrir seu caminho através do movimento e da vida do povo; mas essa é uma questão para as futuras gerações decidirem. Nossa missão é a terrível, total, universal e implacável destruição.

25 – Portanto, aproximando-nos do povo, devemos acima de tudo formar uma causa comum com aqueles elementos das massas que, desde a fundação do estado moscovita, jamais deixou de protestar, não somente em palavras mas também em atos, contra tudo aquilo que é direta ou indiretamente conectado ao Estado: contra a aristocracia, a burocracia, o clero, os comerciantes, e os latifundiários parasíticos. Devemos nos unir às tribos aventureiras de criminosos, que são os únicos revolucionários genuínos da Rússia.

26 – Fundir o povo numa força única inconquistável e totalmente destrutiva – este é o nosso objetivo, nossa conspiração, e nossa missão.