Tekoşîna Anarşîst

Tekmil: Uma Ferramenta para Reflexão Coletiva

  O que é

  Uma Breve História do Tekmil

  Como o Tekmil Acontece na Prática?

  Dicas para o Tekmil

  Fundamentos da Tekmil

O que é

O Tekmil é um instrumento de reflexão coletiva. A raiz histórica do que conhecemos como tekmil pode ser rastreada até as tradições comunistas autoritárias, como o stalinismo. No entanto, Mao foi o primeiro entre essas tradições a dar tanta ênfase e importância aos métodos de crítica e autocrítica. No geral, podemos afirmar que a crítica e a autocrítica têm sido valiosas para os movimentos revolucionários em geral e nunca foram estranhas aos movimentos revolucionários não autoritários em geral.

No contexto de Rojava, tekmil pode ser traduzido como “relatório”— além disso, pode-se traçar se desenvolvimento e a transformação desse significado dependendo da situação. Ainda assim, faz sentido ter em mente a tradução literal - humildade e brevidade são valorizadas no Tekmil. Ela contém muitos códigos culturais, mecanismos e pressupostos ideológicos, e requer uma compreensão e base sólida, tanto filosófica quanto ideológica.

Este artigo transmite uma experiência específica de uma organização anarquista em Rojava e não necessariamente representa ou se estende a todas as outras práticas de Tekmil em todas as estruturas revolucionárias no Curdistão e além. Não queremos dar a impressão de que “carregamos conhecimento correto sobre o Tekmil” e que queremos “contar como ele realmente funciona”.

Pelo contrário, nossa posição e experiência vêm de e com humildade, e gostaríamos de compartilhar o que aprendemos por meio de nossas interações com o movimento revolucionário no nordeste da Síria. Deve-se entender que este texto é escrito pelas lentes da organização anarquista internacionalista em Rojava – não reivindicamos ter o ponto de vista mais objetivo, e nossa posição também carrega suas próprias limitações. Nossas experiências podem diferir do que outros internacionalistas experimentaram ao aprender sobre Tekmil neste contexto, bem como daqueles para quem o Curdistão e as línguas e culturas locais são nativas.

O que podemos e queremos é compartilhar nossas próprias experiências e perspectivas sobre a Tekmil.

Nas estruturas revolucionárias do Curdistão, o Tekmil é usado como ferramenta de reflexão e análise coletiva. Tekmil avalia a socialização em nossas sociedades, a influência da mentalidade capitalista e patriarcal em nossas personalidades, e trata de nossas ações, nossas abordagens uns aos outros no formato de camaradagem e convivência coletiva e das ideias que queremos colocar em prática. Uma das partes principais do tekmil é a crítica. Na maioria das comunidades de onde viemos, a crítica costuma ser percebida como um ataque ou uma declaração negativa. A filosofia da Tekmil vê a crítica como um presente que os camaradas oferecem uns aos outros com a melhor das intenções. Do ponto de vista de tal filosofia, a crítica é o que nos permite crescer como indivíduos, trabalhar em nossas falhas - mesmo que a crítica possa ser muito difícil de ouvir e aceitar. A crítica também pode ser difícil de expressar. A tarefa do tekmil é nos aproximar da realização de nossas ideias dentro de nós mesmos e ao nosso redor, e nos afastar da mentalidade do capitalismo e do patriarcado. Em vez do último, Tekmil ajuda a desenvolver a mentalidade das pessoas que lutam pela libertação e que aspiram a ser revolucionárias. Isso significa mudar a mentalidade e a personalidade de acordo com as ideias pelas quais lutamos.

Uma Breve História do Tekmil

Para entender como o Tekmil evoluiu até sua forma atual, precisamos olhar para sua história no contexto do Partido dos Trabalhadores do Curdistão. Por que estamos falando sobre o PKK neste tópico? Somos anarquistas e o partido não é o método organizador do nosso movimento. No entanto, isso não elimina o fato de que também vale a pena aprender lições da história do PKK para nós.

O mesmo pode ser dito de qualquer movimento revolucionário em geral. Além disso, o PKK não é um partido no sentido de participação no quadro organizacional do Estado, mas pode ser visto como uma forma de organização de uma luta antiestatal e anticolonial. O PKK não é para ser votado, nem tenta mudar o sistema por dentro.

O desenvolvimento do Tekmil como tal, na forma como o observamos como anarquistas internacionalistas em Rojava, está inseparavelmente ligado à história do desenvolvimento do PKK. Portanto, para entender melhor o Tekmil, é útil olhar também para esta parte da história, por mais contraditória que nos pareça. Muitas vezes, é das contradições que podemos tirar as lições mais valiosas. Outras culturas ou movimentos não são estranhos à reflexão coletiva. Tem sido utilizado de várias formas ao redor do mundo, por exemplo, na chamada “revisão da vida” nas organizações católicas da Catalunha, após a Guerra Civil Espanhola. Ou o “bastão de falar” dos povos originários nas terras colonizadas das chamadas Américas. Processos de reflexão coletiva são inerentes à maioria das comunidades de uma forma ou de outra. O Tekmil que estamos discutindo agora pode ser atribuídoa 4 estágios de desenvolvimento, similarmente relacionados aos 4 estágios de desenvolvimento do PKK.

Então, como tekmil se desenvolveu no PKK?

1973–1983: A forma de tekmil não é clara. Reuniões foram realizadas. Foi uma época de desenvolvimento de padrões e sistemas organizacionais.

1983–1993: Iníciodo conflito armado com a Turquia, até o cessar-fogo. A base do tekmil existia, mas as necessidades militares superavam o trabalho analítico e ideológico necessário. Uma mentalidade patriarcal progrediu.

1993: Chega a primeira trégua entre o PKK e a Turquia. A guerra teve um efeito tóxico nas estruturas organizacionais. O PKK se concentrou no desenvolvimento da análise organizacional e política. As estruturas femininas autônomas foram se desenvolvendo gradualmente. Os homens tiveram grande influência, a luta como eles a entendiam era muitas vezes reduzida à libertação nacional e a uma dura linha marxista-leninista. As mulheres da organização criticaram a abordagem patriarcal e o pensamento militar e insistiram no desenvolvimento de análises de personalidade e progresso. Desta época podemos citar algo que foi o resultado ideológico do debate e do trabalho organizativo e tornou-se a famosa citação, vinda do 5º Congresso do PKK em 1995: “5% da nossa luta é contra o nosso inimigo, 95% é contra nós mesmos.” O ponto de virada foi também a crítica firme ao marxismo-leninismo.

1993–2002 Em 2002, o PKK muda oficialmente seu paradigma ideológico, passando para o Confederalismo Democrático. A abordagem intro-organizacional passa a incluir não apenas uma análise da personalidade, mas também como essa análise é conduzida. As estruturas femininas autônomas já existentes nessa época estão se afastando do positivismo e se concentrando na moral e na ética. A construção do conceito de personalidade revolucionária como a conhecemos hoje começa neste período de tempo - e isso influenciou a filosofia do Tekmil.

Como o Tekmil Acontece na Prática?

É importante entender os códigos culturais do Tekmil e sua estrutura. Saber disso pode lhe dar uma ideia geral de como é o Tekmil. A maioria dos pontos abaixo são comuns a qualquer tekmil, mas existem diferenças.

Assim, podemos citar os seguintes pontos:

Qual é a sequência de interações no Tekmil?

O tekmil é iniciado pelo moderador. Ele/ela permite que os participantes falem oque desejam em ordem e escrevam brevemente a essência do que é dito no tekmil.

Todos os participantes devem ter um caderno ou algo para fazer anotações. Tekmil envolve um processo de pensamento e preparação, então os itens para Tekmil não são escritos 10 minutos antes de Tekmil, mas continuamente quando a reflexão ou pensamento ocorre. Uma maneira importante de se preparar para o Tekmil pode ser reservar um horário especial para isso, um dia ou mais antes do Tekmil.

Os participantes podem levantar a mão para falar. Com a permissão do moderador, pode-se começar a expor seus pontos. Você pode falar apenas uma vez com itens de crítica e autocrítica, e uma vez com sugestões.

Depois que a crítica e autocrítica tiverem sido expressas por todos que quiseram falar, você pode reunir as sugestões em uma lista e depois discuti-las uma a uma.

Após o término da discussão, o moderador resume o Tekmil. O objetivo é percorrer os tópicos da crítica e da autocrítica e dar-lhes uma forma comum, apresentá-los em um quadro geral. O moderador pode dar uma perspectiva sobre o que vê e tentar refrescar a ideia do que precisa ser pensado, refletido e trabalhado.

Também é possível percorrer as decisões tomadas sobre as propostas, relembrar as tarefas assumidas e as decisões coletivas.

Então, a estrutura do tekmil pode ser resumida em:

Dicas para o Tekmil

Essas dicas são as experiências acumuladas do Tekmil e apontam suas características,bem como a importância de suas idéias básicas.

trata do momento certo para as críticas, você deve avaliar como a crítica se relaciona com a situação geral ao seu redor e com o grupo, qual é o clima. Não é uma questão de fazer a críticada forma mais fácil — antes, você precisa descobrir se ainda há trabalho a ser feito antes e depois da crítica. Essa abordagem procura tornar a crítica não a mais fácil, mas a mais eficaz e útil possível.

Para resumir, as tarefas da tekmil podem definas da seguinte forma:

Fundamentos da Tekmil

É importante mencionar e destacar quais valores sustentam o método do Tekmil, para que sua prática seja significativa. A prática do Tekmil pode ser superficial e meticulosa - as pessoas fazem críticas e autocríticas apenas para passar por isso, ou usam a ocasião para atacar e rebaixar os outros. A razão pela qual criticamos é cuidar uns dos outros e de nós mesmos, assumir a responsabilidade de ajudar uns aos outros.

Esses valores são:

Uma tarefa especial do tekmil é o desenvolvimento de uma personalidade militante. Este conceito implica em:

Terminemos com uma declaração que resume os princípios e a cultura da tekmil:

“Não analisamos o momento, mas a história; não o indivíduo, mas a sociedade”.


Adquirido em 22/06/2023 de avtonom.org
Traduzido do inglês com o título original: Tekmil: A Tool For Collective Reflection. Tradução para o português pelo Coletivo Editorial Letra A.