UNIPA - União Popular Anarquista

Uma década de ilusões

12/04/2012

“Aquele que conhece a si próprio e conhece o inimigo, não sofrerá derrotas. Aquele que conhece o inimigo ou a si próprio, para cada vitória sofrerá uma derrota. E aquele que não conhece nem o inimigo nem a si próprio perderá todas as batalhas.” – Sun Tzu

A UNIPA realizou em janeiro de 2012 sua Assembleia Nacional, numa conjuntura internacional e nacional relativamente similar ao do ano anterior. Entretanto, optamos por fazer um rigoroso balanço da questão social nos governos Lula e Dilma. As resoluções serão em breve publicadas e ao longo do ano de 2012 iremos aprofundar e divulgar estes balanços a partir das questões abordadas no documento intitulado: Uma Década de Ilusões: as verdadeiras condições objetivas produzidas pelo Governo Lula-Dilma (2003-2012) e cenários para crise mundial.

Este documento e os artigos que passarão a ser publicados em série no Causa do Povo têm por objetivo demonstrar algumas ilusões produzidas pelo Estado, através dos diferentes Governos, Partidos e outros instrumentos que dificultam, mas não impedem, a construção de uma via revolucionário no país.

Na análise que será expressa nos documentos e no Causa do Povo vamos vincular os períodos FHC/PSDB (1995-2002) e Lula/PT (2003-2010), ou seja, as mudanças iniciadas e levadas adiante pelo governo tucano e como isso foi utilizado pelo governo Lula. Nosso programa decompõe a Questão Social no Brasil em: 1) Questão Político-econômica (que abrange o modelo de Estado e governo, condições de vida e distribuição de renda e propriedade); 2) Questão Nacional (da Dependência Externa, imperialismo e as relações no sistema mundial); 3) Questão Agrária (distribuição da terra, renda da terra e trabalho na agricultura); 4) Questão Urbana (problema habitacional e condições de vida nas cidades); 5) Questão Regional (problemas de concentração e distribuição entre diferentes regiões do país); 6) Questão Étnico-racial e de Gênero (que aborda os problemas relativos ao racismo, machismo e emancipação das nacionalidades, povos e mulheres); 7) Questão da Violência (que considera o problema das mortes violentas de trabalhadores e sua origem de classe); 8) Questão Ambiental (que aborda o problema da exploração predatória da natureza e a degradação ambiental).

A Construção das Ilusões

Na última década, a partir da eleição de Lula/PT, foram apresentadas uma série de ilusões a partir de uma constatação de que o país está passando por uma “grande transformação econômica e social”. Problemas existem, mas seriam aspectos isolados, pontuais, que serão solucionados com negociações futuras. O governo Lula e agora Dilma estariam “melhorando” as condições globais de vida. O mesmo é dito pelo PSDB sobre a Era FHC. E ainda dizem que muitos das realizações dos governos Lula e Dilma se devem ao terreno que FHC preparou anteriormente.

Qual era a grande promessa do programa “democrático” do PT, ou da ideia de etapa democrática da revolução burguesa do PCdoB, atualização da antiga proposta do PCB? Essa promessa era de resolver as principais questões nacionais (crescimento econômico, igualdade social). Assim, todo o bloco governista (PT/CUT/CMS, PCdoB/CTB e demais movimentos sociais que apoiaram Dilma Rousseff) compartilha da premissa de que o atual governo estabeleceu uma ruptura e um novo caminho para o desenvolvimento do país.

A principal tática de propaganda do PT é apresentar sempre supostas melhorias de forma isoladas, parte por parte, e sempre comparando-as com o um passado recente (a Era FHC). É como se a história se resumisse a polarização entre neoliberalismo e antineoliberalismo, materializada no Brasil na oposição entre os governos PT e PSDB. Essa análise dualista é simplista e está na base da produção dessas ilusões. A realidade não se resume a dualismos.

Tudo se transforma quando fazemos uma análise global, comparando os diferentes setores da sociedade e suas questões, cruzando os diferentes dados, e fazendo comparações históricas de médio prazo.

Nós conseguimos demonstrar o que deveria ser óbvio: 1) a questão social no Brasil, em todas as dimensões que podemos decompô-la, não só não foram resolvidas, como não sofreram “melhoras parciais” em relação ao desenvolvimentismo clássico (Era Vargas, Ditadura Militar), ao contrário, suas contradições estão sendo agravadas; 2) o Governo Lula opera dentro de um Estado Neoliberal, aplicando políticas híbridas neoliberais e desenvolvimentistas, mas ele se assenta e continua o trabalho de FHC porque isso é um imperativo do capitalismo ultramonopolista. Mas ao contrário do que propaga o PSDB, esse continuísmo só aprofunda a desigualdade social e a repressão.

As reformas do Estado e o modelo toyotista de produção são necessidades impostas pelo sistema mundial. Nenhuma ação do Governo Lula e Dilma rompeu com tal modelo e sua expressão no plano político. Por outro lado, mesmo as reformas parciais são reestruturações demandadas pelo capital enquanto adaptação à Divisão Internacional do Trabalho (DIT).

A crise econômica, apesar de ter sido usada pelos governistas para criar a imagem da economia brasileira “blindada” contra a crise, tem mostrado as garras da ofensiva burguesa. A adaptação a DIT se aprofundou ainda mais durante a crise. Isso tem significado o avanço do agronegócio, fundamental no projeto petista devido aos altos preços das commodities no mercado internacional, em detrimento dos camponeses e trabalhadores rurais. Dentro desta estratégia política, o governo tem mantido em curso os projetos de exportações agrícola e energética, como os corredores para o pacífico e as grandes obras como Jirau, Belo Monte e Santo Antônio. Tudo dentro das expectativas do IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana).

No campo do setor industrial o governo tem adotado uma política de proteção, especialmente para a indústria automotiva, principal base de sustentação do sindicalismo governista e de apoio empresarial. Por sua vez, no setor público há arrocho e reformas. A crise acelerou a adaptação à nova DIT. Ao mesmo tempo em que acirrou uma dinâmica repressiva-autoritária, principalmente contra as greves que afetam pontos chaves deste projeto, como em Jirau, Comperj, Santo Antônio, Belo Monte e Pecem.

A política do governo é uma mescla de neoliberalismo, toyotismo, corporativismo e nacionaldesenvolvimentismo. Ou seja, é a forma particular do capitalismo ultramonopolista no Brasil nesse momento histórico. As ações pontuais do Governo Lula/Dilma só tem um significado se forem relacionadas ao caráter predatório da ofensiva comandada pelo PSDB nos anos 1994-2002. Essa é uma diferença, pequena, mas que explorada politicamente é apresentada durante esta década como se fosse uma diferença “estrutural”. É essa ilusão que iremos destruir.