Simon Roland
Crítica do Democratismo Radical
Os Temas do Democratismo Radical
Atualidade e Realidade do Democratismo Radical
O Democratismo Radical: Limite das Lutas
Alternativa e “Partido da Alternativa”
Os Temas do Democratismo Radical
O democratismo radical defende a ação cidadã, a democracia direta ou participativa e o controle sobre as condições de existência. Ele apoia o Estado, seja como um Estado social e Estado-nação para alguns, ou simplesmente como um Estado “regulador” para outros. Combate o primado e a “selvageria” da economia, a globalização liberal e a supremacia da financeirização.
Ele lamenta os tempos em que o capitalismo parecia mais “humano”, durante o keynesianismo e a valorização do serviço público. Busca construir uma alternativa ao capitalismo contemporâneo, que muitas vezes denomina de “liberalismo” ou “globalização”. Contudo, essa alternativa consiste em um capitalismo “real”, com fábricas que unem trabalhadores “verdadeiros” e investidores “conscientes de sua responsabilidade social”, ao ponto de não poderem mais ser chamados de “capitalistas”. Sonha com empreendedores-cidadãos, em empresas-cidadãs, que exaltam o trabalho de trabalhadores-cidadãos, todos sob a tutela benevolente e protetora de um Estado democrático-participativo, regulando a distribuição equitativa de uma “mais-valia cidadã”.
O democratismo radical transita tanto pelos corredores ministeriais quanto pelos espaços ocupados. Oferece sua expertise às grandes organizações internacionais e ao mesmo tempo participa de acampamentos anarquistas. Sua maior inquietação é que o proletariado possa abolir o Estado, a democracia, o capitalismo (inclusive o “produtivo”) e, portanto, negar-se enquanto tal. Isso porque ele idolatra o trabalhador enquanto trabalhador e a mais-valia enquanto sobretrabalho.
Ele ama a exploração, pois ama tanto a luta de classes que deseja que ela nunca tenha fim; é a sua razão de ser, o movimento perpétuo da “alternativa” e da crítica social. Esse democratismo radical fossiliza a classe operária, transformando-a em uma “comunidade operária” folclórica, remetendo-a a um passado idealizado. Esse folclore liga o democratismo radical a uma “história social” e proclama que o “bem-estar” reside na existência da classe operária dentro do capitalismo, especialmente na interminável luta contra ele — e justamente no caráter interminável dessa luta.
Embora possa parecer patético ou ridículo, o democratismo radical é, na verdade, um elemento eficaz, profundamente enraizado no novo ciclo de lutas do proletariado contra o capital. Ele atua como a formalização de todos os seus limites e, assim, prenuncia a próxima contrarrevolução, que será seu desfecho: sua realização, e consequentemente, sua própria extinção.
Na França, o democratismo radical abrange desde a “esquerda socialista” até certos grupos anarquistas, passando pelo Partido Comunista Francês (PCF), o sindicato SUD, os oposicionistas da CFDT, a FSU, a Liga Comunista Revolucionária, diversas “pequenas esquerdas alternativas”, os Verdes, a CNT (Vignoles) em processo de oficialização, a “Confédération paysanne” e numerosas associações como ATTAC, “Droits devant”, entre outras, além, cada vez mais, da CGT.
Seus veículos oficiais incluem publicações como Le Monde Diplomatique, Charlie Hebdo, Marianne, e até mesmo Télérama, além de, com frequência crescente, L’Humanité. Entre seus heróis estão o subcomandante Marcos, José Bové e, mais recentemente, Hugo Chávez. Seu “guru teórico” é Pierre Bourdieu.
O movimento possui também seus marcos históricos e lugares de memória: Seattle, Millau, Porto Alegre e a floresta Lacandona. Contudo, não se trata de uma peculiaridade francesa, mas de um movimento global.
Atualidade e Realidade do Democratismo Radical
Uma crítica simplista e, por vezes, moralista, que opõe a verdade ao erro, enxerga nos temas do democratismo radical apenas “ideologias enganosas” e acaba por reforçar o radicalismo autossatisfeito e impotente de seus autores. No entanto, o democratismo radical não deve ser interpretado como um erro, mas como uma força social real, específica ao ciclo atual de lutas e ao modo de produção capitalista em sua forma reestruturada. Simples denúncias são apenas autocomemorações inúteis entre “radicais”.
O democratismo radical é absolutamente contemporâneo. Após a reestruturação do modo de produção capitalista ao longo de sua longa fase de crise, a extração de mais-valia relativa tornou-se um processo de reprodução que ajusta a relação entre capital e trabalho de forma fluida e constantemente transformada. Essa fluidez é essencial para sustentar o sistema.
Diferentemente do ciclo de lutas anterior, a reestruturação aboliu todas as especificidades: estatutos, políticas de bem-estar (“welfare”), compromissos fordistas, a divisão do ciclo mundial em áreas nacionais de acumulação, as relações fixas entre centro e periferia, bem como as zonas de acumulação interna (como as divisões Leste/Oeste). A extração de mais-valia relativa requer a eliminação contínua de qualquer entrave, seja no processo imediato de produção, na reprodução da força de trabalho ou nas relações entre capitais.
Não há reestruturação do modo de produção capitalista sem uma derrota da classe trabalhadora. Essa derrota se traduz na dissolução da identidade operária, dos partidos comunistas, do sindicalismo, da autogestão e da auto-organização. Trata-se do colapso de todo um ciclo de lutas derrotado nas décadas de 1970 e início dos anos 1980: a reestruturação é essencialmente uma contrarrevolução. Seu principal resultado, desde o início dos anos 1980, foi o desaparecimento de qualquer identidade operária produzida, reproduzida e confirmada dentro do modo de produção capitalista.
O proletariado já não consegue mais gerar um movimento operário organizado com a mesma amplitude e natureza que durante o período que vai até o final dos anos 1960/início dos anos 1970, quando a revolução ainda podia se apresentar como sua afirmação. Diferentemente do programa de ascensão e afirmação do proletariado, dominante até os anos 1960, o democratismo radical não encara o desenvolvimento do capital como uma mediação necessária; ele se pretende, em si mesmo, a mediação. O democratismo radical propõe-se como o programa mínimo e máximo, simultaneamente meio e fim. Ele se percebe como a contradição que se desenvolve e consome a sociedade capitalista e seu Estado.
Organizacionalmente, o democratismo radical é muito mais fragmentado e reduzido do que o “antigo movimento operário”. Ele consiste em uma miríade de grupos e correntes que, em sua maioria, defendem a construção de uma alternativa dentro do modo de produção capitalista. Quando a relação contraditória entre o proletariado e o capital se define apenas na fluidez da reprodução capitalista, o proletariado só pode se opor ao capital questionando o movimento pelo qual ele mesmo é reproduzido como classe.
Assim, o proletariado, ao entrar em contradição com o capital, também entra em contradição com sua própria existência como classe. Esse é o conteúdo e o ponto central da luta de classes atualmente. Esse movimento permite ao proletariado, em sua luta como classe, ultrapassar essa limitação ao encarar sua própria condição de classe como uma imposição externa do capital. No entanto, agir como classe também se tornou uma limitação para o próprio proletariado em sua luta. Essa limitação, característica do novo ciclo de lutas, é o fundamento e o conteúdo historicamente específicos que o democratismo radical formaliza, reforça e incorpora.
O democratismo radical cristaliza práticas e objetivos no interior da luta de classes e nas lutas cotidianas. Ele é um aspecto dos conflitos que se desenvolvem dentro dessas lutas e, embora não seja a próxima contrarrevolução em si, ela será o seu ápice.
A definição e a existência da classe no capital, ao não comportar mais uma relação da classe consigo mesma — isto é, a confirmação de uma identidade operária frente ao capital —, caracterizam a radicalidade e os limites fundamentais desse ciclo de lutas. Essa contradição é justamente o que o democratismo radical expressa de forma unilateral: uma tentativa de alinhar idealmente o proletariado com o capital.
O democratismo radical apresenta a ingenuidade das evidências: se o proletariado existe apenas por e na reprodução do capital, então o capital deveria assumir a forma de trabalho sob outra roupagem, comportando-se como um “bom pai”, acolhendo o trabalho em seu seio. Todo o programa do democratismo radical, em suas diversas formas — das mais reformistas às mais radicais, incluindo o sindicalismo de base e as práticas de “convivência alternativa” —, resume-se a essa tentativa.
Economicamente, ele transforma essa definição da classe dentro do capital em um programa que busca fazer do trabalho a essência do capital, subordinando a luta de classes à perpetuação do sistema capitalista sob novas aparências.
Politicamente, a perspectiva do democratismo radical é a constituição de uma comunidade de cidadãos dentro do Estado, vista como uma forma concreta e participativa de integração dos indivíduos isolados. Nesse contexto, as relações entre proletariado e capital, que se formam no processo de produção, passam a se manifestar socialmente, diretamente no âmbito da sociedade civil, não mais como relações entre classes, mas como interações entre indivíduos isolados.
Esses indivíduos, desprovidos de uma identidade coletiva como classe, podem se agrupar com base nas mais variadas forças de polarização. Esses agrupamentos vão desde associações de desempregados até qualquer tipo de lobby, como: A.T.D. Quart-monde, associações antinucleares ou anti-T.G.V., associações antirracistas, grupos de bairro, movimentos como Act-Up, entre outros.
De forma similar, os espaços sociais marcados por novas zonas de perigo passam a ser investidos como áreas de organização e resistência.
O proletariado, que agora é redefinido em sua fragmentação como uma “classe perigosa” em algumas das suas frações, encontra-se “organizado” em associações de defesa. Contudo, essas associações, ao desempenharem esse papel, acabam confirmando o proletariado nesse status de “classe perigosa”, não como uma força revolucionária coletiva, mas como uma categoria a ser negociada, controlada e gerida dentro do aparato estatal e social.
Assim, o democratismo radical atua como mediador desse processo, ao mesmo tempo em que reforça o enquadramento do proletariado dentro das estruturas capitalistas, reduzindo suas possibilidades de emancipação coletiva.
O Democratismo Radical: Limite das Lutas
A alternativa se ancorar nas lutas reivindicatórias, contraindo em uma prática única a luta reivindicatória e a construção de uma nova sociedade. A construção dessa nova sociedade não é senão uma soma de soluções trazidas para a sociedade capitalista transformada em uma soma de problemas a resolver. Que a luta de classe do proletariado contra o capital produza sua superação e a sociedade comunista, isso é uma coisa; que essa superação resulte de um desenvolvimento progressivo a partir das categorias do capital, é outra. Queria-se que existissem evoluções resultantes dessas lutas que, no quadro do salariado, fossem uma abolição progressiva do salariado; propõem-lhes um sentido, um valor, enquanto movimento de abolição do salariado no salariado. Trata-se, por exemplo, no caso da redução do tempo de trabalho, de orientá-lo para “uma transformação positiva das relações sociais”. As coisas são ainda mais claras no que diz respeito a renda básica universal: “Reclamar um rendimento independente de um trabalho assalariado permite desenvolver a ideia de que se pode viver sem trabalhar, e propor uma distribuição das riquezas que não dependeria de uma remuneração, de um salário, mas das necessidades das pessoas”. Nadamos em plena incoerência.
Propor, por meio de uma renda monetária, a transição progressiva do trabalho forçado para “a atividade benéfica ao indivíduo e à coletividade” é simplesmente uma absurdidade. O democratismo radical é algo bem real, empiricamente constatável e eficaz porque é, com base no desaparecimento da identidade operária e, portanto, com base imediata da existência da classe no capital, um projeto alternativo e a formalização dos limites das lutas. Até certo ponto, a luta do proletariado ocorre e se desenvolve sempre nas categorias da reprodução e da autopresuposição do capital, é uma necessidade e um limite, é aí que o proletariado é contraditório ao capital, é aí que a luta de classes produz sua superação, mas essa superação não é nem uma alternativa nem um embrião. Portanto, não é nem um desvio ideológico, nem um limite externo se, desenvolvendo-se nessas categorias, o anti-liberalismo ou a anti-globalização podem formalizar o curso das lutas dentro de seus limites. Em dezembro de 95, o conflito se desenvolveu sobre a reprodução geral da força de trabalho: aposentadorias, seguridade social, divisão geral entre salário e lucro, desemprego, precariedade, flexibilidade. Mas, como a luta permaneceu no nível da redistribuição, foi essa abordagem inacabada que retornou sobre ela, devido à generalidade do próprio conflito, sob a figura da “sociedade democrática dos assalariados” e do cidadão; foi ele, o cidadão, que vimos sentado à mesa da “cúpula social”, sob os ares da República.
Da mesma forma, em 1996–1997, durante a luta dos sem-papel (que continua), vimos o democratismo radical em ação nos limites da luta. O clandestino é o segredo da generalização da precariedade e da flexibilidade; os setores ainda “protegidos” do assalariado não estão chamados a desaparecer, mas seu sentido já não está neles. Eles não são mais senão um segmento particular na segmentação geral da força de trabalho. Mas, não tendo conseguido generalizar sua luta sobre essa base geral onde são a expressão atual da relação global da força de trabalho com o capital, os clandestinos permaneceram esse segredo apenas como clandestinos (como particulares). O terceiro Coletivo (“Papéis Para Todos”) nasceu da contradição interna de todo o movimento dos sem-papel: lutar contra a clandestinidade como sendo uma situação geral da força de trabalho atualmente, fazendo isso dando a essa generalidade o conteúdo particular da ausência jurídica de papéis. Este Coletivo detinha o conteúdo geral da luta, mas havia deixado de lado, em outro lugar, sua forma particular. O limite do movimento não era concebido senão como um ajuste pessoal para os interessados e, para aqueles que esse tipo de ação havia colocado em movimento, esse limite se tornava uma espécie de “programa mínimo”. De modo que o Coletivo evoluiu entre a solidariedade, quando se tratava do conteúdo geral, e o compromisso e as concessões, quando se tratava da situação particular. Não reconhecer a interligação de uma luta com sua dinâmica e limite leva sempre a uma fuga em frente puramente ideológica na intervenção, que se desvanece rapidamente em sua exterioridade. Tratava-se de reforçar a verdadeira “autonomia da luta”, seu limite só poderia vir de “fora”, ou de denunciar as dificuldades sobre a consciência da ideologia dominante. Organiza-se então a busca por apoios e a problemática da junção, ou seja, da generalidade como adição, com seu corolário: “a autonomia”. Todos os limites podem então ser sintetizados pelo democratismo radical como questões de direito, de nova cidadania, de residente, etc. A luta dos imigrantes, desde os anos 70, torna-se assim uma teleologia do direito de cidade. Isso atingirá, após a luta dos “sem-papel”, sua apoteose prática e teórica com o movimento de petição do início de 97 (tratava-se de não precisar sinalizar a hospedagem de um estrangeiro). Não se tratava mais do que opor a democracia ao Estado. Durante o inverno de 1997–1998, a luta dos desempregados, no que ela tinha de mais dinâmica e radical, tendia a definir o trabalho assalariado a partir do desemprego, o que coloca imediatamente a crítica do primeiro desses termos e leva para o proletariado, em sua luta contra o capital, a sua própria contestação.
Ao contrário, definir o desemprego dentro do trabalho assalariado, apresentá-lo como um “escândalo”, foi a obra do democratismo radical através de todas as suas ações e de todos os seus temas: sua “crítica ao capitalismo”, da finança, da globalização, suas reivindicações keynesianas, a sua defesa do papel do Estado, de uma renda garantida, etc. O essencial está bem simples aqui: o democratismo radical tem soluções para tudo na sociedade atual. Trabalho, lazer, condição feminina, formação, condição animal, circulação automobilística, homossexuais, terceiro mundo...; ele não é “o movimento que abole as condições existentes”, mas que resolve seus “problemas”. A alternativa é sua forma geral.
Alternativa e “Partido da Alternativa”
Os mais “radicais” fundamentam a alternativa nas “potencialidades que o capital desenvolveria contra si mesmo”, mas isso não passa do desenvolvimento da exploração, ou seja, de algo que o proletariado não pode assumir. A caducidade do capital de um lado, a afirmação da classe operária “tomando posse das suas condições de existência” do outro, esses são os termos da ideologia alternativista que a condenam, ao contrário do reformismo “clássico”, à proclamação de projetos que jamais poderão conhecer qualquer início de realização. A caducidade do valor é a caducidade capitalista do valor; a socialização da sociedade é a socialização capitalista da sociedade capitalista.
A abordagem alternativa não reside diretamente no fato de considerar que a acumulação do capital desenvolve tendências e potencialidades objetivas contraditórias a ele, mas na forma de considerar essas “potencialidades” como dados utilizáveis pelo proletariado contra o capital e não como o próprio conteúdo do curso contraditório da exploração e da acumulação. Essas “potencialidades” se levantam, pela sua natureza capitalista (e não pelo seu uso capitalista), contra o proletariado, e é assim, contra o proletariado, que elas se constituem. Não há caducidade do valor, do trabalho assalariado, apenas porque há exploração e que, como desenvolvimento da exploração, esse é o curso do capital como uma contradição em processo. O essencial é que, embora a alternativa como construção geral de uma contra-sociedade seja rigorosamente impossível ou só dê origem a fragmentos irrelevantes, a problemática alternativista se constitui como “partido da alternativa”. Não se deve considerar esse partido como marginal e insignificante, focando apenas nos grupos, redes, etc., que o reivindicam expressamente. Apesar das “divergências”, as metástases são incontáveis, mesmo fora de qualquer organização, na consciência que muitas lutas têm de si mesmas. É a forma mais compartilhada do “cansar”, quando se torna “viver de outra forma”. A existência, já agora, desse projeto global de uma contra-sociedade na qual o proletariado, dominando suas condições de existência, não é mais o proletariado, se legitima na construção, “frente ao capital”, de suas bases militantes: “locais de vida”, redes, coordenações diversas, organizações militantes, agrupamentos de lobby de ciclistas, homossexuais ou anti-especistas, sindicatos de base e alternativos. A contradição com o capital, porque agora se situa no nível da reprodução das classes e tem como conteúdo a caducidade da relação salarial, torna-se um programa de desengajamento, contra o capital, da reprodução do proletariado que, assim, desaparece; é “a exploração de um outro futuro”. “Ricos”, “pobres”, “necessidades”, “controle”, “exclusividade”, “condições políticas”, esses são os termos da “crítica” alternativa ao modo de produção capitalista, na qual o capital não é mais do que uma “lógica econômica” imposta à “sociedade” por uma “vontade política”. Tomemos a riqueza social acumulada, mudemos a vontade política sem subordiná-la mais à lógica econômica, e a coisa estaria resolvida. Toda a questão da mudança da sociedade se resume a uma questão de vontade política e de “escolha de sociedade”.
Não pode mais se tratar, na problemática alternativista, das contradições dentro de uma sociedade que, pela atividade de uma classe definida nessas contradições, produz a superação dessa sociedade. Trata-se de uma decisão, de uma escolha, feita em alternativa a outra escolha de sociedade, a dos “mestres do mundo”. Para se fundamentar e legitimar sua prática, a alternativa separa a sociedade e o capital (parasitário) e considera o vínculo político como primeiro, como a definição essencial de toda sociedade humana. O capital subordina esse vínculo à produção para a produção (produtivismo em linguagem alternativa), seria necessário devolver-lhe sua primazia. É o vínculo político que definirá a “utilidade social do trabalho”. Mas aí, a alternativa se depara com um grande problema. Incapaz de pensar o capital em termos de relações sociais, ou seja, como particularização de uma totalidade, mas apenas em termos de choques de sujeitos independentes, auto-definidos, a contradição dessas relações sociais já não é mais uma contradição, pois os termos (as classes) estão simplesmente frente a frente. Não se trata mais de antagonismo (e até mesmo de barganha) entre dois tipos de controle, entre escolhas sobre a produção e a distribuição. O capital é esse controle exercido por “alguns” em “exclusividade”. O comunismo é então também reduzido a uma questão de controle e, desta vez, de controle por todos. Mas surge então na cabeça dos planejadores alternativos um novo problema: que todos controlem tudo é impossível. Então, inventar-se-á o “comunismo local” e, enquanto isso, defenderão as identidades locais, regionais, nacionais.
Crítica do Trabalho/Crítica da Economia
Existe, porque este ciclo de luta carrega a abolição do capital como a abolição de todas as classes, uma forma “limite” do democrata radical e da alternativa: a crítica ao trabalho e à economia. Em seu isolamento e devido às suas características próprias, o movimento dos desempregados viu transformar o que havia de mais radical nele (a expressão da caducidade da relação salarial) em uma natureza do próprio movimento, uma natureza intrínseca aos seus atores. Assim, a abordagem alternativa e sua ideologia, a crítica ao trabalho, se estabeleceram como limites dessa luta. Esse movimento se tornava em si mesmo a caducidade da relação salarial. Essa caducidade não era mais uma relação com o capital como desempregados e precários, mas os desempregados e precários eram a realização imediata personificada; eles eram em si mesmos o trabalho assalariado caducado. Isso se tornava uma posição social, um modo de vida. Na crítica ao trabalho, tem-se a alienação, mas não a implicação recíproca entre o proletariado e o capital. Fica-se no nível do indivíduo e da mercadoria, da revolução como o proletariado se desimplicando. Deixa-se de lado que o proletariado encontra justamente em si mesmo, como classe do trabalho vivo, do trabalho assalariado, a capacidade de produzir, contra o capital, o comunismo. Passa-se da luta de classes como contradição dentro do modo de produção capitalista, produzindo sua superação, para este confronto de modos de vida diferentes. No “refúgio ao trabalho”, confunde-se uma contradição — a exploração — com uma submissão, e uma abolição com um desengajamento. Cai-se novamente na alternativa, trata-se de escolher entre valores de uso úteis ou prejudiciais.
Os trabalhos concretos. Partindo (com razão) do trabalho assalariado, a crítica ao trabalho faz “deslocar” da crítica de uma relação social para uma crítica naturalista da atividade humana. Nessa problemática da crítica ao trabalho, raramente se ultrapassa o nível do dinheiro e da mercadoria, sendo essa a consequência da oposição estabelecida pela crítica ao trabalho entre “as necessidades da vida humana” e “uma produção falsificada que não responde mais do que a necessidades artificiais”. A contradição não se situa mais, dentro de um modo de produção, entre classes, mas entre dois tipos de atividades, duas formas de produzir, duas famílias de valores de uso, pois o modo de produção capitalista já é considerado como existindo apenas como dominação. Sabe-se que esse é o fundamento substancial da alternativa.
Pela mesma razão, sob suas formas mais elaboradas, o alternativismo e o democratismo radical são também uma “crítica da economia”. Economia, sociedade, poder, política, burocracia, etc., o modo de produção capitalista não é mais do que um empilhamento de pratos. De um lado, a produção (a economia) e, do outro, a reprodução das classes (a dominação). Depois, claro, são estabelecidas todos os tipos de pontes que não são mais do que instrumentos de dominação que basta denunciar, pois a dominação está na cabeça. A ideologia como “inculcação” ou “hábito” é promovida como cimento da sociedade; bastaria resistir a esse programa de subordinação defendendo outras ideias, outros comportamentos. De um lado, a produção, e especialmente a distribuição e a troca (a economia), do outro a sociedade. A crítica das relações sociais capitalistas como economia tomou literalmente a sua autonomização como economia. Ela se pretende ser a crítica dessa autonomização sem ter compreendido a autonomização da reprodução do capital como relação social. Ou seja, uma relação social, o capital, se apresenta como objeto e esse objeto como pressuposto da reprodução da relação social.
A crítica do conceito de economia, que integra no conceito as próprias condições de existência da economia, evita precisamente colocar a superação da economia como uma oposição à economia, porque a realidade da economia (sua razão de ser) está fora dela. A economia é um atributo da relação de exploração. A “crítica da economia” perde, então, a reprodução da sociedade que ela precisa depois reencontrar, empilhando sobre a economia as outras categorias autonomizadas dessa sociedade. Tendo perdido a sociedade como totalidade, a “crítica da economia” a reproduz como dominação. Isso significa que as condições de sua reprodução aparecem, diante do indivíduo, como condições já dadas e “naturais”, como um simples meio de realização de seus objetivos singulares (ou obstáculos a eles), como uma necessidade exterior à sua própria definição: de um lado o indivíduo isolado e sua reunião com outros com base em interesses comuns, de outro a reprodução da sociedade como meios ou obstáculos, como economia (esta posta, corolariamente ao indivíduo isolado, essencialmente nos níveis de troca, mercadoria, dinheiro, distribuição, consumo). É a luta de classes no mundo encantado da reificação.
Diante do Democratismo Radical
As limitações deste ciclo de lutas, a reprodução do capital como reprodução da classe no capital, são intrínsecas a ele e fundam o democratismo radical. Ao mesmo tempo, essa definição da classe no capital é a dinâmica desse ciclo de lutas e sua capacidade revolucionária. É por meio dessa dinâmica que estamos neste ciclo de lutas, embarcados de maneira conflitante com o democratismo radical. Estamos embarcados (quer queiramos ou não, a revolução comunista como superação deste ciclo de lutas é produzida por esse ciclo) com o democratismo radical e em contradição absoluta com ele.
O democratismo radical é, por natureza, instável. Não podendo fixar nenhuma autonomia operária, o democratismo radical é constantemente remetido ao seu verdadeiro destino: não poder se resolver senão como um modo de gestão utópica do capital, anunciar a próxima contrarrevolução fixando precisamente essa limitação (e força) do ciclo de lutas atual, ou seja, a ausência de formalização social de uma identidade operária. Esse é o segredo de sua instabilidade.
Que possamos, talvez, ser compreendidos dentro do próprio democratismo radical, como, por exemplo, em sua própria crítica, resulta da possibilidade de falar do comunismo a partir deste ciclo de lutas e da reestruturação, e não da dinâmica que anima certos setores do democratismo radical. O fato de que alguns sejam mais capazes de nos entender só confirma a instabilidade geral do democratismo radical. Cabe a nós nos confrontarmos com isso, sabendo que, se esse ciclo de lutas carrega sua superação, essa confrontação é inevitável e estamos engajados nela.
A revolução voltou a ser um tema polêmico. A mesma estrutura da contradição entre o proletariado e o capital produz, por um lado, sua superação e, por outro, seus limites como democratismo radical. É por meio disso que indivíduos engajados no democratismo radical podem, no entanto, nos entender, não de maneira “passiva”, unilateral, mas a partir da evolução e das contradições que suscitadas, no interior do democratismo radical, pelas características atuais do curso da contradição entre as classes. O ciclo atual carrega sua superação comunista pela negação, pelo proletariado, de sua existência de classe no curso de sua contradição com o capital, o que é precisamente o segredo da instabilidade do democratismo radical.
Em consequência, devemos entender que não escapamos da confrontação com o democratismo radical, e que o que define sua instabilidade (a incapacidade do proletariado de formalizar a mínima existência “autônoma” frente ao capital) define simultaneamente o nosso próprio espaço de existência pública, onde podemos ser ouvidos e onde buscamos ser ouvidos. Esse espaço é o que, no democratismo radical, cria essa impossibilidade de formalização de uma identidade operária, o que é simultaneamente o que faz com que esse ciclo carregue sua superação, e é o que nos faz existir.
A luta de classe é teórica, e as lutas imediatas são realmente produtoras de teoria. Quando analisamos brevemente lutas como a de dezembro de 95, a dos desempregados ou a dos sem-papeis, as consideramos como casos concretos onde a participação não é antagônica à crítica, pois a crítica é feita a partir da novidade teórica consubstancial a essas lutas. Em consequência, é insustentável se posicionar na “postura radical” de quem voltou de tudo e a quem não se engana ou na “postura contemplativa” de quem acha que as coisas são como são.
A participação ou a análise dessas lutas imediatas não é a aplicação de uma teoria preexistente. Nessas situações concretas, participamos e fazemos uma análise teórica nova, simples, em contato direto com a luta em andamento, porque podemos criticar essa luta em andamento com base no que ela é. Seja nas coordenações ferroviárias de 86, nas greves de dezembro de 95, na luta dos sem-papeis ou na dos desempregados, quando nos posicionamos a partir da identidade da dinâmica e do limite, não temos nenhuma exterioridade em relação a essa luta, estamos em sua própria existência, no seu ponto limite; a participação e a crítica então são idênticas.
É aí que as tomadas de posições rápidas, breves, diretas, são necessárias porque são possíveis. E são possíveis porque essas tomadas de posição, essas análises, não são uma aplicação, mas as lutas elas mesmas como produtoras de teoria.
É, por exemplo, na luta dos desempregados, defender o aumento dos mínimos sociais, não como “renda garantida” ou mesmo como “crítica do trabalho”, nem, claro, como “valor da disponibilidade da força de trabalho”; não defendê-la para estar “fora” do capital, mas porque estamos dentro, porque estamos na exploração, ou seja, defendê-la porque ela corrói o vínculo salarial. Reivindicar esse aumento não é propor uma outra organização do trabalho assalariado, é permanecer desempregados e/ou precários, enquanto reivindicamos a reprodução de nossa força de trabalho. Ali está a contradição, ali está a gangrena. A reivindicação do aumento dos mínimos sociais faz surgir o desemprego como a forma última do trabalho assalariado (e claro, a “renda garantida” e o democratismo radical não estão longe).
Então, o desafio geral dessa luta, a redefinição do trabalho assalariado com base no desemprego e na precariedade e a perspectiva de uma classe se abolindo a si mesma, não é um discurso teórico que sobrevoa o campo de batalha, mas uma tomada de posição direta, uma participação na batalha, porque é a própria batalha que produz tomadas de posição imediatas, simples de definir. Foi então levado a sério (e na prática) a identidade, nas lutas desse ciclo, de seu limite e de sua dinâmica, e essa identidade como o processo de seu próprio ultrapassamento.
É cada luta que, em si mesma, produz o novo, coloca as coisas em seu devido lugar e contém algumas afirmações que, em seu desenrolar, são produzidas como simples, breves e diretas. Nossas orientações na atualidade são a crítica das relações de produção capitalistas reestruturadas, ou seja, a crítica ao alternativismo, ao democratismo radical, a afirmação de que o comunismo não é uma verdadeira democracia, não é uma economia social, que não responde à questão de como conectar os indivíduos entre si; é a afirmação da ruptura revolucionária como algo inevitável. É a afirmação, finalmente, de que a revolução comunista é uma revolução proletária, que é o proletariado enquanto classe que abole as classes ao produzir o comunismo, que encontra em si mesmo, contra o capital, a capacidade de comunizar a sociedade.