Vernon Richards
Lições da Revolução Espanhola
CAPÍTULO I. AS ELEIÇÕES DE FEVEREIRO DE 1936
CAPÍTULO II. O LEVANTE MILITAR DE JULHO DE 1936
CAPÍTULO III. A REVOLUÇÃO NA ENCRUZILHADA
CAPÍTULO IV. DITADURA ANARQUISTA OU COLABORAÇÃO E DEMOCRACIA
CAPÍTULO VI. A CNT JUNTA-SE AOS GOVERNOS CATALÃO E CENTRAL
CAPÍTULO VII. A CNT E A AÇÃO POLÍTICA
CAPÍTULO VIII. A CORRUPÇÃO DO PODER
CAPÍTULO IX. OS COLETIVOS AGRÍCOLAS
CAPÍTULO X. AS INDÚSTRIAS COLETIVIZADAS
CAPÍTULO XI. OS COMUNISTAS: PONTA DE LANÇA DA CONTRARREVOLUÇÃO
CAPÍTULO XII. OS "DIAS DE MAIO" EM BARCELONA
CAPÍTULO XV. A FAI E A LUTA POLÍTICA
CAPÍTULO XVI. DAS MILÍCIAS À MILITARIZAÇÃO
CAPÍTULO XVII. O PLENÁRIO ECONÔMICO NACIONAL AMPLIADO DE JANEIRO DE 1938
CAPÍTULO XVIII. O PACTO UGT-CNT
CAPÍTULO XIX. O CULTO DA ORGANIZAÇÃO E DAS PERSONALIDADES
Parte 1
CAPÍTULO I. AS ELEIÇÕES DE FEVEREIRO DE 1936
Pela sua constituição, a CNT era independente de todos os partidos políticos na Espanha e abstinha-se de participar de eleições parlamentares e outros tipos. Seus objetivos eram reunir as massas exploradas na luta pela melhoria cotidiana das condições econômicas e de trabalho e a destruição revolucionária do capitalismo e do Estado. Seus fins eram o comunismo libertário, um sistema social baseado na comuna livre federada nos níveis local, regional e nacional. A autonomia completa era a base dessa federação, sendo os únicos vínculos com o todo os acordos de caráter geral adotados por congressos nacionais ordinários ou extraordinários.
Em 6 de Janeiro de 1936, o Comitê Regional da CNT na Catalunha convocou uma conferência regional para discutir duas questões: a primeira: "Qual deve ser a posição da CNT em relação às organizações que, embora não compartilhem nossos objetivos, têm uma base da classe trabalhadora?"; a segunda: "Que atitude definitiva e concreta a CNT deve adotar nas próximas eleições?" Devido à sua convocação apressada, bem como ao fato de que a maioria dos sindicatos ainda era ilegal, a conferência era pouco representativa, e alguns delegados chegaram ao ponto de atribuir ao Comitê Regional um interesse pessoal em discutir essas questões. No entanto, a maioria das delegações, entre as quais prevaleceu a opinião de que a posição antieleitoral da CNT era mais de tática do que de princípio, era a favor da discussão das questões.
A historiografia da CNT no exílio não nos diz como a discussão se desenvolveu,[1] mas ela reproduz um documento do secretariado da IWMA (Associação Internacional dos Trabalhadores, à qual a CNT era afiliada desde 1922) intitulado "A IWMA e a Crise da Democracia, as Eleições e o Perigo do Mal Menor". É uma defesa bem fundamentada do abstencionismo tradicional da CNT e uma exposição da ineficácia da Frente Popular política como resposta à ameaça fascista e reacionária. Isso criou uma profunda impressão na conferência, e uma resposta foi enviada à IWMA reafirmando a posição abstencionista da CNT e uma resolução elaborada aconselhando uma campanha antipolítica e abstencionista nas próximas eleições.
Quando as eleições foram realizadas no mês seguinte, "a CNT havia concluído uma campanha antieleitoral despercebida em razão de sua timidez". [2] Peirats não acrescenta que, de fato, os membros da CNT votaram nas eleições de 1936 em grande número. Gerald Brenan sustenta que o aumento de um milhão e um quarto de votos obtidos pela esquerda em comparação com os números de 1933, "pode, em grande medida, ser atribuído ao voto anarquista". [3]
O líder socialista, Largo Caballero, em um discurso que proferiu em Valência em Outubro de 1937, justificando sua colaboração governamental com os anarquistas, e respondendo aos críticos de seu próprio partido que haviam sido em grande parte responsáveis por sua renúncia como primeiro-ministro, chamou a atenção para a importância do voto anarquista nas eleições de fevereiro:
E então vêm as eleições, e quando vemos a lista de candidatos de esquerda em perigo [de derrota], então não temos escrúpulos em chamar a Confederação [CNT] e os anarquistas e dizer-lhes: "Venham e votem em nós". Mas quando nos elegeram e nós estamos no parlamento e montamos os nossos departamentos governamentais, dizemos-lhes: "Vocês agora não podem participar na vida política; cumpristes as vossas obrigações".
Para Santillán, o anarquista, não havia dúvida de que os anarquistas votaram, e em sua opinião com razão. Segundo ele,[4] as massas votaram com seu "instinto seguro habitual" para certos objetivos definidos: desalojar as forças políticas da reação fascista do governo e obter a libertação dos trinta e três mil presos políticos (vítimas da repressão selvagem após o levante das Astúrias em Outubro de 1934). Ele justifica essa posição com o comentário adicional de que "Sem a vitória eleitoral de 16 de Fevereiro, nunca teríamos tido um 19 de julho". "Demos poder aos partidos de esquerda, convencidos de que, nas circunstâncias, eles representavam um mal menor." [5] Santillán, deve-se afirmar, foi um dos principais membros da FAI, organizador das milícias antifascistas na Catalunha e mais tarde um dos ministros "anarquistas" do governo catalão.
Tendo justificado a intervenção anarquista nas eleições, Santillán continua dizendo que "os partidos de esquerda que chegaram ao poder, graças a nós, prosseguiram com a mesma falta de compreensão e a mesma cegueira em relação a nós. Nem os trabalhadores da indústria nem os camponeses tinham razões para se sentirem mais satisfeitos do que antes. O poder real permaneceu nas mãos de um capitalismo rebelde, da Igreja e da casta militar", e os militares prosseguiram com os preparativos para seu golpe de Estado "para privar os parlamentares republicanos do que haviam ganho legalmente nas eleições de 16 de Fevereiro". A vitória da esquerda resultou na abertura das prisões em Fevereiro de 1936 e na libertação da maioria dos inimigos políticos da direita. [6]
Quatro meses depois, em 20 de Julho, quando os trabalhadores de Barcelona haviam derrotado a rebelião, sua primeira tarefa era abrir os portões da prisão de Barcelona, que, nas palavras de Santillán, estava "transbordando de nossos camaradas" – desta vez vítimas não dos partidos de direita, mas da esquerda! Santillán admite ainda que uma mudança de governo não transferiu de fato o "poder real", e sabemos por evidências documentais que os generais começaram a preparar seu golpe antes das eleições de Fevereiro. A CNT emitiu um manifesto antes das eleições no qual advertiram o povo espanhol sobre os preparativos que estavam sendo feitos pelos generais – nomeando o Marrocos espanhol como o centro das atividades – e convocando os trabalhadores revolucionários a estarem atentos e prontos para a ação. [7]
O governo da Frente Popular rejeitou esses avisos. Nas palavras do ministro da Guerra, eram "rumores" que poderiam ser descritos como "falsos e sem qualquer fundamento" calculados para fomentar "a ansiedade pública, semear mal-estar contra os militares e minar, se não destruir, a disciplina que é fundamental para o Exército. O ministro da Guerra tem a honra de poder declarar publicamente que todas as fileiras do Exército Espanhol, do mais alto ao mais baixo, estão se mantendo dentro dos limites da mais estrita disciplina, sempre prontos para cumprir suas ordens à risca. O Exército Espanhol, modelo de abnegação e lealdade, merece dos seus concidadãos o respeito, o afecto e a gratidão que são devidos àqueles que, a serviço e na defesa do seu país e da República, oferecem as suas vidas se a segurança e a honra nacional assim o exigirem", e assim por diante, ad nauseam.
Durante esses poucos meses, desde o momento das eleições de Fevereiro até o levante militar em Julho, toda a Espanha estava fervilhando de agitação. Cento e treze greves gerais e 228 greves locais ocorreram, muitas como protestos contra os provocações direitistas. Na luta com as forças da "ordem pública" e entre facções políticas, 1.287 pessoas ficaram feridas e 269 morreram. E como apontamos anteriormente, as prisões estavam cheias de militantes anarquistas.
A história espanhola – e a história recente – estava simplesmente se repetindo. Em 1931, com a proclamação da República, formou-se um governo socialista-republicano. Foi politicamente impotente, exceto, como diz Santillán, em ser usado pelos velhos políticos da monarquia para realizar a repressão habitual do movimento revolucionário. [8] Nas eleições de 1933, o governo de esquerda foi derrotado pela direita, em grande parte como resultado de abstenções em massa dos trabalhadores pelos quais a CNT foi a principal responsável. Peirats descreve esta "greve eleitoral" da CNT nestes termos:
A campanha foi intensa e continuou durante todo o período eleitoral e terminou com uma reunião monstruosa na Plaza de Toros Monumental, em Barcelona, na qual os oradores da CNT, Pavón, Germinal, Durruti e Orobon Fernández lançaram a palavra de ordem: Frente a las urnas, la revolución social. [isto é, que a alternativa à cabine de votação era a revolução social]. A CNT e a FAI, conscientes das repercussões e da transcendência de sua posição, declararam naquela reunião que, se a derrota dos partidos de esquerda fosse acompanhada de uma vitória para a direita, ela libertariam as forças da revolução social.
Compare essa posição com a adotada pela CNT em 1936, e não há dúvida de que, enquanto falava da boca para fora do princípio da abstenção nas eleições de Fevereiro, a direção da CNT estava trabalhando nos bastidores, oferecendo aos políticos de esquerda o voto potencial que a Confederação representava em troca, talvez, por garantias de que os presos políticos seriam libertados em caso de vitória da Frente Popular. Isso está longe de se tratar de especulações. O que é certo é que dentro da CNT sempre houve personalidades fortes que, como sempre acontece com aqueles que passam por cima de princípios básicos, declararam-se os homens práticos, os realistas do movimento. E assim como eles usaram o voto potencial da CNT como uma arma de barganha em suas discussões com os políticos (muitas vezes sem sequer serem encarregados pela organização), eles usaram os milhares de presos políticos da CNT como um argumento para justificar suas políticas reformistas e claramente anti-CNT, assim como para chantagear os membros a aceitá-las. [9]
Talvez se possa dizer que falamos muito da atitude vacilante da direção da CNT nas eleições de Fevereiro de 1936, tendo em vista o desprezo geral que os trabalhadores mantiveram a todos os governos espanhóis, que presumivelmente aprovariam a participação da CNT se isso resultasse na libertação dos presos políticos sem considerar que tal ação comprometeria de alguma forma os princípios revolucionários da Confederação. Se a questão pudesse ser isolada dessa maneira, o elemento humano envolvido poderia facilmente superar as objeções de princípio. Mas este não é o caso. As táticas são como um jogo de xadrez que exige que cada movimento seja visto não apenas à luz de seus resultados imediatos, mas em todas as suas implicações vários movimentos à frente. No momento em que a direção da CNT se dispusesse a abandonar os princípios de tática (e, como veremos, não foi a primeira nem a última vez que o fizeram), novos fatores além do original de libertação dos presos políticos teriam que ser considerados.
Por exemplo, ao garantir a vitória da Frente Popular como resultado de sua participação nas eleições, a CNT teve que levar em conta que tal vitória garantiu que os preparativos para o golpe militar prosseguiriam sem controle. Por outro lado, uma vitória da direita, que era quase certa se a CNT se abstivesse, significaria o fim da conspiração militar e a chegada ao poder de um governo reacionário, mas ineficaz, que, como seu antecessor, resistiria por não mais de um ano ou dois. Não há nenhuma evidência real para mostrar que houve qualquer desenvolvimento significativo de um movimento fascista na Espanha ao longo das linhas dos regimes na Itália e na Alemanha. Os partidos de direita eram praticamente os mesmos de sempre.
A CNT, ao participar da campanha da Frente Popular, deveria, portanto, ter levado em conta o efeito de um levante militar. Quem resistiria aos generais? E a questão fundamental para a própria existência da CNT como organização revolucionária: pode uma situação como a que surgirá ser convertida em benefício da revolução social? Para a primeira pergunta, ficou claro para eles que nenhuma resistência efetiva poderia ser esperada do governo, que preferiria perecer em vez de armar o povo espanhol. Portanto, mais uma vez, todos os sacrifícios teriam que ser feitos pelos trabalhadores que estavam sem armas e precisavam de tempo para coordenar e reorganizar suas forças que acabaram de sair de anos de ilegalidade contra um exército treinado, bem armado e financiado que tinha a vantagem da iniciativa no ataque ao seu lado. [10] Poderiam os trabalhadores nessas circunstâncias derrotar o golpe de Estado dos militaristas? Pois não fazê-lo significaria represálias, e mais uma vez as prisões seriam preenchidas com presos políticos, muito além da ruptura interna nas fileiras revolucionárias que resultaria da repressão.
Tais são, a nosso ver, algumas das considerações e consequências resultantes da aceitação por um movimento revolucionário de táticas políticas em detrimento de princípios.
Os meses que antecederam a insurreição militarista caracterizaram-se, como já salientamos, por uma agitação política generalizada e por uma provocação armada da direita. Até onde vai o relato de Peirats, parece que os movimentos revolucionários não tomaram medidas para neutralizar os preparativos que estavam sendo feitos pelos militares para seu golpe, e mesmo no congresso nacional da CNT realizado em Zaragoza em Maio de 1936 parece não ter havido discussão sobre essa questão.
Este foi um dos congressos mais importantes da história da CNT, tanto porque era representativo de todo o movimento (contou com a presença de 649 delegados representando 982 sindicatos com um total de 550.595 membros) quanto porque discutia questões tão importantes como a crise interna e as alianças revolucionárias e examinava a atividade revolucionária do movimento nos levantes de Janeiro e Dezembro de 1933 e de Outubro de 1934. Ao mesmo tempo, o congresso comprometeu-se a definir o conceito de comunismo libertário da Confederação em suas aplicações pós-revolucionárias aos importantes problemas da vida da comunidade, bem como a estudar qual seria a posição da organização em relação ao programa governamental de reforma agrária.
A crise interna foi logo resolvida com a readmissão na CNT dos chamados secessionistas (os treintistas) e dos 60.621 membros que representavam. Sobre a questão de uma análise crítica das lutas passadas, cuja discussão foi determinar qualquer modificação nas atividades e aspirações imediatas e futuras da organização, Peirats não faz mais do que reproduzir na íntegra o discurso feito por um dos delegados como um exemplo do alto nível do debate. Seria, de fato, tentador reproduzir muitos parágrafos dessa contribuição revolucionária e anarquista, mas fazê-lo poderia levar a uma avaliação errada do espírito geral do congresso. [11]
Um dos "resultados mais significativos dos debates" foi, de acordo com Peirats, a resolução sobre alianças revolucionárias, que também é significativa quando vista à luz de eventos posteriores. Esta resolução declarava:
Durante o período da ditadura de Primo de Rivera, muitas foram as tentativas de revolta do povo, resultando em esforços dos políticos de alto nível para direcionar os sentimentos revolucionários dos trabalhadores para os canais reformistas da democracia. Isso foi possível graças ao acordo dos organismos operários da UGT de se inscreverem na convocação de eleições que resultaram no triunfo político da República. Com a derrota da monarquia, a UGT e o partido que atua como seu orientador tornaram-se servos da democracia republicana e puderam verificar por experiência direta a inutilidade da colaboração política e parlamentar. Graças a esta colaboração, o proletariado em geral, sentindo-se dividido, perdeu uma parte da força revolucionária que era sua característica em outros tempos. Os acontecimentos das Astúrias demonstram que, uma vez que o proletariado recupere este sentimento da sua própria força revolucionária, é quase impossível esmagá-lo. À luz do período revolucionário durante o qual a Espanha viveu e está vivendo, este congresso considera uma necessidade inevitável unificar em um sentido revolucionário as duas organizações: UGT e CNT.
As condições para a realização de tal pacto eram, como foi o caso na conferência regional da Catalunha no início daquele ano, tão revolucionárias que eram inaceitáveis para os políticos da UGT. E somente em Abril de 1938, dezoito meses após o levante militar, foi alcançado um acordo entre as duas organizações de trabalhadores. [12] Mas naquele momento a revolução havia sido esmagada e os trabalhadores estavam engajados em uma luta militar heroica, mas sem esperança.
Considerações espaciais impedem qualquer referência detalhada aqui à declaração de princípios e objetivos do congresso. Este longo documento pode ser descrito como uma exposição não dogmática das ideias anarquistas em que uma tentativa foi feita para incorporar os muitos tons de interpretação da sociedade libertária – do sindicalista aos pontos de vista anarquistas individualistas. No preâmbulo, é interessante notar que a CNT justificou a discussão da sociedade pós-revolucionária porque considerou que o período pelo qual a Espanha estava passando poderia facilmente resultar em uma situação revolucionária do ponto de vista libertário. Esta atitude torna ainda mais surpreendente a falta de qualquer discussão sobre os problemas que a organização poderia enfrentar durante o período revolucionário. Ou, mais especificamente, qual seria a atitude da organização no dia seguinte à derrota do golpe militar, quando se viu de repente à frente do movimento revolucionário. Tal possibilidade poderia ser facilmente prevista na Catalunha, se não nas províncias sob o governo central. Talvez para as bases a resposta fosse simples: a revolução social. Mas, à luz das ações subsequentes, para a liderança da CNT não foi tão simples quanto tudo isso. No entanto, esses problemas e dúvidas não foram enfrentados no congresso, e por essas graves omissões de previsão, ou talvez de democracia revolucionária na organização, os trabalhadores revolucionários pagaram caro nos meses que se seguiram.
CAPÍTULO II. O LEVANTE MILITAR DE JULHO DE 1936
Em 11 de Julho de 1936, um grupo de falangistas tomou a estação de radiodifusão de Valência e emitiu a seguinte proclamação: "Esta é a Rádio Valência! A Falange espanhola tomou a estação de radiodifusão pela força das armas. Amanhã o mesmo acontecerá com as estações de radiodifusão em toda a Espanha." Apenas algumas horas antes, o primeiro-ministro, Casares Quiroga, havia sido confidencialmente avisado de que o golpe militar era um fato. Ao que o líder político da Espanha respondeu: "Com base em que você diz que tem certeza de que os militares vão se sublevar? Muito bem então, mas da minha parte, eu vou me deitar." A piada foi de mau gosto porque, de fato, nessa frase se resume toda a atitude de Quiroga e dos governos espanhóis subsequentes.
Os generais lançaram seu primeiro ataque no Marrocos seis dias depois. O exército, liderado pelas forças da Legião, ocupou as cidades, portos, aeródromos e lugares estratégicos do Protetorado, capturando e matando trabalhadores militantes e personalidades proeminentes da esquerda. A resposta do governo foi declarar que "graças à ação anteriormente tomada pelo governo, pode-se dizer que um movimento antirrepublicano generalizado foi abortado. A ação do governo será suficiente para restabelecer as condições normais". Mas no dia seguinte, 18 de Julho, esse mesmo governo teve que admitir que Sevilha estava nas mãos do general Queipo de Llano.
Diante do fato consumado, as reações dos partidos políticos e da CNT à situação são particularmente interessantes. Os Partidos Socialista e Comunista emitiram a seguinte nota conjunta:
O momento é difícil. O governo tem certeza de que possui meios suficientes para esmagar essa tentativa criminosa. No caso destes meios serem insuficientes, a República tem a promessa solene da Frente Popular, que se dispõe a intervir na luta no momento em que a sua ajuda for necessária. O governo ordena e a Frente Popular obedece.
Na noite de 18 de Julho, o Comitê Nacional da CNT, da estação de radiodifusão (Union Radio) de Madri, declarou a greve geral revolucionária, convidando todos os comitês e militantes a não perderem contato e a ficarem de guarda, com as armas à mão em seus lugares de encontro locais. Naquela mesma noite, o Comitê Nacional enviou delegados a todos os Comitês Regionais da Confederação com instruções detalhadas.
Na manhã de 19 de Julho, uma grande proporção dos soldados da guarnição de Barcelona deixou seus aposentos para ocupar todos os edifícios estratégicos e o centro da cidade, ligando-se a outros grupos envolvidos na revolta. Alguns escritores sobre a guerra civil na Espanha tentaram criar a impressão de que ambos os lados eram tão incompetentes que a ascensão e a reação popular eram uma espécie de farsa, e de caráter ruritaniano(de caráter atrasado, uma intriga). Nada poderia estar mais longe da verdade. O golpe militar foi, sem dúvida, uma ação militar muito cuidadosamente planeada e programada e isso deve ser continuamente sublinhado, porque só assim se aprecia plenamente a magnitude e o heroísmo da resistência popular que naqueles primeiros dias triunfou em dois terços da península espanhola. [13] Fazê-lo revela também a impotência das forças armadas quando confrontadas com a resistência determinada das massas[14] – mesmo quando estão tão mal equipadas como estavam os trabalhadores espanhóis nos primeiros dias da luta.
Em Barcelona, foram os trabalhadores revolucionários da CNT, com pequenas seções da Polícia e da Guarda Civil (inimigos implacáveis dos anarquistas em tempos normais) que não haviam apoiado os militares que, dentro de vinte e quatro horas, conseguiram forçar o general Goded e suas tropas a se renderem. Sem perder tempo, a CNT e a FAI entraram nos quartéis apreendendo o armamento restante que foi então distribuído a grupos de trabalhadores que foram enviados para todas as aldeias e cidades da região, conseguindo assim evitar levantes semelhantes em Tarragona, Lerida e Gerona. Em Madri, como em Barcelona, o que parecia uma situação desesperadora para os trabalhadores foi convertido em vitória, graças ao seu heroísmo e iniciativa, bem como ao seu entusiasmo revolucionário. Mas em outras cidades um tempo valioso foi perdido através da indecisão dos funcionários do governo, bem como dos apoiadores da Frente Popular.
Em Valência, os quartéis foram cercados pelos trabalhadores antes que as tropas pudessem assumir posições estratégicas na cidade. Esta situação durou quinze dias, com o governo recusando-se a armar o povo e declarando que as tropas aprisionadas no quartel eram "leais". Eles também ordenaram que os trabalhadores encerrassem a greve geral declarada no primeiro dia pela CNT-FAI e que dissolvessem o comitê executivo que havia assumido o lugar do governador provincial, que todos foram unânimes em considerar incompetente. [15] Mas o governo existia apenas no nome e sua autoridade (assumindo que era "leal") de qualquer maneira foi aprisionada nos quartéis! Enquanto isso, a CNT havia feito contato com a Confederação na Catalunha e em Madri, e foram feitos arranjos para que rifles e metralhadoras fossem enviados para Valência. Foi então que a CNT tomou a decisão de lançar um assalto ao quartel, e assim encerrou uma quinzena de luta "em que heroísmo e temeridade andaram de mãos dadas com a fraqueza e o concubinato". [16]
Em Saragoça, onde toda a guarnição se juntou ao levante, os trabalhadores, apesar de sua força numérica (trinta mil nas duas organizações, UGT e CNT) foram incapazes de esmagar a rebelião. Faltavam-lhes armas e, nas palavras de um dirigente da CNT, "temos de reconhecer que fomos muito ingênuos. Perdemos muito tempo tendo reuniões com o governador civil; acreditávamos até nas suas promessas... Poderíamos ter feito mais do que fizemos? Possivelmente. Baseávamo-nos exclusivamente nas promessas do governador e esperávamos demasiado da nossa força numérica", não nos apercebendo de que era necessário algo mais de trinta mil trabalhadores organizados para enfrentar um levante violento desta ordem.
Nas Astúrias, outro centro revolucionário da Península, a indecisão das autoridades e da Frente Popular criou graves complicações na situação naquela região e só à custa de muitas vidas o levante foi finalmente reprimido.
Mas, de acordo com Peirats, foi a velocidade com que os generais realizaram seu plano de ligar suas duas principais forças através da Andaluzia e da Extremadura, usando como bases intermediárias Sevilha, Cádiz, Algeciras, Jerez, etc. que constituiu a chave para todos os seus futuros sucessos militares. Acrescentaríamos, no entanto, que a verdadeira chave para o sucesso militar dos rebeldes foi Marrocos, que serviu "como a principal base para os fascistas como fonte de mão-de-obra e como centro de abastecimento, e a disposição, distribuição e reorganização de forças em sua luta contra o heróico povo espanhol ... Bem, pode-se dizer que Marrocos colocou a República em perigo mortal." [17] Peirats fica em silêncio sobre a questão do Marrocos. No entanto, o que imediatamente vem à mente é: Qual foi a atitude da CNT-FAI em relação ao Marrocos antes e depois da revolta? Por suas ações, é claro que eles não tinham nenhum programa revolucionário que pudesse ter transformado o Marrocos de um inimigo em um aliado do movimento popular, e em nenhum momento os líderes demonstraram interesse nesses militantes anarquistas em seu meio, como Camillo Berneri, que exortou que eles deveriam enviar agitadores para o norte da África e conduzir uma campanha de propaganda em larga escala entre os árabes em favor da autonomia. Esta atitude negativa da CNT em relação à independência marroquina será discutida mais adiante.
CAPÍTULO III. A REVOLUÇÃO NA ENCRUZILHADA
Porque a CNT na Catalunha era numericamente a seção mais forte da organização na Espanha; porque a Catalunha foi a primeira região a liquidar a revolta militar; e, por último, mas não menos importante, porque na Catalunha a CNT representou a esmagadora maioria tanto na batalha vitoriosa das ruas de Barcelona como entre os trabalhadores organizados, a sua avaliação da situação no dia seguinte da vitória estava destinada a ter consequências de longo alcance em todo o país, incluindo, sugeriríamos, as áreas sob o domínio de Franco.
Luis Companys, presidente da Generalitat convocou a CNT-FAI para o seu gabinete na presidência assim que a revolta foi derrotada na Catalunha. [18] A delegação incluía Santillán e García Oliver, ambos membros influentes da organização e ambos, mais tarde, ministros da Generalitat e do governo central, respectivamente. García Oliver registrou a entrevista que ocorreu e que, por sua importância histórica, e como a chave de tudo o que se seguiu até o movimento revolucionário, deve ser reproduzida em extenso:
Companys nos recebeu de pé e ficou visivelmente emocionado com a ocasião. Ele apertou as mãos e teria nos abraçado se não fosse pelo fato de que sua dignidade pessoal, profundamente afetada pelo que ele tinha a nos dizer, o impediu de fazê-lo. As introduções foram breves. Sentamos, cada um de nós com seu rifle entre os joelhos. Em substância, o que Companys nos disse foi o seguinte: "Em primeiro lugar, devo dizer-lhe que a CNT e a FAI nunca receberam o tratamento a que a sua real importância lhes deu direito. Fostes sempre duramente perseguidos, e eu, com muita tristeza, mas forçado pelas realidades políticas, eu que antes estive convosco, depois vi-me obrigado a opor-me a vós e a perseguir-vos. Hoje sois os senhores da cidade e da Catalunha porque derrotastes os militaristas fascistas, e espero que não vos ofendais se, neste momento, vos recordar que não lhes faltou a ajuda dos poucos ou muitos membros leais do meu partido e dos guardas e recrutas..." Ele fez uma pausa por um momento e continuou devagar: "Mas a verdade é que, perseguidos até anteontem, hoje vocês derrotaram os militares e os fascistas. Eu não posso, então, sabendo o que, e quem, vocês são, falar com vocês a não ser com sinceridade. Vocês venceram, e tudo está em suas mãos; se vocês não precisarem de mim nem desejarem que eu permaneça como presidente da Catalunha, digam-me agora, e eu me tornarei mais um soldado na luta contra o fascismo. Se, por outro lado, vocês acreditam que nesta posição, que só como um homem morto eu teria abandonado se os fascistas tivessem triunfado, eu, com os homens do meu partido, meu nome e meu prestígio, posso ser útil nesta luta, que terminou tão bem hoje na cidade [Barcelona], mas que terminará não sabemos como no resto da Espanha, podeis contar comigo e com a minha lealdade como homem e como político que está convencido de que hoje todo um passado de vergonha está morto e que deseja sinceramente que a Catalunha se coloque à frente dos países mais progressistas em matéria social".
Sobre esta obra-prima de oratória política e astúcia, García Oliver comenta:
A CNT e a FAI decidiram pela colaboração e pela democracia, renunciando ao totalitarismo revolucionário que levaria ao estrangulamento da revolução pela ditadura anarquista e confederal. Tínhamos confiança na palavra e na pessoa de um democrata catalão, e mantivemos e apoiamos Companys como presidente da Generalitat. A CNT-FAI aceitou o Comitê de Milícias e estabeleceu uma representação proporcional de forças para dar-lhe integridade, e embora não seja equitativa – representação igual à da CNT e os anarquistas triunfantes foi dada à UGT e ao Partido Socialista, ambas organizações minoritárias na Catalunha – foi concebido como um sacrifício com vista a liderar os partidos autoritários ao longo de um caminho de colaboração leal que não seria perturbado pela competição suicida. [19]
Se 19 de Julho de 1936 é um dia em que os trabalhadores revolucionários da Espanha escreveram um capítulo na história da luta dos oprimidos do mundo por sua libertação, 20 de Julho será, pensamos, considerado como o início da traição das aspirações dos trabalhadores por seus representantes. Palavras duras, mas nenhuma palavra pode ser dura demais para descrever as ações de um grupo de homens que usurpam suas funções e, ao fazê-lo, colocam em risco a vida e o futuro de milhões de seus semelhantes.
Peirats pergunta se o dilema da revolução social ou da colaboração havia sido exaustivamente discutido pelos militantes confederais e anarquistas; se as consequências de tal decisão foram consideradas e os prós e contras examinados. Ou ainda se as lições da experiência passada e da história das revoluções passadas tinham sido levadas em consideração. Tudo o que ele pode dizer é que
Não restam dúvidas que a maioria dos militantes influentes interpretou a situação da mesma maneira. Algumas vozes dissidentes entre eles se perderam no ar; o silêncio dos outros era realmente enigmático. Entre aqueles que protestaram em vão e aqueles que permaneceram em silêncio por falta de determinação, a solução colaboracionista abriu um caminho para si mesma.
Mas qual era a opinião da organização, dos homens que haviam derramado seu sangue na luta desigual, mas vitoriosa, nas ruas de Barcelona; dos que se encontram nas Astúrias duplamente atravessados pelo coronel Aranda e pelo governo que asseguraram a todos que era "leal"; dos que, em Valência, o governo recusou armas para invadir os quartéis? Eles não foram consultados, embora suas ações expressassem eloquentemente melhor do que as palavras seus verdadeiros sentimentos. "Confiamos na palavra e na pessoa de um democrata catalão", escreveu García Oliver, o membro "influente" da CNT, do Presidente Companys. E ele deveria ter acrescentado, "mas não nos trabalhadores revolucionários da Espanha".
Em 20 de Julho, o governo de Madri e a Generalitat da Catalunha existiam apenas no nome. As forças armadas, a Guarda Civil e a Polícia Militar estavam com os generais amotinados ou se juntaram ao povo. Os trabalhadores armados não tinham interesse em reforçar o governo, que apenas dois dias antes havia sido reformulado para incluir elementos de direita, a fim de facilitar um "acordo" com os insurgentes militares.
Tudo o que nominalmente permaneceu nas mãos do governo central foi a reserva de ouro, a segunda maior do mundo, no valor de 2.259 milhões de pesetas de ouro. Nenhuma tentativa foi feita pela CNT para apreendê-lo. Eles estavam repetindo os erros cometidos pelos revolucionários na época da Comuna de Paris, que respeitavam a propriedade dos bancos. "A partir de 20 de Julho – escreve Santillán – colocamos guardas improvisados em bancos, depósitos segurança, lojas de penhores, etc." Quão agradecido o governo central deve ter ficado com os anarquistas por sua supervisão, ou miopia! E quão astutamente eles usaram o ouro para lutar contra as forças revolucionárias! Por exemplo, a retenção de fundos da Catalunha, que era revolucionária demais para o seu gosto, quase paralisou o principal centro industrial e militar da Espanha. O fato de também ter afetado o sucesso da luta armada contra Franco pouco importava para esses homens que, como já dissemos, preferiram Franco a armar o povo. De fato, durante as primeiras sete semanas e antes que o pacto de não-intervenção entrasse em vigor, o governo Giral não conseguiu comprar armas no exterior, embora houvesse bastante ouro para pagar por elas e não houvesse escassez de vendedores dispostos.
Naqueles dias de Julho, então, havia apenas uma autoridade na Espanha "republicana": a dos trabalhadores armados, a maioria dos quais pertencia à CNT ou à UGT. Na Catalunha, o Comitê de Milícias Antifascistas foi formado representando as organizações dos trabalhadores, bem como os vários partidos políticos. O governo da Generalitat simplesmente agiu como o carimbo de borracha para o comitê, mas, como veremos, um político astuto como Companys não toleraria por muito tempo uma situação de inferioridade. A iniciativa e o impulso revolucionário, no entanto, estavam com os trabalhadores. Eles criaram as colunas armadas que deveriam enfrentar as forças de Franco (quatro dias após a vitória em Barcelona, a primeira coluna de 10.000 voluntários partiu para a área de Saragoça) e em questão de dias – de acordo com Santillán – mais de 150.000 voluntários estavam disponíveis e dispostos a lutar em qualquer setor que fossem mais necessários. Nos distritos industriais, os trabalhadores tomavam as fábricas e, sempre que possível, convertiam-nas para a produção de armas, carros blindados e outras armas para a luta. Enquanto isso, os camponeses tomavam conta das propriedades fundiárias. Nas grandes cidades, os serviços públicos foram reorganizados sob o controle dos trabalhadores, e a distribuição de alimentos foi garantida pelas organizações dos trabalhadores.
Mas, a cada dia que passava, o abismo entre os trabalhadores revolucionários e seus representantes se tornava maior. E compreensivelmente: por serem seus representantes, eles praticamente se formaram em um órgão executivo, responsável perante o Comitê de Milícias Antifascistas e não pelos membros da CNT. Somos mais uma vez confrontados com a situação das massas revolucionárias avançando e consolidando seus ganhos, enquanto a liderança fica para trás paralisada com apreensão por sua incapacidade de controlar a situação e apelando, persuadindo, ameaçando e sempre aconselhando moderação. No primeiro manifesto transmitido em 26 de Julho, pelo Comitê Peninsular da FAI, a linguagem mais extravagante é usada para descrever a luta "contra a hidra fascista", mas nem uma palavra sobre a revolução social.
Por outro lado, uma atitude muito violenta e ameaçadora foi adotada pelos líderes da CNT-FAI para erradicar a onda relativamente pequena de saques e acerto de contas pessoais que ocorreu naqueles primeiros dias da revolução. No entanto, considerando a magnitude da convulsão social, a desorganização da economia, o colapso dos serviços públicos e a total ausência das forças da "lei e da ordem", os saques, tiroteios e incêndios de igrejas foram insignificantes em comparação com o profundo senso de responsabilidade e a iniciativa demonstrada pelos trabalhadores na reorganização da vida do país, não na velha linha, mas inspirados por seus conceitos de justiça social e equidade.
Organizaram patrulhas de segurança; substituíram os funcionários aduaneiros na fronteira para impedir qualquer atividade de retaguarda por parte dos amigos de Franco; controlavam as centrais telefônicas de modo a poderem verificar quaisquer intrigas políticas entre Barcelona e Madrid. Em uma palavra, eles estavam mostrando puro bom senso e previsão no período revolucionário, enquanto seus líderes eram absorvidos em questões de caráter estratégico, diplomático ou político e perdiam todas as vezes. A tragédia, no entanto, foi que as forças do governo, ao manobrar os partidos políticos em um bloco contra a CNT, estavam rapidamente ganhando terreno. De fato, dentro de dois meses, o problema da dualidade de poder entre o Comitê de Milícias Antifascistas e o governo da Generalitat foi resolvido com a abolição do primeiro. Não tendo aprendido nada com sua experiência anterior de colaboração em um comitê revolucionário com os partidos políticos, a liderança da CNT-FAI, obcecada pela ideia de que a revolução deveria esperar até que a guerra fosse vencida, juntou-se ao governo da Generalitat.
CAPÍTULO IV. DITADURA ANARQUISTA OU COLABORAÇÃO E DEMOCRACIA
O dilema da "ditadura anarquista e confederal" ou "colaboração e democracia" existia apenas para aqueles "militantes influentes" da CNT-FAI que, interpretando erroneamente suas funções como delegados, assumiram a tarefa de dirigir o movimento popular. Não se questiona sua integridade e coragem como homens e como membros de longa data no movimento revolucionário na Espanha. Mas como líderes – não no sentido de que Durruti ou Ascaso eram líderes, mas como diretores que, em sua sabedoria, guiam as "massas" – eles sofriam das doenças da liderança: cautela, medo das massas descontroladas, afastamento das aspirações dessas massas e um sentimento messiânico de que toda sabedoria e iniciativa fluem de cima e que tudo o que as massas precisam fazer é cumprir inquestionavelmente as ordens desses super-homens. Santillán, por exemplo, espera que acreditemos que o Comitê das Milícias Antifascistas, um grupo composto por representantes de todos os partidos políticos e da UGT e da CNT (na qual ele desempenhou um papel proeminente), foi responsável por estabelecer a ordem revolucionária na retaguarda, a organização das milícias armadas e o treinamento de profissionais; "O Comitê de Milícias", escreve ele, "era tudo isso e a transformação das indústrias civis em exigências de guerra, propaganda, relações com o governo de Madri, ajuda a todos os centros de luta, o cultivo de toda a terra disponível, a higiene, a guarda das costas e fronteiras, mil tarefas de todos os tipos", e assim por diante, até chegar a um ponto em que escreve: "Era necessário fortalecer e apoiar o Comitê para que ele pudesse cumprir melhor sua tarefa, pois a salvação dependia de sua força". É surpreendente que, com tal mentalidade – e isso cheira a esse desprezo que todos os políticos têm pelas massas trabalhadoras – os líderes da CNT-FAI tenham continuado a participar e, assim, fortalecer, as instituições do Estado e estar completamente cegos para as reais potencialidades revolucionárias do povo trabalhador?
"Ou o comunismo libertário, que significa a ditadura anarquista, ou a democracia, que significa colaboração" foi a maneira como García Oliver e os "militantes mais influentes" interpretaram as "realidades do momento". Seremos mais ousados do que Peirats, que escreve: "Não examinaremos aqui a exatidão dessa apreciação". Nenhum dos anarquistas estrangeiros que criticaram o curso tomado pela CNT-FAI jamais sugeriu que os revolucionários espanhóis deveriam impor a revolução social à população pela força. Supondo que o momento não estivesse maduro para uma transformação social tão completa, segue-se que a única alternativa era a colaboração com partidos políticos que, quando tinham poder, sempre perseguiram a CNT-FAI? Se esse fosse o caso, por que a CNT-FAI nunca havia colaborado com eles em lutas passadas quando as chances de estabelecer o comunismo libertário tinham sido muito mais duvidosas do que em 19 de Julho? Já podemos ouvir a resposta: "Porque desta vez a Espanha estava lutando contra o fascismo internacional, e nós tivemos primeiro que vencer a guerra e depois prosseguir para a revolução social. E para vencer a guerra era necessário colaborar com todas as partes que se opunham a Franco."
Este argumento contém, em nossa opinião, dois erros fundamentais, que muitos dos dirigentes da CNT-FAI reconheceram desde então, mas para os quais não pode haver desculpa, uma vez que não se tratava de erros de julgamento, mas do abandono deliberado dos princípios da CNT. Em primeiro lugar, que uma luta armada contra o fascismo ou qualquer outra forma de reação, poderia ser travada com mais sucesso no âmbito do Estado e subordinando todo o resto, incluindo a transformação da estrutura econômica e social do país, à vitória da guerra. Em segundo lugar, que era essencial, e possível, colaborar com os partidos políticos – isto é, com os políticos – de forma honesta e sincera, e numa época em que o poder estava nas mãos das duas organizações de trabalhadores.
Era, por exemplo, abundantemente claro desde o início que os comunistas, que eram uma minoria tão pequena na Espanha (e inexistente na Catalunha), usariam o espaço de respiração oferecido pela colaboração para abrir caminho nas fileiras socialistas, por alianças políticas e jogando com os medos dos políticos da ameaça a qualquer hegemonia política futura representada por uma revolução social completa. Para este fim, os comunistas desde o início abandonaram todas as palavras de ordem revolucionárias e declararam-se os defensores da "democracia".
O primeiro erro, recorde-se, foi cometido nos primeiros dias da luta, quando um povo mal armado estava a combater uma operação militar cuidadosamente preparada levada a cabo por um exército treinado e bem equipado, à qual ninguém, nem mesmo alguns dos "membros influentes" da CNT-FAI, imaginava poder ser resistido. E esses mesmos trabalhadores mostraram sua determinação ao se voluntariarem em grande número para as colunas armadas que se propunham a libertar as áreas ocupadas. Toda a iniciativa – e já dissemos isso antes e vamos repeti-lo uma e outra vez – estava nas mãos dos trabalhadores. Os políticos, em vez disso, eram como generais sem exércitos se debatendo em um deserto de futilidade. A colaboração com eles não poderia, por qualquer extensão da imaginação, fortalecer a resistência a Franco. Pelo contrário, era claro que a colaboração com os partidos políticos significava a recriação das instituições governamentais e a transferência da iniciativa dos trabalhadores armados para um órgão central com poderes executivos. Ao remover a iniciativa dos trabalhadores, a responsabilidade pela condução da luta e seus objetivos também foram transferidos para uma hierarquia governante, e isso não poderia ter outro efeito senão um efeito adverso sobre o moral dos combatentes revolucionários. O slogan da liderança da CNT-FAI – "a guerra primeiro, a revolução depois" – foi o maior erro que poderia ter sido cometido.
Santillán só percebeu a enormidade do erro quando já era tarde demais:
Sabíamos que não era possível triunfar na revolução se não fôssemos vitoriosos na guerra. Nós até sacrificamos a revolução sem perceber que esse sacrifício também implicava o sacrifício dos objetivos da guerra.
"A revolução social ou a democracia", "a ditadura anarquista ou o governo democrático" eram as alternativas apenas para os revolucionários que haviam perdido a fé com seu povo e na justeza dos princípios básicos da CNT-FAI.
Tais alternativas são contrárias aos princípios mais elementares do anarquismo e do sindicalismo revolucionário. Em primeiro lugar, uma "ditadura anarquista" é uma contradição em termos (da mesma forma que a "ditadura do proletariado" é), pois no momento em que os anarquistas impõem suas ideias sociais ao povo pela força, eles deixam de ser anarquistas. Acreditamos que todos os homens e mulheres devem ser livres para viver suas próprias vidas. Obrigá-los a serem livres contra a sua vontade, além de ser uma proposição auto-contraditória, é tanto uma imposição à sua liberdade como a dos autoritários que usam a força para manter o povo em sujeição! Uma vez que a sociedade anarquista nunca será estabelecida pela força, as armas que a CNT-FAI detinha não poderiam ser úteis para impor o comunismo libertário em toda a Catalunha, muito menos no resto da Espanha, onde eles estavam em minoria nas organizações da classe trabalhadora. Fazê-lo teria sido desastroso não apenas na luta contra as forças armadas de reação representadas por Franco, mas também em garantir que a revolução social seria sufocada no nascimento.
O poder do povo armado só pode ser usado na defesa da revolução e das liberdades conquistadas pela sua militância e pelos seus sacrifícios. Nem por um momento assumimos que todas as revoluções sociais são necessariamente anarquistas. Mas qualquer que seja a forma que a revolução contra a autoridade assuma, o papel dos anarquistas é claro: o de incitar o povo a abolir a propriedade capitalista e as instituições através das quais ele exerce seu poder para a exploração da maioria por uma minoria.
A partir dessas considerações gerais sobre o papel dos anarquistas, tentaremos examinar sua aplicação à situação espanhola.
Desde o início temos que reconhecer que a insurreição não foi iniciada pelo povo. Veio de um grupo de generais, com o apoio moral de alguns políticos reacionários e o apoio financeiro de industriais, latifundiários e da Igreja espanhóis. Sua rebelião foi dirigida contra as organizações revolucionárias dos trabalhadores, bem como contra o governo no poder, do qual eles visavam tomar todo o aparato do governo e operá-lo em seus interesses com total crueldade. Que o governo da Frente Popular era fraco não é, de fato, uma reflexão sobre a mentalidade liberal ou progressividade dos homens que o compunham, embora admitamos que eles não eram do mesmo calibre de crueldade que os generais e seus aliados. O governo da Frente Popular era fraco porque existia na Espanha uma opinião pública geralmente hostil e cética em relação às habilidades de qualquer governo para encontrar soluções para os problemas econômicos do país e das forças armadas cuja lealdade ao governo era o tempo todo um fator duvidoso.
A rebelião militar foi lançada em 17 de Julho. A reação imediata do governo foi remodelar o gabinete com o objetivo de chegar a um acordo com os generais. Se os generais tivessem duvidado de sua capacidade de tomar o poder, eles teriam concordado. Ao se recusarem a fazê-lo, eles revelaram a força por trás do golpe de Estado. Havia dois caminhos abertos ao governo: a desmobilização das forças armadas (que teria dado autoridade legal e moral a soldados e oficiais que não simpatizavam com Franco para desertar ou mesmo em alguns casos desarmar os líderes da revolta militar) e o armamento do povo. Nenhum deles foi tomado, e o governo mostrou claramente sua falta de determinação diante do levante e sua falta de confiança no povo armado (com o que queremos dizer seu medo de ser incapaz de exercer qualquer controle sobre o povo em armas). Qualquer iniciativa de resistência foi arrancada das mãos do governo pelo povo e, em questão de dias, eles conseguiram frustrar as intenções dos generais. Ao mesmo tempo, e em resultado desta ação rápida, os governos de Madrid e de Barcelona deixaram de existir de jure ou de facto.
O povo armado eram os trabalhadores – os produtores – e era uma consequência natural da derrota da rebelião e da autoridade do governo que eles vissem seu status de trabalhadores sob uma nova luz; não mais como o dos empregados ou servos, mas como seres humanos libertos da tirania do patrão e com os meios de produção em suas mãos. E sem hesitação prosseguiram com a tarefa de reorganizar a vida económica do país com mais ou menos intensidade e sucesso, em função da sua preparação ideológica e técnica e da sua iniciativa revolucionária nas diferentes regiões. Desenvolveremos essas questões posteriormente.
Não podemos desenvolver nosso argumento claramente a menos que o leitor entenda a relação entre a CNT e a FAI. A CNT era uma organização operária revolucionária existente com o propósito de reunir todas as massas exploradas na luta por melhores condições de trabalho e econômicas e pela eventual destruição do capitalismo e do Estado. Seus fins eram o comunismo libertário, seus meios a ação direta independente de toda a política partidária. Como um movimento de massas (não só no nome, uma vez que tinha um milhão de membros em Julho de 1936, e mais de dois milhões e meio em 1938), não era surpreendente que a CNT incluísse em suas fileiras aqueles que apoiavam sua defesa determinada e intransigente das demandas dos trabalhadores, mas que não necessariamente compartilhavam seus objetivos finais, olhando para os partidos políticos para a introdução e legalização das reformas sociais. Em outras palavras, embora quase todos os anarquistas da FAI fossem membros da CNT, nem todos os membros da CNT eram anarquistas. Segue-se, portanto, que se ao considerar se a revolução social anarquista era uma possibilidade na Espanha ou mesmo apenas na Catalunha em Julho de 1936 confiando apenas nos números, devemos reconhecer que a força numérica da CNT não poderia ser simplesmente tomada como uma imagem necessariamente verdadeira da influência anarquista. E além da Catalunha, onde os trabalhadores estavam em uma esmagadora maioria na CNT, o fato é que metade dos trabalhadores espanhóis organizados estavam nas fileiras da UGT, controlada pelo Partido Socialista.
É claro, então, que, embora a revolução social anarquista não fosse geralmente aceita, os trabalhadores haviam demonstrado sua determinação em realizar uma revolução social profunda e completa ao longo de linhas que devem, no final, levar a uma sociedade baseada em princípios anarquistas. E em tal situação, como a vemos, o papel dos anarquistas era apoiar, incitar e encorajar o desenvolvimento da revolução social, e frustrar quaisquer tentativas do Estado capitalista burguês de se reorganizar, o que procuraria fazer revivendo seus meios de expressão: o aparato governamental e todas as suas instituições parasitárias.
O poder do governo repousa sobre três pressupostos principais: que ele tem força armada sob seu comando, que controla direta ou indiretamente os canais de informação (imprensa, rádio, telefones, etc.) e que controla a economia da nação. Durante aqueles dias agitados de Julho de 1936 na zona desocupada da Espanha, não comandou forças armadas e não controlou canais de informação. A economia do país estava nas mãos dos trabalhadores, exceto que o governo ainda controlava de jure as reservas financeiras. Já mencionamos brevemente a questão das reservas de ouro. Quanto mais se estuda a história da luta espanhola, mais se choca com a gravidade do erro cometido pelas organizações revolucionárias dos trabalhadores em não se apoderar das reservas de ouro durante os primeiros dias, quando eram mais fortes e as forças do governo mais fracas. [20] Já foram dados exemplos das maneiras pelas quais esse erro nas táticas revolucionárias elementares foi usado pelos políticos para voltar ao poder; muitos mais surgirão no decorrer deste estudo.
No final de Julho de 1936, a tentativa de golpe de Estado pelos generais havia sido esmagada em metade da Espanha, mas em outros lugares os exércitos de Franco por execuções em massa e terror se estabeleceram e estavam se preparando para a ofensiva contra o restante da península. O sucesso da revolução social estava, portanto, diretamente ligado à capacidade de primeiro defender o território libertado das forças de Franco e, em seguida, prosseguir para a ofensiva contra as regiões ocupadas por Franco. Quanto à forma como esta luta deveria ser organizada de forma mais eficaz era da maior importância para os dirigentes da CNT-FAI, e qualquer que fosse a crítica que se pudesse fazer às decisões que tomaram a este respeito, não se pode duvidar da sua sinceridade em pensar que as concessões que fizeram garantiriam a vitória sobre Franco.
O primeiro problema que enfrentavam era que a luta armada não podia ser levada a cabo exclusivamente pela CNT-FAI. Que, em qualquer caso, havia um grande número de trabalhadores na UGT e em alguns dos partidos políticos que haviam participado da luta nas ruas e que estavam tão determinados quanto estavam a derrotar os exércitos de Franco. Claramente, havia um terreno comum entre a CNT-FAI e outras organizações na luta contra Franco. Mas era igualmente claro que os métodos e as razões para a luta eram diferentes. No que diz respeito aos partidos políticos, seus objetivos em se opor a Franco eram, em primeiro lugar, impedir o estabelecimento de sua ditadura sobre o país (com a qual os anarquistas não podiam deixar de concordar), mas com a vitória a criação de um governo, cuja natureza dependeria das visões políticas do partido ou partidos que emergiriam triunfantes: do federalismo professado por alguns, à ditadura total dos comunistas.
Em um discurso feito em 3 de Janeiro de 1937, Federica Montseny, uma importante "anarquista" e então ministra da Saúde do governo de Madrid, referiu-se a um problema comparado com o qual o da guerra é fácil.
Pois a guerra, uma causa comum contra um inimigo comum, tornou possível ter e manter a unidade de todas as forças antifascistas – republicanos, socialistas, comunistas e anarquistas. Mas imagine a situação uma vez que a guerra acabe com as diferentes forças ideológicas que tentarão se impor, uma sobre a outra. A guerra terminou, o problema surgirá na Espanha com as mesmas características que na França e na Rússia. Temos de nos preparar agora. Devemos declarar nosso ponto de vista para que as outras organizações saibam o que esperar. Devemos procurar a plataforma, o ponto de contato que nos permita com a maior medida de liberdade, e com um plano mínimo de demandas econômicas, continuar no caminho até alcançarmos nosso objetivo. [21]
Não achamos que Federica Montseny estivesse sendo franca quando declarou que a causa comum – a guerra – havia tornado possível "ter e manter a unidade de todas as forças antifascistas". Já havia demasiadas provas em contrário. No entanto, o que ela afirma em termos inequívocos é que uma luta pelo poder no campo anti-Franco era inevitável uma vez que a vitória armada fosse alcançada. Essa preocupação com os problemas do "pós-guerra" foi ainda mais forçosamente expressa por outro ministro "anarquista", Juan Peiró. Em sua opinião:
O perigo de o povo espanhol ser submetido a um regime fascista será infinitamente maior no final da guerra do que é agora quando estamos no auge da guerra. [22]
Para que a revolução social fosse bem-sucedida, era necessário que os trabalhadores saíssem da luta armada contra Franco mais fortes do que quando entraram nela e se certificassem de que os partidos políticos emergissem mais fracos. Isso implica que, no curso da "guerra", as organizações dos trabalhadores tiveram que continuar fortalecendo seu controle sobre a vida econômica do país; isto é, como produtores da riqueza econômica do país, devem consolidar seu controle sobre os meios de produção. E, ao mesmo tempo, certificar-se de que o controle da luta armada, na qual eles eram tanto os combatentes quanto os produtores nas fábricas de armas, não se desenvolvesse de tal forma a permitir que qualquer fortalecimento das instituições do governo, permitindo que o controle das forças armadas passasse para as mãos dos políticos.
A colaboração da CNT-FAI no governo, até onde podemos julgar pelas evidências, não resultou em nenhuma melhora na situação militar. Mas certamente acrescentou prestígio ao governo e enfraqueceu a CNT-FAI como uma organização revolucionária aos olhos dos trabalhadores. A este respeito, a posição de Peiró não é desprovida de interesse. Repetidas vezes, em Problemas y Cintarazos, ele defende a visão anti-colaboracionista:
Engana-se quem acredita que, sem a coparticipação na responsabilidade governamental, a CNT teria perdido cargos que foram totalmente legalizados. A realidade da força não tem suas raízes na força em si, mas na autoridade moral, e no que diz respeito à autoridade moral da CNT, ela teria sido imensamente maior por ter colaborado nobre e desinteressadamente, como sempre fez, sem ansiar ou aceitar pastas, cargos de conselho ou empregos oficiais. É por essa conduta que a CNT tem maior personalidade e tem que ser levada em conta por todos, muito mais do que tem sido o caso em ocasiões importantes durante esses últimos dois anos de guerra.
Para entender o que estava no fundo da mente de Peiró, devemos acrescentar que, em contraste com essa posição anti-colaboracionista durante a luta contra Franco, ele, no entanto, considerou que é após a vitória, quando, como o citamos dizendo, o "perigo do povo espanhol ser submetido a um regime fascista" era maior que ele "considerava necessário ter colaboração incondicional, o mais direto possível, no governo da República".
O anti-colaboracionismo de Peiró revela-se, portanto, sob sua verdadeira luz: não como uma questão de princípio, mas de tática. A importância disso para nós não é expor Peiró pelo revisionista que ele faz, já que ele não faz nenhuma tentativa de esconder o fato, mas que sua tática anti-colaboracionista é uma admissão de que a luta contra o fascismo não poderia ser travada pela CNT a qualquer preço, mas que, ao contrário, com a vitória, a Confederação deveria emergir com uma personalidade mais forte do que nunca (demasiada personalidad) para estar em uma poderosa posição em relação ao governo do pós-guerra.
Esta não foi, no entanto, a atitude dos líderes da CNT, hipnotizados pelo slogan: Sacrificamos a todo menos a la victoria (Sacrificamos tudo, exceto a vitória). E, em nossa opinião, eles também se enganaram ao orientar sua propaganda com o slogan da "guerra antifascista" e até mesmo ao sugerir, como fez Federica Montseny, na reunião já mencionada, que "a luta é tão grande que o triunfo sobre o fascismo por si só vale o sacrifício de nossas vidas". Certamente o inimigo dos trabalhadores revolucionários é na mesma medida o sistema do qual o fascismo é uma expressão.
Mas as consequências de tal atitude adotada pela liderança resultaram em uma "unidade" unilateral, na qual a CNT-FAI fez todas as concessões, e da qual os partidos políticos colheram os benefícios. A "guerra" foi de mal a pior e, mais tarde, quando as forças do governo, virtualmente controladas pelos comunistas, eram fortes o suficiente, declararam guerra à revolução social.
CAPÍTULO V. A CNT E A UGT
A única unidade que poderia fortalecer a resistência a Franco sem comprometer a revolução social era entre a CNT e a outra organização operária, a UGT. Não dizemos que esta foi uma tarefa simples. O próprio fato de que os trabalhadores militantes estavam em duas organizações rivais era em si mesmo prova de uma profunda clivagem ideológica, mas enquanto todas as tentativas anteriores haviam fracassado, a luta heróica do povo, independentemente das facções, em 19 de Julho, sem dúvida criou possibilidades de cooperação pelo menos entre as bases dessas duas organizações.
Assim como os milhões de membros da CNT não eram todos anarquistas, da mesma forma seria um erro assumir uma homogeneidade nas fileiras da UGT socialista; e se examinarmos as razões do seu meteórico aumento de membros desde o momento da queda da ditadura, quando tinha menos de trezentos mil membros, até ao milhão e um quarto de membros que ostentava em 1934, veremos que havia possibilidades em 1936 para os trabalhadores organizados na CNT e na UGT encontrarem um objetivo comum na luta armada e na revolução social. O aumento da adesão à UGT nos anos anteriores a 1936 não veio dos mineiros, operários de fábricas e ferroviários que já estavam na CNT ou na UGT, mas dos pequenos camponeses, trabalhadores sem-terra e empregados de lojas que tinham esperanças de que a nova legislação e a presença dos socialistas no governo trariam melhorias de suas condições. Com quase metade de seus membros entre os trabalhadores rurais, os líderes da UGT estavam, por razões óbvias, mais preocupados que alguma tentativa de reforma agrária fosse feita.
Do ponto de vista da CNT, portanto, qualquer programa revolucionário que incluísse a tomada das grandes propriedades estaria fadado a ter o apoio e a cooperação dos trabalhadores sem-terra nas fileiras da UGT. A força moral da CNT, mesmo antes de Julho de 1936, é outro fator que não pode ser descartado. Foi essa força, juntamente com o fracasso dos socialistas em fazer qualquer coisa no caminho da reforma agrária durante três anos no cargo, que criou uma ala revolucionária nas fileiras da UGT, que, por cinquenta anos, seguiu um curso de reformismo estrito. E foi Largo Caballero, presidente da UGT, que em Fevereiro de 1934, declarou que "a única esperança das massas está agora na revolução social. Só ela pode salvar a Espanha do fascismo."
Gerald Brenan assinalou que na raiz da desilusão dos socialistas com a República estava a recusa dos partidos republicanos em tratar a reforma agrária com seriedade.
Era um sentimento que brotava de baixo, afetando mais os jovens do que os velhos, os recém-ingressados e não os homens confirmados do partido. O fato de ter sido especialmente forte em Madri talvez se devesse ao pequeno, mas enérgico núcleo anarquista naquela cidade. (De um modo geral, um grupo pequeno, mas bem organizado, de anarquistas em uma área socialista levou os socialistas para a esquerda, enquanto em áreas predominantemente anarquistas, os socialistas eram extraordinariamente reformistas.) [23]
Os obstáculos à ação conjunta ou à fusão entre a UGT e a CNT não eram de origem recente. No segundo congresso da CNT, que foi realizado em Madri em 1919, os delegados rejeitaram liminarmente uma proposta de unidade com a UGT e, em vez disso, propuseram a absorção de seus membros nas fileiras da CNT com o argumento um tanto curioso de que o número de membros da CNT era três vezes maior que o da UGT, e que, uma vez que os representantes da UGT não haviam aceitado o convite para estarem presentes no congresso, ficou claro que eles não poderiam aceitar a posição da CNT ou compartilhar seu desejo de unificação. O congresso então propôs que a Confederação elaborasse um manifesto dirigido a todos os trabalhadores espanhóis dando-lhes três meses para se juntarem à CNT, acrescentando que aqueles que não o fizessem seriam considerados como amarillos(pelegos) e inimigos do movimento operário. No entanto, a repressão naquela época foi tal que, apesar dessa atitude rígida, Salvador Seguí, um destacado militante da CNT, mais tarde assassinado por pistoleiros a mando de Martinez Anido (o governador civil de Barcelona), negociou um pacto com a UGT que foi unanimemente condenado por um plenário da CNT realizado no final de 1920.
Mas, como o pacto era um fato consumado, foi decidido pela CNT colocar à prova a boa-fé dos líderes socialistas. Sobre a questão da greve dos mineiros da Rio Tinto, a UGT desistiu de participar de uma greve geral, propondo soluções conciliatórias, que resultaram na derrota da greve. Mais tarde, a UGT se recusou a participar de uma greve geral para protestar contra a onda de assassinatos de militantes líderes da CNT (incluindo Salvador Seguí). Com esta prova adicional da falta de espírito revolucionário na UGT, o pacto foi quebrado entre as duas organizações operárias.
Durante os anos que se seguiram, o problema da unidade operária voltou a ser discutido, mas sem solução, exceto parcialmente nas Astúrias, onde um pacto revolucionário foi assinado pela CNT-UGT em Março de 1934, que declarou que a única ação possível diante da situação político-econômica era a ação conjunta dos trabalhadores com "o objetivo exclusivo de incitar e realizar a revolução social". Este pacto de aliança foi posto à prova alguns meses depois, a 6 de Outubro de 1934, com o levante dos trabalhadores das Astúrias. Na prática, não foi totalmente satisfatório, por uma série de razões fora do escopo do presente estudo, mas, nas palavras de Peirats, "não deixa dúvidas quanto à sua importância revolucionária".
No Congresso de Zaragoza de Maio de 1936, a resolução sobre alianças revolucionárias foi tão revolucionária e intransigente que foi claramente inaceitável para a UGT. Por que a CNT, que fez compromisso após compromisso com os partidos políticos e o governo desde o primeiro dia da luta contra Franco, adotou uma atitude tão intransigente em relação à UGT que nenhum pacto oficial de unidade emergiu até abril de 1938,[24] quando a luta degenerou em uma guerra fratricida e a derrota final era apenas uma questão de tempo? E até que ponto a unidade de fato existia entre os trabalhadores da indústria e da terra a partir do momento em que estes foram tomados pelos trabalhadores? Era possível que duas organizações de trabalhadores dirigissem conjuntamente a economia revolucionária e a luta armada contra Franco?
Acreditamos que a determinação e a iniciativa que existiam nas fileiras operárias durante Julho de 1936 poderiam ter tornado possível uma aliança revolucionária entre a CNT e a UGT com menos compromissos e concessões do que as feitas aos partidos políticos; que tal aliança teria permitido o controle efetivo pelos sindicatos, neutralizando assim quaisquer tentativas dos políticos de ganhar controle e, com isso, a consequente centralização – e concentração de poder em poucas mãos.
Se tivermos em mente que a CNT e a UGT compunham a maioria da classe trabalhadora, não excluindo os trabalhadores de escritório e profissionais, parece inconcebível que eles tenham entrado em governos ou se unido em alianças com partidos políticos que deixaram de ter qualquer influência ou poder real. Sob o controle da CNT-UGT, os partidos políticos com base de classe ainda estariam representados através de seus membros que também eram membros da CNT ou da UGT e apenas os políticos profissionais se encontrariam isolados e sem voz na condução da luta. E dificilmente se pode acreditar que isso teria sido motivo de preocupação, e certamente de nenhuma consequência na prossecução bem-sucedida da luta.
O pensamento confuso que reinava entre os dirigentes da CNT-FAI, tão evidente nas declarações contraditórias, manifestos e decisões por eles tomadas, brota de muitas causas, muitas vezes igualmente contraditórias. Eles sentiam que uma aliança com todos os partidos e organizações anti-Franco com base na lealdade era essencial para a vitória; no entanto, ao mesmo tempo, em seus corações, eles sabiam que tal lealdade seria unilateral – apenas do seu lado. Eles sentiam que alguma autoridade central era necessária para manter as relações políticas e econômicas internacionais, mas fundamentalmente desconfiavam dos governos. Eles foram tentados pela ideia de que lutar contra um exército disciplinado e bem equipado como o de Franco exigia um exército igualmente centralizado e disciplinado, mas, no fundo, eles perceberam a força superior do povo em armas. ("O governo de Madrid pensa que se pode prosseguir com a criação de um exército para combater o fascismo que não tem espírito revolucionário. O exército não pode ter outra expressão senão aquela que emana da voz do povo e deve ser 100% proletário", citamos García Oliver, em 10 de Agosto de 1936.) Eles esperavam a solidariedade do proletariado internacional, mas ao mesmo tempo estavam tão obcecados pelas possíveis reações dos governos britânico e francês e sua incapacidade de comprar materiais no exterior que encorajaram a fachada de uma luta entre um governo legal e um exército rebelde. Eles tinham medo de impor a "ditadura anarquista", mas eram a favor do recrutamento. [25] Eles proclamaram que a guerra deve ser vencida a todo custo, mesmo à custa da revolução, mas sabiam em seus corações que a guerra e a revolução eram inseparáveis.
Essa confusão mental diante das realidades é, sublinhamos, o resultado de uma confusão adicional: entre princípios e ideais. Nenhum dos "críticos" anarquistas da CNT-FAI jamais sugeriu que era possível em 1936 estabelecer a sociedade anarquista da noite para o dia ou que, porque isso não era possível, os anarquistas tiveram que se retirar da luta. As concessões, no que diz respeito aos nossos ideais, é outra questão para as concessões dos nossos princípios. Diante de um inimigo poderoso, acreditamos que era necessário que todos os esforços e todos os compromissos de nossos ideais tivessem sido feitos para trazer uma aliança imediata e eficaz entre as duas organizações de trabalhadores na Espanha. Pois eles representavam as forças reais e a única base efetiva para travar a batalha contra Franco e reorganizar a economia da Espanha e, ao mesmo tempo, ter o controle dos meios de produção e das armas para a luta. Em vez disso, atrair essas duas organizações para um governo, uma Generalitat, um Comitê Antifascista ou um Conselho de Defesa – que eram todos os governos, exceto no nome – como minorias, era simplesmente transferir o poder dos sindicatos para um órgão central, no qual os políticos estavam em maioria. Isso não poderia ter outro efeito senão o de encorajar os políticos a reconstruir as instituições do governo, com suas próprias forças armadas e leis, tribunais, juízes, prisões, carcereiros e assim por diante. Os anarquistas e a CNT não poderiam ter parte em tal conspiração. Pois então a revolução se depararia com dois inimigos: Franco e um governo republicano mais uma vez poderoso. Isto é de fato o que aconteceu, com o resultado de que todos os excessos perpetrados direta ou indiretamente por esse governo (militarização, as Jornadas de Maio de 1937, os ataques armados aos coletivos de trabalhadores, carta branca à minoria comunista para controlar o exército e assassinar trabalhadores militantes, julgamentos forjados do POUM – o Partido Comunista da oposição – etc.) aos quais em tempos normais a CNT-FAI teria respondido com greves gerais e muito mais, foi tolerado por eles porque não fazê-lo "abriria as frentes para Franco".
Que possamos resumir em duas frases: uma aliança entre as duas organizações operárias, que foram a ponta de lança da luta, justificou concessões em ideais (objetivos finais) sem abandono de princípios (por exemplo, o controle operário). Aliança com partidos políticos em governos foi o abandono de princípios e ideais (objetivos finais), bem como de objetivos imediatos (derrota de Franco).
Como essa não era a visão dos dirigentes da CNT-FAI, e ainda não é a visão de alguns deles, devemos passar a examinar as razões que motivaram a aceitação de cargos pela CNT nos governos, os resultados alcançados e o preço pago.
CAPÍTULO VI. A CNT JUNTA-SE AOS GOVERNOS CATALÃO E CENTRAL
A revolução social e a luta armada contra Franco em nenhum momento sofreram de uma escassez de homens ou de um espírito de auto-sacrifício e uma determinação para vencer a luta e reconstruir uma Espanha baseada em novos conceitos de liberdade e equidade. O que faltava aos trabalhadores espanhóis eram armas, tanto em quantidade como em qualidade, matérias-primas para as suas indústrias, fertilizantes e equipamentos modernos para a sua agricultura, alimentação e, por último, mas não menos importante, experiência tanto na organização da nova economia como na trava de uma prolongada luta armada. Mas foram apenas os líderes políticos e alguns dos membros mais representativos das organizações de trabalhadores que ficaram tão horrorizados com a situação e, sem saber para que lado se virar, buscaram refúgio nas instituições do Estado. Em vez disso, os trabalhadores, com seu bom senso habitual, enfrentaram a situação com os materiais disponíveis e o conhecimento sob seu comando.
O seu método de assumir os serviços públicos e a distribuição de alimentos pode ter sido caótico, mas nenhum crítico ainda nos disse que alguém morreu de fome; a sua defesa improvisada de Barcelona, Madrid, Valência pode ter sido desorganizada, mas, da mesma forma, derrotaram as formações militares bem organizadas e armadas que esperavam ser senhores de toda a Espanha a 19 de Julho; suas colunas (mal) armadas podem não ter tomado Saragoça e outras cidades-chave, mas, no entanto, contiveram o inimigo por muitas semanas. Eles podem ter sido caóticos, mas, como um soldado profissional (Coronel Jiménez de la Beraza) tão sucintamente colocou quando perguntado o que ele achava daquelas colunas improvisadas: "Do ponto de vista militar, é o caos, mas é o caos que funciona. Não o perturbe!" [26]
Damos razão às críticas dizendo que estamos plenamente conscientes das desvantagens deste "caos"; do fato, como nos disse García Oliver, de que o transporte era tão caótico que os milicianos na frente ficavam, às vezes, quatro dias sem comida; que nenhum serviço médico havia sido organizado para cuidar dos milicianos feridos; e até mesmo o caso extremo daqueles milicianos que defendiam Madri, que às sete horas da noite deixavam seus lugares na linha de frente para ir ver seus amados em Madri! Tudo o que dissemos é que os trabalhadores espanhóis foram capazes, numa situação que paralisou o governo (exceto por sua capacidade de publicar decretos ignorados e inúteis no Diário Oficial) e os políticos, de improvisar e organizar além das expectativas de qualquer um. E se uma maior resistência aos exércitos de Franco foi possível é graças a este glorioso "caos" nas primeiras semanas da luta.
O papel dos anarquistas nos parece que era procurar apoiar essa vasta massa de boa vontade e energia, e trabalhar para sua consolidação e coordenação, explicando os problemas aos seus companheiros de trabalho, sugerindo soluções e sempre encorajando a ideia de que todo o poder e iniciativa tinham que permanecer com os trabalhadores. E não apenas aos trabalhadores da CNT, mas também aos da UGT que, desiludidos com os governos "socialistas", que não se mostraram diferentes dos outros, teriam emprestado um ouvido mais receptivo a tais argumentos do que aos conselhos fracos e tímidos da maioria de seus líderes.
"Sem desordem, a Revolução é impossível", escreveu Kropotkin. [27] Em vez disso, muitos dos membros influentes das organizações revolucionárias estavam tão preocupados com a luta contra Franco que suas exortações aos trabalhadores eram, desde o início, por ordem, um retorno ao trabalho, mais horas de trabalho para suprir as necessidades da luta armada. Esta atitude pode ser resumida em duas frases contidas em um artigo de Juan Peiró no qual ele se opõe à ideia de uma redução da jornada de trabalho para os trabalhadores das fábricas na Catalunha:
"A célebre frase de Napoleão é muitas vezes esquecida. As guerras e seu sucesso sempre dependem do dinheiro, porque as guerras em todos os tempos descansaram em uma base econômica".
Como isso era verdade no caso da Espanha em Agosto de 1936! Mas, em vez de dizer aos trabalhadores que seu primeiro passo deveria ser, portanto, garantir que os bancos e a reserva de ouro estivessem firmemente em suas mãos, ele exorta os trabalhadores da retaguarda a trabalhar mais e mais horas para produzir mais. Não que o que ele escreveu não fosse verdade. Mas também era um fato que quem controlava as reservas de ouro também controlaria a direção da guerra e a economia da Espanha.
Naqueles primeiros dias da luta, a necessidade imediata era de armas e matérias-primas. Para que os trabalhadores catalães produzissem armas, era necessário reequipar e reconstruir as fábricas; máquinas tiveram que ser compradas fora da Espanha com ouro. Da mesma forma, para aviões, transporte motorizado, rifles, armas e munições; e com o ouro, até mesmo armamentos alemães e italianos poderiam ser obtidos. A reserva de ouro era a chave para os trabalhadores armados serem capazes de passar da defensiva para o ataque. Pois, embora seja verdade que eles não tinham treinamento e havia uma necessidade de coordenação das milícias, ainda assim, sem armamento e transporte adequados, esses problemas eram de consequência secundária.
Para aumentar a confusão em questões financeiras estava a rivalidade entre os governos da Catalunha e de Madri, uma rivalidade que ignorava o inimigo comum nos portões e dava ao governo de Madri, controlando o ouro, a mão do chicote. Uma vantagem que usou em sua tentativa de sufocar a revolução na Catalunha e sabotar a frente de Aragão e a campanha pelas Ilhas Baleares – todas iniciativas tomadas pela CNT. De acordo com Santillán, a mesma atitude prevaleceu quando Caballero assumiu o governo Giral em Setembro de 1936.
Observemos ainda mais o mal que foi causado pelo ouro que permaneceu nas mãos erradas.
Em 24 de Setembro de 1936, um plenário regional de sindicatos foi realizado em Barcelona, no qual estavam presentes 505 delegados representando 327 sindicatos. Nesse plenário, Juan P. Fábregas, delegado da CNT no Conselho Econômico, depois de delinear a atividade dos sindicatos, tratou das dificuldades financeiras da Catalunha criadas pela recusa do governo de Madri em "dar qualquer assistência em questões econômicas e financeiras, presumivelmente porque tem pouca simpatia com o trabalho de ordem prática que está sendo realizado na Catalunha ... Houve uma mudança de governo, mas continuamos a deparar-nos com as mesmas dificuldades." Fábregas contou ainda que uma comissão que foi a Madrid pedir créditos para comprar materiais de guerra e matérias-primas, oferecendo mil milhões de pesetas em títulos depositados no Banco de Espanha, encontrou uma recusa em branco. Era suficiente que a nova indústria de guerra na Catalunha fosse controlada pelos trabalhadores da CNT para que o governo de Madri recusasse qualquer ajuda incondicional. Somente em troca do controle do governo eles dariam assistência financeira.
O que essa sabotagem aberta do governo central significa em termos de produção de armamentos é revelado em um relatório das conversas que ocorreram em 1º de Setembro de 1937, entre Eugenio Vallejo, representando a indústria de guerra catalã controlada pela CNT, e a subsecretaria de munições e armamento ligada ao governo central, durante a qual este último, diante de testemunhas, admitiu que a indústria de guerra da Catalunha tinha produzido dez vezes mais do que o resto da indústria espanhola junta e concordou com Vallejo que esta produção poderia ter sido quadruplicada a partir do início de Setembro se a Catalunha tivesse tido acesso aos meios necessários para a compra de matérias-primas que eram inalcançáveis em território espanhol. [28]
Mas voltando a Setembro de 1936. O plenário regional de sindicatos concluiu suas deliberações em 26 de Setembro. No dia seguinte, a imprensa anunciou a entrada da CNT no governo da Catalunha. Em comunicado de imprensa, a CNT nega que seja um governo a insistir que se juntou a um Conselho Regional de Defesa! Quem tomou essa decisão? Nem Peirats nem Santillán nos iluminam. Não há sequer uma indicação de que o assunto tenha sido discutido no plenário regional. Um plenário nacional de Comitês Regionais presidido pelo Comitê Nacional da CNT foi realizado, no entanto, por volta de 20 de Setembro, após a formação do governo Caballero, cujo objetivo era buscar uma fórmula que salvasse a face pela qual a "colaboração" pudesse ser possível. Foi decidido que um "Conselho de Defesa Nacional" deveria ser formado e que os ministérios existentes deveriam ser transformados em departamentos. Várias decisões sobre as milícias, os bancos, as propriedades da Igreja, etc. estão incluídos na resolução. Mas o documento não tem importância real, uma vez que o uso do termo Conselho de Defesa Nacional era apenas uma palavra menos aterrorizante para os ouvidos da CNT do que "governo".
Isso os partidos políticos entenderam tão bem que não prestaram atenção às propostas e chamaram a CNT de blefe, de modo que, dez dias depois, uma nova plenária foi realizada, a CNT só pôde lamentar que suas propostas não tivessem sido aceitas. No final deste documento, eles implicam, no entanto, que a formação do Conselho Regional de Defesa (como eles eufemisticamente chamam o governo da Catalunha com a participação da CNT) foi o resultado do plenário prevalecente, e acrescentam que continuarão a agitar por um Conselho de Defesa Nacional. Mas como o Conselho Regional de Defesa era o governo da Catalunha, não é de surpreender que em Novembro a CNT tenha capitulado e quatro membros entrado no governo Caballero em Madri.
A formação de um governo na Catalunha com a participação da CNT acabou com a dualidade de poder entre o Comitê de Milícias Antifascistas e o governo da Generalitat, com a eliminação do Comitê de Milícias. Com todas as suas deficiências, o Comitê era mais representativo das aspirações da revolução do que o governo; e não tinha poderes reais para impor as suas decisões. Não é preciso acrescentar que, no novo governo, as organizações dos trabalhadores eram uma minoria e os partidos políticos a maioria. Assim, em questão de cerca de dois meses, as humildes companhias de 20 de julho, que haviam se oferecido para "se tornar um soldado a mais na luta", se a CNT assim o desejasse, agora seguravam as rédeas do poder político em suas mãos. O próximo passo foi ver se ele também conseguia quebrar o chicote!
De que forma a luta contra Franco se beneficiaria dessa mudança? Santillán oferece a seguinte explicação:
Se fosse simplesmente uma questão de revolução, a própria existência do governo teria sido não apenas um fator desfavorável, mas um obstáculo a ser destruído; mas fomos confrontados com as exigências de uma guerra feroz, ramificações internacionais, e de estarmos forçosamente ligados aos mercados internacionais, às relações com um mundo estatal. E para a organização e direção desta guerra, e nas condições em que nos encontramos, não possuímos o instrumento que poderia ter substituído o velho aparato governamental.
Santillán prossegue apontando que "uma guerra moderna" exigia uma vasta indústria de guerra, e isso pressupõe, no caso de países que não são inteiramente auto-dependentes, relações políticas, industriais e comerciais com os centros do capitalismo mundial que detêm o monopólio das matérias-primas. E o mundo exterior era hostil à revolução e poderia se recusar a fornecer matérias-primas se não houvesse aparência de um governo. A dissolução do Comitê de Milícias não foi o último sacrifício que foi feito para "demonstrar nossa boa fé e nosso desejo primordial de vencer a guerra. Mas quanto mais cedemos ao interesse comum, mais nos vimos pisoteados pela contrarrevolução, na pessoa do poder central". "Com que resultados?", pergunta Santillán. "Certamente não para o benefício da guerra, ou pelo menos não para o benefício da vitória sobre o inimigo."
A essa altura, Moscou havia entrado na briga, e o punhado de comunistas na Catalunha que haviam começado absorvendo os vários grupos socialistas em um único partido [29] – o PSUC – foram encorajados pelo crescente controle exercido por agentes e técnicos russos em todos os departamentos do Estado. Era intenção de Moscou destruir a Catalunha Revolucionária privando a região de armamento e atacando diretamente. Mas o momento ainda não era propício para isso, e, portanto, não é surpreendente ver que os comunistas estavam preparados, em 25 de Outubro de 1936, para assinar um pacto de Unidade de Ação entre o CNT-FAI-UGT e o PSUC. O pacto representou mais um passo em direção à concentração completa do poder nas mãos do governo catalão. Os pontos de acordo incluem a coletivização dos meios de produção e a expropriação sem compensação, mas com a ressalva:
Concordamos que esta coletivização não daria os resultados desejados se não fosse dirigida e coordenada por um organismo genuinamente representativo da coletividade que, neste caso, não pode ser outro senão o Conselho da Generalitat em que todas as forças sociais estão representadas.
Incluem também a municipalização da habitação em geral, e a fixação de rendas máximas pelos municípios.Também sobre um comando único para coordenar a ação de todas as forças de combate; criação de milícias recrutas convertidas em um vasto exército popular e o fortalecimento da disciplina. A nacionalização dos bancos e o controle dos trabalhadores, através dos comités de trabalhadores, de todas as transações bancárias efetuadas pela chancelaria das finanças do Conselho da Generalitat. Acordo sobre "ação comum para liquidar as atividades nocivas de grupos ingovernáveis que, por falta de compreensão ou desonestidade, colocam em risco a implementação deste programa".
Dois dias depois, uma grande reunião pública foi realizada para celebrar esta nova vitória da contrarrevolução. Os oradores incluíram o secretário regional da CNT, Mariano Vázquez, a futura ministra anarquista da Saúde, Federica Montseny, essa figura sinistra do socialismo catalão, Joan Comorera e o cônsul-geral russo em Barcelona, Antonov Ovseenko.
O Pacto de Unidade foi simplesmente um trampolim para os comunistas em seu plano de tomar o poder. Desde o início, a pequena burguesia tinha sido uma pedra no sapato na realização da revolução social. A CNT havia respeitado seus interesses e agora os comunistas estavam direcionando sua atenção para conquistar esses apoiadores de Companys. A crise que ocorreu no governo catalão em Dezembro de 1936 foi ostensivamente sobre as indiscrições da organização comunista dissidente POUM (com um representante no governo) em expor a política internacional da Rússia. No entanto, a ocasião também foi usada pelos comunistas para desacreditar a CNT, perguntando em sua imprensa por que nenhuma ofensiva estava ocorrendo na frente de Aragão (que era principalmente composta pelos anarquistas). [30] Dois dias depois, a crise foi "resolvida" com a destituição do ministro do POUM.
Que trágico balanço de derrotas enfrentou a CNT na Catalunha até o final de 1936. Não foram derrotas para o trabalho de coletivização, no qual os trabalhadores haviam estendido e consolidado suas primeiras vitórias. As derrotas para os trabalhadores foram os sucessos dos políticos em transferir para si, passo a passo, todos os poderes que, enquanto permaneceram nas mãos dos trabalhadores, tornaram impossível para o governo ressurgir de sua merecida obscuridade. No final de 1936, Companys estava literalmente no controle, mas ele também teria que pagar um preço por essa vitória: aos comunistas. E de uma situação tão nova a CNT, se tivesse permanecido fora da luta política, poderia ter tirado vantagem. Mas estava se debatendo em um mar de compromissos e de costas para a terra. O que poderia ser mais desastroso para o movimento revolucionário do que líderes tão cegos que poderiam dizer, como García Oliver: "Os Comitês de Milícias Antifascistas foram dissolvidos porque agora a Generalitat representa todos nós"!
Enquanto isso, em Madrid, Largo Caballero, que sucedeu Giral como presidente, tinha como primeira missão a de criar um governo que funcionasse. Durante as semanas anteriores, para citar Peirats, "as massas gravitaram para as organizações dos trabalhadores, deslumbradas por suas conquistas revolucionárias, ou para a linha de frente para enfrentar o inimigo comum", e ele acrescenta:
Para salvar o governo, o princípio do governo, é necessário dar-lhe prestígio com palavras de ordem e com um homem. As palavras de ordem podem ser improvisadas, e o homem, uma vez que a situação é solucionada, removido do cargo. O que é importante é encontrar uma fórmula que permita a reconstrução do aparelho do Estado, coloque as rédeas nas mãos de qualquer governo que realize a tarefa de desarmar o povo e reduzi-lo a um estado de obediência. Numa palavra, colocar a revolução numa camisa de força. Largo Caballero foi o homem enviado para essa missão.
Ele era o líder da UGT dominada pelos socialistas e um "extremista" do Partido Socialista que era tido em estima pela CNT. [31] Sua tarefa imediata seria prestigiar as instituições republicanas gravemente atingidas e dar nova vida ao Estado, tornando assim possível alcançar o que os governos anteriores tinham sido impotentes para fazer: militarização das milícias, reorganização do corpo armado e o controle destes pelo governo, com o desarmamento simultâneo da retaguarda. A palavra de ordem não era difícil de encontrar: a necessidade de disciplina e um comando centralizado como resposta às dificuldades da guerra; a necessidade de continuar e vencer a guerra acima de tudo.
A resposta da CNT ao governo Caballero foi o plenário nacional dos Comitês Regionais realizado em meados de Setembro de 1936, no qual eles propuseram a criação em Madrid de um Conselho de Defesa Nacional que eles descreveram como "um organismo nacional com poderes para assumir as tarefas em questões de direção, defesa e consolidação nos campos político e econômico". Como já afirmamos, este Conselho teria poderes para "criar uma Milícia de Guerra recrutada". Em outras palavras, este "Conselho" era um governo disfarçado, embora um governo revolucionário.
Em 4 de Novembro de 1936, quatro membros da CNT entraram no governo Caballero: Juan López e Juan Peiró como ministros do comércio e da indústria, respectivamente; Federica Montseny como ministra da Saúde; e a pasta da justiça foi confiada a García Oliver. Nenhum desses ministros pôde dizer que em seus seis meses de mandato a presença no governo de representantes da CNT de alguma forma contribuiu para uma melhora da situação militar. Juan López apontou para a impossibilidade de alcançar qualquer coisa na esfera econômica quando as pastas do comércio e da indústria estavam nas mãos de sindicalistas, e a agricultura e as finanças nas mãos de um comunista e socialista de direita, respectivamente. Federica Montseny admitiu publicamente que a participação da CNT no governo foi um fracasso, e apenas García Oliver ficou em êxtase ao descrever suas realizações como legislador da justiça. Talvez ele pudesse ter mostrado menos entusiasmo por suas descobertas "revolucionárias" no campo da penologia se estivesse familiarizado com o trabalho de órgãos tão moderados, embora bem-intencionados, como a Howard League for Penal Reform na Grã-Bretanha capitalista! [32]
A aceitação de cargos governamentais pela CNT foi descrita em seu jornal diário, Solidaridad Obrera, como "o dia mais transcendental da história política de nosso país". E continua explicando que
o governo nesta hora, como instrumento regulador dos organismos do Estado, deixou de ser uma força opressora contra a classe trabalhadora, assim como o Estado não representa mais o organismo que divide a sociedade em classes. E ambos tenderão ainda menos a oprimir o povo como resultado da intervenção da CNT [no governo]. As funções do Estado serão reduzidas, de acordo com as organizações operárias, às de regularizar o desenvolvimento da vida económica e social do país. E a única preocupação do governo será dirigir habilmente a guerra e coordenar a tarefa revolucionária de acordo com um plano geral. Nossos camaradas trarão para o governo a vontade coletiva e majoritária das massas trabalhadoras anteriormente reunidas em vastas assembleias gerais. Eles não defenderão nenhum critério pessoal ou caprichoso, mas os desejos livremente determinados das centenas de milhares de trabalhadores organizados na CNT. É uma fatalidade histórica que recai sobre todos. E a CNT aceita essa fatalidade para servir o país por sua determinação de vencer a guerra rapidamente e preservar a revolução.
Compare esse absurdo oportunista com as opiniões que eles expressaram dois meses antes em seu Boletim de Informações (nº 41, 3 de Setembro de 1936) e reproduzidos no próprio Solidaridad Obrera de cujo editorial acabamos de citar. Com o significativo título, "A Inutilidade do Governo", a CNT-FAI apontou que
A existência de um governo de Frente Popular, longe de ser um elemento indispensável na luta antifascista, é qualitativamente uma imitação barata dessa mesma luta. É inútil recordar que, perante o golpe fascista, os governos da Generalitat e de Madrid não fizeram absolutamente nada. A autoridade só foi usada para esconder as manobras que estão sendo realizadas pelos elementos reacionários e por aqueles dos quais o governo foi, consciente ou inconscientemente, o instrumento.
A guerra que está sendo travada com sucesso na Espanha é uma guerra social. Um poder moderador, baseado na estabilidade e na manutenção das classes, não saberá impor uma atitude definida nesta luta em que os alicerces do Estado vacilam e que está, ele próprio, sem qualquer segurança. É, então, verdade dizer que o governo da Frente Popular na Espanha não é mais do que o reflexo de um compromisso entre a pequena burguesia e o capital internacional. A ideia de substituir esses governos, fracos guardiões do status quo, da propriedade e do capital estrangeiro, por um governo forte baseado em uma ideologia e em uma organização política "revolucionária" só serviria para adiar o levante revolucionário.
Não se trata, portanto, de o marxismo tomar o poder, nem da autolimitação da ação popular por razões de oportunismo político. O "Estado operário" é o resultado final de uma atividade revolucionária e o início de uma nova escravidão política. A coordenação das forças da Frente Popular, da organização do abastecimento alimentar com uma ampla coletivização de empreendimentos é de interesse vital para alcançar os nossos objetivos. Isto é claramente o que importa a esta hora. Foi alcançado até agora de uma forma não governamental, descentralizada e desmilitarizada. Muitas melhorias ainda precisam ser feitas para atender a essas necessidades. Maior uso poderia ser feito pelos sindicatos da CNT e UGT de suas forças para trazer essas melhorias. Um governo de coalizão, ao contrário, com suas lutas políticas de base entre maiorias e minorias, sua burocratização, baseada em elites eleitas, e as lutas fratricidas em que as facções políticas opostas estão engajadas, tornam impossível que tal governo beneficie nosso trabalho de libertação da Espanha. Isso levaria à rápida destruição de nossa capacidade de ação, de nossa vontade de unidade e ao início de um desastre iminente diante de um inimigo ainda bastante forte.
Esperamos que os trabalhadores espanhóis e estrangeiros compreendam a justiça das decisões tomadas neste sentido pela CNT-FAI. Desacreditar o Estado é o objetivo final do socialismo. Os acontecimentos demonstram que a liquidação do Estado burguês, enfraquecido pela asfixia, é o resultado da expropriação econômica e não necessariamente por uma orientação espontânea da burguesia "socialista". Rússia e Espanha são exemplos vivos.
Esta importante declaração contém todos os argumentos que gostaríamos de apresentar para demonstrar que a colaboração com os governos e os partidos políticos foi um erro de todos os pontos de vista: do da revolução social e da luta armada, como também das tácticas e princípios revolucionários.
O que quer que os apologistas da colaboração possam dizer em contrário, os acontecimentos – desde o tempo do governo de "guerra" do Largo Caballero até o "Governo da Vitória" de Negrín, terminando na rendição ignominiosa da Catalunha e na liquidação dos comunistas e do governo de Negrín na Espanha Central antes da capitulação final – confirmam em cada detalhe a análise contida no documento histórico que reproduzimos.
O que causou essa cambalhota que levou a CNT-FAI às poltronas ministeriais apenas algumas semanas depois? E até que ponto a base da organização foi responsável por esse completo abandono dos princípios anarquistas e das táticas revolucionárias?
CAPÍTULO VII. A CNT E A AÇÃO POLÍTICA
A CNT desde a sua criação nunca esteve sem os seus políticos, os seus demagogos políticos e as suas crises "ideológicas" internas. Não há dúvidas que eles prejudicaram a organização, mas não na medida em que qualquer outra organização teria sofrido. De fato, a grandeza da CNT é a de seus militantes de base. Embora a organização não tenha conseguido impedir que os líderes políticos se levantassem em seu meio, ela sempre manteve um espírito de independência, como resultado de sua estrutura descentralizada, e um espírito revolucionário que resistiu com sucesso aos esforços dos reformistas e políticos em suas fileiras.
As "crises" internas em um movimento revolucionário não são necessariamente ruins. Qualquer movimento, e especialmente um movimento de massas que não seja ossificado, deve estar continuamente submetendo suas ideias e táticas à discussão. Um movimento que é sempre unânime é geralmente aquele em que há apenas ovelhas e pastores. Não que a CNT não tivesse também seus pretensos pastores, e especialmente desde 19 de Julho de 1936, mas é significativo que, embora (por causa das circunstâncias peculiares pelas quais a Espanha estava passando) eles tenham feito muito mal à causa revolucionária e à luta contra Franco, eles nunca conseguiram converter os militantes de base da CNT em ovelhas.
Como um observador em primeira mão da cena espanhola colocou:
Um orador em um plenário pode apoiar uma decisão a favor da colaboração; mas, deixados por si só novamente, todos os nossos camaradas retornaram às suas convicções mais profundas e continuaram com as tarefas da revolução. Esses homens eram tão capazes de pegar em armas quanto de administrar um coletivo, de cultivar o solo e empunhar um martelo como de guiar uma reunião local ou uma reunião do sindicato com suas opiniões sensatas sobre os problemas práticos que precisavam de uma solução. E graças a essa força e à atividade visível das bases do movimento libertário espanhol – particularmente aqueles entre os militantes que ganharam sua experiência através de longos anos de luta nos sindicatos da CNT – as organizações libertárias puderam se desenvolver, apesar do renascimento, ou melhor, da consolidação do Estado e do desenvolvimento dos partidos políticos governamentais. [33]
Em outro lugar, o mesmo escritor, tratando da entrada da CNT no governo Caballero, aponta que
alguns delegados anarquistas, que se tornaram ministros ou personagens oficiais em diferentes capacidades, levaram suas tarefas a sério: o veneno do poder entrou em vigor imediatamente. Mas o que foi salvo foi o potencial do movimento anarquista espanhol. Tinha milhares de militantes experientes em todas ou quase todas as aldeias de Aragão, Levante e Andaluzia. Quase todos os militantes da CNT tinham uma sólida experiência de organização prática em seus próprios ofícios ou na vida de uma aldeia e desfrutavam de uma ascendência moral indiscutível. Além disso, eles foram dotados de um forte espírito de iniciativa.
O abismo que existia entre os líderes e a base da CNT-FAI pode ser explicado simplesmente por duas referências complementares, uma da obra de Gaston Leval, a outra da de Peirats. Ao tirar as conclusões de seu livro, que trata dos coletivos espanhóis, Leval aponta que os militantes destacados, como Federica Montseny, não desempenharam nenhum papel no trabalho dos coletivos. Desde o início, eles foram absorvidos em cargos oficiais que aceitaram, apesar de sua tradicional repugnância por funções governamentais. A unidade antifascista determinou sua atitude. Era necessário silenciar seus princípios e fazer concessões provisórias. Isso os impediu de continuar a realizar suas tarefas como líderes. Eles permaneceram fora deste grande empreendimento reconstrutivo, que ofereceu aos trabalhadores lições valiosas para o futuro. [34]
Peirats, ao tratar da orientação política da CNT desde o início da luta, refere-se à quase completa unanimidade entre os "militantes influentes" por uma política de colaboração com os políticos, mas acrescenta que “uma grande parte dos militantes e a imensa maioria das bases confederais só estavam interessadas nos problemas que os confrontavam na luta armada nas frentes, na expulsão de fascistas infiltrados e na expropriação e canalização da nova economia revolucionária”. [35]
O leitor não pode deixar de notar neste trecho as referências a "militantes influentes" e à "base". Talvez em um movimento de massas que aceita todos os trabalhadores em suas fileiras, independentemente de suas afiliações políticas, embora seus objetivos sejam os do comunismo libertário, pode ser inevitável que, para proteger esses objetivos, ele deva recorrer a manobras nos bastidores e tomar decisões em um "nível superior", ou seja, pelos "militantes" ou pelos "militantes influentes". Embora possa ser inevitável, claramente deve provocar ressentimento também entre os militantes e as bases. Tal problema existia na CNT desde a sua fundação e resultou em mais de uma crise interna. Não pode haver dúvida de que muitas decisões tomadas e táticas adotadas pela CNT durante a luta contra Franco não foram discutidas nos sindicatos, e muitas vezes foram questões fundamentais decididas pelos "militantes influentes" e aceitas como um fato consumado pelos delegados em plenários e nem mesmo discutidas pelas bases nos sindicatos.
O abandono pela CNT de seu método tradicional de tomada de decisões foi justificado pela necessidade de agir com o mínimo de demora. Pode haver questões em que tal posição poderia ser justificada, mas em questões fundamentais de princípio e táticas revolucionárias não poderia haver desculpa para não consultar os sindicatos. O fato da CNT-FAI não ter entrado nos governos da Catalunha e de Madrid até ao final de Setembro e Novembro, ou seja, mais de dois meses e três meses, respectivamente, após a revolta de Julho, refuta qualquer alegação de que não houve tempo para consultar a organização antes das decisões serem tomadas. Até então, já se tinham realizado muitos plenários locais e regionais, mas, até agora, pudemos constatar que não houve qualquer discussão sobre o tema da colaboração governamental. O problema era discutido apenas no "mais alto nível" da organização, e quando finalmente foi decidido ter ministros da CNT no governo Caballero, a Confederação nem sequer foi consultada sobre quem seriam seus representantes naquele governo.
Em um discurso feito por Federica Montseny em Toulouse em 1945 (citado no Boletim Interno do MLE-CNT na França, Setembro-Outubro de 1945), ela declarou:
Por acordo entre Largo Caballero e Horacio Prieto, este último veio à Catalunha e explicou a posição alcançada nas negociações, que resultaram na nomeação de Juan López, Peiró, García Oliver e eu como membros do governo. Recusei-me a aceitar. Horacio Prieto e Mariano Vázquez insistiram. [36] Pedi vinte e quatro horas para refletir sobre o assunto. Consultei meu pai que, pensativo, disse: "Você sabe o que isso significa. Na verdade, é a liquidação do anarquismo e da CNT. Uma vez no poder, vocês não se livrarão do poder."
No entanto, Federica Montseny e os outros entraram no governo como representantes da organização. Dizem-nos que, embora a CNT não tenha sido consultada, os seus líderes estavam, de fato, representando os desejos da esmagadora maioria ao juntarem-se ao governo. Tal método para determinar a opinião de uma organização pode ser válido sob uma ditadura, mas é inadmissível em uma organização como a CNT. Não se pode, ao tentar estabelecer a posição real da organização como um todo em relação à colaboração, aceitar a visão dos líderes de que eles estavam representando os desejos da esmagadora maioria da organização, sem perguntar se essa mesma "esmagadora maioria" também se opunha à colaboração ainda em Setembro, quando o artigo anti-colaboração, do qual citamos acima, apareceu no Boletim de Informações da CNT-FAI. E, novamente, depois de seis meses de colaboração, voltou a se opor a ela quando, em Maio de 1937, os líderes da CNT se recusaram a entrar no governo Negrín. Tais mudanças são típicas dos políticos; a base pensa mais devagar e também geralmente muda de opinião com menos frequência.
É significativo que, enquanto os líderes da CNT tentavam em vão colocar sua inteligência política contra a dos políticos profissionais, a base e os militantes nos sindicatos estavam consolidando suas vitórias no campo econômico, funcionando de forma completamente independente e fora do alcance do controle do governo. De fato, como se poderia dizer que eles apoiariam o fortalecimento do governo pela participação de seus representantes, quando eles estavam cientes de que o governo nunca permitiria uma reorganização tão radical da economia do país se tivesse o poder de impedi-la?
Além disso, era óbvio para todos (e até mesmo os "militantes influentes" admitiram isso em mais de uma ocasião) que o governo estava muito mais preocupado em fortalecer a retaguarda do que em fortalecer as frentes compostas pelas milícias e, assim, acelerar a derrota de Franco. Pode-se fundamentar com fatos a afirmação de que não era do interesse do governo apressar a derrota de Franco durante os primeiros meses em que existiam as melhores chances de fazê-lo. Uma vitória sobre Franco antes que o governo tivesse consolidado seu poder era uma situação impensável para os políticos, uma vez que sua posição teria se tornado ainda mais precária do que no dia seguinte à derrota parcial de Franco em 19 de Julho. Só assim se pode explicar como, por exemplo, havia uma tal escassez de armas na frente de Aragão que era impossível lançar uma ofensiva na direção de Saragoça,[37] mas na retaguarda havia sessenta mil fuzis e mais munição do que na frente.
Na retaguarda, as armas eram seguradas não apenas pela polícia do governo e pela Guarda de Assalto, mas pelos partidos políticos e pelas organizações dos trabalhadores. Era uma espécie de campo armado, cada facção estava à espreita de qualquer tentativa de outra de impor a sua vontade pela força das armas. Tal situação era uma indicação clara da impossibilidade de qualquer unidade efetiva entre as organizações revolucionárias dos trabalhadores e os partidos políticos e as forças governamentais. Existia entre os trabalhadores armados na retaguarda a preocupação de defender a revolução social das crescentes invasões das forças governamentais. Para que todas as armas fossem enviadas para a frente, portanto, era necessário não fortalecer o governo, comprometendo a CNT com suas decisões, mas, ao contrário, enfraquecê-lo, removendo as forças armadas sob seu comando. Os trabalhadores perceberam isso a despeito de seus líderes "influentes".
Em Outubro de 1936, ocorreu um grave incidente que merece ser mencionado aqui porque dá uma ideia da atitude e do temperamento dos milicianos anarquistas em um momento em que seus "líderes" estavam negociando com Caballero e alocando pastas ministeriais entre si. Referimo-nos à Columna de Hierro, na época uma força de guarnição na frente de Teruel, que fez uma incursão armada na retaguarda em Valência, que percebeu estar sendo armada, não para o benefício dos homens que lutavam nas frentes, mas para fortalecer o poder do governo. Um manifesto divulgado posteriormente pela Coluna apontava que eles já haviam enviado as seguintes demandas aos "interessados": a dissolução total da Guarda Civil e o envio para a frente de todas as forças armadas a serviço do Estado. Eles também pediram a destruição dos arquivos e dossiês de todas as instituições capitalistas e estatais. Eles declararam:
Baseamos esta petição em pontos de vista revolucionários e ideológicos. Como anarquistas e revolucionários, entendemos o perigo representado pela existência contínua de um corpo puramente reacionário como a Guarda Civil, que em todos os momentos e particularmente durante este período mostrou abertamente seu verdadeiro espírito e seus métodos. A Guarda Civil era insuportável para nós e não queríamos vê-la continuar a existir porque, por razões esmagadoras, desconfiávamos dela. Por essa razão, pedimos que fosse desarmada e, por essa razão, a desarmamos.
Pedimos que todo o corpo armado estivesse na frente, porque há uma escassez de homens e armas na frente, e o fato de permanecer na cidade, tendo em vista a situação atual, foi e é um obstáculo. Conseguimos isso apenas parcialmente e não cederemos até que seja completo.
Finalmente, pedimos a destruição de todos os documentos que representavam um passado completamente tirânico e opressivo contra o qual as nossas consciências livres se rebelaram. Destruímos os papéis...
Estes objetivos trouxeram-nos a Valência e os realizamos, utilizando os métodos que nos pareciam mais adequados.
Não se tratava de um golpe de Estado por parte da Columna de Hierro. Foi um ato de defesa de homens que estavam preparados para sacrificar suas vidas na frente, mas que não podiam ficar parados indiferentemente enquanto os preparativos estavam sendo feitos na retaguarda para esfaqueá-los pelas costas no momento apropriado. Uma consciência tão clara da duplicidade de todos os governos não pode ter sido um fenômeno isolado em um movimento que, afinal, devia sua existência, ao contrário da outra organização dos trabalhadores – a UGT – a tal consciência e à sua determinação de alcançar seus fins por outros métodos. Há razões para supor, portanto, que se a questão da colaboração tivesse sido debatida pela CNT-FAI nos sindicatos e nos grupos e com pleno conhecimento dos fatos, o bom senso dos militantes de base teria prevalecido contra os argumentos político-legais dos "militantes influentes".
CAPÍTULO VIII. A CORRUPÇÃO DO PODER
Alguns críticos pensam que os anarquistas exageram o efeito corruptor que o poder tem sobre os indivíduos. Eles também sustentam que aqueles anarquistas que olham para todos os governos sob a mesma luz estão sendo irrealistas. O argumento sempre lançado é que, do ponto de vista anarquista, um governo que permita a liberdade de expressão e de imprensa deve ser preferido e apoiado contra um que esmaga as liberdades elementares e exige que todos falem a uma só voz. Isso pode ser verdade em certo sentido, mas é, no entanto, uma escolha entre os males e ignora o fato de que o governo que pode permitir que o povo o critique e o ataque com palavras é, na realidade, um governo mais forte e mais seguro do que aquele que nega todas as críticas ao sistema social e aos homens no poder, e talvez, portanto, de um ponto de vista revolucionário, um obstáculo maior a ser superado.
Muitos anarquistas foram influenciados por essas críticas e por aquelas pessoas que, embora simpatizando com a filosofia anarquista, no entanto, a consideram utópica e além dos domínios da aplicação prática. "Talvez em mil anos", dizem eles enquanto retornam aos problemas da hora. E esses anarquistas, picados pela acusação de que são "sonhadores", procuram apresentar "soluções práticas" capazes de se realizarem no presente. Mas para que essas soluções sejam "práticas", elas devem inevitavelmente ser efetivadas através das instituições governamentais e estatais existentes, e isso só pode significar uma coisa: um reconhecimento de que os problemas do nosso tempo podem ser resolvidos pela ação governamental. E admitir isso é destruir toda a crítica anarquista ao governo – uma crítica não baseada na emoção ou no preconceito, mas no conhecimento acumulado do propósito e da função dos governos e do Estado.
O reconhecimento de que anarquistas e sindicalistas revolucionários não podem utilmente avançar suas ideias sociais no âmbito das instituições estatais não implica, a nosso ver, que eles devam, portanto, ser condenados à impotência e ao silêncio. O que fez da CNT na Espanha uma força tão vital em comparação com a UGT – numericamente sua igual – foi apenas o fato de que ela estava desde o início em oposição ao Estado e a todos os governos e sua organização diametralmente oposta à do governo, sendo o controle exercido pelos membros da organização e não por funcionários permanentes com poderes executivos. A UGT, por outro lado, era controlada pelos líderes do Partido Socialista e, portanto, sujeita a todas as vicissitudes políticas desse partido, que usava a força numérica da UGT como arma política, com consequências semelhantes àquelas com as quais estamos muito familiarizados nos sindicatos da França e da Itália (onde encontramos católicos, Sindicatos dominados por socialistas e comunistas), Grã-Bretanha (onde são praticamente parte integrante da máquina estatal) e Rússia (onde agora existem apenas no nome).
A força da CNT residia em sua oposição intransigente ao Estado e à intriga política; na sua estrutura descentralizada e na sua oposição à prática universal dos funcionários remunerados e permanentes; em sua preocupação com os objetivos do controle operário dos meios de produção como o passo necessário para o comunismo libertário, ao mesmo tempo em que corajosamente apresenta as demandas imediatas das massas trabalhadoras por melhores condições de trabalho e um reconhecimento de suas liberdades elementares. Concessões arrancadas dos governos a força como oposição têm o resultado positivo, do ponto de vista anarquista, de enfraquecer a autoridade do governo e não podem ser confundidas com o reformismo político.
Para entender como foi possível para os anarquistas espanhóis jogar ao mar todos os seus princípios, é preciso entender a atmosfera particular em que o anarquismo espanhol floresceu. Foi um movimento baseado na ação:
A maioria dos militantes espanhóis vive para a revolução e acredita que ela pode ser alcançada, não importa quando ou como, engajando-se permanente e completamente em "ação". Isso influencia sua perspectiva a tal ponto que questões puramente ideológicas não lhes interessam mais ou, no máximo, acredita-se que sejam assuntos para o futuro. De um modo geral, este é o tipo de militante que escolhe a FAI, porque para ele é a única organização para a ação, criada exclusivamente pela ação e para a ação revolucionária. Esse tipo de militante acaba se tornando, de fato, apesar de sua boa vontade e sua disposição desinteressada de fazer sacrifícios, o peso morto da FAI, uma vez que ele a priva de outras atividades superiores e provoca a maioria das diferenças, fúteis ou não, que absorvem tempo precioso que poderia ser usado para coisas melhores. [38]
O mesmo observador acrescenta que há uma tendência dentro das fileiras da CNT de acusar a FAI de ser responsável por provocar essa "mentalidade militante" entre os membros do movimento libertário e, em apoio a essa visão, ele se refere a vários homens que por muitos anos dedicaram suas vidas à ação, durante o qual alguns até deram suas vidas:
Cegos pelos resultados "práticos" e temporários de suas atividades, eles criaram uma espécie de "doutrina da ação". E o fato é que muitos desses elementos, levados pelo ímpeto de suas ações, estavam imbuídos de uma concepção pessoal da revolução, e chegaram ao ponto de apresentar a ideia de "conquista do poder" para proclamar a liberdade de uma posição de comando.
No outro extremo estavam aqueles a quem já nos referimos como os "políticos da CNT". Usamos essa palavra em seu sentido puro, na medida em que esses homens procuraram, não apenas depois de Julho de 1936, mas durante os anos anteriores, orientar a CNT para longe da influência da FAI (eles frequentemente se referiram à "ditadura" da FAI) e para a ação política aberta, através de alianças políticas, participação em eleições gerais e municipais, e até mesmo a colaboração nos governos. O que não compreendemos é como tal atividade é compatível com a estrutura federalista (com o controle a partir de baixo) da organização.
Pode parecer, portanto, que dessas duas influências na CNT foram os "líderes" reformistas que conseguiram fazer prevalecer seu ponto de vista em Julho de 1936, determinando assim o curso a ser seguido pela Confederação durante aqueles anos agitados. Mas isso nos parece um resumo muito superficial e inexato da situação. Já declaramos nossa opinião de que foi um erro por parte dos líderes da CNT concentrar sua propaganda escrita e falada desde o início na ameaça do "fascismo". Mas também chegamos à conclusão de que a preocupação dos líderes da CNT-FAI com a "ameaça fascista" era um sentimento muito genuíno que, em grande medida, paralisou o pensamento objetivo de sua parte, assim como três anos depois muitos revolucionários em todo o mundo estavam preparados, contra seu melhor julgamento, para apoiar a "guerra contra o nazismo", acreditando que ela resolveria o problema do totalitarismo e levaria à revolução social.
Repetidas vezes nos escritos dos revolucionários espanhóis que descrevem aqueles primeiros dias da luta contra o levante de Franco, lê-se daquele espírito de camaradagem que varreu todas as barreiras partidárias e de classe entre os homens e mulheres que haviam desempenhado seu papel na derrota do golpe. E isso deu origem à falsa esperança, baseada na ideia de que todos odiavam os rebeldes tanto quanto os trabalhadores da CNT, de que o povo permaneceria unido até que as forças de Franco fossem finalmente derrotadas. Não é preciso muita imaginação, mesmo com o passar do tempo, para viver esses momentos de exaltação e entender a avaliação política excessivamente otimista pela CNT de seus aliados anti-Franco de Julho de 1936. [39] Mas, ao mesmo tempo, para os revolucionários experientes, é inconcebível que tal estado de excitação e otimismo possa durar muito tempo, particularmente quando ficou claro dentro de uma semana do levante que o governo não havia aderido à maré do entusiasmo revolucionário ou compartilhado a determinação do povo de avançar a luta contra Franco e a velha ordem econômica até seus limites.
No entanto, apresentamos esses pontos de vista como uma explicação da origem da ideia de colaboração na direção da CNT, não apenas com a outra organização dos trabalhadores – a UGT – mas também com os partidos políticos. Uma vez comprometidos com a ideia de "unidade" e "colaboração", outros fatores entraram em jogo que rapidamente minaram a independência da CNT, criando entre muitos militantes um desejo de poder (tanto como indivíduos quanto para a organização) e uma atitude legalista que passou a acreditar que as vitórias dos trabalhadores no campo econômico poderiam ser asseguradas por decretos governamentais. Esse crescimento da mente burocrática e legalista foi acompanhado por um afrouxamento dos métodos organizacionais pelos quais as decisões eram normalmente tomadas pela CNT. Em outras palavras, uma liderança foi criada – não apenas pelos políticos e membros influentes da CNT, mas também pelos muitos membros que ocupavam importantes cargos administrativos e comandos militares – que funcionavam por meio de comitês e departamentos governamentais, raramente consultando ou prestando contas de suas ações à base da organização (ou seja, os sindicatos). No início de 1938, o passo final foi dado com a criação do comitê executivo do Movimento Libertário na Catalunha. Referiremos a ele com mais detalhes no capítulo final deste estudo.
É verdade que os líderes podiam se gabar de que a CNT-FAI sozinha entre as organizações realizou muitos plenários durante este período em que as políticas da Confederação foram discutidas. Mas, na realidade, esses plenários não eram mais representativos dos pontos de vista da base do que um debate na Câmara dos Comuns representa os pontos de vista considerados do eleitorado. Repetidas vezes foram convocados plenários, com agendas importantes, com dois ou três dias de antecedência, de modo que era completamente impossível, dentro do tempo permitido, que os sindicatos e federações locais tivessem a oportunidade de discutir as questões sobre as quais se esperava que seus delegados falassem em seu nome. Na maioria das vezes, a declaração emitida após tais plenários consistiria apenas em alguns slogans e expressões vagas de entusiasmo por parte dos delegados, de modo que o primeiro conhecimento da base das decisões tomadas seria quando eles foram confrontados com o fato consumado.
Ainda hoje, por exemplo, a historiografia da CNT não consegue estabelecer se o plenário nacional dos Comitês Regionais realizado em Setembro de 1936 alguma vez discutiu a questão do Conselho de Defesa Nacional (que se pode lembrar que foi a "alternativa" da CNT-FAI ao governo Caballero): “A súbita convocação [do plenário] e a declaração cautelosa sobre os acordos alcançados não permitem saber [se o Conselho de Defesa Nacional foi discutido]”. [40]
Apesar da impossibilidade de se referir aos documentos internos da CNT-FAI, há provas suficientes para demonstrar que os plenários atuaram como carimbo de borracha para as decisões tomadas pela direção da CNT-FAI, não sem certas dúvidas, como mostra o plenário regional de sindicatos convocado em 22 de Outubro de 1936 para 26 de Outubro. Nesses quatro dias, os sindicatos tiveram que examinar o projeto de pacto com a UGT, expressar sua atitude em relação aos conselhos municipais e lidar com a renúncia do secretário regional e a nomeação de seu sucessor.
No plenário, e seguindo o relatório do secretário:
o debate foi prolongado e fundamentado, com a participação de muitas delegações e a exprimirem os seus vários pontos de vista, sem que surjam diferenças graves, uma vez que toda a organização reconhece que, nas atuais circunstâncias, não pode ser exigida uma estrita conformidade com as normas confederais. No entanto, a maioria das delegações manifestou o seu desejo lógico de que, sempre que possível, as bases fossem consultadas, solicitando à comissão que não exercesse a sua prerrogativa, salvo em circunstâncias excepcionais. [41]
Quando dizemos que o poder corrompe aqueles que o exercem, não queremos dizer que essas pessoas necessariamente sejam vítimas das tentações do suborno e do ganho material, como é, por exemplo, o caso na vida política americana. O que acreditamos firmemente é que ninguém pode resistir ao efeito que o poder tem na modificação do pensamento e da personalidade humana. Como Gaston Leval observou, "alguns delegados anarquistas que se tornaram ministros ou funcionários em diferentes categorias, levaram suas tarefas a sério; o veneno do poder imediatamente entrou em vigor". [42] E apenas algumas personalidades fortes podem, uma vez que tenham se deleitado nela, dispensar os holofotes que acompanham o poder.
A fragilidade da humanidade a este respeito sempre foi claramente compreendida pelos anarquistas, e por isso eles sempre defenderam uma sociedade descentralizada em oposição à centralização na sociedade atual, que permite que o poder seja concentrado em poucas mãos. Em seu próprio movimento, a forma geral de organização tem sido o grupo de afinidade, ou funcional; cada grupo mantendo contato com os outros através de alguma secretaria de coordenação ou correspondência, mas cada um mantendo sua autonomia e liberdade de ação. No movimento sindicalista revolucionário aplicam-se os mesmos princípios, com o sindicato como unidade de organização. Essas visões foram, em teoria, compartilhadas pela CNT-FAI espanhola, mas na prática nem sempre observadas, e por razões que são peculiares ao movimento espanhol. Já nos referimos à "mentalidade do militante". É preciso também ter em mente que, por longos períodos de sua história, a CNT-FAI foi declarada ilegal e, portanto, incapaz de agir sempre organicamente. E o fato da CNT ser uma organização de massas levou consigo, a nosso ver, os perigos inerentes a todos os movimentos de massa da criação de grupos de militantes influentes dentro de suas fileiras cuja preocupação é salvaguardar a "pureza" do movimento de elementos reformistas.
O resultado de todos esses fatores foi que sempre houve personalidades marcantes representando diferentes tendências, embora muitas vezes as crises internas na CNT não tenham sido tanto ideológicas quanto um choque entre essas personalidades. É digno de nota, por exemplo, que a crise do pós-guerra na CNT no exílio, ostensivamente entre as tendências "colaboracionista" e "purista", tem sido, de fato, uma luta entre personalidades visando o controle da organização.
Também é significativo que muitos anarquistas espanhóis parecem incapazes de discutir ideias sem descer a personalidades. Uma leitura atenta de sua imprensa, particularmente no período inicial da crise, confirma, pensamos, tal afirmação. Mas esta também é a técnica de todo político que se preze no jogo da política de poder.
A situação criada pelos sucessos operários revolucionários em Julho de 1936 possibilitou uma maior formação de líderes na CNT-FAI. Da noite para o dia, toda a máquina de propaganda em suas mãos foi aumentada além da crença. Além de ter sua própria estação de rádio e emitir boletins informativos diários em várias línguas, havia cerca de oito jornais diários e inúmeros semanários e mensais, cobrindo todos os aspectos da atividade social. [43] Vastas reuniões foram realizadas em toda a Espanha, dirigidas pelos "melhores oradores do movimento, como Federica Montseny, García Oliver, Gaston Leval, Higinio Noja Felipe, etc." [44] E essa concentração de poder político em poucas mãos foi ainda mais agravada pelo fato de que muitos militantes ativos cujas vozes poderiam ter servido como um contrapeso às dos "militantes influentes" estavam engajados na tarefa absorvente dos coletivos ou com as colunas de combate guarnecendo as frentes. De fato, é um reflexo da integridade revolucionária do movimento como um todo que tantos dos homens capazes de dirigir a máquina de propaganda e de preencher cargos administrativos evitaram essas posições de poder, e que nas primeiras semanas da luta não foi possível encontrar homens suficientes para continuar esse trabalho.
Para resolver o problema, o Escritório de Informação e Propaganda da CNT-FAI em Barcelona decidiu a criação de uma Escola de Militantes (Escuela de Militantes). Numa rádio explicando o propósito desta escola, foi revelado que estava "sob os auspícios, e apoiada e mantida pelo Comité Regional da CNT e pela FAI da Catalunha". Seu objetivo era "criar um organismo com o objetivo exclusivo de cultivar militantes, adaptá-los e equipá-los para o trabalho e as ideias da organização em seus vários aspectos". Para pertencer à escola era necessário ter "visões pessoais e uma cultura geral, especialmente nas questões sociais". Mas, na falta destes, um "desejo de alcançar os objetivos visados pela escola". Além disso, todos os alunos da escola "devem ter o apoio econômico do sindicato ao qual pertencem". No decorrer da palestra foi dito que
"não há dúvida de que um dos maiores sucessos da nossa organização foi o de criar este tipo original de instituição, uma vez que os alunos, ao mesmo tempo em que obtêm conhecimentos úteis e interessantes em todos os ramos do pensamento humano, adquirem, ao mesmo tempo, metodicamente, a máxima formação na sua disciplina especializada".
A historiografia da CNT no exílio não faz comentários sobre esta instituição longe de ser "original", aperfeiçoada há muito tempo pelos governantes em Moscou e usada pelo Partido Trabalhista Britânico e pelos sindicatos como um método para treinar os futuros líderes partidários e chefes sindicais. Em nossa opinião, tais incubadoras revolucionárias estão repletas de mais perigos do que vantagens, particularmente quando, como no caso em discussão, são organizadas pelo Gabinete de Propaganda com o propósito específico de formar oradores públicos e jornalistas, que, claramente, se quiserem falar ou escrever para o Gabinete de Propaganda, deverão expressar a "linha partidária" e não as suas opiniões pessoais, tanto mais se forem propagandistas pagos. [45] Assim, a linha oficial ganha uma séria vantagem sobre os pontos de vista minoritários por seu monopólio sobre os principais canais de expressão.
Se o espaço o permitisse, teríamos desejado examinar em pormenor toda a técnica da propaganda; e a propaganda na Espanha foi conduzida por todos os partidos e organizações numa escala tão vasta que um estudo dos métodos utilizados proporcionaria lições valiosas para o futuro. [46] No entanto, teremos que nos contentar atualmente em afirmar nossa opinião de que os demagogos oratórios (em oposição a palestrantes e oradores em reuniões de grupo e tais reuniões) representam o maior de todos os perigos para a integridade de um movimento revolucionário. O microfone é a maldição dos tempos modernos. E em algumas partes da Espanha, onde eles cultivavam o solo com arados romanos, não havia, e ainda há, microfones cromados!
Uma característica da demagogia política é que um dia se diz uma coisa e no outro se espera que o povo engula o contrário. Já nos foi dado um exemplo clássico dessa técnica no documento de 3 de Setembro de 1936, contra a colaboração, que seria tão logo seguida por aduladores em louvor ao governo quando a CNT se juntou a Caballero. E há muitos mais. García Oliver, que ficou entre os mais altos no que Federica Montseny eloquentemente chamou de "dinastia anarquista", nos fornece todo o material que precisamos para um estudo da influência corruptora do poder. Foi ele quem disse em uma enorme reunião pública em Barcelona, em 10 de Agosto de 1936:
O governo de Madrid pensa que se procede com a formação de um exército para combater o fascismo sem que esse exército tenha um espírito revolucionário. O exército só pode ter o caráter que emerge da voz do povo e deve ser 100% proletário. Para demonstrar isso, devo me referir ao corpo de Guardas de Assalto, Carabineiros e Guardas Civis que se uniram às massas da classe trabalhadora na luta contra o fascismo, formando com elas um exército popular que se provou na prática ser superior ao conceito clássico de corpo armado organizado pelas costas do povo.
Em 4 de Dezembro de 1936, em uma reunião em Valência, o mesmo orador, até então ministro da Justiça, declarou:
Estamos interessados em ganhar a guerra? Então, quaisquer que sejam as ideologias ou os credos dos trabalhadores ou das organizações a que pertencem, para vencer, eles devem usar os métodos usados pelo inimigo e, especialmente, a disciplina e a união. Com disciplina e organização militar eficiente, venceremos, sem dúvida. Disciplina para quem luta na frente e no local de trabalho, disciplina em tudo é a base para o triunfo.
Seis meses no Ministério da Justiça converteram esse corajoso e popular expoente da ação direta em um apologista do governo e dos campos de trabalho para presos políticos. Em uma reunião pública dirigida por ele em Valência em 30 de Maio de 1937, logo após a queda do governo Caballero e a demissão dos ministros da CNT, ele deu um relato de suas atividades no governo. [47] Foi um reforço de duas horas e meia de García Oliver, do valor da legislação e das grandes potencialidades do governo. Em seu discurso de abertura, ele disse que o título de seu discurso poderia muito bem ter sido: "'Da Fábrica em Barcelona ao Ministério da Justiça'. Ou seja, de um trabalhador do Sindicato Têxtil de Barcelona para a estruturação de uma nova Espanha." [48] Mais tarde, ele repetiu o fato de sua origem como trabalhador, acrescentando: "Mas se alguém tiver alguma dúvida sobre isso ou não souber, o ministro da Justiça, embora trabalhador, era García Oliver". E algumas frases depois: "Eu era o ministro da Justiça, García Oliver", acrescentando modestamente, "mas não acredite que eu fiz tudo". O que é particularmente significativo no discurso de García Oliver é que ele não só não demonstra nenhum constrangimento em expor os decretos e leis elaborados por ele, que incluíam longas penas de prisão para aqueles considerados culpados sob eles, ou suas propostas para a reforma do sistema penal, mas também demonstra claramente a profunda influência exercida sobre ele pelo governamentalismo e sua crença de que a natureza dos governos é transformada quando inclui a representação da CNT – um argumento que só pode levar à posição em que se defenderia, em comum com os socialistas e reformistas, que, uma vez que o Parlamento consistisse de anarquistas, teríamos anarquismo. "Eu tenho razões para acreditar", declarou Oliver:
interpretando a organização da economia, que há coisas que devem ser coletivizadas porque podem ser coletivizadas; que há coisas que têm de ser municipalizadas porque não podem ser coletivizadas do ponto de vista da eficiência económica ou do retorno; que há coisas que têm de ser nacionalizadas, porque nas circunstâncias económicas do momento, transitórias ou permanentes, não podem ser coletivizadas nem municipalizadas. Tenho razões para acreditar que há coisas que ainda têm de ser deixadas à livre exploração dos pequenos proprietários e dos pequenos industriais. Todos os problemas existentes podem ser resolvidos com um bom governo de pessoas que trabalham, que não viajam muito, que gastam menos tempo na política e mais resolvendo os problemas e organizando o trabalho a ser feito.
Dos quatro ministros da CNT-FAI no governo central, apenas Federica Montseny "se retratou" publicamente, embora, como uma das "oradoras" do movimento, não se possa ter certeza de até que ponto isso é motivado por outras razões que não as de princípios. Em uma carta a Juan López, escrita logo após a "libertação" da França, ela expressou a opinião de que a questão da colaboração política ou abstenção não era a única nem a mais importante que tinha que ser discutida:
O problema é fazer da CNT e do movimento libertário uma força organizada e consciente, com uma "linha" definida, com um programa de coisas a serem realizadas imediatamente, e com uma visão clara do amanhã e suas possibilidades, tanto na Espanha quanto fora dela. Talvez não estejamos de acordo em todos os pontos, mas estou certo de que concordaremos numa questão fundamental: a necessidade de nos prepararmos para o regresso a Espanha com um equipamento moral bastante diferente do que existia em 1936. A experiência deve ser de alguma utilidade para nós, bem como as lições a serem tiradas dos eventos. E a CNT deve ser realmente sólida, massiva, organizada sob uma direção firme com disciplina e objetivos realistas, sem assim perder de vista nossos objetivos finais (notre idéal), se não quisermos perder para os outros [os partidos políticos]. [49]
Juan López, que com razão, pensamos, chama a atenção para o "espírito autoritário" desta carta, manteve-se ele próprio um defensor da colaboração. Congratulou-se com a entrada de um representante da CNT no governo espanhol no exílio (chefiado por Giral); apoiou a colaboração com todos os partidos políticos que se opõem a Franco, com exceção dos comunistas, e a necessidade de uma política "realista" por parte da CNT, incluindo a participação no governo do país. A seu favor, deve-se salientar que Juan López não se diz anarquista; ele é um sindicalista que acredita na política e nos governos "revolucionários".
Como já dissemos, não sabemos como ele enquadra sua crítica à "ditadura" da FAI na CNT, impedindo a verdadeira democracia e controle pelos sindicatos, com seu apoio à "evolução" da CNT ao governamentalismo. Ele certamente não está sugerindo que o governo possa ser controlado pelos governados. Ao defender a criação do que é, de fato, um conselho executivo da CNT que será responsável perante o governo e não perante a organização, López, sentimos, compartilha esse "espírito autoritário" com Federica Montseny, o falecido Juan Peiró (outro colaboracionista político impenitente) e García Oliver (agora no deserto político defendendo um partido anarquista). E estes não são os únicos estragos causados pelo poder nas fileiras do movimento revolucionário. Teve seu efeito em muitos conselheiros baratos, gerentes de fábrica e editores de má qualidade.
Até que ponto eles determinaram a futura política da CNT não podemos determinar. Talvez o experimento social e as conquistas dos trabalhadores e camponeses espanhóis durante 1936-1939 lhes tenham ensinado o valor de fazer as coisas por si mesmos sem governos e "líderes influentes". Nesse caso, os políticos e demagogos terão uma dura luta para moldar a CNT-FAI à sua vontade nos anos que se avizinham.
CAPÍTULO IX. OS COLETIVOS AGRÍCOLAS
Um estudo crítico das realizações dos trabalhadores revolucionários nos campos social e econômico é uma tarefa mais gratificante do que a de acompanhar os desenvolvimentos políticos e intrigas entre os líderes políticos e entre os partidos e organizações. É mais gratificante porque estamos face a face com os esforços de um povo para converter o que poderia facilmente ter se tornado uma luta puramente política em uma revolução social, uma derrubada de toda a estrutura econômica e social de um país que por tanto tempo foi dominado por ricos latifundiários e industriais, a Igreja, e o capital estrangeiro. É mais interessante do que qualquer outro experimento social de seu tipo, porque foi um movimento espontâneo e improvisado do povo, no qual os políticos não desempenharam nenhum papel, exceto o de tentar mais tarde destruí-lo, controlá-lo ou contê-lo, pois tal movimento ameaçava toda a máquina do Estado, do governo, do capitalismo e da exploração do homem pelo homem.
Isso tem sido geralmente ignorado pelos sociólogos; foi grosseiramente distorcido pelos comunistas na sua propaganda; e suavemente ocultado – por razões óbvias – por políticos espanhóis. Mas é de se lamentar especialmente que até agora nenhuma tentativa séria tenha sido feita pelos movimentos anarco-sindicalistas e anarquistas espanhóis para reunir a vasta quantidade de material que existe sobre o tema dos coletivos industriais e agrícolas na Espanha e tirar dessas experiências lições que amanhã serão de extrema importância não apenas na Espanha, mas para os movimentos revolucionários em todo o mundo.
O material coletado atualmente disponível na língua espanhola está contido, até onde sabemos, em três volumes. Há dois pequenos livros, publicados em Barcelona em 1937, que dão relatos em primeira mão de coletivos visitados pelos autores, e há as últimas cem páginas do primeiro volume da História da CNT na Revolução Espanhola de José Peirats, que compreendem descrições da constituição e do funcionamento de uma série de empresas coletivas. [50] Mas, ao apontar que para lidar com o assunto seria necessário um volume inteiro, Peirats não faz nenhuma tentativa de relacionar os vários experimentos ou nos dar uma imagem geral quanto à sua extensão ou mesmo diferenciar entre as várias abordagens de coletivização adotadas por diferentes regiões e indústrias. O único estudo dos coletivos espanhóis que faz qualquer tentativa de fazer isso é o de Gaston Leval. [51]
O autor passou muitos anos na Espanha, e sempre esteve particularmente interessado nos problemas da reorganização da economia daquele país sob o controle dos trabalhadores. Durante a Revolução, ele foi capaz de estudar em primeira mão um grande número de coletivos na Catalunha, o Levante, Aragão e Castela. Isso permitiu-lhe tirar conclusões que são valiosas, pois elas dão uma visão dos problemas práticos que devem ser enfrentados por todos os socialistas e anarquistas que defendem a reorganização do nosso sistema econômico ao longo de linhas mais equitativas.
Mas o que Peirats não tentou fazer em cem páginas e Gaston Leval apenas fez parcialmente em mais de trezentas, não podemos esperar fazer em um capítulo curto. Tudo o que podemos fazer, portanto, é tentar dar ao leitor uma ideia do que o movimento de coletivizações espanhol representava, sua extensão e importância, e lidar com alguns de seus problemas. Por último, temos de dar uma ideia da oposição que se encontrou a partir dos elementos políticos e descrever os métodos utilizados pelo Governo espanhol e pelo Partido Comunista para destruir estas conquistas práticas do povo.
Ao fazê-lo, pensamos, estaremos chamando a atenção para as grandes potencialidades criativas do povo comum, dos camponeses e dos trabalhadores da Espanha (potencialidades compartilhadas, acreditamos, com os trabalhadores de todo o mundo, uma vez que estão em posição de organizar suas próprias vidas) e, ao mesmo tempo, mais uma vez sublinhar a amarga verdade revelada pelos desenvolvimentos políticos, que não há um terreno comum para a unidade entre as massas trabalhadoras revolucionárias e os partidos políticos que aspiram ao governo e ao poder.
Como todos os escritores da Espanha apontam, o maior problema econômico é o da terra. Dos vinte e cinco milhões de habitantes da Espanha em 1936, 68% viviam nas áreas rurais, enquanto 70% de sua indústria total estava concentrada na pequena província da Catalunha. A solução para os problemas da Espanha não é convertê-la em um país industrial, uma vez que, além de outras considerações, ela não tem as matérias-primas necessárias para a grande indústria. O maior obstáculo tem sido que a maior parte da terra sempre foi detida por um pequeno número de proprietários de terras, que não estavam interessados em desenvolver suas propriedades, em alguns casos até mesmo sem cultivá-las. Sessenta e sete por cento da terra estava nas mãos de 2 por cento do número total de proprietários, 19,69 por cento possuíam 21 por cento, enquanto 76,54 por cento possuíam 13,16 por cento. Destes últimos, metade possuía um acre ou menos per capita, o que na maioria das áreas da Espanha é insuficiente para alimentar um camponês e sua família. Somente nas três províncias da Extremadura, Andaluzia e La Mancha, sete mil proprietários, a maior parte deles ausentes, possuem mais de quinze milhões de acres. Mas o problema da terra não seria resolvido simplesmente dividindo-a entre os camponeses sem terra. O solo é pobre e há grandes áreas com quase nenhuma chuva, de modo que somente por irrigação, o uso extensivo de fertilizantes e máquinas modernas os camponeses poderiam se alimentar e ter um excedente para satisfazer suas outras necessidades. Uma vez que eles não têm meios para realizar tais melhorias, a distribuição per se da terra entre os camponeses individuais está fadada ao fracasso. Como Gerald Brenan aponta:
A única solução razoável através de vastas extensões da Espanha é uma solução coletiva. Em muitos distritos, os camponeses são eles próprios avessos a isso, mas a ideologia anarquista na Andaluzia fez dela uma solução favorita e este é um fator que qualquer governo sensato aproveitaria. Pois as vantagens da propriedade comunal da terra são enormes. Nas condições atuais, tem-se trabalhadores agrícolas morrendo de fome em propriedades onde grandes extensões de terras produtoras de milho estão em desuso porque não compensa cultivá-las. [52]
A captura da maior parte da Andaluzia pelas forças de Franco no início da luta tornou impossível que experimentos coletivos fossem praticados lá, mas temos exemplos em outras partes da Espanha onde as grandes propriedades foram tomadas pelos camponeses e trabalharam coletivamente, e durante o tempo em que o experimento foi capaz de continuar mostrou que resultados surpreendentes poderiam ser obtidos por esses métodos. Talvez as coletivizações agrícolas mais extensas tenham ocorrido nas partes de Aragão que não estavam sob o domínio de Franco, onde mais de 400 coletivos foram formados, compreendendo meio milhão de pessoas. Mas também no Levante havia em 1938 mais de 500 coletivos. Mesmo em Castela, um reduto socialista em 1936, a Federação Regional de Camponeses, que era afiliada à CNT, tinha quase cem mil membros e 230 coletivos em 1937. Gaston Leval estimou que cerca de três milhões de camponeses, homens, mulheres e crianças, conseguiram colocar em prática "este sistema de viver com resultados imediatos, sem a redução da produção que esses agrupamentos de novos regimes geralmente produzem". Sobre as coletivizações aragonesas, ele escreve:
O mecanismo de formação dos coletivos aragoneses tem sido geralmente o mesmo. Depois de ter derrubado as autoridades locais, quando estas eram fascistas, ou depois de substituí-las por comitês antifascistas ou revolucionários quando não eram, uma assembleia foi convocada de todos os habitantes da localidade para decidir sobre sua linha de ação.
Um dos primeiros passos foi reunir na lavoura, não só nos campos dos pequenos proprietários que ainda restavam, mas, o que era ainda mais importante, também nas propriedades dos grandes latifundiários, todos conservadores e "caciques" ou chefes rurais. Grupos foram organizados para colher e debulhar o trigo que pertencia a esses grandes proprietários de terras. O trabalho coletivo começou espontaneamente. Então, como esse trigo não podia ser dado a ninguém em particular sem ser injusto com todos, ele foi colocado sob o controle de um comitê local, para o uso de todos os habitantes, seja para consumo ou para fins de troca por bens manufaturados, como roupas, botas, etc., para aqueles que mais necessitavam.
Foi necessário, depois, trabalhar as terras dos grandes latifundiários. Eles eram geralmente as mais extensas e férteis da região. A questão foi novamente levantada perante a assembleia da aldeia. Foi então que a "coletividade", se não já definitivamente constituída – muitas vezes isso havia sido feito na primeira reunião – foi definitivamente estabelecida.
Um delegado para a agricultura e pecuária foi nomeado (ou um para cada uma dessas atividades quando a criação foi extensivamente realizada), um delegado cada para distribuição local, intercâmbios, obras públicas, higiene e educação e defesa revolucionária. Às vezes havia mais; em outras ocasiões menos.
Formaram-se então grupos de trabalhadores. Esses grupos geralmente eram divididos no número de zonas em que o território municipal havia sido dividido, de modo a incluir mais facilmente todos os tipos de trabalho. Cada grupo de trabalhadores nomeia seu delegado. Os delegados reúnem-se de dois em dois dias ou todas as semanas com o conselheiro de agricultura e pecuária, de modo a coordenar todas as diferentes atividades.
Nesta nova organização, a pequena propriedade desapareceu quase completamente. Em Aragão, 75% dos pequenos proprietários aderiram voluntariamente à nova ordem das coisas. Aqueles que se recusaram foram respeitados. São falsas as acusações de que aqueles que participaram dos coletivos foram forçados a fazê-lo. Não se pode enfatizar este ponto com demasiada força diante das calúnias que foram dirigidas contra os coletivos sobre ele. Está tão longe da verdade que a coletividade agrária colocou em vigor, em todos os lugares, uma conta corrente especial para os pequenos proprietários e imprimiu bilhetes de consumo especialmente para eles, de modo a garantir-lhes os produtos industriais de que necessitam, da mesma forma que fazem para os "coletivistas".
Nesta transformação da propriedade, deve-se colocar uma ênfase especial no sentido prático e na sutileza psicológica dos organizadores que, em quase todas as aldeias, concederam ou deram a cada família um pouco de terreno no qual cada camponês cultiva, para seu próprio uso, os vegetais que ele prefere da maneira que prefere. Sua iniciativa individual pode, assim, ser desenvolvida e satisfeita.
O trabalho colectivo tornou possível alcançar, tanto na agricultura como na indústria, uma racionalização que era impossível sob o regime da pequena propriedade da terra e mesmo sob o regime das grandes propriedades fundiárias.
Por outro lado, sementes de melhor qualidade são usadas. Isso foi possível graças à capacidade de comprar grandes estoques, o que o pequeno camponês não podia se dar ao luxo de fazer no passado. As sementes de batata vêm da Irlanda e apenas sementes de trigo selecionadas são usadas. Fertilizantes químicos também têm sido usados. Como as máquinas modernas usadas adequadamente – tratores e arados modernos foram obtidos por troca ou comprados diretamente do exterior – permitem que o solo seja trabalhado mais profundamente, essas sementes produziram um rendimento por acre muito superior ao que teria sido obtido nas condições que existiam durante os anos anteriores. Esses novos métodos também tornaram possível aumentar a área semeada. Em Aragão, a minha investigação no local permite-me afirmar que, de um modo geral, o aumento da cultura do trigo atingiu uma média de 30 por cento. Um aumento no rendimento, embora em menor proporção, foi obtido para outros cereais, batatas, beterraba sacarina, lucerna, etc.
Nessas regiões agrícolas, a condição econômica dos camponeses melhorou em geral. Apenas sofreu um revés nas localidades que se tinham especializado na produção para exportação e que, por conseguinte, não podiam colocar os seus produtos e obter géneros alimentícios em troca. Isso aconteceu em certas regiões do Levante cujos produtos consistiam quase inteiramente de laranjas. Mas esse estado de coisas durou apenas alguns meses.
Este último fato é de extrema importância. É a primeira vez na sociedade moderna que o princípio anarquista "a cada um de acordo com suas necessidades" foi praticado. Foi aplicado de duas maneiras; sem dinheiro em muitas aldeias em Aragão e por um dinheiro local em outras, e na maior parte dos coletivos estabelecidos em outras regiões. O salário familiar é pago com esse dinheiro e varia de acordo com o número de membros em cada família. Uma casa em que o homem e sua esposa trabalham porque não têm filhos recebe, por uma questão de argumento, digamos, cinco pesetas por dia. Outra casa em que apenas o homem trabalha, como sua esposa tem que cuidar de dois, três ou quatro filhos, recebe seis, sete ou oito pesetas respectivamente. São as "necessidades" e não apenas a "produção" tomada no sentido estritamente econômico que controla a escala salarial ou a da distribuição de produtos onde os salários não existem.
Este princípio de justiça é continuamente alargado. Acaba com a caridade e a mendicância e os orçamentos especiais para os indigentes. Não há mais indigentes. Aqueles que trabalham fazem isso para os outros da mesma forma que os outros trabalharão para ajudá-los e a seus filhos mais tarde.
Mas essa ajuda mútua se estende além da aldeia. Antes que os invasores fascistas destruíssem os coletivos de Aragão, as federações cantonais fizeram tudo o que estava ao seu alcance para neutralizar as injustiças da natureza, obtendo para as aldeias menos favorecidas as máquinas, mulas, sementes, etc. que deveriam ajudá-los a aumentar o rendimento de suas terras. Estes implementos foram obtidos por intermédio da Federação que se encomendou à entrega dos produtos de vinte, trinta, quarenta ou mesmo cinquenta localidades e pediu, em seu nome, aos centros industriais e pecuários, os produtos de que necessitavam. [53]
A liderança da UGT se opôs à coletivização e, em vez disso, defendeu a nacionalização dos meios de produção. Mas o que é importante notar é a influência generalizada que as experiências de coletivização tiveram sobre os camponeses da UGT, e, de fato, lê-se de muitos coletivos organizados conjuntamente pela CNT e pela UGT. Em Castela, aponta Leval, o movimento de coletivização da CNT recebeu considerável apoio da Federação dos Trabalhadores da Terra (UGT):
No fundo, os trabalhadores da UGT muitas vezes tinham aspirações semelhantes aos da CNT. Eles queriam a expropriação das grandes propriedades fundiárias e a afirmação da justiça social. Na prática, houve em muitas áreas um acordo oficial entre as duas organizações camponesas, que sempre redundaram em benefício dos coletivos. [54]
É interessante também notar a ajuda dada por uma região a outra na organização de coletivos agrícolas. O sucesso da coletivização em Castela não se deveu apenas aos esforços dos militantes libertários e socialistas locais. Em Julho de 1937, nada menos que mil membros de coletivos no Levante vieram morar em Castela com o propósito de ajudar e aconselhar seus camaradas com a experiência adquirida com suas próprias experiências de coletivização. E quão sábios foram esses camponeses que aplicaram a regra a todos os delegados de que "em um coletivo bem organizado ninguém deve deixar de ser camponês" – em outras palavras, que os delegados devem continuar a trabalhar nos campos com o resto.
Os coletivos agrícolas não eram estruturas rígidas, modelos fiéis retirados de algum projeto desbotado. Em primeiro lugar, eram as manifestações espontâneas de pessoas simples, que foram esmagadas pela pobreza indescritível, mas que mantiveram um espírito de revolta e um senso de justiça que os mantiveram em boa posição quando o tempo estava maduro para tomar as coisas em suas próprias mãos. Um dos segredos do sucesso da revolução social na terra era o desejo dos camponeses, em geral, de trabalhar cooperativamente, em vez de possuir e trabalhar um pedaço de terra individualmente. "É preciso reconhecer", escreve Gerald Brenan em O Labirinto Espanhol, "que as classes trabalhadoras espanholas mostram um talento espontâneo para a cooperação que excede qualquer coisa que possa ser encontrada hoje em outros países europeus". E eles também mostraram uma vontade de aprender e aplicar novos métodos para o cultivo da terra. Já não havia o medo de que a mecanização significasse desemprego. E pode-se citar muitos casos para mostrar como, com o passar do tempo e a experiência adquirida com as primeiras experiências de trabalho comunitário, os coletivos se adaptaram de modo a garantir uma produção mais eficiente e uma realização mais eficaz de suas ideias fundamentais de justiça social e ajuda mútua.
Nas descrições das empresas coletivas, fica-se continuamente impressionado com a preocupação demonstrada por seus membros de que aqueles que não estão dispostos a participar devem ser persuadidos a se juntar eventualmente pelo exemplo, mostrando que seu caminho era o melhor caminho. Às vezes se diz dos camponeses espanhóis que sua perspectiva era puramente local. Se for verdade para o passado, parece ter havido mudanças notáveis após 1936. Em Junho de 1937, por exemplo, um plenário nacional de federações regionais de camponeses foi realizado em Valência para discutir a formação de uma Federação Nacional de Camponeses para a coordenação e extensão do movimento de coletivização e também para garantir uma distribuição equitativa dos produtos da terra, não apenas entre os coletivos, mas para todo o país. Novamente, em Castela, em Outubro de 1937, ocorreu uma fusão dos cem mil membros da Federação Regional de Camponeses e dos treze mil membros nos comércios de distribuição de alimentos. Representou um passo lógico para garantir uma melhor coordenação e foi aceito para toda a Espanha no congresso nacional de coletivos realizado em Valência em Novembro de 1937.
CAPÍTULO X. AS INDÚSTRIAS COLETIVIZADAS
Os problemas enfrentados pelos trabalhadores revolucionários na indústria eram mais complexos do que aqueles enfrentados pelos camponeses. Muitos fatores estavam fora de seu controle para que a revolução na indústria fosse tão completa quanto a da terra.
A convulsão social que ocorreu em 19 de Julho de 1936 não fez mais do que mudar o status do camponês da noite para o dia. Os grandes proprietários de terras tinham fugido ou, em qualquer caso, eram proprietários de terras ausentes. Do ponto de vista do camponês, isso não o impediu indevidamente em sua capacidade de continuar, ao passo que o abandono das fábricas pelos gerentes e um grande número de técnicos foi um sério obstáculo à retomada da produção eficiente em um curto espaço de tempo. No caso do camponês, o problema imediato criado pela revolta era que a colheita tinha que ser colhida nas grandes propriedades, bem como nas terras que não haviam sido abandonadas pelos proprietários. Do ponto de vista econômico, foi um começo favorável à revolução social. No que diz respeito ao futuro, o aumento da produção e os métodos mais modernos de cultivo eram as tarefas do camponês na luta contra Franco. E com exceção de certos bens exportáveis, como as laranjas, não havia nenhum problema real de mercados.
Quão diferente era a situação na indústria. Para além do abandono das fábricas por técnicos-chave, o problema também teve de ser enfrentado pelo facto de um grande número de indústrias ter se tornado redundante porque da noite para o dia importantes mercados internos para a indústria catalã tinham sido subitamente cortados pelo exército de Franco. Os mercados externos para as manufaturas espanholas não eram grandes em nenhum momento e estes também foram temporariamente perdidos. Igualmente importante, a dependência da Espanha de matérias-primas estrangeiras para alimentar suas indústrias tornou-se um problema sério quando as fontes de abastecimento foram temporariamente cortadas e foi ainda agravada pelo fato de que, quando as matérias-primas puderam mais uma vez ser obtidas, os fundos foram muitas vezes retidos pelo governo central das fábricas que precisavam deles porque eram controladas pelos trabalhadores.
A maior parte da indústria de guerra da Espanha estava localizada em território ocupado pelas forças de Franco, de modo que um outro problema enfrentado pela Catalunha era a necessidade de criar uma indústria de guerra onde não existia. Isso envolveu a importação de máquinas especiais, o reequipamento de fábricas inteiras e o treinamento de trabalhadores para lidar com elas. Significou também a criação de uma indústria química e a fabricação de muitos artigos nunca antes produzidos na Espanha, como automóveis e caminhões, que até então só tinham sido montados em Espanha. No entanto, no primeiro ano, até mesmo esse problema foi tratado com sucesso. Estes eram, no entanto, apenas alguns dos problemas técnicos enfrentados pelos trabalhadores revolucionários da Catalunha.
Politicamente também eles foram confrontados com a oposição que usou todas as armas ao seu alcance para ganhar o controle sobre a indústria. Isso, no final, o governo central mais ou menos conseguiu fazer com a nacionalização das indústrias de guerra, que até então representavam a maior parte do potencial industrial. Como já indicamos, tal situação era possível porque, embora os trabalhadores estivessem no controle completo das fábricas, o governo central controlava o ouro com o qual se comprava no exterior as matérias-primas, sem o qual a indústria espanhola ficaria paralisada.
Nos primeiros dias da revolução, os trabalhadores simplesmente tomaram as fábricas que haviam sido abandonadas e que eram geralmente as maiores da região e retomaram a produção sempre que possível sob o controle dos trabalhadores. Em algumas fábricas, todos os trabalhadores recebiam um salário fixo semanal, mas em outras os lucros ou a renda eram repartidos entre os trabalhadores, um arranjo que é mais equitativo do que o dono da fábrica colocá-los em seu bolso, mas que, no entanto, não era compatível com o espírito da revolução que era acabar com patrões e acionistas e não aumentar seu número por uma espécie de capitalismo coletivo. Como resultado, os salários flutuaram em diferentes fábricas e até mesmo dentro das mesmas indústrias. As prósperas fábricas com grandes estoques de matéria-prima e equipamentos modernos tinham, portanto, uma vantagem injusta sobre a fábrica antieconômica que lutava para manter os pequenos estoques. Tal sistema existe na Rússia, onde nos kolkhozes a taxa diária paga aos trabalhadores é fixada em relação aos lucros do ano anterior. E esse número é alcançado "exatamente pelos mesmos cálculos que liquidariam o valor dos dividendos a serem distribuídos entre os acionistas, se o kolkhoz fosse uma preocupação agrícola capitalista" (Gide, Return from the USSR). Mas, felizmente, na Espanha, a injustiça desta forma de coletivização foi reconhecida e combatida pelos sindicatos da CNT desde o início.
O decreto de coletivização de 24 de Outubro de 1936, que "não fez mais do que legalizar uma situação já criada pelos trabalhadores", tem sido geralmente saudado pelos legalistas entre os sindicalistas como uma das conquistas da revolução. [55] Tanto mais que o decreto foi obra do conselheiro para a economia da Generalitat, Juan Fábregas, que também era membro da CNT. O objetivo do decreto pode ter sido legalizar o que era um fato consumado; mas também foi uma tentativa de impedir o desenvolvimento da nova economia revolucionária na indústria catalã. Em Outubro de 1936, o experimento ainda estava em seus estágios iniciais. Cada indústria, cada fábrica e oficina, tinha seus próprios problemas particulares para resolver, bem como o problema geral da responsabilidade da indústria para com a comunidade como um todo e o papel que ela tinha que desempenhar na luta contra Franco.
O decreto de coletivização, ao limitar a coletivização da indústria às empresas que empregam mais de cem trabalhadores, excluiu uma grande parte da população trabalhadora da participação na experiência do controle operário. Foi decretado que em todas as fábricas privadas seria criado um comitê de controle operário, por um lado, para tratar dos direitos econômicos e sociais dos trabalhadores empregados e, por outro, para garantir "disciplina rigorosa na realização do trabalho". Eles também fariam tudo o que estivesse ao seu alcance para aumentar a produção pela "colaboração mais estreita com o proprietário", que seria obrigado a cada ano a apresentar ao comitê de controle um balanço e atas, que seriam então repassados aos Conselhos Gerais da Indústria. Assim, o comitê de controle dos trabalhadores tinha muitos papéis e muitas lealdades; e parece que todos tinham poder, exceto os produtores.
Mas examinemos a situação nas indústrias coletivizadas, ou seja, aquelas que empregam mais de cem trabalhadores ou aquelas que empregam menos de cem cujos proprietários eram "inimigos declarados" ou haviam fugido. Na verdade, havia outra categoria de indústria que poderia se enquadrar no decreto de coletivização:
O Conselho Económico pode também sancionar a coletivização das outras indústrias que, devido à sua importância para a economia nacional ou por outras razões, se considere desejável que sejam afastadas das atividades da iniciativa privada.
Citamos esta frase do artigo 2.º do decreto porque revela claramente que a autoridade máxima na nova economia não deveria ser os sindicatos, mas o governo da Catalunha; e que a direção e o desenvolvimento da economia deveriam estar nas mãos dos políticos e economistas. Desta forma, o controle operário seria reduzido a apenas uma sombra dos objetivos originais que os trabalhadores revolucionários haviam estabelecido para si mesmos quando assumiram as fábricas e oficinas.
A gestão das empresas coletivizadas estava nas mãos de um Conselho de Empresas nomeado pelos próprios trabalhadores, que também decidiria o número de representantes neste Conselho. Mas o Conselho também incluiria um "controlador" da Generalitat (governo catalão) nomeado pelo Conselho Econômico "de acordo com os trabalhadores". Enquanto nas empresas que empregam até quinhentos trabalhadores ou com um capital inferior a um milhão de pesetas, o gerente deve ser nomeado pelo Conselho de Empresas, em fábricas maiores e naquelas envolvidas na defesa nacional, a nomeação do gerente deve ser aprovada pelo Conselho Econômico. Além disso, o Conselho das Empresas poderia ser destituído das suas funções pelos trabalhadores numa assembleia geral, bem como pelo Conselho Geral da Indústria, em caso de manifesta incompetência ou resistência às instruções dadas pelo Conselho Geral (artigo 20.º).
Devemos agora explicar o papel do Conselho Geral da Indústria, que apareceu duas vezes neste labirinto burocrático através do qual estamos a tentar conduzir o leitor. O Conselho Geral era composto por quatro representantes do Conselho das Empresas, oito representantes das organizações de trabalhadores (CNT, UGT, etc.) e quatro técnicos nomeados pelo Conselho Econômico. O presidente destas reuniões do Conselho era um porta-voz do Conselho Económico da Catalunha. O artigo 25.º trata do papel do Conselho Geral, que inclui a formulação de um programa geral de trabalho para a indústria, a orientação do Conselho das Empresas nas suas tarefas e, além disso, a regulação da produção total da indústria e a unificação dos custos de produção, na medida do possível, para evitar a concorrência; estudar as necessidades gerais da indústria e dos mercados interno e externo; propor mudanças nos métodos de produção; negociar facilidades bancárias e de crédito, organizar laboratórios de investigação, preparar estatísticas, etc. Em uma palavra, o Conselho Geral determinaria e executaria tudo... exceto o trabalho real, que, como é habitual em todos os sistemas centralizados, foi deixado para os trabalhadores. Os poderes do Conselho Geral são revelados no artigo 26 do decreto, que diz:
As decisões tomadas pelo Conselho Geral da Indústria serão a nível executivo, com poderes de compulsão, e nenhum Conselho de Empresas ou empresa privada poderá recusar-se a executá-las sob qualquer pretexto que não possa ser justificado. Eles só poderão recorrer dessas decisões para o Conselheiro da Economia, contra cuja decisão não pode haver recurso.
O quadro da organização industrial na Catalunha, tal como consta do decreto de coletivização, está agora completo. Para além do maior grau de controle por parte dos trabalhadores sobre as suas condições de trabalho do que o existente nas indústrias nacionalizadas, toda a iniciativa e controle foram transferidos das fábricas e oficinas individuais para os escritórios governamentais em Barcelona. O fato dos representantes dos trabalhadores terem um papel proeminente no Conselho das Empresas, no Conselho Geral da Indústria e mesmo no governo não torna a estrutura de controle mais democrática ou menos autoritária. Enquanto os "representantes" tiverem poderes executivos, eles deixarão de ser representantes no verdadeiro sentido da palavra. E o que é mais importante, quando a economia da indústria e o controle da produção e distribuição estão nas mãos do executivo, então o controle operário efetivo é tão impossível e ilusório quanto o conceito de governos sendo controlados pelos governados, que tantos sindicalistas espanhóis carinhosamente acalentavam contra todas as evidências em contrário.
A interferência governamental de Barcelona e de Madrid conseguiu impedir que a experiência de coletivização da indústria se desenvolvesse até aos seus limites. No entanto, há provas suficientes para mostrar que, dada a mão livre, isto é, controlando as finanças, bem como ocupando as fábricas, os trabalhadores espanhóis, que mostraram um espírito de iniciativa e inventividade e um profundo senso de responsabilidade social, poderiam ter produzido resultados bastante inesperados. Como era, suas conquistas nos serviços sociais – nos quais eles não eram tão dependentes das finanças do governo ou das matérias-primas e eram muito mais livres do que a indústria da chantagem do governo – foram reconhecidas por todos os observadores da revolução espanhola em suas primeiras fases.
Fala-se muito bem das suas capacidades de organização e inteligência, e que os trabalhadores catalães foram capazes de assumir os caminhos-de-ferro e retomar os serviços com um mínimo de atraso; que todos os serviços de transporte em Barcelona e seus subúrbios foram reorganizados sob o controle dos trabalhadores e funcionaram de forma mais eficiente do que antes; que os serviços públicos sob o controle dos trabalhadores, como telefones, gás e luz, estavam funcionando normalmente dentro de quarenta e oito horas após a derrota da tentativa de levante do general Goded; [56] que o coletivo de padeiros de Barcelona cuidou para que, enquanto tivessem a farinha (e as necessidades de Barcelona eram uma média de três mil sacos por dia), a população teria o pão. E a esta lista poderiam acrescentar-se exemplos como os serviços de saúde criados pelos sindicatos que funcionavam em toda a Espanha; as escolas iniciadas pelos sindicalistas na cidade e na aldeia, num esforço para apagar o flagelo do analfabetismo (47 por cento da população); os passos radicais dados para resolver os problemas dos idosos e dos doentes. [57] O povo espanhol estava a dar provas concretas de que não só era capaz de assumir responsabilidades, mas que também tinha uma visão da sociedade mais humana, mais equitativa, mais civilizada do que qualquer coisa que os políticos e os governos em qualquer lugar pudessem conceber ou conceder.
CAPÍTULO XI. OS COMUNISTAS: PONTA DE LANÇA DA CONTRARREVOLUÇÃO
Ao dar um lugar de destaque aos comunistas como ponta de lança da contrarrevolução em Espanha, não queremos de modo algum minimizar a responsabilidade partilhada com eles pelos socialistas e outros partidos anti-Franco. Tampouco sua ação de forma alguma prejudica as políticas muitas vezes contrarrevolucionárias da liderança da CNT-FAI. Propomo-nos tratar do papel dos comunistas para eliminar o mito, que morre duramente, do importante papel desempenhado pelo Partido Comunista na luta contra Franco, que foi difundido por toda parte por milhões de livros e panfletos publicados durante esses anos agitados e desde então, tanto pelos próprios comunistas quanto pelos escritores viajantes da época. Estes foram completamente enganados pelas histórias de "eficiência" comunista, da ajuda "desinteressada" dada à Espanha pela Rússia e, por último, mas não menos importante, pelas táticas da Frente Popular do Partido Comunista. Talvez também explique como um partido insignificante em influência e números foi capaz de desempenhar o papel dominante que o Partido Comunista desempenhou na Espanha, não pela unidade e vitória sobre Franco, mas como os arquitetos da desunião, contrarrevolução e derrota.
Os números de membros do Partido Comunista na Espanha antes das eleições de Fevereiro de 1936 são consistentes entre os observadores não-comunistas em três mil, mas mesmo fontes pró-comunistas admitem apenas dez vezes esse número. O fato é que, durante os quinze anos de sua existência como partido, eles não conseguiram construir um sólido número de seguidores da classe trabalhadora, exceto em Sevilha e Astúrias. Até 1934, seguindo fielmente a linha do Comintern, sua política era de extremismo de esquerda e de oposição a todo compromisso com o Estado burguês. Mas no momento da assinatura do pacto entre a França e a Rússia, o Comintern abandonou suas táticas de extremismo de esquerda em favor do apoio às Frentes Populares e da infiltração nos partidos burgueses, outrora desprezados. O programa da Frente Popular na Espanha era de natureza tão branda que até mesmo a proposta socialista de que a terra deveria ser nacionalizada foi abandonada porque não era aceitável para os republicanos. Mas isso não perturbou os comunista, detentores da capacidade de mudar de política sem o menor rubor de vergonha que todos conhecemos. Moscou estava, naquela época, ansiosa para provar às potências ocidentais que havia deixado de ser revolucionária e era um aliado desejável. Essa reviravolta da política externa russa explica a guinada à direita do Partido Comunista na Espanha, bem como em outros países, e a relutância com que a Rússia tomou parte na luta armada espanhola. Não foi a primeira ocasião em que os líderes russos estavam preparados para sacrificar situações revolucionárias, incluindo aquelas em que seus próprios apoiadores estavam envolvidos, quando tais lutas entravam em conflito com a política externa da Rússia.
Nas eleições de Fevereiro de 1936, que resultaram em uma vitória para a Frente Popular, os comunistas receberam dezesseis assentos parlamentares contra um no parlamento anterior, um aumento desproporcional ao seu aumento na força numérica. Durante os meses que antecederam a ascensão de Franco, os comunistas procuraram formas e meios de aumentar o seu número, pois claramente, enquanto os seus membros permaneciam em três mil (ou mesmo trinta mil), qualquer esperança de impor a sua ditadura estava condenada ao fracasso. Apesar de sua lábia para a unidade das classes trabalhadoras como a base para a emancipação dos trabalhadores, seu papel nessas lutas sempre foi o de dividir os trabalhadores. [58] O leitor pode se lembrar de uma referência do Labirinto Espanhol de Gerald Brenan, citado anteriormente, no qual ele apontou que nas áreas onde os anarquistas eram mais fortes, o movimento socialista era mais reacionário, enquanto onde os anarquistas estavam em minoria eles conseguiram por sua militância conduzir os socialistas para a esquerda. Era natural, portanto, que os comunistas, uma vez que haviam abandonado sua intransigência revolucionária em favor da democracia burguesa e do frontismo popular, procurassem se infiltrar no movimento socialista nas áreas onde os anarquistas eram mais fortes. E, de fato, seu primeiro sucesso foi na Catalunha. Lá, os socialistas fracos sob a liderança de uma das figuras mais sinistras do socialismo espanhol, Joan Comorera y Soler “ estavam mais à direita do que qualquer outra seção dos socialistas espanhóis. Em Barcelona, onde o movimento operário era anarquista, eles viram sua principal tarefa na luta contra o anarquismo”. [59]
Apenas quatro dias após o levante militar, os comunistas se fundiram com os socialistas catalães para formar o PSUC (Partido Socialista Unificado Catalão). Foi o primeiro exemplo de um partido socialista que se fundiu com os comunistas e representou um movimento mais favorável aos comunistas que não tinham mais de duzentos membros em toda a Catalunha naquela época. O próximo passo foi ganhar o apoio dos outros oponentes dos anarquistas, como os lojistas, certos setores da intelligentsia, os trabalhadores de escritório e os republicanos burgueses. Não é de admirar, então, que os números de membros do PSUC tenham aumentado aos trancos e barrancos durante esses primeiros meses. Mas era inteiramente sem conteúdo revolucionário.
O próximo passo dos comunistas foi explorar a divisão nas fileiras do sindicato UGT, dominado pelos socialistas. Sua tarefa foi facilitada pela fusão do Movimento da Juventude Socialista (duzentos mil membros, de acordo com Brenan) com a Juventude Comunista numericamente mais fraca para formar a JSU (Juventude Socialista Unificada).
Mas claramente, antes que os comunistas pudessem impor suas políticas e táticas reacionárias aos trabalhadores revolucionários, o apoio russo tinha que estar próximo. A adesão da Rússia ao pacto de não-intervenção, juntamente com as atividades contrarrevolucionárias dos comunistas espanhóis (em oposição à expropriação das propriedades fundiárias e das fábricas pelos trabalhadores e à criação de milícias operárias; em ajudar o governo a restaurar sua autoridade e apoiar a formação de uma força policial regular e gendarmaria) não promoveu a influência comunista entre os trabalhadores.
A intervenção russa na Espanha, quando ocorreu, foi ditada não por motivos revolucionários ou pelo amor de Stalin pelo povo espanhol, mas pela necessidade de um fortalecimento da posição da Rússia na política internacional. De acordo com o general Krivitsky – que afirmava ser o "único sobrevivente no exterior do grupo de funcionários soviéticos que tiveram uma mão direta na organização da intervenção soviética na Espanha"[60] – desde a ascensão de Hitler ao poder em 1933, "a política externa de Stalin tinha sido apreensiva". Só quando tinha a certeza de que Franco não teria uma vitória "rápida e fácil" é que decidiu intervir em Espanha.
Sua ideia era –e isso era de conhecimento comum entre quem o serviu– incluir a Espanha na esfera de influência do Kremlin. Tal dominação garantiria seus laços com Paris e Londres e, assim, fortaleceria, por outro lado, sua posição de barganha com Berlim. Uma vez que ele era mestre do governo espanhol - de vital importância estratégica para a França e a Grã-Bretanha - ele encontraria o que estava procurando. Ele seria uma força a ser considerada, um aliado a ser cobiçado.
Esta pode parecer uma explicação um tanto forçada vista em um contexto atual, mas não tanto se alguém lembrar que até 1933 "não havia um único país fora da Rússia onde os comunistas contassem como uma força política". [61] E novamente, de acordo com Krivitsky, Stalin "lançou sua intervenção sob o slogan: 'Fique fora do fogo da artilharia!'" Menos de dois mil russos estavam na Espanha, e eles eram especialistas e técnicos militares, agitadores políticos e membros da OGPU, a notória polícia secreta russa. No que diz respeito aos combates, os russos organizaram as Brigadas Internacionais, compostas por homens de todas as nacionalidades, exceto russos.
A Rússia não só cuidou para que nenhum soldado russo fosse envolvido, mas também se certificou de que a intervenção fosse paga antecipadamente no valor de quinhentas toneladas de ouro do Banco da Espanha, que foram transferidas para a Rússia como resultado de um acordo secreto entre o então presidente, Largo Caballero, e o representante russo na Espanha. Ao mesmo tempo, Stalin enviou um Arthur Stashevsky para manipular as rédeas políticas e financeiras e o general Berzin para organizar e dirigir o exército. Os russos não tinham dúvidas de que quem controlava a economia de um país o controlava politicamente, e Stashevsky imediatamente começou a "exercer todos os seus esforços para reunir em mãos soviéticas o controle das finanças da república". [62]
A hostilidade dos comunistas aos coletivos industriais e agrícolas foi, sem dúvida, politicamente motivada, ligada aos objetivos do governo Negrín, controlado pela Rússia, de centralizar toda a vida econômica do país, de modo a colocar as organizações dos trabalhadores sob seu controle. Não tinha nada a ver com as alegadas razões apresentadas pelos comunistas, que a terra estava sendo coletivizada pela força e que a indústria não estava sendo operada no interesse da luta armada.
Os russos também cuidaram para que não apenas as Brigadas Internacionais fossem controladas por eles, mas conseguissem, após apenas alguns meses de intervenção nos assuntos espanhóis, garantir que 90% de todos os cargos importantes no Departamento de Guerra espanhol estivessem em suas mãos e a maioria dos comissários políticos do exército republicano fossem membros do Partido Comunista.
A luta heroica do povo espanhol em Julho de 1936 agiu como um poderoso ímã ao atrair centenas de exilados militantes antifascistas da Itália e da Alemanha, bem como revolucionários anticomunistas de todas as partes do mundo, para se juntarem à resistência contra Franco. [63] Com a intervenção russa, Stalin transferiu não apenas especialistas militares e econômicos para a Espanha, mas também a polícia secreta. O plano comunista era liquidar oponentes individuais (especialmente ex-comunistas que "sabiam demais") e destruir o movimento revolucionário na Espanha, que havia se provado uma barreira tão formidável a quaisquer tentativas do Partido Comunista Espanhol de hegemonia política. "Quanto à Catalunha", declarou o Pravda de 16 de Dezembro de 1936, "o expurgo dos trotskistas e dos anarco-sindicalistas começou; será conduzido com a mesma energia com que foi conduzido na URSS". E para este fim, o terror organizado foi instituído pelos comunistas. Eles, que protestaram mais alto contra os "elementos descontrolados", montaram suas próprias prisões privadas e câmaras de tortura, que eles chamaram de "preventórios". Ninguém, nem mesmo com a autoridade do ministro da Justiça, foi autorizado a visitar essas prisões. John McGovern, um deputado independente do Partido Trabalhista na época, foi à Espanha em Novembro de 1937 com uma delegação que incluía o professor Felicien Challaye do Comitê Central para os Direitos Humanos, para visitar membros do POUM que, por instigação dos comunistas, foram mantidos na prisão sem julgamento como "agentes de Franco". Em um panfleto publicado em seu retorno, McGovern descreveu suas visitas às várias prisões, mas apontou que, embora fornecido pelo diretor das prisões e pelo ministro da Justiça com uma permissão para visitar a Prisão Calle Vallmajor (um dos "preventoriums" comunistas), a admissão foi recusada, o funcionário declarou que "ele não recebe nenhuma ordem do Diretor das Prisões ou do Ministro da Justiça, pois não eram seus chefes. Perguntamos quem era seu chefe, e ele nos deu um endereço na sede da Cheka." Na sede a permissão foi novamente recusada, e nem mesmo a intervenção pessoal do ministro da Justiça, Senor Irujo, afetou a questão. E McGovern concluiu:
A máscara havia caido. Havíamos rasgado o véu e mostrado onde estava o verdadeiro poder. Os ministros estavam dispostos, mas eram impotentes. A Cheka não estava disposta e tinha o poder. Percebemos que, se pressionássemos mais, nós mesmos estaríamos em perigo. [64]
A CNT havia exposto essas prisões secretas meses antes. Em 15 de Março de 1937, dezesseis membros da CNT haviam sido assassinados por comunistas em Villanueva de Alcardete. Às exigências da Confederação de que os autores deste crime fossem punidos, o Mundo Obrero, o porta-voz comunista, respondeu justificando os assassinatos. Uma investigação judicial subsequente estabeleceu o fato de que uma gangue totalmente comunista, incluindo os prefeitos de Villanueva e Villamajor, estava operando como um "comitê de defesa" assassinando inimigos políticos, saqueando, cobrando tributos e estuprando várias mulheres. Cinco comunistas foram condenados à morte. Em Abril do mesmo ano, a CNT revelou, com provas, a existência de uma prisão privada em Múrcia, apesar dos esforços da polícia para suprimir os detalhes, apreendendo toda a edição do jornal da organização Cartagena Nueva, que trazia um relato em primeira mão de um trabalhador que havia sido levado para interrogatório. [65] Entre os envolvidos estavam policiais e membros espanhóis da OGPU.
É impossível, no espaço disponível, detalhar as centenas de casos de terror comunista que ocorreram após a intervenção de Stalin nos destinos da Espanha. [66] Tão bem sucedida foi a propaganda comunista e os jornalistas estrangeiros, que conseguiram convencer a opinião liberal e progressista nas democracias de que eles, auxiliados por Stalin, o único amigo que o povo espanhol poderia procurar por ajuda, eram a ponta de lança da luta armada contra Franco, que as vozes dos grupos revolucionários apelando aos trabalhadores do mundo para salvar as vidas das vítimas de Stalin na Espanha não foram ouvidas. E quando, em Maio de 1937, a luta fratricida provocada pelos comunistas ocorreu nas ruas de Barcelona, na qual centenas de trabalhadores perderam a vida, a que se seguiram em Junho por ataques armados em larga escala contra os coletivos agrícolas em Aragão, os comunistas foram saudados como os salvadores da lei e da ordem contra os terroristas anarquistas ingovernáveis que estavam tentando tomar o poder em Barcelona e forçavam os camponeses a coletivizar suas terras por meio de baionetas anarquistas. Não foi apenas Hitler que percebeu que quanto maior a mentira, mais chances havia de ser acreditada.
CAPÍTULO XII. OS "DIAS DE MAIO" EM BARCELONA
Durante a vida de seu governo, de Setembro de 1936 a Maio de 1937, no qual também foi ministro da Defesa, o líder socialista Largo Caballero serviu fielmente à contrarrevolução. Ele tinha, como diz Peirats, salvo o princípio do governo e lhe dado prestígio. Mas, no processo, ele se envolveu profundamente com os comunistas e seus mestres russos. Parece que Caballero não tinha ilusões sobre a lealdade dos comunistas, mas tinha ilusões quanto às suas próprias capacidades de controlar e dirigir as políticas do governo, e de ser o "Lenin espanhol" que, apenas por sua personalidade, poderia manter o equilíbrio entre as forças revolucionárias e reacionárias representadas em seu gabinete. Ele não queria nem as milícias nem um exército regular; nem a velha ordem nem a ordem revolucionária; nem a propriedade privada nem a expropriação da propriedade. Aos comunistas prometeu o recrutamento e a construção de fortes defesas; para os anarquistas uma guerra revolucionária – e sob sua direção pessoal. Ele não cumpriu nenhuma dessas promessas, e seu período de governo foi marcado por desastres militares, o fortalecimento das instituições do Estado e do poder da contrarrevolução.
O "Lênin espanhol" havia servido ao seu propósito no que diz respeito aos comunistas. Sua obstinação e vaidade o impediram de se tornar uma ferramenta voluntária da política comunista, mas em Março de 1937, quase completamente isolado, mesmo da UGT da qual dependia seu poder e autoridade (como líder dessa organização), era hora de substituí-lo por um homem mais receptivo às diretivas de inspiração russa. Os comunistas e seus aliados reacionários também sentiam que agora eram fortes o suficiente, apoiados pelas forças armadas reconstituídas na retaguarda pelo governo Caballero, para eliminar de uma vez por todas as poderosas influências exercidas pelas organizações revolucionárias. Seu primeiro objetivo foi o POUM (o partido marxista anti-stalinista) na Catalunha, a ser seguido por um ataque concertado à CNT-FAI.
Desde o início de 1937, eles mostraram sua mão por ultrajes armados isolados e provocações (La Faterella, Molins de Llobregat, Puigcerdá). Ao mesmo tempo, o governo da Catalunha emitiu cinquenta e oito decretos (12 de Janeiro de 1937) elaborados pelo conselheiro de finanças, Josep Tarradellas, que visavam estrangular a revolução social, aumentando o controle do governo sobre as empresas coletivizadas e impondo um novo imposto sobre elas com base na produção. E, em Março, um decreto do conselheiro de ordem pública dissolveu as Patrullas de Control (patrulhas de segurança) dos trabalhadores e ordenou que os membros do corpo armado controlado pelo governo na retaguarda não pertencessem a nenhum partido ou organização. Ao mesmo tempo, o plano de "desarmar a retaguarda" foi posto em prática. Qualquer pessoa que carregasse armas sem autorização oficial seria desarmada e enviada para julgamento. Não pode haver dúvidas quanto à intenção por trás desses movimentos.
Nesta ocasião, no entanto, a reação dos militantes de base foi tal que seus "representantes" no governo catalão foram obrigados a renunciar, e mais uma crise governamental foi provocada. As declarações emitidas pelo Comitê Regional da CNT, e pelos grupos anarquistas de Barcelona, foram francas e, embora ainda permanecessem no âmbito da colaboração entre as organizações e os partidos, mostraram maior determinação e espírito revolucionário do que muitas anteriores. Por intervenção pessoal do Presidente Companys, um governo provisório "de caráter interno" foi formado em 26 de Abril de 1937, com representação da CNT, UGT e Esquerra. Mas não pôde deter a verdadeira crise em que o governo catalão, com inspiração comunista, colocaria sua força contra a dos revolucionários de Barcelona. Sintomático da atmosfera que prevaleceu em 1937 na Catalunha foi a recusa dos comunistas em participar de quaisquer celebrações do Primeiro de Maio, juntamente com a atividade da polícia nas ruas de Barcelona, obviamente calculada para criar distúrbios. A Solidaridad Obrera em sua edição de 2 de Maio respondeu a essas provocações em termos inequívocos:
Os trabalhadores em armas são a única garantia para a revolução. Tentar desarmar os trabalhadores é colocar-se do outro lado da barricada. Por maior conselheiro ou comissário que seja, não se pode ditar ordens aos trabalhadores que estão lutando contra o fascismo com mais sacrifícios e heroísmo do que todos os políticos da retaguarda, cuja bochecha e impotência ninguém ignora. Trabalhadores: que ninguém se deixe desarmar! [67]
Às três horas do dia seguinte (3 de Maio), o governo lançou seu primeiro ataque organizado, que provocou a batalha armada nas ruas de Barcelona, que duraria vários dias a um custo de pelo menos quinhentas vidas de trabalhadores. Mais de mil ficaram feridos, e as prisões foram mais uma vez cheias de militantes revolucionários.
Não nos propomos a tratar em detalhes das "Jornadas de Maio" (como a luta sangrenta em Barcelona, e na Catalunha em geral, é geralmente referida). A literatura sobre os fatos é extensa, e o leitor interessado é encaminhado para os relatos de testemunhas oculares publicados, bem como para as versões oficiais das partes e organizações envolvidas. [68] No presente estudo, limitar-nos-emos a um exame dos aspectos políticos da luta.
A ação do governo que provocou as Jornadas de Maio foi o ataque surpresa da polícia em três caminhões sob o comando de Rodríguez Salas, comissário-geral de ordem pública, no Edifício Telefônico de Barcelona, que dominava a praça mais movimentada da cidade, a Plaza de Cataluña. Salas foi portador de uma ordem emitida pelo conselheiro de segurança interna, Artemio Ayguadé (membro do partido de Companys, o Esquerra), autorizando-o a assumir o edifício. De acordo com os Peirats, esta ordem foi emitida aparentemente sem consulta prévia com os outros membros do governo provisório recém-formado: pelo menos, os quatro membros da CNT declararam que não tinham conhecimento da ordem. [69]
Pegos de surpresa, os trabalhadores que controlavam a troca não conseguiram impedir que a polícia ocupasse o primeiro andar; mas esta foi a extensão de seu avanço. A notícia, não surpreendentemente, se espalhou como fogo, e dentro de duas horas os comitês de defesa da CNT-FAI entraram em ação, reunindo-se em seus centros locais, armando-se e construindo barricadas em prontidão para qualquer possível extensão do incidente. Enquanto isso, Valerio Mas, secretário regional da CNT, entrou em contato com o primeiro-ministro (Tarradellas) e o ministro do Interior (Ayguadé), e ambos garantiram que não tinham conhecimento do incidente, embora tenha sido posteriormente provado que Ayguadé havia de fato dado a ordem. No decorrer das negociações, o governo prometeu retirar a polícia. Não houve tiroteio naquela noite, mas na manhã seguinte, quando a polícia ocupou o Palácio da Justiça, ficou claro que os eventos do dia anterior não foram um incidente isolado, mas o início de um esforço concentrado do governo para ocupar os pontos estratégicos da cidade e, uma vez no controle armado, para prosseguir com a liquidação da revolução de uma vez por todas. Mas os trabalhadores da CNT-FAI mostraram a mesma coragem e iniciativa que na luta contra o levante militar em Julho de 1936. Com o POUM, eles resistiram com sucesso ao ataque combinado do PSUC controlado pelo governo e pelos comunistas.
A razão apresentada por Rodríguez Salas para o ataque ao Edifício Telefônico de Barcelona foi que os trabalhadores da CNT no controle estavam "grampeando" telefonemas entre os ministros em Barcelona e Valência. Esta justificação foi também apresentada por Joan Comorera (ministro das Obras Públicas do governo de Barcelona e secretário-geral do PSUC da Catalunha) numa reunião pública em Barcelona:
O Conselheiro da Segurança Interna, cumprindo o seu dever, decidiu pôr termo a uma situação anormal no Edifício do Telefone. O Edifício de Telefone, tanto quanto sabemos, não é propriedade da CNT. É tanto propriedade da CNT quanto da UGT porque tantos homens que lá trabalham pertencem à CNT quanto pertencem à UGT. Mas não é propriedade de ninguém e, em todo o caso, será propriedade da comunidade quando o Governo da República nacionalizar o Telefone. Mas havia coisas sérias acontecendo lá, que o governo teve que parar. O fato era que todos os controles internos do Edifício Telefônico estavam a serviço, não da comunidade, mas da organização, e nem o Presidente Azaña, nem o Presidente Companys, nem qualquer outra pessoa podia falar sem que o ouvido indiscreto do controlador soubesse. Naturalmente, isso teve que ser interrompido, como foi naquele dia em particular, assim como poderia ter sido no dia seguinte, ou um mês depois, ou um mês antes. Assim, cumprindo as ordens recebidas, nosso camarada Rodríguez Salas foi ocupar o Edifício do Telefone e no momento seguinte veio a mesma resposta de antes – mobilização geral e o início da construção de barricadas. Se o vereador da Segurança Interna tivesse feito algo fora do seu dever, não haveria quatro vereadores da CNT que poderiam exigir reparação e sua demissão? Mas eles não queriam cumprir o procedimento normal, mas em vez disso eles responderam a este ato do Governo com uma formidável mobilização de todos os grupos que tomaram posse de todos os lugares estratégicos da cidade. [70]
Submetemos o leitor a esta indigestão verbal não só para confirmar, com fontes comunistas, os factos: que o ataque ao Edifício Telefónico provocou a luta em Barcelona,[71] mas porque também revela a completa desonestidade do Partido Comunista:
Comorera não afirma, de fato, que Azaña não podia falar com Companys por telefone, mas que suas conversas estavam sendo grampeadas. Portanto, não era uma questão de que os telefones não estavam disponíveis para eles.
De fato, os trabalhadores da CNT compunham em grande maioriano edifício. O Daily Worker, que não pode ser acusado de ter superestimado a força dos anarquistas, escreveu na época (11 de Maio): "Salas enviou a polícia republicana armada para desarmar os funcionários de lá, a maioria deles membros dos sindicatos da CNT". Mas nunca houve qualquer questão da propriedade nisso, uma vez que o prédio foi coletivizado e estava sob controle conjunto da CNT-UGT. E os comunistas, como amantes da legalidade, sabiam que essa situação era sancionada pelo decreto de coletivização de Outubro de 1936 e significava, inter alia, que o governo sempre tinha seu representante no Conselho de Empresas.
A CNT, de fato, exigiu a demissão de Salas e Ayguadé. Isso foi recusado. Na visão de Peirats, "a intransigência das outras partes, e em particular a atitude oportunista do presidente da Generalitat, que se opôs resolutamente a essas sanções, provocou a greve geral e a eclosão dos combates que se seguiram".
Na passagem citada por Comorera, um outro fato não pode ser negligenciado: a saber, a atitude completamente reacionária de um partido que realmente se queixa da vigilância revolucionária dos trabalhadores em manter um controle atento sobre as conversas que ocorreram entre os políticos. É, naturalmente, uma questão bem diferente quando o "ouvido indiscreto" é o da polícia secreta russa!
Ainda há alguma confusão quanto às origens da provocação que resultou nas Jornadas de Maio. Por trás das barricadas que se opunham à CNT-FAI e ao POUM estavam membros do PSUC e do Estat Catalá, isto é, respectivamente, socialistas controlados pelos comunistas e membros do partido "Estado Catalão", um movimento separatista extremista. Em um Manifesto do Comitê Nacional da CNT Sobre os Dias de Maio em Barcelona evidências consideráveis são provas de que os principais membros do Estat Catalá estavam conspirando na França para alcançar a "independência da Catalunha":
Os separatistas, burgueses em última análise, não conseguiram se reconciliar com o levante fascista que resultou na vitória proletária e os ameaçou com a perda de toda a sua riqueza. E em sua busca por alguma solução substituta, eles entraram em negociações com a Itália, a fim de provocar conflitos internos que proporcionariam a oportunidade de intervenção estrangeira e facilitariam o reconhecimento da Catalunha como um Estado independente, minando assim a frente antifascista ao mesmo tempo. Todos aqueles que queriam que a Catalunha retornasse ao status quo vigente em 18 de Julho, aceitou estas propostas. [72]
Dois outros detalhes interessantes neste Manifesto são as referências a Ayguadé e Comorera:
Devemos lembrar que Ayguadé era o Conselheiro de Segurança Interna: que ele é um membro do Estat Catalá e que ele caiu sob suspeita de estar implicado na conspiração.
No dia 20 de Abril, Comorera, líder do Partido Comunista da Catalunha, estava em Paris. Entre as pessoas que ele visitou estava o secretário de Ventura Gassol (membro do Estat Catalá) e um certo Castañer. Quem é esse Castañer? Dizem-nos: "Agente da Generalitad". [73] Os investigadores descobriram que ele está em contato com um certo Vintro, secretário de Octavia Salta, jornalista a serviço dos fascistas espanhóis. Ele também mantém relações estreitas com os membros do Estat Catalá, especialmente com Dencas e Casanovas. O primeiro visita Castañer em sua casa, e o segundo é visitado, por sua vez, por Castañer.
Além da referência a Comorera, o manifesto da CNT não trata de forma alguma do papel dos comunistas no fomento da luta. Peirats apoia a teoria de que "razões de natureza política decidiram que o Comitê Nacional da CNT ignorasse o importante e principal papel desempenhado pela polícia secreta de Stalin nos Dias de Maio, isto é, os reais motivos dessa provocação". Ele sugere que talvez o Comitê não tivesse provas irrefutáveis ou que tais provas não chegassem às suas mãos.
13 CAPÍTULO XIII. O SIGNIFICADO REVOLUCIONÁRIO DOS "DIAS DE MAIO"
Se os "Dias de Maio" faziam ou não parte de um plano cuidadosamente preparado ainda não parece ter sido estabelecido com provas documentais. Em seu livro, I Was Stalin's Agent, o general Krivitsky afirma que ele estava ciente da aproximação dos Dias de Maio. Relatos que ele viu em Moscou na época
deixou claro que a OGPU estava conspirando para esmagar os elementos "ingovernáveis" em Barcelona e impor o controle de Stalin. O fato é que na Catalunha a grande maioria dos trabalhadores era ferozmente anti-stalinista. Stalin sabia que um confronto era inevitável, mas também sabia que as forças de oposição estavam muito divididas e poderiam ser esmagadas por uma ação rápida e ousada. A OGPU atiçou as chamas e provocou sindicalistas, anarquistas e socialistas uns contra os outros.
Krivitsky também afirma que Negrín já havia sido escolhido por Moscou como sucessor de Caballero alguns meses antes, e que um outro propósito a que os Dias de Maio deveriam servir era provocar uma crise no governo Caballero e forçar o "Lenin espanhol" a renunciar. Tudo isso pode ser verdade, mas nenhuma evidência palpável é apresentada, por exemplo, por Peirats, que apóia essa visão, mas se limita a longas citações de Krivitsky. [74] Se, então, o ataque à central telefônica fosse o sinal para os comunistas e seus aliados tentarem a liquidação armada do movimento revolucionário em Barcelona, parece ter falhado irremediavelmente. Rodríguez Salas e seus homens chegaram lá às 15:00 do dia 3 de Maio. O ataque foi interrompido e, nas palavras de Peirats: "o grito de alarme dos trabalhadores sitiados foi respondido pelos trabalhadores nos subúrbios, e sua intervenção enérgica iniciou a luta sangrenta em pontos fortes e nas barricadas".
Souchy, em seu relato detalhado da luta na época, aponta que as negociações foram abertas entre a CNT e o governo, e duraram até as seis horas da manhã de 4 de Maio, acrescentando: "Pela manhã, os trabalhadores começaram a construir barricadas nos distritos externos da cidade. Não houve combates durante esta primeira noite, mas a tensão geral aumentou." [75] Somente quando o Palácio da Justiça foi ocupado pela polícia é que os combates começaram, e mesmo assim as negociações estavam em andamento entre o Comitê Regional da CNT e o governo.
O governo se recusou a aderir às exigências da CNT de que a polícia fosse retirada e que Salas e o ministro, Ayguadé, fossem demitidos, nem negociaria até que as ruas fossem limpas dos trabalhadores armados. Este foi, obviamente, um momento crítico para Companys e para os políticos. Ao apoiar os trabalhadores revolucionários, eles estariam admitindo que, quando chegasse a hora, seu poder era baseado em um mito e que os trabalhadores armados eram tão fortes e o governo tão fraco quanto em 19 de Julho. Isso significaria que todos esses meses de intriga, de truques políticos, de manobras poderiam ser desfeitos em um dia. Havia apenas um caminho aberto ao governo: nenhum compromisso com os trabalhadores revolucionários.
O "confronto" foi evitado e o sucesso do governo assegurado pela cooperação dos líderes das organizações dos trabalhadores, cujo papel ao longo da luta foi conciliador. Uma vez que o governo se recusou a negociar, eles apelaram aos trabalhadores para que deponham as armas, fazendo uso do jargão muito familiar dos políticos – o que os homens no fronte pensarão, ou, tal ação só ajuda Franco, etc. Enquanto isso, o governo renunciou e um provisório composto por um membro de cada partido e organização anteriormente representada nele foi formado (desta forma foi possível demitir Salas e Ayguadé sem qualquer prejuízo). Naquela época, uma delegação havia chegado de Valência composta pelo secretário do Comitê Nacional da CNT, Mariano Vázquez, e pelo ministro "anarquista" da Justiça, García Oliver. Mais tarde, juntaram-se a eles a ministra "anarquista" da Saúde, Federica Montseny. Também de Valência vieram membros do comitê executivo da UGT. Seus esforços foram direcionados para a pacificação a todo custo – pelo menos no que diz respeito aos líderes da CNT. E essa atitude certamente não se baseava em uma situação de inferioridade nas barricadas. De acordo com Souchy, surgiram relatos no segundo dia de todas as partes de Barcelona e das províncias da Catalunha no sentido de que a esmagadora maioria da população pertencia à CNT, e a maioria das cidades e aldeias estava nas mãos de nossas organizações. Teria sido fácil atacar o centro da cidade, se a comissão competente assim o tivesse decidido. Eles só teriam que solicitar para os comitês de defesa dos distritos periféricos. Mas o Comitê Regional da CNT se opôs a isso. Todas as propostas de ataque foram rejeitadas por unanimidade, incluindo a FAI.
A atitude dos líderes da CNT-FAI era que os inimigos dos trabalhadores revolucionários queriam essa luta como uma desculpa para liquidá-los, e que, portanto, eles deveriam se recusar a jogar o jogo do inimigo. Por outro lado, havia um grande número de militantes que consideravam que a CNT-FAI estava jogando o jogo do governo há muito tempo, às custas da revolução social e da luta contra Franco, e que o que estava acontecendo agora em Barcelona era um "confronto". Souchy – que adotou a posição do "líderes" – admite em seu relato que
talvez em algum outro momento esse ataque ao Edifício do Telefone possa não ter tido tais consequências. Mas o acúmulo de conflitos políticos durante os últimos meses tornou a atmosfera tensa. Era impossível conter a indignação das massas.
Peirats também se refere ao fato de que os trabalhadores da CNT não puderam realizar os apelos frequentemente repetidos dos líderes por um "armistício", por "serenidade", por um "cessar-fogo".
O descontentamento entre eles aumentava. Uma importante parte do parecer começou a exprimir a sua oposição à atitude das comissões. À frente dessa corrente extremista estavam "Os Amigos de Durruti". Este agrupamento foi baseado em elementos que eram hostis à militarização, muitos dos quais tinham deixado as unidades do recém-formado Exército Popular quando as milícias voluntárias foram dissolvidas.
Seu órgão, El Amigo del Pueblo (O Amigo do Povo), conduziu uma campanha contra os ministros e comitês da CNT e defendeu a continuação da luta revolucionária iniciada em 19 de Julho de 1936. Os comitês confederais imediatamente repudiaram os "Amigos de Durruti". "Apesar disso, eles não desapareceram", comenta Peirats de forma um tanto enigmática. É de se lamentar, portanto, especialmente que a esta "importante seção de opinião" o historiógrafo da CNT dedique apenas dezoito linhas. De acordo com um escritor trotskista, "o Comitê Regional da CNT emitiu a toda a imprensa – stalinista e burguesa incluída – uma denúncia dos Amigos de Durruti como agentes-provocadores". [76]
Assim como a defesa de Barcelona em Julho de 1936 foi um movimento espontâneo dos trabalhadores, assim em Maio de 1937 a decisão de estar alerta contra possíveis ataques mais uma vez veio da base. Os líderes de Julho, como já mostramos, preocuparam-se em conter o movimento. Eles temiam que o ímpeto que tão decisivamente derrotou as tropas de Franco levasse adiante a revolução social a um ponto em que ela estaria fora de seu controle. Essa atitude da direção da CNT não passou despercebida aos políticos. Que maior condenação da direção da CNT do que a resposta dada por Companys a um jornalista estrangeiro que havia previsto, em Abril de 1937, que o assassinato de Antonio Martín, o prefeito anarquista de Puigcerdá, e três de seus camaradas levaria a uma revolta: "[Companys] riu com desdém e disse que os anarquistas capitulariam como sempre fizeram antes". [77]
Ele estava certo – se ele estava se referindo aos líderes que naquele mesmo mês permitiram que a crise na Generalitat fosse resolvida por – para citar Souchy – "mostrando-se [se] muito complacentes. Eles renunciaram às suas antigas demandas, modificaram os desejos do proletariado, apontando as necessidades da guerra contra o fascismo, e exortaram-nos a concentrar suas forças para o período após a derrota dos fascistas.
Não é de surpreender, portanto, que, após o fracasso de Vázquez e Oliver em persuadir os trabalhadores a abandonar as barricadas (o apelo de rádio de Oliver foi corretamente descrito como uma "obra-prima da oratória que atraiu lágrimas, mas não obediência"), Federica Montseny foi enviada em nome do governo de Valência para testar seus poderes oratórios sobre os trabalhadores "ingovernáveis" de Barcelona. Ela veio em um momento em que o governo central havia retirado as tropas das frentes em prontidão para serem enviadas a Barcelona. Mas antes de deixar Valência, ela obteve a garantia do governo de que "essas forças não seriam enviadas até que o ministro da Saúde julgasse oportuno fazê-lo". [78] É bem possível que Federica Montseny não tivesse a intenção de chamar as tropas a Barcelona para acabar com a luta de rua, mas isso não minimiza de forma alguma o significado de sua declaração no que diz respeito ao público ou como outro exemplo do sentimento de auto-importância e poder criado entre esses chamados ministros anarquistas.
Até onde se pode julgar, o efeito da intervenção dos membros influentes da CNT-FAI foi criar confusão nas fileiras dos trabalhadores e obrigar os da CNT a fazer todos os compromissos. Assim, na quinta-feira, 6 de Maio, para mostrar sua "disposição de restaurar a paz", os trabalhadores da CNT concordaram em deixar o Prédio do Telefone. As autoridades prometeram retirar os Guardas de Assalto ao mesmo tempo. Em vez disso, ocuparam todo o prédio, trazendo membros da UGT para assumir os empregos dos trabalhadores da CNT. Souchy escreve:
Os membros da CNT viram que tinham sido traídos e informaram imediatamente o Comité Regional [que] interveio junto do Governo. Eles exigiram que a polícia fosse retirada. Meia hora depois, a Generalitat respondeu: o fato consumado não pode ser mudado.
E Souchy continua:
Esse acordo rompido despertou grande indignação entre os trabalhadores da CNT. Se os trabalhadores dos distritos periféricos tivessem sido informados imediatamente desse acontecimento, eles certamente teriam insistido em tomar novas medidas e retornado ao ataque. Mas quando o assunto foi discutido mais tarde, prevaleceu o ponto de vista mais moderado." Mais uma vez a informação estava a ser retida dos trabalhadores e as decisões tomadas de cima. E, nas palavras da Generalitat, "o fato consumado não pode ser mudado". Mais uma vez os trabalhadores haviam sido traídos.
Seu compromisso não acabou com a luta. Tudo o que se fez foi dificultar sua tarefa, pois agora, com a central telefônica fora de suas mãos, seus meios de comunicação estavam limitados à estação de rádio de ondas curtas localizada na sede da CNT-FAI, da qual apenas ordens para retornar ao trabalho e capitulação poderiam ser esperadas.
Quando, na sexta-feira, 7 de Maio, os combates cessaram, mas por ocasionais escaramuças sem importância, o governo se sentiu forte o suficiente para desconsiderar qualquer uma das demandas apresentadas pelos trabalhadores. Vários milhares de soldados haviam chegado de Valência e, com eles, o controle das unidades de combate e das forças de ordem pública na Catalunha passou para o governo central. Os reféns tomados pelo governo durante os combates não foram libertados, apesar das promessas solenes de fazê-lo. [79] De fato, depois que os combates cessaram, muitas outras prisões foram feitas. Uma rigorosa censura à imprensa foi imposta, e os vários decretos-lei que provocaram a crise em Abril foram colocados em prática. A burguesia tinha obtido uma vitória sinal; a revolução social sofrera uma derrota decisiva.
14 CAPÍTULO XIV. A CNT E A CRISE DO GOVERNO CABALLERO
A crise revolucionária na Catalunha mal havia sido "resolvida" quando uma crise política no governo de Valência mais uma vez distraiu a atenção do essencial para uma luta entre personalidades.
Em uma reunião de gabinete realizada em 15 de Maio para examinar a situação na Catalunha, os dois ministros comunistas, Jesús Hernández e Vicente Uribe, exigiram represálias contra os responsáveis pelas Jornadas de Maio. Caballero concordou, mas não pôde aceitar a visão dos comunistas de que a responsabilidade era da CNT-FAI e da POUM. Depois disso, os dois comunistas se levantaram e se retiraram. Caballero respondeu declarando que o "Conselho de Ministros continua". Sua determinação durou pouco, pois o gesto dos comunistas foi um sinal para Prieto, Negrín, Álvarez del Vayo, Giral e Irujo se levantarem por sua vez e partirem. Apenas Anastasio de Gracia e Ángel Galarza, leais amigos socialistas de Caballero, e seus quatro ministros "anarquistas" ferrenhos permaneceram sentados.
Após conversas com o presidente, Caballero foi novamente encarregado da tarefa de formar um governo. Tanto a CNT quanto a UGT propuseram um governo baseado nas organizações da classe trabalhadora com representação de todos os partidos, liderados por Caballero. Os comunistas, por outro lado, propuseram um governo "liderado por um socialista, no qual todos os partidos da Frente Popular estão incluídos, bem como as organizações da classe trabalhadora".
A solução de Caballero foi oferecer três pastas à UGT e duas aos socialistas. Todos eles eram ministérios-chave, compreendendo a direção e o controle da guerra, bem como da economia do país. Aos comunistas, republicanos de esquerda e União Republicana, ele alocou dois assentos cada, e a seus amigos fiéis da CNT mais dois ministérios: saúde e justiça! Tanto os comunistas quanto a CNT se recusaram a aceitar esses arranjos. Os comunistas estavam preocupados principalmente que o ministério da guerra não deveria ser ocupado pelo presidente. Caballero não podia aceitar esta proposta, e uma vez que foi acordado pelos republicanos e socialistas que um novo governo sem a representação do Partido Comunista não poderia ser considerado um governo de Frente Popular, ficou claro que Caballero seria incapaz de formar um novo gabinete que seria aceitável para os comunistas. A objeção da CNT, por outro lado, foi declarada em uma carta conciliatória, "mais na tristeza do que na raiva" do secretário, Mariano Vázquez, na qual ele apontou que a CNT não poderia aceitar uma posição de inferioridade com a UGT ou de paridade com os comunistas; nem podiam aceitar a ideia de que a economia do país deveria estar concentrada nas mãos de um partido.
A crise foi resolvida com o presidente convocando o Dr. Juan Negrín, um socialista de direita e homem de Moscou, para formar um governo do qual a UGT e a CNT fossem excluídas. Indalecio Prieto, arqui-inimigo de Caballero, deveria cuidar da defesa nacional, enquanto Negrín, além de primeiro-ministro, também estava no controle da economia. Um comunista, Vicente Uribe, tornou-se ministro da Agricultura.
A reação da CNT foi curiosa. Em um comunicado de 18 de Maio, eles declararam que o governo de Negrín, que foi formado sem a sua participação, não poderia contar com a sua colaboração.
Por enquanto, tudo o que queremos afirmar aos trabalhadores pertencentes à CNT é que agora, mais do que nunca, eles devem prestar atenção às palavras de ordem que emanam dos comitês responsáveis. Somente com homogeneidade em nossas ações conseguiremos derrotar a contrarrevolução e evitar o "abraço de Vergara". Camaradas! preste atenção às palavras de ordem das comissões competentes! Que ninguém jogue o jogo dos provocadores! Serenidade! Firmeza e Unidade! Viva a aliança das organizações operárias!
Não se pode deixar de notar a diferença marcante na atitude adotada pelos dirigentes da CNT em relação à situação durante as Jornadas de Maio e àquela criada pela crise governamental. No primeiro caso, eles estavam preparados para fazer todas as concessões – na verdade, eles ordenaram o cessar-fogo entre os trabalhadores da CNT-FAI sem sequer obter a aceitação do governo de qualquer uma de suas demandas – em nome da unidade e da manutenção da "frente antifascista" contra Franco. Na crise do governo, eles teimosamente se recusaram a participar ou colaborar com um governo que não era liderado por Largo Caballero. Tal atitude não nos pareceria em contraste violento com a adotada durante as Jornadas de Maio, se indicasse que a liderança da CNT-FAI havia aprendido as lições das barricadas de Barcelona e estava tentando retornar à sua posição revolucionária tradicional. Mas isso estava longe de ser o caso. Em uma declaração à imprensa poucos dias após a formação do governo Negrín, Mariano Vázquez, secretário nacional da CNT, declarou:
A participação da CNT no governo é indispensável se se pretende trabalhar com honra para acabar com a guerra rapidamente. As organizações dos trabalhadores devem estar representadas no governo. Não se pode dispensar a parte mais vital do povo, que trabalha mais duro na retaguarda e tem a maioria dos homens nas frentes. Dispensar a colaboração da CNT no governo significa levá-lo de volta ao seu antigo papel oposicionista. Todos os nossos inimigos se despedaçaram (estrellado) contra as gloriosas insígnias da CNT. Quem se atrever a tentar segurá-la será esmagado, mas a CNT continuará sua marcha para a frente. Portanto, deve ser considerada e dado o lugar no governo que lhe é devida.
Ignorando as ameaças contidas nesta declaração, vê-se acima de tudo que a ideia de estar em oposição tornou-se abominável para esses "anarquistas", e toda a sua propaganda a partir de agora não era mais revolucionária, mas, pelo contrário, era uma queixa diária de que a CNT foi excluída do governo e um lamento interminável pelos bons e velhos tempos de Largo Caballero, quando o governo era um governo revolucionário! Tínhamos a impressão de que o mito dos governos revolucionários havia sido descartado há muito tempo pelos anarquistas, e que era uma ilusão acalentada apenas pelos marxistas. É claro que mesmo alguns dos líderes da CNT-FAI, apesar de suas atitudes e declarações, de fato não acreditavam na época que havia muito a escolher entre os governos. Pelo contrário, não souberam libertar-se, sem perda de prestígio, da teia de concessões políticas em que tinham sido encurralados pelos políticos mais experientes. Eles haviam viajado tão longe em sua transformação mental e em seu senso de importância pessoal e astúcia política, que consideraram que um retorno à posição revolucionária da CNT-FAI contra todos os governos era um passo retrógrado; um pela qual seriam condenados pela história.
O que, de fato, a CNT fez durante esses meses em "oposição"?
Eles apelaram à opinião pública para corrigir o erro de sua "exclusão" do governo.
Eles renovaram seus esforços para chegar a um acordo com a UGT para uma aliança.
Para este fim, eles não pouparam esforços na tentativa de reabilitar Largo Caballero, tão decisivamente sobrepujado pelos socialistas de direita (Prieto e Negrín) na luta pelo poder. E Caballero naturalmente retribuiu desde que foi expulso do poder e politicamente isolado!
Este período de "oposição" foi marcado por uma série de quatro grandes reuniões, transmitidas por toda a Espanha, nas quais cada um dos ex-ministros fez um relato de suas atividades no governo. [80] Já nos referimos ao discurso proferido por García Oliver nessa ocasião. Ainda mais revelador, no entanto, foi o discurso proferido por Federica Montseny, um membro proeminente da CNT-FAI e até hoje uma personalidade influente no MLE (Movimento Libertário Espanhol) no exílio. Tendo desempenhado um papel de liderança no fim dos combates de rua durante as Jornadas de Maio em Barcelona, estas reflexões sobre as suas ações são de particular interesse.
Fiquei uma semana na Catalunha, uma semana de trabalho contínuo em busca da solução para todos os problemas, e guiada pelos camaradas da minha organização. Fomos bem sucedidos em nossos esforços. A questão foi resolvida satisfatoriamente. Foi uma lição e uma experiência para todos – ou melhor, deveria ter sido. E quando voltei a Valência, satisfeita e convencida de que poderíamos colocar uma pena em nossos bonés, tanto nacional quanto internacionalmente, na medida em que as organizações dos trabalhadores e o governo haviam demonstrado que tinham controle absoluto sobre as massas, e que o governo nunca teve tanto prestígio como então, por ter conseguido resolver um problema de tremenda importância sem derramar sangue: eu estava dizendo que quando voltei a Valência alegremente convencida de que estava retornando vitoriosa ao longo de um caminho coberto de louros, descobrimos que a crise estava planejada para o mesmo dia de nossa chegada.
Mas isso não é tudo. Posteriormente, a palestrante abordou a participação da CNT no governo:
Eu, como anarquista que rejeito o Estado, concedi-lhe um pouco de crédito e confiança, a fim de alcançar uma revolução a partir de cima. E aqueles que deveriam ter sido gratos a nós porque abandonamos a rua e a violência e aceitamos a responsabilidade dentro de um governo, limitado por uma legislação feita por outros, não descansaram até que obtivessem que nós, os revolucionários da rua, deveríamos voltar para a rua. E agora este é o problema. A CNT está de volta à rua. Essas pessoas não se apercebem da terrível responsabilidade que têm por nos terem feito regressar à rua sem a responsabilidade do governo; uma organização e um movimento poderoso que não perderam o seu vigor nem a sua eficácia, mas que, pelo contrário, foram reforçados pela aquisição de uma disciplina e de uma coordenação que antes não possuíam. [81]
As conclusões de Federica Montseny foram que a participação das organizações dos trabalhadores no governo foi "a revolução mais fundamental feita nos campos político e econômico". A entrada da CNT "com um sentido de responsabilidade, com uma atividade útil, com uma tarefa já realizada sem argumentos, abre um novo futuro no mundo para todas as organizações da classe trabalhadora". A oradora estava tentando mostrar que, uma vez que os trabalhadores fizeram a revolução, tanto na destruição dos fundamentos da ordem existente quanto na construção da nova sociedade, eles tinham, portanto, o direito de serem incluídos como classe na estrutura do governo. Assim como García Oliver antes dela, Federica Montseny apresenta ideias reformistas desgastadas como se fossem descobertas revolucionárias.
Em um artigo de jornal sobre este assunto,[82] Juan López, ex-ministro do Comércio da CNT, sustentou que a colaboração da CNT não resultou em qualquer desintegração interna da Confederação. Se resultou em algo alguma coisa,teria sido o contrário.
Nossa influência entre os trabalhadores é decisiva. O senso de disciplina confederal desenvolveu-se imensamente, e a unidade moral e orgânica da CNT não é superada por nenhuma organização ou partido.
Medir a saúde de uma organização em termos de "disciplina" e "unidade orgânica" é, em nossa opinião, perigoso, enganoso e pouco convincente. Todos os políticos e líderes sindicais sonham com disciplina para as massas. Os dirigentes da CNT não se mostraram exceção à regra. Caso se possa dizer que interpretamos mal Juan López, citaremos um outro artigo publicado por ele um mês depois.
Todos devem estar dispostos a uma visão inflexível da disciplina interna do nosso movimento. Deve haver para o movimento libertário neste período de guerra e de rápida transição, um verdadeiro comando único. Ou seja, uma única voz e uma única frente. Problemas locais, crises regionais, absolutamente tudo deve ser resolvido pela intervenção direta dos órgãos supremos do nosso movimento. Posições contraditórias devem ser descartadas e, uma vez que estamos unidos por um único ideal, devemos defender um interesse. [83]
Juan López não foi o único a propor e desejar um controle centralizado na CNT. Alguns meses antes, em 28 de Março de 1937, o Comitê Nacional convocou uma conferência de toda a imprensa confederal e anarquista, que foi realizada na Casa CNT-FAI em Barcelona. Peirats escreve:
Seu principal objetivo era a subordinação de todos os órgãos de expressão do anarco-sindicalismo às diretrizes dos Comitês Nacionais. Certas dissonâncias tiveram de ser suprimidas, como a liberdade de criticar por certos periódicos que se tinham elevado à posição de repositórios de princípios e atiradores das fraquezas dos Comités e dos ministros confederais. O resultado desta conferência foi a resposta mais eficaz às ilusões infundadas daqueles que acreditavam em uma disciplina confederal quimérica. [84]
Embora a conferência concordasse com a maioria dos projetos apresentados, a proposta de que a imprensa libertária deveria virtualmente se tornar o porta-voz dos comitês só foi aceita por uma votação majoritária, "uma vitória vazia se levarmos em conta que, no final da conferência, a minoria reiterou sua decisão de desconsiderar a votação". [85]
A CNT, como movimento, não sofreu com a política de colaboração e centralização da mesma forma que tantas outras organizações da classe trabalhadora em circunstâncias semelhantes, simplesmente porque, em grande medida, os líderes foram incapazes de impor suas decisões aos militantes de base. A rapidez com que mobilizaram as suas forças em Barcelona durante as Jornadas de Maio e a dificuldade que os "militantes influentes" tiveram em persuadi-los a abandonar as barricadas é certamente prova disso. Mas não pode haver como escapar do fato de que a derrota imposta a eles durante as Jornadas de Maio foi seguida por uma notável desmoralização entre os trabalhadores revolucionários. Os ataques armados organizados contra os coletivos em Aragão, as campanhas militares caras e inúteis realizadas apenas por considerações políticas, a grave escassez de alimentos e matérias-primas, o crescente número de refugiados à medida que Franco ocupava mais cidades e aldeias não poderiam deixar de ter um sério efeito sobre o moral.
É verdade que durante esse período a CNT não estava no governo, e há aqueles apologistas da colaboração que apresentaram a visão de que os ataques às posições dos trabalhadores após as Jornadas de Maio não poderiam ter ocorrido se houvesse ministros da CNT no governo Negrín. [86] Mas acreditamos que apresentar tal argumento é fechar os olhos para a realidade. Acima de tudo, é ignorar o fato importantíssimo de que o governo Caballero teve pelo menos uma vitória a seu crédito: a de restabelecer a autoridade do governo, que durante os dois primeiros meses da luta não existiu. Nesta tarefa, Caballero foi grandemente auxiliado pelos membros influentes da CNT-FAI em seu gabinete e pela crescente burocracia em todos os departamentos da vida pública, na qual os membros da CNT-FAI desempenharam um papel importante.
E assim como a provocação durante as Jornadas de Maio foi realizada apesar da presença dos quatro ministros da CNT no governo, também atos semelhantes contra os trabalhadores revolucionários foram cometidos, quer a CNT estivesse no governo central (Valência) ou não. Como Federica Montseny tão sucintamente colocou em uma ocasião: "Na política, nós [a CNT-FAI] éramos absolutamente ingênuos".
CAPÍTULO XV. A FAI E A LUTA POLÍTICA
Na medida em que o presente estudo é uma tentativa de tirar algumas das lições da Revolução Espanhola, não nos propomos a tratar dos últimos dezoito meses com o mesmo detalhamento que temos no primeiro ano da luta, por razões óbvias.
Em Julho de 1937, o Estado e as instituições do governo voltaram a se reafirmar; a luta armada contra Franco, agora controlada pelo governo e pelos militares profissionais e travada como uma guerra de frentes, não podia mais ser transformada em vitória (toda a frente norte havia desmoronado e, no sul, Málaga havia sido perdida); e as organizações operárias estavam a ser dilaceradas pela luta entre personalidades e por uma crescente centralização. A tão apregoada palavra "Unidade" tornou-se sinônimo de aceitação cega pelos trabalhadores das instruções dos "organismos supremos", seja do Estado ou de suas próprias organizações.
A UGT estava dividida pela luta política em curso pelo seu controle entre os comunistas e as alas direita e esquerda do Partido Socialista. A CNT estava se debatendo no lamaçal da conciliação. Os comitês e a burocracia sindicalista nos conselhos econômicos, nos comandos militares, nas forças de segurança, nos municípios e em todas as outras instituições do Estado estavam completamente isolados das aspirações das massas revolucionárias e, em nome da unidade e da vitória sobre Franco, jogavam ao mar os princípios e as conquistas revolucionárias dos trabalhadores, um por um. Como já dissemos, as "Jornadas de Maio" em Barcelona poderiam ter sido o sinal de mudança; em vez disso, as ações da liderança foram uma confirmação de que a revolução havia sido derrotada.
Como que para selar esta derrota veio o plenário da FAI realizado em Valência no início de Julho de 1937, no qual foi proposto reorganizar a Federação de uma forma que permitisse aumentar grandemente o seu número de membros e a sua "influência". Mas ficou claro a partir de declarações anteriores – assumindo que suas ações não eram evidências suficientes – que essa reorganização da FAI não era uma tentativa de salvaguardar a revolução, mas de fazer alguma reivindicação sobre o que poderia restar da revolução após as "exigências da guerra" e os políticos haviam feito o seu melhor para esteriliza-la. Em uma circular emitida pelo Comitê Peninsular da FAI em Outubro de 1936, a participação dos anarquistas em "organismos de natureza oficial" é justificada com base no fato de que a situação o exige. O Comitê prossegue tratando do papel futuro da CNT, que na reconstrução econômica do país será obrigada a colaborar com todas as seções do "bloco antifascista", pois não pode ser assumida por nenhum setor da comunidade, mas exige um "organismo único no qual estejam concentrados os interesses comuns" da indústria e da agricultura. Este ponto de vista justifica-se com o fundamento de que
se introduzirmos a discórdia no campo econômico e impedirmos os esforços que estão a ser feitos para que isso [a reconstrução] aconteça, criaremos uma situação caótica. Por estas razões e prevendo desenvolvimentos futuros, devemos antecipar o desaparecimento, em determinadas circunstâncias, do sindicato tal como o conhecemos atualmente; e em outros, a fusão de nossa organização de luta com outras semelhantes, pertencentes a outras tendências.
Agora, a ideia por trás do plano da FAI se torna clara. Em poucas frases é o que dizem: uma vez que os sindicatos estão interessados exclusivamente em questões econômicas e poderão ter apenas uma influência profissional nas atividades às quais foram designados, será necessário que exista uma força externa que direcione esse robô econômico para os fins "aos quais a humanidade aspira". Essa força externa é a Organização Específica. E não precisamos acrescentar que, para essa tarefa, a FAI se considerou a escolha ideal! Este é o primeiro passo na conversão da FAI ao papel de partido político. O segundo passo é reforçar a sua forma de organização. A FAI fundada em 1927 em uma conferência realizada em Valência teve o "grupo de afinidade" como base de sua organização. Os grupos foram federados em federações locais, comarcais e regionais. A união de todas as federações, incluindo a Federação Portuguesa, constituiu a Federação Anarquista Ibérica (FAI), e expressou-se através do Comitê Peninsular.
No plenário dos Comitês Regionais realizado em Valência em Julho de 1937, foi declarado que
o grupo de afinidade tem sido, por mais de cinquenta anos, o organismo mais eficaz para a propaganda, para contatos e atividade anarquista. Com a nova organização que é exigida da FAI, o papel orgânico do grupo de afinidade foi eliminado. É intenção do plenário que os grupos de afinidade sejam respeitados, mas que, em virtude das decisões tomadas pela FAI, não possam participar organicamente na FAI como grupos de afinidade.
As novas bases de organização da FAI seriam os grupos geográficos, por distritos e subúrbios. Estes deveriam ser unidos em federações locais, comarcais, provinciais e regionais. As regionais compunham a FAI. Os pedidos de adesão seriam examinados por uma comissão ligada a cada distrito e grupo suburbano e federação local. No que diz respeito à FAI reorganizada, a admissão com plenos direitos foi concedida a (a) militantes que já pertenciam à FAI; (b) todos aqueles que pertenciam a organizações sindicais, culturais e outras ligadas ao anarquismo antes de 1º de Janeiro de 1936. Outros, que não cumprissem estas condições, mas cujas referências fossem satisfatórias, receberiam a adesão condicional, não sendo autorizados a ocupar qualquer cargo na organização durante os primeiros seis meses.
Estas foram as condições para a adesão à nova FAI, mas e as declarações de princípios? Tendo em mente que a intenção era aumentar o número de membros "no menor tempo possível", não é de surpreender que o documento não contenha nenhuma declaração de princípios, a menos que o parágrafo seguinte deva ser tomado como tal:
Como anarquistas, somos inimigos das ditaduras, sejam elas de raças ou de partidos; somos inimigos da forma totalitária de governo e acreditamos que a direção futura de nosso povo será o resultado da ação conjunta de todos os setores da comunidade que concordam com a criação de uma sociedade sem privilégios de classe; em que os organismos de trabalho, administração e vida comunitária são o principal fator para fornecer à Espanha, através de normas federais, os meios de comunicação que satisfarão suas diferentes regiões.
De uma organização que declara sua oposição à "forma totalitária" de governo, mas não ao próprio governo, não se pode esperar qualquer referência à oposição ao Estado. Mais ainda quando se lê em outro lugar neste documento:
A FAI, sem desconsiderar – na verdade, concedendo a maior importância – à guerra; sem renunciar aos seus objetivos finais, propõe-se promover a Revolução em todos os organismos populares em que suas atividades possam ser eficazes para determinar em uma direção progressiva o resultado da presente revolução.
E depois:
Defendemos o desaparecimento total dos remanescentes da burguesia que ainda subsistem e estamos a envidar todos os esforços para encorajar todas as organizações que contribuam para este fim. No entanto, acreditamos que, em contraste com a nossa atitude de oposição no passado, é dever de todos os anarquistas participar das instituições públicas que podem servir para garantir e promover o novo estado de coisas.
Membros da FAI que ocupam cargos públicos:
são obrigados a prestar contas aos comités da sua missão e das suas actividades, mantendo um contacto estreito com eles, a fim de seguir em todos os momentos as suas inspirações[87] em todos os casos específicos. Qualquer membro da FAI designado para um cargo público, qualquer que seja a sua natureza, pode ser desautorizado ou destituído do cargo logo que tal ação seja considerada necessária pelos órgãos competentes da organização.
O que precede é uma declaração clara das intenções da FAI de desempenhar o papel de um partido político nos assuntos do governo. Para poder nomear membros para ocupar "cargos públicos", a FAI teria que ser reconhecida pelo governo como um dos partidos que formam o "bloco antifascista". Eles estavam plenamente conscientes das implicações de suas ações de um ponto de vista anarquista, mas não se intimidaram, e reuniões foram realizadas nas principais cidades da Espanha para lançar esse monstro em nome do anarquismo.
Em uma declaração ao Movimento Anarquista Internacional,[88] a FAI pediu compreensão de suas ações e respeito pelas decisões tomadas somente após "discussão livre e apaixonada". (Nenhuma menção, no entanto, é feita ao fato de que os membros da FAI servindo nas frentes, e havia muitos, não tinham voz nessas deliberações.) [89]
Por exemplo, a nova estrutura da FAI, na qual uma forma de atividade pública é aceita, bem como aspectos especiais da atividade política, como a participação da FAI em todos os organismos criados pela revolução e em todos os lugares onde nossa presença é necessária para acelerar a atividade e influenciar as massas e os combatentes, tem sido objeto de muitas discussões violentas, sem que tal ação seja em si mesma uma modificação fundamental de nossas táticas e de nossos princípios, mas simplesmente e unicamente uma adaptação circunstancial às necessidades da guerra e aos novos problemas criados pela revolução.
No entanto, a oposição à reorganização da FAI na Espanha foi considerável, particularmente na Catalunha, onde, num plenário regional de grupos, vários delegados se retiraram. Dois meses depois, em um artigo publicado no Solidaridad Obrera (12 de Outubro de 1937), Gilabert, secretário da federação local de grupos anarquistas em Barcelona, novamente se referiu à "grande minoria" (minoria considerável) na oposição, acrescentando que "as diferenças chegaram ao ponto em que alguns grupos ameaçavam provocar uma divisão". Uma comissão foi nomeada para encontrar uma solução, que era que a grande oposição deveria ser livre para continuar como grupos de afinidade, "mas que suas resoluções de natureza orgânica serão levadas em conta apenas em relação aos números que representam". Esta proposta, no entanto, teve de ser submetida a um Congresso Peninsular para ratificação.
O plano de aumentar a adesão à FAI através do alargamento da sua base parece não ter tido o sucesso esperado. Antes de Julho de 1936, os membros da FAI foram estimados em 30.000. E, de acordo com Santillán, no final de 1937 o número era de 154.000. [90] Mas o que havia sido ganho em quantidade havia sido perdido em conteúdo revolucionário; o impulso de criar o movimento de massas tinha sido alcançado à custa dos valores individuais e dos princípios anarquistas.
PARTE 2
INTRODUÇÃO
Durante os últimos dezoito meses de luta, os movimentos revolucionários e antifascistas viveram uma mentira. Com o controle da vida econômica e da luta militar nas mãos de agentes stalinistas apoiados por todos os inimigos políticos da revolução, e com a conivência voluntária ou involuntária de muitos que se diziam revolucionários, não poderia haver outro resultado senão uma vitória para Franco e seus aliados. As ofensivas militares lançadas pelo governo de Negrín foram ou fracassos medonhos ou ofensivas caras nas quais os sucessos militares rapidamente se transformaram em recuos. Considerações políticas e não militares dominaram todas essas ofensivas, de modo que mesmo os defensores de um comando centralizado, organização militar e uma disciplina de ferro – “semelhante à do inimigo” – ficaram amargamente desapontados com os resultados.
Somente quando os arquivos da CNT-FAI estiverem à disposição do estudioso da revolução é que os verdadeiros sentimentos dos militantes e dirigentes da época serão realmente conhecidos, por sua imprensa engessada de slogans de vitória, propaganda militarista, glorificação da guerra, e ameaças para aqueles que se esquivavam de seu “dever” pela “pátria”, não era mais a voz da organização como um todo, mas o porta-voz do governo e dos chauvinistas “revolucionários”. No entanto, mesmo sem as provas, não se pode acreditar que esses dirigentes da CNT-FAI fossem tão ingênuos a ponto de ainda esperar uma derrota militar de Franco, mas muitos deles compartilhavam das opiniões de alguns membros do governo, que todos os esforços deveriam ser feitos para prolongar a guerra a qualquer custo até o início das hostilidades entre a Alemanha e a Grã-Bretanha, que todos sabiam ser inevitável mais cedo ou mais tarde. Assim como alguns esperavam a vitória como resultado da conflagração internacional, muitos revolucionários espanhóis deram seu apoio à Segunda Guerra Mundial, porque acreditavam em uma vitória das “democracias” (incluindo a Rússia!) contra a tirania franco-fascista. Nessas esperanças, vê-se a curiosa combinação de oportunismo político e ingenuidade. A primeira é comum a todas as organizações de massas, mas é a combinação das duas que é uma característica especial da liderança revolucionária espanhola – e da qual Federica Montseny parecia estar ciente quando disse: “em termos de política fomos bastante ingênuos”. Vimos como desde os primeiros dias da luta na Espanha eles foram enganados e manipulados pelos políticos em todas as questões. É importante destacar que seu contato com os políticos não teve influência ideológica sobre os políticos, ao passe que vários membros da CNT acabaram sendo conquistados pelos próprios princípios do governo de autoridade centralizada, não “circunstancialmente”, mas permanentemente(Horacio Prieto, Garcia Oliver, Juan Peiró, Juan López, para citar alguns dos militantes mais importantes que vem à mente).
Com a derrota da revolução em Maio de 1937 pela autoridade central, os dirigentes da CNT-FAI não representavam mais uma força a ser considerada pelo governo, que passou a apoderar-se das milícias, abolir as patrulhas operárias na retaguarda, e esmagar os coletivos, arrancando assim os dentes da revolução; e coube aos líderes da CNT quebrar seu coração.
Os últimos dezoito meses de luta são marcados não apenas por desastres militares nos quais dezenas de milhares de vidas foram sacrificadas, mas também por um esforço determinado para difundir a CNT para além de seu reconhecimento interno É desse desenvolvimento que nos propomos tratar nas páginas que se seguem. É, pensamos, de grande importância para o revolucionário libertário, pois enquanto alguns militantes espanhóis explicam convenientemente cada passo dado como sendo determinado por “circunstâncias”, parece-nos que o rápido crescimento de uma liderança autoritária na CNT, bem como a incapacidade da base e de seus militantes de evitá-la, na verdade decorre diretamente do comprometimento de princípios básicos desde o início da luta em Julho de 1936.
CAPÍTULO XVI. DAS MILÍCIAS À MILITARIZAÇÃO
Não estamos interessados em medalhas ou faixas de generais. Não queremos comitês nem ministérios. Quando vencermos, voltaremos às fábricas e oficinas de onde saímos, mantendo-nos afastados dos cofres-fortes, cuja abolição há muito lutamos. É na fábrica, nos campos e nas minas que se criará o verdadeiro exército para a defesa de Espanha.
—Buenaventura Durruti (reportado em Solidaridad Obrera, 12 de Setembro de 1936)
O governo concedeu postumamente o posto de tenente-coronel ao ilustre líder libertário Buenaventura Durruti, no aniversário de sua morte.
—Manchetes em Solidaridad Obrera , 30 de Abril de 1938
Apesar de sua tradição de violência, a CNT-FAI também tinha uma tradição antimilitarista e antiguerra. Foi resumido no Congresso de Zaragoza (Maio de 1936) em uma Proposta sobre a situação político-militar da seguinte forma:
Sexto: empreender uma campanha de agitação da palavra falada e escrita contra a guerra e contra tudo o que tende a favorecer a guerra. A criação de comitês antimilitaristas que estabelecerão relações diretas com a IWMA para se informar sobre assuntos internacionais e estimularão o ódio à guerra e a resistência ao recrutamento entre os jovens por meio de folhetos e panfletos.
Sétimo: no caso do governo da Espanha declarar mobilização em pé de guerra, a greve geral revolucionária será declarada.
Note-se que esta declaração foi publicada apenas dois meses antes da rebelião militar, e com o conhecimento de que tal levante estava sendo organizado. Com efeito, no preâmbulo da proposta em causa, lemos:
Tendo em conta que a Espanha atravessa uma situação claramente revolucionária e que se a CNT não se empenhar em sair em defesa das liberdades que estão a ser minadas por todos os políticos (governantes) de direita e de esquerda, a sua atividade estará à mercê do fluxo e refluxo da política. É necessário, portanto, acordar uma ação comum para combater em profundidade todas as leis repressivas e contrárias à liberdade de associação e expressão.
Consciente do colapso do atual regime democrático, e acreditando que nenhuma solução para a atual situação política e social será encontrada através do Parlamento, e que com o colapso do primeiro pode provocar uma reação de direita ou, alternativamente, uma ditadura - não importa de que tipo - deve ser a CNT que, ao reafirmar seus princípios apolíticos, declara abertamente a ineficácia e o fracasso do parlamentarismo.
Um mês após o levante - Agosto de 1936 - esses princípios e táticas declarados seriam postos à prova, pois o governo de Madrid emitiu um decreto ordenando a mobilização das reservas de 1933, 1934 e 1935. Isso foi respondido por jovens catalães que realizaram um comício no Teatro Olimpia de Barcelona para declarar sua “recusa em voltar ao quartel”. A CNT em um manifesto ambíguo apoiou sua causa. Foi ambíguo, porque não foi um ataque à mobilização e ao princípio do recrutamento, mas uma defesa dos jovens que declaram Abajo el ejercito! Vivan las milícias populares! (Abaixo o Exército! Viva as Milícias Populares!). O manifesto termina, porém, com uma forte nota positiva dirigida aos governos da Catalunha e de Madrid:
Não podemos defender a existência nem compreender a necessidade de um exército regular, uniformizado e conscrito. Este exército deve ser substituído pelas milícias populares, pelo Povo em Armas, única garantia de que a liberdade será defendida com entusiasmo e de que nenhuma nova conspiração será tramada nas sombras.
Entretanto um plenário de grupos locais e distritais da FAI pronunciou-se nos seguintes termos:
O plenário […] aceita o fato consumado das milícias populares como uma necessidade inevitável da guerra civil. O plenário manifesta a sua oposição à militarização das milícias, reconhecendo, no entanto, a necessidade da organização da ação, indispensável em qualquer guerra.
O significado real e a sinceridade do que precede podem ser melhor julgados, pensamos, ao serem lidos em conjunto com a declaração emitida pelo Comitê de Milícias em 5 de Agosto, que declarou que
O Comitê Central das Milícias Antifascistas da Catalunha decidiu que os soldados das classes de 1934, 1935 e 1936 se apresentem imediatamente no quartel e ali se coloquem a serviço dos Comitês de Milícias constituídos sob a jurisdição do Comitê Central.
Ora, este Comitê Central, recorde-se, era de facto, senão de nome, o “governo revolucionário” da Catalunha e era composto por representantes de todos os partidos políticos e organizações operárias. Santillán e Aurelio Fernández representaram a FAI, enquanto Durruti, García Oliver e Asens foram os representantes da CNT.
Na primeira proclamação de resoluções do Comitê Central, cujo cumprimento era obrigatório para todos (cuyo cumplimiento es obrigatorio para todo los ciudadanos), o artigo 7 deixa bem claro - caso a passagem que destacamos em itálico não o fizesse - que o comitê pretende dar as ordens e ser obedecido:
A comissão confia que, face à necessidade de construir uma ordem revolucionária para lidar com os núcleos fascistas, as suas ordens serão obedecidas sem necessidade de recurso a medidas disciplinares.
Assim fica claro que desde o início os líderes revolucionários viram a luta como uma em que eles não seriam os guias ou coordenadores do entusiasmo popular, mas seus controladores; que a alternativa ao governo central falido e à Generalitat não eram novas formas de organização, mas o governo jacobino disfarçado de El Comitê Central de Milicias Antifascistas; que a resposta a um levante militar não era o “povo em armas”, mas um exército “popular” de voluntários e conscritos tentando imitar os militares em sua própria profissão: a guerra!
Nestas circunstâncias, não surpreende que a posição dos líderes revolucionários mudasse de semana para semana. No final de Agosto de 1936, uma nova atitude pode ser detectada. Em destaque na Solidaridad Obrera (29 de Agosto) está uma “Proclamação emitida em todas as áreas ocupadas pela Coluna Durruti” e assinada pelo “delegado dos séculos, José Espplugo”, que
em nome dos comitês antifascistas, e interpretando o decreto do governo de Madrid convocando os reservistas de 1934 e 1936 , os notificamos do dever inelutável de se juntarem às fileiras, [91] quer nos vários distritos quer nas colunas.
Para algumas lideranças, como García Oliver, por exemplo, a etapa da milícia havia ficado para trás no início de Agosto de 1936, menos de um mês após o levante militar. Numa grande reunião que proferiu em Barcelona, declarou que “o Exército Popular que nasceu das milícias deve ser organizado e baseado em novos conceitos”. E ele delineou as etapas que estão sendo tomadas para alcançar esses fins:
Vamos organizar uma escola militar revolucionária na qual formaremos um comando técnico que não será uma cópia do antigo funcionalismo, mas simplesmente técnicos que seguirão, além disso, as indicações (indicaciones) dos oficiais-instrutores que demonstraram sua lealdade ao povo e ao proletariado.
Sete meses depois, o Ministro da Justiça García Oliver, em um discurso aos alunos da Escola Militar, advertiu-os com estas palavras:
Oficiais do Exército Popular, deveis observar uma disciplina férrea e impô-la aos vossos homens que, uma vez sob o vosso comando, devem deixar de ser vossos camaradas e passar a ser simples peças da máquina militar do nosso exército.
Tanto para o Exército Popular “baseado em novos conceitos”.
A formação do governo Caballero no início de Setembro de 1936 e o crescente poder dos comunistas foi o sinal para uma tentativa total de construir uma máquina militar controlada pelo governo. Se tal medida garantiria a vitória contra Franco era duvidoso, mas não havia dúvida de que era um golpe efetivo para a revolução. O mando unico (comando único) foi um mito até o fim, os generais sendo peões nas mãos dos partidos políticos.
Considerações políticas dominaram a escolha dos comandantes militares, e campanhas caras em vidas e materiais foram lançadas apenas para fins político-partidários.
Não acreditamos que os dirigentes da CNT tivessem ilusões sobre a sinceridade dos políticos, mas, tendo descartado desde o início a solução revolucionária em favor de uma governamental, eles se comprometeram com o jogo político em que sentiram que podiam desempenham um papel efetivo apenas enquanto puderem ocupar postos-chave na máquina do Estado. Nos primeiros meses, os militantes da CNT ofereceram alguma resistência às políticas reacionárias e governamentais defendidas pelos dirigentes e, eventualmente, através do seu virtual monopólio da imprensa e outros canais de propaganda e do rápido avanço das forças de Franco, que ameaçavam Madrid, e outras dificuldades materiais, as várias medidas foram aceitas como “inevitáveis nas circunstâncias”, etc…. os líderes da CNT sempre se viram um passo atrás dos partidos políticos no que diz respeito à divisão dos cargos-chave. Tendo desenvolvido uma mente burocrática e legalista, o jogo político tornou-se uma espécie de obsessão para esses homens.
As reações dos milicianos confederados à militarização são assim descritas por Peirats:
As colunas confederais e anarquistas foram as que mais relutaram em aceitar a nova situação (modalidad), que interpretaram como um passo decisivo na direção do militarismo ortodoxo, da legalização da guerra e da disciplina de quartel. Quando os comitês superiores da CNT-FAI optaram pela militarização geral das milícias, uma questão que os ministros da CNT estavam fazendo pressão a nível governamental, houve ruidosas reuniões entre os combatentes e as delegações da comissão que foram enviadas para a linha da frente para cumprir a sua, reconhecidamente difícil, missão. Muitos milicianos intransigentes que haviam entrado na luta armada puramente como voluntários rescindiram seu compromisso e partiram para a retaguarda. Mais tarde, eles voltaram para se juntar. A coluna Durruti, após a militarização, tornou-se a 26ª Divisão . O clima revolucionário e de camaradagem persistiu milagrosamente entre os novos oficiais e as tropas até o fim da guerra. [92]
Até a Columna de Hierro, cuja intransigência revolucionária nos primeiros dias da luta já nos referimos, dissolveu-se numa assembléia pública na qual declarou que o fazia “com o objetivo de não se isolar da luta que está sendo travada contra o fascismo”. Talvez esses bravos homens tivessem motivos para se arrepender mais tarde de sua decisão.
Uma vez comprometidos com a ideia da militarização, os dirigentes da CNT-FAI lançaram-se de todo coração na tarefa de demonstrar a todos que seus oficiais eram os mais disciplinados, os mais corajosos membros das forças armadas. A imprensa confederal publicou inúmeras fotografias de seus chefes militares (em seus uniformes de oficiais), entrevistou-os, escreveu elogiosas homenagens à sua elevação às altas patentes de coronel ou major. E à medida que a situação militar piorava, o tom da imprensa confederal tornava-se mais agressivo e militarista. Solidaridad Obrera publicava listas diárias de nomes de homens que haviam sido condenados pelos tribunais militares de Barcelona e fuzilados por “atividades fascistas”, “derrotismo” ou “deserção”. Lê-se sobre um homem condenado à morte por ajudar recrutas a escapar pela fronteira. E uma notícia de Valência publicada em Solidaridad Obrera (21 de Abril de 1938) com o título “Sentencia Cumplida” (Sentença Cumprida) diz:
Foi julgada procedente a ação movida em juízo marcial contra o Tenente (Administração) Mariano Sanz Navarro pelo crime de abandono do cargo. Ele compareceu perante o Tribunal Permanente do Tribunal de Justiça do 22º Corpo de Exército em 17 de Agosto. e a execução da sentença ocorreu na aldeia de Villafamat para onde foi transferido e a sentença executada para dar um exemplo maior. Os soldados da guarnição estiveram presentes e desfilaram pelo corpo aplaudindo a República.
Essa campanha de disciplina e obediência por meio do medo e do terror - por razões de espaço, tratamos apenas brevemente da questão, embora a imprensa confederal da época contenha material abundante- não impediu deserções em larga escala das frentes (embora não com frequência para linhas de Franco) e uma queda na produção das fábricas.
Há evidências documentadas da queda da produção na indústria de guerra como resultado da nacionalização de todas as fábricas envolvidas na produção de guerra, indicando assim que, com todas as suas deficiências, o controle dos trabalhadores nas fábricas resultou em maior produtividade do que quando o governo assumiu em nome de maior eficiência (embora, na realidade, com o objetivo de controlar os potenciais arsenais do povo em armas). Não há razão para duvidar que, pelas mesmas razões, o moral dos milicianos era mais alto quando o controle governamental e a arregimentação das forças armadas eram inexistentes.
Mas, do ponto de vista anarquista, há duas objeções vitais à militarização:
que resultaria na deformação da luta armada que começou com um caráter social-revolucionário para uma guerra nacional cujo desfecho interessaria apenas à classe dominante;
que a militarização implica a centralização do poder, a mobilização e recrutamento de todo um povo, e é a negação da liberdade individual. Discutiremos essas questões com mais detalhes em nosso capítulo final.
CAPÍTULO XVII. O PLENÁRIO ECONÔMICO NACIONAL AMPLIADO DE JANEIRO DE 1938
O Plenário nacional econômico ampliado da CNT realizado em Valência em Janeiro de 1938 foi a primeira reunião abrangente da Confederação desde o Congresso de Zaragoza em Maio de 1936. Ele contou com a presença de mais de 800 delegados representando cerca de 1.700.000 membros. As atas não estão disponíveis, sendo necessário consultar os relatórios fragmentados publicados na imprensa, bem como um panfleto publicado pelo Comitê Nacional da CNT no qual estão impressas as resoluções aprovadas pelo plenário. Nesse plenário, nas palavras de Peirats:
Uma das anomalias que se nota é a manifestação antecipada da Comissão Nacional sobre todos os pontos da ordem do dia. Isso entra em conflito com o procedimento tradicional. Embora tenham sido apresentadas todas as opiniões previamente discutidas pelo Comitê Nacional com os delegados presentes no plenário, o procedimento teria sido denunciado em outras circunstâncias como irregular e capcioso. Inadmissível também, em outras circunstâncias, teria sido a intervenção deliberada do Comitê Nacional em todas as discussões e, em particular, na defesa de seus Dictamenes (Opiniões). [93]
Segundo o secretário-geral da CNT, o objetivo do plenário era o exame de algumas questões fundamentais; demonstrar a maturidade alcançada pela organização durante dezoito meses de experiências construtivas no campo econômico; resolver esses problemas com “precisión, claridad y positivismo”, bem como criar a impressão geral de que os trabalhadores eram capazes de resolver os problemas criados pela situação, impondo-se todos os sacrifícios necessários e superando as deficiências existentes. E, finalmente, estudar a situação econômica como um todo “fora de considerações políticas e bélicas” e buscar a solução que fosse mais racional e relevante.
Não é de estranhar, face à crescente centralização da organização, que muitas das resoluções deste plenário procurassem aumentar o poder da administração, tanto no controle e gestão da indústria como na vida interna da organização. Assim, o polêmico ponto quatro da ordem do dia (que foi uma das três únicas resoluções decididas por votação – as demais sendo adotadas por unanimidade) propunha a criação de fiscais do trabalho para aquelas fábricas “que estão nas mãos dos trabalhadores”. A necessidade destes inspetores é explicada num memorando da Comissão Nacional nos seguintes termos:
Sabemos que a esmagadora maioria dos trabalhadores e militantes cumpriram suas obrigações e buscaram por todos os meios aumentar a produção. No entanto, sabe-se que existem minorias totalmente irresponsáveis e ignorantes na retaguarda que não produziram os resultados esperados.
Os fiscais deveriam ser nomeados pela Federação Nacional da Indústria, e suas funções e poderes são resumidos em três títulos:
Estes delegados irão propor as normas esperadas que orientarão eficazmente as diferentes unidades industriais com vista à melhoria da economia e administração. Eles não poderão trabalhar por conta própria; caberá aos encarregados executar e fazer com que outros cumpram as decisões dos conselhos, a quem eles respondem.
Para maior eficiência e funcionamento, e nos casos em que se julgue necessário, os Conselhos proporão que sejam autorizados a aplicar sanções efetivas àqueles organismos ou indivíduos que as tenham merecido por falta de cumprimento de seus deveres.
A organização concordará com a extensão dos poderes coercitivos concedidos aos organismos que têm de fazer uso desse direito e fará o despacho definindo esses poderes. Essas disposições dizem respeito apenas às indústrias que estão nas mãos dos trabalhadores.
Para apreciar o poder real dos fiscais é preciso atentar para o décimo primeiro ponto da pauta que trata do “Estabelecimento de normas de trabalho”. As propostas sobre o assunto incluem a criação de um comitê de controle sindical em cada fábrica:
que participarão do conselho gestor e estarão vigilantes quanto à boa execução dos trabalhos. Ele colaborará e procurará sempre ajudar no aperfeiçoamento dos métodos de trabalho e no aumento da produção. A comissão de controle sindical prestará contas à junta sindical (conselho sindical) de todos os detalhes relativos ao empreendimento. Proporá ao conselho técnico administrativo a indicação de distribuidores e responsáveis pelo empreendimento. Facilitará a exposição dos provocadores, denunciando casos de incompetência que cheguem ao seu conhecimento. Ela se esforçará para melhorar tanto quanto possível as condições materiais de trabalho. Proporá promoções na classificação profissional daqueles que mereceram e não foram notados pela distribuidora. Preocupar-se-á com a higiene, propaganda, o fortalecimento dos laços morais entre os trabalhadores da indústria socializada. Verificará periodicamente as contas e também comunicará as suas críticas e elogios ao Conselho Técnico-Administrativo e à junta sindical, e colocar-se-á à disposição do delegado de trabalho para o que este necessitar.
Além disso, o Conselho Nacional de Economia
Elaborará um guia de regras do produtor, contendo uma lista de direitos e deveres de todos os envolvidos no contrato econômico de produção confederada, resumindo os principais acordos alcançados pelo plenário econômico ampliado.
Mas isto não é tudo. Cada trabalhador terá uma carteira de trabalho, assim como sua carteira sindical e livro de regras do produtor! A finalidade potencialmente perigosa a que se destinava a carteira de trabalho foi revelada na seção que trata do trabalhador insatisfatório. É tão importante que a transcrevemos na íntegra:
O gerente que atuar como responsável na seção de emprego, na produção e no comitê de controle sindical, poderá propor a demissão do trabalhador e, de acordo com o gerente geral, serão tomadas decisões céleres.
No caso de falta injustificada ao trabalho; em casos de atraso persistente; nos casos em que um trabalhador não atinge as metas de produção exigidas; no caso daqueles que tendem a ser “criadores de problemas”, na medida em que criam discórdia entre os trabalhadores e os gerentes (los responsables del trabajo) ou os representantes sindicais.
Uma vez sancionado o despedimento, o trabalhador pode recorrer para a junta sindical, que, aconselhada pelo conselho técnico e administrativo, tem a palavra final.
[Quando um trabalhador é despedido de acordo com as regras acima descritas] a indústria é obrigada a encontrar-lhe trabalho noutro local, fornecendo-lhe o respectivo certificado de trabalho.
Se em um novo local de trabalho ele recaísse em seus maus hábitos e fosse novamente demitido pelo procedimento reconhecido, ele não receberia mais oferta de trabalho naquela área e seria encaminhado pela indústria para outra localidade onde receberia trabalho se fosse considerado necessário.
Se mesmo após essa alteração ocorresse outro lapso, por obstinação, seus antecedentes seriam registrados na carteira de trabalho e na carteira sindical, ficando a critério de seu sindicato a decisão sobre as sanções a serem aplicadas na forma de suspensão temporária do trabalho, sanções que devem ser usadas apenas como último recurso.
Como a contratação de pessoal para qualquer empresa será verificada pela mesa do conselho técnico administrativo do sindicato, todos os trabalhadores e empregados terão um dossiê no qual constarão as suas realizações profissionais e sociais. O conselho técnico administrativo receberá funcionários das diferentes seções do sindicato, que atestarão sua respeitabilidade e capacidade profissional.
Isso é o que a CNT em Janeiro de 1938 descreve como “ organizacion responsable ”! Não hesitamos em qualificar o carnet de trabajo (carteira de trabalho) como um distintivo de escravidão ao qual até os reacionários e acomodados sindicatos da América ou da Grã-Bretanha resistiriam até o último homem, mas que foi adotado pela CNT com 516 votos a favor , 120 contra e 82 abstenções.
Das medidas para reforçar a “unidade da organização”, o ponto 8 da agenda é o mais significativo. Ele pede uma redução drástica no número de publicações publicadas, ostensivamente por causa da escassez de papel, da duplicação desnecessária de cobertura e do número reduzido de “companheiros competentes” para editá-los. Essa palavra “competente” assume um sentido um tanto sinistro quando lemos também que outro motivo para reduzir a imprensa é a necessidade de dar uma orientação homogênea às publicações. “É preciso pôr fim às divergências públicas no movimento.” Para o efeito, foi estabelecido que em Barcelona, Valência e Madrid “devem aparecer jornais matutinos e vespertinos” (deben parecer) enquanto nas outras cidades que estão listadas, “podem ser publicados matutinos” (puede editarse). Esta lei é seguido pelo aviso solene de que
“todos os jornais que não cumpram este plano terão de desaparecer, sendo considerados antieconómicos e desnecessários”.
O que os jornais e periódicos devem imprimir em suas colunas também é declarado categoricamente. Assim, todos os jornais estão “obrigados” (quedan obligados) por decisão do plenário nacional de dedicar uma página ou meia página por dia aos camponeses. Os boletins publicados mensalmente por cada Federação Nacional da Indústria tratarão das atividades da indústria e “não tratarão de forma alguma dos desenvolvimentos políticos e militares, reconhecendo que esses assuntos são da exclusiva competência dos jornais diários”. Da mesma forma, a Federação Nacional dos Camponeses publicará uma revista mensal que
terá de limitar o seu conteúdo ao estudo e orientação técnica [das questões agrícolas] deixando completamente de lado quaisquer referências a aspectos de orientação política e sindical, uma vez que é tarefa exclusiva dos diários tratar dos aspectos políticos e dos boletins tratar os problemas sindicais.
O movimento para controlar a opinião política é extremamente claro. Seria interessante saber quais mudanças ocorreram nas redações dos diários da CNT e o significado político dessas mudanças. E, por último, mas não menos importante, por ordem de quem essas mudanças foram feitas. Essas informações não estão prontamente disponíveis, mas representam parte do material vital necessário para uma avaliação precisa de onde estava o verdadeiro poder da organização durante aqueles anos conturbados.
A direção tomada pela CNT em seu plenário de Janeiro de 1938 é tão flagrante e reacionária que nada mais nos surpreende. Nem mesmo a criação de um comitê executivo do MLE (Movimento Libertário Espanhol) na Catalunha no início de Abril do mesmo ano:
Este comitê executivo funcionará pela seguinte organização interna. Todas as deliberações serão tomadas por unanimidade ou por maioria de votos e, em caso de empate na votação, proceder-se-á à recondução de toda a comissão.
Todos os organismos locais e comarcais dos três movimentos [CNT, FAI, FIJL] aprovarão e executarão as decisões deste comitê.
O comitê executivo do Movimento Libertário será assessorado por uma comissão militar, que terá estudado previamente os diversos problemas.
De acordo com os comitês do Movimento, o comitê executivo terá o poder de nomear os que farão parte dos comitês de assessoria militar e política.
Os poderes executivos deste comitê executivo incluem a expulsão imediata daqueles indivíduos, grupos, sindicatos, moradores, comarcas ou comitês que não respeitam as resoluções gerais do Movimento e o prejudicam com suas ações.
Também penalizarão os membros que derem apoio aos que foram expulsos das três organizações pelos motivos acima mencionados.
Os poderes executivos e punitivos deste comitê se aplicarão às forças da linha de frente, bem como à retaguarda.
Nada restava agora, nem mesmo a ilusão de que a CNT era uma organização revolucionária controlada por seus membros. Agora era fácil chegar a um acordo com os dirigentes da UGT para assinar mais um daqueles pactos de unidade que abundavam numa Espanha que, no entanto, continuava cada vez mais dividida com o passar dos meses.
CAPÍTULO XVIII. O PACTO UGT-CNT
A “evolução” da CNT, evidenciada pelo plenário de Valência em Janeiro de 1938, sem dúvida facilitou as negociações para chegar a um acordo sobre um “Pacto de Unidade” com os sindicatos controlados pelos socialistas da UGT. A intransigência revolucionária de 1936 há muito havia sido substituída nas mentes dos líderes da CNT por uma preocupação com o que eles consideravam a “parcela justa” da organização nos prêmios do governo em todos os níveis, não apenas nas “circunstâncias excepcionais” existentes criadas pela luta armada, mas para o futuro em caso de uma vitória milagrosa sobre Franco.
A única unidade efetiva é aquela forjada pelos próprios trabalhadores em seus locais de trabalho e em suas comunidades; uma unidade nascida de problemas e necessidades comuns e respeito mútuo. Isso ocorreu em muitas fábricas e coletivos na Espanha desde o início, mas era impossível naqueles casos em que, por exemplo, a UGT estava sob a influência política dos comunistas ou dos socialistas de direita. E tudo o que a CNT poderia tentar era respeitar os direitos daqueles que discordavam de suas opiniões sobre a reorganização social e econômica do país e, ao mesmo tempo, defender seus próprios direitos iguais contra interferências externas.
Os dirigentes da CNT e da UGT, ansiosos por chegar a algum acordo quanto à sua respectiva parcela de poder político nos destinos futuros da Espanha, dispuseram-se a eliminar as diferenças que separavam as duas organizações por um pedaço de papel com suas assinaturas e descrito como um Pacto de Unidade! O senso de sua própria importância exibido pelos líderes, sua crença de que problemas humanos reais podem ser contornados com uma espécie de barganha em alto nível são certamente os aspectos mais obscuros da política de poder.
Nos anteprojetos apresentados pela CNT e pela UGT, respectivamente, para o Pacto de Unidade, percebe-se imediatamente que a UGT não fez concessões aos objetivos revolucionários da CNT, com exceção de falar da boca para fora sobre a importância do controle operário , que considerava “uma das maiores e mais valiosas conquistas dos trabalhadores” e exigia que o governo legalizasse o controle operário “que defende os direitos e deveres dos trabalhadores no que diz respeito à produção e distribuição”. A CNT, por outro lado, no que parece ser uma tentativa desesperada de se aproximar da reformista UGT, delineia a função de uma comissão mista nacional como a de “assegurar a participação efetiva do proletariado no Estado espanhol e de empreender defender, agora e sempre, um regime realmente democrático, opondo-se a todas as ideias e ambições totalitárias.” Sobre a questão da “defesa nacional”, a CNT propôs, entre outras coisas, que a Confederação e a UGT deveriam “ajudar de todas as formas na criação de um exército regular eficiente para vencer esta guerra e proteger nossas liberdades no futuro”. A CNT defendeu o controle operário, mas também a formação de um Conselho Econômico Nacional, composto por representantes dos sindicatos e do governo, cuja função seria
produção direta, distribuição, crédito, comércio e questões de compensação, atuando por meio de conselhos nacionais da indústria -que serão constituídos da mesma forma que o Conselho Econômico. [94]
A Federação Anarquista Espanhola, comentando estes documentos, disse que as propostas da UGT eram “do começo ao fim uma recapitulação do ponto de vista do governo”, e que os líderes da UGT não estavam interessados em unidade efetiva e “estão apenas falando de forma extravagante.” Sobre as propostas da CNT, a FAI comentou:
[Eles são] um produto da dupla necessidade de demonstrar nossa vontade de cooperação e de manter nossos princípios. Nele fizemos todas as concessões compatíveis com esta última e com a defesa de nossas conquistas revolucionárias.
A CNT voltou a exigir cooperação e representação no governo antifascista, particularmente nos departamentos de guerra e economia…. Por outro lado, a CNT aceitou a nacionalização das indústrias de guerra, ferrovias, bancos, telégrafos, etc. e fez muitas concessões, reservando apenas o princípio da representação sindical nos conselhos dirigentes dessas organizações. [95]
O Programa de Unidade de Ação entre a UGT e a CNT, resultado das propostas apresentadas anteriormente pelas duas organizações, é um documento que reconhece claramente o poder e a autoridade última do governo e do Estado e busca insinuar organizações, sempre que possível, nas instituições e máquinas do governo e do estado. Mesmo na questão dos coletivos o governo teria a última palavra:
A UGT e a CNT reconhecem que se deve dar forma jurídica aos coletivos e por isso acha que é necessária uma legislação sobre a matéria para definir quais deles devem continuar, as condições de sua constituição e funcionamento e até que ponto o Estado deve ter poder neles.
As coletividades sujeitas à legislação em questão e de reconhecida utilidade econômica serão auxiliadas pelo Estado.
A legislação sobre coletivos deve ser planejada e submetida ao governo pelo Conselho Nacional de Economia. [96]
Quem, somos tentados a perguntar, decidirá quais coletivos são de “utilidade econômica” e para quem? E ao dar aos legisladores poderes para determinar qual deles deve continuar, eles removem a própria base dos coletivos: a de serem criação espontânea das pessoas que neles trabalham.
No programa da CNT-UGT caberá ao governo “controlar a produção e regular o consumo interno, que são a base da nossa política de exportação”. Quanto aos salários:
A UGT e a CNT defendem o estabelecimento de um salário mínimo baseado no custo de vida; tendo em conta tanto o estatuto profissional como a produção individual. Nesse sentido, defenderão o princípio de “aquele que produz melhor e mais, mais será dado, sem distinção de idade ou sexo, enquanto durarem as circunstâncias decorrentes das necessidades de reconstrução nacional”. [97]
Tais métodos de aumentar a produção tornam necessária uma nova burocracia de especialistas em produção, fixadores de taxas, cronometristas e outros parasitas, além do fato de que, no processo, os trabalhadores são divididos e desunidos por queixas. O trabalho por empreitada é a própria antítese da ajuda mútua, sobre a qual se basearam as coletivizações da Revolução Espanhola e que, por exemplo, as distinguiu das coletivas russas.
De fato, outro exemplo dessa tentativa de destruir o espírito de ajuda mútua está contido nas propostas relativas aos coletivos agrícolas. As propostas da UGT-CNT eram de que a terra fosse nacionalizada:
cujos benefícios devem ser preferencialmente repassados aos coletivos e cooperativas rurais, especialmente os constituídos pela CNT e UGT […] O Estado deve adotar uma política de auxílio aos coletivos existentes, em particular os da UGT e da CNT e os sindicatos voluntários legalmente constituídos de trabalhadores do campo”.
O governo teria a tarefa de auxiliar os camponeses na aquisição de máquinas, sementes, etc., e na concessão de créditos através do Banco Nacional de Crédito Agrícola. Assim, o controle estaria sempre nas mãos da autoridade central, e isso só poderia ser alcançado à custa da iniciativa local.
De passagem, deve-se notar que as propostas relativas à agricultura estão em contradição direta com o espírito das decisões tomadas pelos sindicatos camponeses em seu plenário de Valência em Junho de 1937, no qual foi acordado coordenar suas atividades em escala nacional não pela intervenção do Estado, mas pelos próprios organismos dos trabalhadores. E esse espírito de ajuda mútua foi claramente indicado no artigo 26(e) de sua constituição, que diz:
Embora inicialmente as empresas coletivas e individuais se considerem livres para deduzir suas necessidades do que produzem, entende-se, no entanto, que ambas as empresas declaram como objetivo uma distribuição equitativa da produção da indústria agrícola de forma a garantir uma igualdade direito a todos os consumidores de todo o país, no sentido mais amplo da palavra.
As referências ao controle operário no pacto CNT-UGT não passam, na verdade, de uma declaração de que as organizações sindicais participarão de conselhos consultivos conjuntos na indústria, enquanto a destinação de matérias-primas e a produção e distribuição estarão sob a direção do governo. E é óbvio demais para merecer elaboração que sem controle econômico não pode haver controle dos trabalhadores.
Sobre o pacto CNT-UGT, o eminente líder socialista, Luis Araquistáin, disse na época: “Bakunin e Marx se abraçariam por causa daquele documento da CNT” – ao que o semanário anarquista de Barcelona Tierra y Libertad deu a seguinte resposta espirituosa, sem no entanto, fazer qualquer referência específica ao próprio pacto, embora se possa ler em suas observações críticas a desaprovação de todo o documento:
O amor pelas frases frequentemente leva a construir sobre a areia movediça de graves erros históricos. A frase “abraço entre Marx e Bakunin” simboliza uma unidade de ideias divergentes que nem a realidade presente nem as expectativas do futuro podem garantir. É uma frase, portanto, que, quando não qualificada, pode causar muita confusão.
O “abraço” na luta pela reconstrução social entre todos nós? Sim. O “abraço” para aqueles que querem uma revolução que emancipe o proletariado? Sim também. O “abraço” dos combatentes contra um inimigo comum, agora e depois? Sim. Aqueles que seguem os ideais de Bakunin e aqueles que seguem Marx estão unidos hoje e devem estar unidos amanhã para salvar o povo espanhol e sua revolução.
Mas aqueles que continuam como anarquistas e marxistas não obliteraram –nem podem– com um “abraço” as diferenças fundamentais que os separam. Embora a tática revolucionária, a ação direta do próprio proletariado nos una, a linha divisória fundamental permanece. Enquanto nós, os anarquistas, pensarmos que o Estado não pode ser o órgão da revolução, que não deve ser tolerado como uma entidade política que assume a responsabilidade de emancipar o povo; enquanto os marxistas, por outro lado, continuarem a pensar que o Estado deve ser o instrumento, transitório ou não, para a construção de uma sociedade livre – a união completa será impossível.
Marxistas e anarquistas podem chegar a um acordo e cumpri-lo desde que, ao fazê-lo, não violem nenhum princípio essencial. Mas entre a ditadura e a liberdade, entre a centralização do Estado e a associação direta do povo, há uma grande distância que não pode ser transposta a menos que seja reconhecido por todos que a liberdade é a única base para o socialismo real.
Para o revolucionário cujas convicções derivam das lições da história, não há sentimento de raça ou patriotismo que possa obliterar as contradições fundamentais entre as duas teorias; nem é possível uma síntese entre duas correntes históricas que se chocam e se repelem. Há unidade para lutas específicas. Há um “abraço” para uma convulsão revolucionária comum. Mas a autoridade e a liberdade, o Estado e o anarquismo, a ditadura e a livre federação dos povos permanecem irreconciliavelmente antagônicas até que todos entendamos que nenhuma união real é possível exceto pela livre escolha do povo.
Em suma, o “abraço de Bakunin e Marx” só seria real se os socialistas, que segundo Marx querem eventualmente alcançar o anarquismo, desistiriam do paradoxo clássico de recorrer a uma ditadura do estado para suprimir o estado.
Os termos do pacto UGT-CNT nunca foram implementados, embora ambas as organizações tenham oferecido e aceito assentos em um governo remodelado de Negrín após a demissão do ministro da defesa nacional, Indalecio Prieto, e, de acordo com os argumentos apresentados pelos sindicalistas pró-governamentais, deveriam estar em posição de fazer exigências ao governo. [98] Mas essas eram meras ilusões, das quais alguns deles até hoje parecem incapazes de se livrar.
CAPÍTULO XIX. O CULTO DA ORGANIZAÇÃO E DAS PERSONALIDADES
O título deste capítulo pode parecer, à primeira vista, paradoxal, pois alguém poderia supor que o culto da organização como onipotente e onisciente implica a completa sujeição da personalidade individual aos seus comandos. Mas a organização todo-poderosa, seja a Igreja Católica, o Partido Comunista ou o império industrial, é inarticulada sem a “orientação inspirada” do líder, seja ele um papa, um Lênin ou um Ford. Quanto maior a organização, maior a necessidade de submissão geral à sua vontade e a supressão da consciência individual, que é confiada à guarda daqueles que, por motivos diversos, assumem o papel de porta-vozes e guias infalíveis.
Em teoria, a CNT por sua estrutura descentralizada pode parecer ter se protegido contra esses perigos. Na realidade, não era esse o caso e, em nossa opinião, isso acontecia porque o membro individual da CNT, embora mantendo fortemente suas opiniões pessoais, estava sempre muito consciente de pertencer a um grupo ou sindicato, que por sua vez fazia parte de um grupo local que compunha uma federação, que por sua vez fazia parte de uma federação regional, que por sua vez fazia parte de uma federação nacional. A organização existia independentemente dos indivíduos que a ela pertenciam. Era imutável, baseada em princípios que eram invioláveis. Os erros eram humanos, mas a organização era cercada por uma aura quase religiosa, uma sensação de que aconteça o que acontecer, a CNT estará sempre presente. Quando lemos um manifesto do Comitê Nacional que termina “Viva la CNT imortal”, não podemos descartar o adjetivo como pura demagogia, mas devemos igualá-lo a uma fé religiosa. E o fato é que a CNT, ilegal durante grande parte de sua história, ressurgiu vez após vez, quando novamente autorizada a funcionar legalmente mais forte do que nunca, pelo menos numericamente e na boca para o serviço de seus princípios imutáveis. Mas internamente, no plano humano, a luta entre as facções reformistas e revolucionárias também se fortaleceu e sempre pareceu estar ligada a personalidades importantes. A polêmica Peiró-Pestaña em 1929 ilustra tanto o choque de personalidades quanto a abordagem mística da CNT. Peiró, muitos de cujas ações e declarações estavam em contradição direta com os princípios da CNT, no entanto, nunca negou
a imprescindibilidade da natureza permanente e essencial dos princípios básicos. Os congressos confederados podem modificar todos os princípios da CNT que considerem que devem ser modificados. O que nenhum congresso pode fazer, e menos ainda, o que nenhum homem, por maior a “visão de realidade” ou “espírito prático” que possua, pode fazer é negar os princípios que são a base essencial, o fundamento e a razão de ser, da CNT: antiparlamentarismo e ação direta…. Pois se fosse possível, então a CNT não teria razão de existir. E eu, agora, simplesmente defendo aquilo que dá à CNT sua razão de ser. [99]
Menos de um ano depois, em 1930, o nome de Peiró figura entre os signatários de um Manifesto sobre a Inteligência Republicana , que pretendia criar uma Frente Popular para concretizar uma espécie de programa político e social democrático. Um mês após sua publicação, a seguinte declaração de Peiró foi publicada na Acción Social Obrera :
Sempre acreditando na franqueza, incapaz de esconder do conhecimento público o que faço em particular, acrescentei minha assinatura a um manifesto político…. É claro que ao assinar o manifesto eu estava em conflito com minhas ideias, e afirmo que minha ação, certa ou errada, foi realizada com pleno conhecimento dessa contradição. Eu notifico formalmente que foi então e é agora uma ação inteiramente pessoal. Ninguém poderia dizer que tentei influenciar outros a seguirem meus passos. Trata-se de gestos em que o indivíduo tem que agir espontaneamente.
No entanto, só ontem recebi declarações alertando-me de que minha ação pessoal não é apenas desprezível e um erro flagrante, mas também carrega em si certos perigos, contra aquilo que está acima de mim. E porque eu não podia e não queria prejudicar o que me é querido, percebi que só havia dois caminhos abertos para mim: ou retirar minha assinatura daquele manifesto ou ser submerso em meu próprio ostracismo…
Portanto, declaro que para evitar qualquer tipo de perigo contra aquelas coisas que para mim devem ser sagradas, a partir deste momento cesso toda atividade no campo das idéias e na imprensa da organização e assumirei meu lugar como mais um entre os muitos que em silêncio seguem as vanguardas que guiam nossas fortunas.” [100]
Oito anos depois, Peiró explica como foi possível que aquele que, por razões táticas, se opunha à entrada da CNT no governo pudesse, no entanto, ter-se tornado ministro: “O pensamento independe da disciplina. O pensamento pertence ao indivíduo, tudo o mais ele deve à coletividade, à organização a que pertence.”
Ficaríamos tentados a comentar longamente estes, para nós, importantes documentos que ajudam a explicar como foi possível em 1936 aos dirigentes –ou se preferirmos a expressão de Peiró “as vanguardas que guiam”– seguir políticas em contradição direta com os princípios há tanto defendidos em congressos e na imprensa. Cada compromisso, cada desvio, foi explicado, não era uma “retificação” dos “princípios sagrados” da CNT, mas simplesmente ações determinadas pelas “circunstâncias” e que, uma vez resolvidas, haveria um retorno aos princípios.
O membro da CNT não poderia atuar como pessoa física. Cumplir con su deber, uma exortação mil vezes repetida na imprensa confederal e na plataforma pública, significava afundar os valores e sentimentos pessoais pelo interesse maior da organização.
Um militante, Marcos Alcón, conta que, ao recusar uma ordem da federação local da CNT para assumir um cargo no município, foi convocado para uma reunião na qual estiveram presentes delegados da federação local e do Comitê Regional. Depois de expor os motivos da não aceitação do cargo, foi informado pelo secretário regional, Mariano Vázquez, que “meu dever de militante exigia que eu fosse aonde a Organização me mandasse”.
Alcón foi um dos militantes que resistiu, situando a organização em sua devida perspectiva. Ele declarou:
Pertenço à CNT porque acredito que representa os objetivos que perseguimos. Quando não cumprir o papel que lhe atribuímos e tiver a presunção de me obrigar a trair as minhas convicções pessoais, deixarei de lhe pertencer.
Ou seja, a organização deve servir ao homem, não o homem à organização. Mas parece-nos que o culto da organização é ao mesmo tempo sua força e sua fraqueza. Numa organização antiautoritária a conquista dessa força contém também os germes de sua destruição, pois pressupõe que a organização pense e aja como um só homem, e para isso torna-se necessário construir personalidades dominadoras cuja palavra não é questionada e cujas ações são irrepreensíveis. As personalidades dominantes eram os oradores destacados e os “homens de ação”. Como destaca Ildefonso González:
Vários homens que durante muitos anos dedicaram a sua vida à ação, na qual muitas vezes também perderam a vida, pertenciam à FAI e envolviam-se numa aura mística. Cegos pelos resultados “práticos” e momentâneos de sua atividade, eles criaram uma espécie de doutrina da ação. [101]
Um desses homens foi García Oliver, e seu passado “glorioso” conferiu-lhe em Julho de 1936 um tremendo prestígio e poder aos olhos dos trabalhadores. Em todas as ocasiões possíveis, a imprensa confederal e o departamento de propaganda adicionaram glamour ao seu nome. Essas personalidades tinham que ser continuamente mantidas sob os olhos do público. Até o ponto que os bajuladores chegaram a exibir em um relatório publicado no Solidaridad Obrera (29 de Agosto de 1936) por ocasião da partida de Oliver para o front. Ele é descrito como “nosso querido camarada”, “o militante notável”, “o camarada corajoso”, “nosso camarada mais amado”, que, continua o artigo:
com sua cálida eloquência levantou tempestades de rebeldia nas grandes assembléias de trabalhadores, que eletrizou o povo nas praças públicas com suas palavras simples, e que desafiou as balas com sua proverbial coragem, está prestes a partir mais uma vez para o local de perigo.
O departamento de propaganda da CNT-FAI, em seu Boletim Informativo, dedicou toda a primeira página de uma edição a um perfil de “Um Homem – García Oliver”:
Homens como este camarada devem ocupar cargos de destaque e responsabilidade a partir dos quais possam comunicar aos seus irmãos a sua coragem e o seu dinamismo. E diríamos mesmo -a sua estratégia.
O seu dinamismo, aliado à seu destemor, é como uma invencível linha de baionetas (valladar) contra o fascismo. Além disso, veríamos então os combatentes recuperarem aquele espírito de sacrifício que os fazia erguer-se, enfrentando os perigos de uma luta desigual com o peito nu.
Os homens, levados adiante por um símbolo, morrem sorrindo; assim morreram os nossos milicianos e assim morrerão os homens, hoje soldados do Exército Popular, moldados (plasmados) pelo espírito do camarada García Oliver. [102]
Também são feitas referências ao seu “gênio criativo” e comparações com “aquela outra grande figura, nosso imortal Durruti, que se levanta de sua tumba e grita: 'Avante'”. Essa inacreditável demagogia mística não é um exemplo isolado. A imprensa confederal da época nos fornece exemplos ilimitados. O que é igualmente grave é que pessoas como García Oliver obviamente pensavam em si mesmas nesses termos exaltados, como é evidenciado, por exemplo, pelo discurso transmitido por ele na época das Jornadas de Maio em Barcelona:
Vocês me conhecem bem o suficiente para entender que nesses momentos eu trabalho pelo impulso da minha vontade mais livre (liberrima), porque vocês me conhecem bem o suficiente para estar convencido de que ninguém, antes ou agora, ou no futuro, ninguém consegue extrair de meus lábios uma afirmação que não é sentida por mim. Sim, tendo dito isso, devo declarar: todos os que morreram hoje são meus irmãos; Eu me ajoelho diante deles e os abraço a todos igualmente. Saúde! camaradas trabalhadores da Catalunha.
A imprensa, o rádio e a plataforma pública podem ser tanto armas para a emancipação do homem quanto para sua sujeição. Eles são sempre perigosos quando monopolizados por algumas pessoas. É significativo que a maioria dos gigantes da oratória do movimento revolucionário na Espanha se tornaram os reformistas, os revisionistas e os políticos. Em nossa opinião, o processo de desintegração só foi interrompido pela vitória de Franco. [103] Mesmo assim, os efeitos ainda são visíveis nos revolucionários espanhóis no exílio, entre os quais as ideias colaboracionistas e intervencionistas dividiram o movimento em dois campos opostos, amargamente hostis um ao outro.
Nem é preciso dizer que uma organização que incentiva o culto ao líder não pode também cultivar entre seus membros um senso de responsabilidade absolutamente fundamental para a integridade de uma organização libertária. Como já apontamos mais de uma vez, foi uma sorte que um grande número de trabalhadores da CNT não fosse hipnotizado por esses super-homens. No entanto, eles foram incapazes, na deterioração da situação econômica e política, para restaurar o movimento revolucionário à sua posição tradicional. Muitas “lideranças de militantes” ocupavam posições de poder –e devemos enfatizar o fato de que eram posições importantes. [104]
Seria um estudo revelador se fosse feita uma lista dos membros da CNT-FAI que naqueles anos assumiram cargos de poder no estado e governo reconstituídos, e se ao lado de cada um fosse indicada a atual filiação política ou ponto de vista das pessoas em questão. Acreditamos que tal documento forneceria uma das lições mais importantes a serem aprendidas com a agitação social que ocorreu durante 1936-1939. Certamente seria um aviso para futuros movimentos revolucionários e uma confirmação adicional da validade da teoria anarquista sobre o efeito corruptor da autoridade e do poder.
CAPÍTULO XX. A RESPONSABILIDADE DA BASE
Uma das críticas dirigidas à edição original em inglês do presente trabalho por leitores simpatizantes e hostis foi que havíamos enfatizado demais as falhas dos líderes da CNT-FAI e, ao mesmo tempo, para usar as palavras de um escritor, sido “excessivamente caridoso” com os membros comuns das organizações revolucionárias. [105] Acreditamos que suas críticas sejam válidas, embora também acreditemos que erramos na direção certa! E pelas mesmas razões que em A Revolução dos Bichos de Orwell, embora Boxer, o cavalo trabalhador e disposto, fosse, do ponto de vista da fria análise histórica, uma criatura simples e crédula, dessa “revolução” ele sai o mais humano (ou o que quer que seja equivalente em termos animais) e personagem inesquecível; aquele que, apesar dos porcos da Granja dos Bichos, continua sendo a esperança ardente para o futuro.
Se alguém parar para se perguntar: que aspecto da luta na Espanha justifica a aplicação da palavra “revolução”, chama a atenção o fato de que foi apenas no nível de homens e mulheres anônimos, nos campos e fábricas e nos serviços públicos, nas aldeias e entre os milicianos dos primeiros dias, vislumbrou-se uma mudança radical e revolucionária na estrutura social e econômica da Espanha. Politicamente, ou seja, no nível governamental em que os líderes revolucionários operavam, todos os conceitos de estado e governo permaneceram incontestados. (O Parlamento, é verdade, embora não tenha sido dissolvido, não funcionou. Mas pode-se argumentar igualmente que a destituição do Parlamento sem a abolição do governo é, no mínimo, um grande passo em direção à ditadura; certamente não é um passo revolucionário no sentido progressista.) Acalentava-se, entretanto, a ilusão de que a natureza do governo poderia ser mudada para o bem. Nas palavras de Federica Montseny, a “intervenção direta” da CNT no governo central “foi considerada por nós como a revolução de maior alcance que se fez nos campos político e econômico”.
Já as descrevemos como ideias reformistas ultrapassadas, inclusive aquela que acredita que a presença de ministros da CNT em um governo dá aos trabalhadores “representação direta” nos destinos econômicos e políticos do país.
Podemos entender – sem, no entanto, compartilhar da opinião – que os trabalhadores revolucionários possam considerar que, desde que possam fazer sua revolução social no ponto de produção, as intrigas e a procura de emprego entre os políticos e seus próprios líderes não eram preocupação deles. E essa visão foi encorajada pelo fato de que nos primeiros meses de luta as diretrizes e decretos emanados do governo, sem falar nas exortações patrióticas dos comitês da CNT-FAI, foram geralmente ignorados. Mesmo quando o governo havia restabelecido sua autoridade, fica claro por seus atos de resistência que os trabalhadores e camponeses não haviam se convertido à ideia de que a revolução social poderia ser alcançada por meio do governo,
A base viu –ou “instintivamente sentiu”– mais claramente do que os líderes, e não temos dúvidas de que a ação dos trabalhadores em erguer as barricadas em Barcelona em Maio de 1937 foi uma última tentativa desesperada de salvar a revolução do estrangulamento dos jacobinos e dos políticos reacionários que se insinuaram mais uma vez em posições de poder. Barcelona em Maio de 1937 foi para a Revolução Espanhola o que Kronstadt, dezesseis anos antes, havia sido para a Revolução Russa. [106]
Havia pelo menos três maneiras pelas quais o movimento revolucionário poderia expressar sua desaprovação às ações contrarrevolucionárias do governo e dos vários comitês da CNT-FAI:
Revogando e substituindo os membros dos comitês. Tanto quanto sabemos, isso não foi feito em nenhum momento durante a luta, mas carecemos de documentação que indique que em algum momento os trabalhadores de seus sindicatos ou das forças armadas estiveram em posição de expressar de forma deliberada sua aprovação ou desaprovação das atividades dos comitês. [107]
Através de discussão na imprensa confederal. Como mostramos em capítulos anteriores, a imprensa estava sendo cada vez mais controlada pelos comitês, que além de sua obsessão em fazer o público acreditar que a organização estava “unida”, em fazê-la falar a uma só voz -a dos “comitês responsáveis”, é improvável que eles permitiriam que a imprensa seja usada para criticar suas atividades. Se alguém quer sustentar o mito da liderança inspirada, ninguém deve ser autorizado a declarar que tem pés de barro!
Pela resistência direta às ordens e decretos. Aqui há evidências consideráveis de desaprovação. De um modo geral, porém, a resistência não foi coordenada (exceto, é claro, nas primeiras semanas), e os trabalhadores se viram diante de um fato consumado ao qual sucumbiram não porque estivessem convencidos, mas, em parte, por uma lealdade equivocada à “luta antifascista” e pela consciência de que o governo tinha então a força necessária para esmagar a resistência, bem como para contar com o apoio dos líderes da CNT.
Para ilustrar a resistência à intervenção do governo nas conquistas revolucionárias dos trabalhadores, bem como a duplicidade dos líderes da CNT, vamos considerar dois incidentes em detalhes, um que ocorreu depois das Jornadas de Maio de 1937, o outro antes.
A primeira foi na Catalunha, onde, após a derrota do levante de Franco, a maior parte dos serviços públicos, incluindo os espetáculos públicos, foram assumidos pelos trabalhadores. Por alguma razão, este serviço permaneceu fora do decreto de coletivização de Outubro de 1936.[108] Mas em 1º de Fevereiro de 1938, o departamento de economia da Generalitat anunciou que a indústria estava sendo assumida pela Comissão Controladora de Espetáculos Públicos da Catalunha, composta por três nomeados da Generalitat e o subsecretário do departamento. Pode-se imaginar que os três indicados, todos pertencentes à CNT, tenham sido indicados pelos respectivos sindicatos. De jeito nenhum. Neste caso particular, temos o testemunho em primeira mão de um membro ativo da indústria afetada pela ordem. [109]
Fica claro no relato de Marcos Alcón que todo tipo de pressão foi exercida pelo Comitê Regional que conseguiu apenas dividir os trabalhadores. Não conseguindo convencê-los, mesmo com a isca de três cargos no ministério que iria assumir, o passo seguinte foi publicar o decreto de intervenção e enfrentá-los com o fato consumado. A isso responderam com a greve geral da indústria. Isso resultou em mais negociações com o Comitê Regional, que, como último recurso, encaminhou o assunto à recém-formada comissão executiva (cujo presidente era ninguém menos que García Oliver), que respondeu que “temos que aceitar”. A luta terminou, mas pode-se supor com segurança que as conclusões tiradas pelos membros da base foram que os comitês regionais e executivos estavam trabalhando para a Generalitat e não para eles.
O segundo caso que apresentamos ao leitor refere-se aos incidentes ocorridos no Centro Operário de Vinalesa, que resultaram na morte de vários camponeses pelas forças do governo. Resumidamente, os fatos são estes. No início de 1937, um decreto foi emitido pelo Ministério do Comércio assumindo todas as transações relacionadas à exportação de bens e produtos (que muitos dos coletivos vinham realizando). Entre outras coisas, isso significava que o governo controlaria e disporia da moeda estrangeira recebida em pagamento por essas exportações. O decreto foi naturalmente visto com desconfiança pelos coletivo, que resistiram. O governo respondeu enviando guardas armados para Vinalesa. Novamente eles foram combatidos.[110]
No plenário regional dos sindicatos camponeses do Levante, realizado em Valência em Março daquele ano, o incidente de Vinalesa foi discutido pelos delegados que também protestaram contra a ação do governo e pediram a libertação dos membros da CNT de Torres de Cuarte.
O Comitê Nacional sugeriu que os incidentes poderiam ser atribuídos a indivíduos “infiltrados” nos sindicatos e no país para fomentar incidentes desagradáveis, apelando a todos para que evitem encorajar tais situações, que, aliadas à cegueira mental das autoridades, podem resultar em massacres generalizados. Em seguida, apresentou sua explicação dos incidentes, que em sua opinião haviam ajudado o inimigo, acrescentando que ninguém se preocupou em informar previamente os Comitês Regionais e Nacionais sobre o que estava para acontecer, nem sobre uma mobilização realizada sem seu conhecimento ou autorização. O Comitê havia levantado a questão daqueles que haviam sido presos e havia sido assegurado de que não sofreriam nenhuma injustiça. Além disso, havia tomado providências para exigir outras garantias para evitar o surgimento de ocorrências semelhantes. Apelou a todos para que não façam absolutamente nada sem antes consultar as Comissões “que têm de assumir a responsabilidade pelo que acontece”.
A afirmação do Comitê Nacional de que “ninguém se deu ao trabalho de avisar previamente o Comitê da CNT” é de particular interesse porque o então ministro do comércio era membro da CNT, Juan López! Ele emitiu o decreto, presumivelmente sem consultar os trabalhadores dos coletivos, pois, quando o governo tentou implementá-lo, eles resistiram. E qualquer que fosse o departamento do governo responsável pelo uso da força armada contra os camponeses de Vinalesa, o ministro do comércio, como tal, e membro do governo, compartilhava a responsabilidade por essa ação.
Dos dois exemplos que discutimos, fica bastante claro que os trabalhadores revolucionários tiveram sua parcela de responsabilidade por permitir que o governo reestabelecesse seus quadros e sua autoridade e por permitir o crescimento de uma liderança dentro de sua própria organização. Eles pagaram caro por sua ignorância política e boa fé. Mas não se pode igualar sua responsabilidade com a dos revolucionários com longos anos de experiência de luta e até sofrimento, que não apenas não alertaram os trabalhadores sobre os perigos do poder executivo, como também o advogaram e fizeram proveito da notoriedade pública.
CAPÍTULO XXI. ALGUMAS CONCLUSÕES
Com sentimento de humildade, embarcamos neste breve estudo da Revolução Espanhola, e agora, tentando tirar nossas conclusões, não nos propomos a assumir o papel do estrategista político-militar cujo projeto teria garantido a vitória. Deixamos esta tarefa para quem possa ter tais presunções. O fato de termos manifestado nossa indignação contra aqueles homens que na Espanha usurparam suas funções de representantes para se tornarem diretores dos destinos de seus semelhantes é, acreditamos, prova suficiente de que em nossas críticas não pretendemos nos colocar em uma posição semelhante à deles. Mas o que aconteceu na Espanha –e em particular o papel desempenhado por aqueles que declararam estar agindo em nome do anarquismo, do comunismo libertário, e da revolução social, é de profunda importância internacionalmente para todos os que se autodenominam anarquistas e revolucionários.
Mas devemos primeiro expressar nosso ponto de vista de que as lições da experiência espanhola não têm relação com a validade do anarquismo como filosofia de vida. Anarquistas e libertários estão buscando uma forma de sociedade na qual todos os homens e mulheres sejam livres; livres para viver o tipo de vida em que encontrarão realização e senso de propósito. Não implica uniformidade e conformidade, nem garantia de felicidade eterna. Baseia-se não em uma fórmula científica, mas em nossas emoções, nossos sentimentos pelo tipo de vida que gostaríamos de levar. Tudo o que a ciência faz por nós é confirmar que fundamentalmente a grande maioria de nossos semelhantes deseja e precisa de ambientes semelhantes de liberdade para se desenvolver. Se a ciência, por outro lado, indicasse o ponto de vista contrário, não destruiria a validade de nossas aspirações. Tudo o que isso indicaria é que as dificuldades no caminho para se chegar à sociedade anarquista seriam ainda maiores do que são atualmente. E isso não é um obstáculo intransponível, a menos que se acredite em algum tipo de escravidão da mente à infalibilidade científica.
A importância, portanto, que um estudo crítico da Revolução Espanhola tem para os anarquistas não é dos objetivos do anarquismo, mas dos meios pelos quais se espera alcançá-los. Levanta também o sempre recorrente problema do papel dos anarquistas em situações, ainda que revolucionárias, nas quais é claro que a solução não pode ser anarquista.
É consenso geral entre os anarquistas espanhóis (FAI) e sindicalistas (CNT) que a situação criada pela insurreição dos militares e a reação dos trabalhadores a ela nos primeiros dias não poderia ser resolvida com sucesso pela CNT-FAI e seus simpatizantes sem colaboração de outros elementos.
A fim de interpretar com a maior precisão possível seu ponto de vista, devemos acrescentar que muitos militantes declararam desde então que haviam subestimado a extensão do levante e, por causa disso, muito tempo valioso foi perdido. Se os sucessos iniciais tivessem sido seguidos, eles argumentam, organizando colunas armadas imediatamente, Franco não teria tido tempo de reorganizar suas forças, e o levante teria sido destruído antes que a maior parte de seu potencial de guerra no Marrocos pudesse ser colocado no campo. Também é opinião geral que se tivesse havido acordo com a UGT desde o início, não teria sido necessário fazer quaisquer concessões aos políticos.
Na verdade, como vimos, foram muitas as dificuldades de natureza política de ambos os lados que impediram esta união das duas organizações e, nas circunstâncias, para a direção da CNT, o problema passou a ser escolher entre o mal maior ou mal menor: ou a vitória sobre Franco por meio de um governo moderado da Frente Popular ou uma vitória de Franco com tudo o que isso pode acarretar. Não pode haver dúvida de que suas decisões foram tomadas nos primeiros dias da luta, quando a ação revolucionária dos trabalhadores, como a expropriação e reorganização dos serviços públicos essenciais sob o controle dos trabalhadores, estava em seus estágios iniciais. Como resultado, longe de garantir que a revolução fosse tão abrangente quanto os trabalhadores foram capazes de conduzi-la, sua decisão de reconhecer o Estado e a autoridade do governo democrático criou confusão nas fileiras dos trabalhadores e, em vez de tentar destruir a instituição burguesa através da criação de organismos revolucionários, eles se viram ocupando cargos nessas mesmas instituições que toda a sua experiência havia ensinado que devem ser destruídos como o primeiro passo em qualquer revolução completa. Como um observador apontou com razão nos primeiros meses da luta, “Uma velha regra sobre revoluções foi mais uma vez confirmada; uma revolução deve ser levada até o fim, ou é melhor nem começar”[111].
Tendo decidido contra uma tentativa de destruir o estado burguês, sozinha se necessário, a CNT-FAI aceitou o mal menor; que qualquer coisa era preferível a Franco, que todo compromisso deveria ser feito em nome da unidade e pela vitória sobre Franco, justificando essa posição com base no fato de que a derrota significaria também a derrota de todas as conquistas revolucionárias feitas pelos trabalhadores. [112]
Por outro lado, os governos de Barcelona e Madrid(este último, recorde-se, só depois de terem falhado as tentativas de conciliação com Franco) também perceberam que não poderiam vencer a guerra contra Franco sem o apoio da CNT-FAI. E em um esforço desesperado para evitar a derrota estavam preparados para fazer concessões consideráveis aos trabalhadores revolucionários, que eles obviamente retirariam assim que sentissem que o perigo imediato de Franco havia passado e o aparato quebrado do governo era novamente forte o suficiente para impor obediência.
As questões que uma organização revolucionária em tal situação deve procurar responder são:
Qual a melhor forma de promover a causa comum (isto é, a luta contra Franco)?
Que medidas devem ser tomadas para ampliar e consolidar a revolução social?
Como o governo pode ser impedido de aumentar seu poder, que eventualmente usará para promover a contra-revolução?
A CNT-FAI procurou responder a essas questões por meio da participação no governo e em todas as instituições governamentais. Seus argumentos podem, acreditamos, ser resumidos da seguinte forma:
Que o governo central seria o ponto de encontro de todos os setores “antifascistas”; que poderia organizar um exército popular com um comando unificado; que controlava as finanças e, portanto, estava em condições de comprar armas e matérias-primas necessárias para travar a luta;
Que tendo representantes da CNT no governo seria possível legalizar as conquistas revolucionárias e influenciar os demais ministros na direção de novas legislações “revolucionárias”;
que somente estando no governo poderiam ser salvaguardados os interesses dos trabalhadores, e qualquer tentativa de minar a revolução seria impedida pelos ministros da CNT naquele governo.
Anarquismo e Sindicalismo
Em organizações com seguidores de massa, a pequena minoria anarquista só pode manter sua identidade e exercer uma influência revolucionária mantendo uma posição de intransigência. Com isso não queremos dizer que eles devem se opor às ações que os trabalhadores possam tomar para melhorar sua situação econômica e condições de trabalho. Pelo contrário, os anarquistas devem ser os primeiros a encorajar tal atividade, reconhecendo, no entanto, que tal atividade é essencialmente reformista e não pode por si mesma resultar na revolução social que visa a abolição de todas as classes e privilégios.
De fato, como vimos nos sindicatos, as negociações para aumentos salariais, devido à complexidade de todo o cenário econômico e às sérias repercussões que os aumentos salariais em uma indústria podem ter em outras indústrias e no custo de vida em geral, são na verdade, não mais lutas entre trabalhadores e empregadores. São questões decididas a nível governamental, por tribunais em que eminentes juristas interpretam acordos em relação a índices de custo de vida e outras estatísticas e cujas decisões vinculam trabalhadores e empregadores. Talvez tenhamos colocado o caso extremo, mas representa uma tendência definida, particularmente nos países altamente industrializados. A organização de massas, em vez de ser uma arma de luta contra a injustiça econômica e o privilégio, torna-se uma vasta prisão na qual o indivíduo perde a sua identidade, uma engrenagem indefesa na máquina capitalista de produção e estatística no custo de vida.
Mas parece-nos que tais perigos estão presentes mesmo em uma organização sindicalista de massa (e apesar do espírito revolucionário que pode ter guiado seus fundadores tanto na formulação de seus objetivos e princípios quanto nas salvaguardas escritas em sua constituição para impedir o crescimento de uma burocracia interna) no momento em que tal organização abre suas portas a todos os trabalhadores. [113]. Aqui, certamente, reside o dilema: para uma organização de trabalhadores ser bem-sucedida em seu papel imediato de melhorar as condições de seus membros, ela deve falar a uma só voz –ou seja, deve ter como objetivo ter uma adesão de massa. Mas exigir que os trabalhadores que ingressam devam primeiro subscrever os objetivos ideológicos da organização significa que eles devem ser submetidos a algum teste político. Tais testes podem garantir a homogeneidade política da organização, mas também a condenarão a não ter seguidores em massa. De fato, em organizações como a CNT, embora seus objetivos declarados fossem o comunismo libertario, admitia todos os trabalhadores, independentemente de suas simpatias políticas ou da falta delas. Muitos trabalhadores aderiram à CNT simplesmente porque ela defendia energicamente seus interesses na luta cotidiana; outros talvez porque em sua localidade particular a CNT fosse numericamente mais forte que a UGT. E deve-se acrescentar a esse respeito -e também porque ajuda a explicar em parte como os comitês conseguiram ganhar cada vez mais poder para dirigir as políticas da CNT- que durante a luta contra Franco, a adesão às duas organizações operárias mais do que duplicou porque todos os trabalhadores foram obrigados a aderir a uma ou outra destas organizações.
Alguns revolucionários sugerem que uma solução para este dilema é a criação de uma organização sindicalista revolucionária ideologicamente pura cujos membros também sejam membros da organização de massas. Mas tal organização seria sindicalista em sua estrutura, mas um partido revolucionário de fato e, como foi provado na prática, está fadado ao fracasso.
Por causa dos pontos de vista que expressamos, os anarquistas são frequentemente referidos como “individualistas”, termo que significa que eles se opõem à organização e à disciplina que envolve a participação em uma organização. Até certo ponto, os próprios anarquistas são responsáveis por essa confusão. Dentro do movimento anarquista existem aqueles que acreditam que nossas atividades devem se concentrar na criação de um sindicalismo revolucionário –ou mais precisamente, uma organização anarco-sindicalista- para contrariar o reformismo dos sindicatos. Outros, ao contrário, acreditam que nossas energias devem ser usadas para difundir as ideias anarquistas entre nossos companheiros de trabalho e em todas as direções abertas a nós, ao mesmo tempo participando da luta dos trabalhadores onde pudermos, sem perder nossa identidade como anarquistas, já que nosso objetivo é para infundir esses trabalhadores com idéias revolucionárias. Como esses anarquistas não acreditam que a criação de uma organização anarco-sindicalista seja um primeiro passo essencial na construção de um movimento revolucionário consciente e militante, a tendência entre aqueles que acreditam é se referir a eles como “anti-organizacionais” e até mesmo “ individualistas”.
Devemos assumir, por razões de espaço, que o leitor está familiarizado com os princípios do anarco-sindicalismo. A nosso ver, as diferenças existentes entre anarquistas e anarco-sindicalistas não são ideológicas, mas sim diferenças de apreciação.
Para ser consistente, o anarco-sindicalista deve, acreditamos, manter a visão de que a razão pela qual os trabalhadores não são revolucionários é que os sindicatos são reformistas e reacionários, e que sua estrutura impede o controle de baixo e encoraja abertamente o surgimento de uma burocracia que toma todas as iniciativas em suas próprias mãos, etc. Isso nos parece uma visão errônea. Pressupõe que o trabalhador, por definição, deve ser revolucionário, em vez de reconhecer que é tanto produto (e vítima) da sociedade em que vive quanto todos nós, mais ou menos. E os sindicatos, assim como outras concentrações autocontidas de seres humanos, como prisões, exércitos e hospitais, são cópias em pequena escala da sociedade existente com suas qualidades, bem como suas falhas.
Em outras palavras, os sindicatos são o que são porque os trabalhadores são o que são, e não o contrário. E por esta razão, aqueles anarquistas que estão menos interessados na organização operária revolucionária consideram o problema da organização como secundário ao do indivíduo.; que hoje não faltam pessoas capazes de se absorver nas negociações cotidianas entre trabalhador e empregador, mas são muito poucas para apontar a futilidade de tal ação como um fim em si mesma. E não temos medo de que, quando um número suficiente de trabalhadores se tornar revolucionários, eles irão, se acharem necessário, construir suas próprias organizações. Isso é bem diferente de criar primeiro a organização revolucionária e depois procurar os revolucionários (nos sindicatos reformistas nos quais se encontra a maioria dos trabalhadores).
Introduzimos este longo parêntese sobre a relação entre anarquistas e sindicalistas, porque tem uma influência tão importante no papel do movimento revolucionário –e em particular do anarquista– na Espanha, tanto antes quanto durante a luta contra Franco.
Desde sua fundação em 1910, a CNT raramente esteve livre de lutas internas entre os elementos reformistas ou revisionistas e os anarquistas cuja tarefa específica era manter o espírito anarquista com o qual a organização havia sido infundida por seus fundadores. Essas lutas foram em parte reflexos dos eventos mundiais (como a guerra de 1914-1918, na qual alguns eram pró-Aliados, outros neutros, ou a Revolução Russa, que resultou em deserções entre membros proeminentes, incluindo Nin e Maurín, que vieram a se tornar os fundadores do Partido Comunista Espanhol -e mais tarde suas vítimas).
Eles também foram exacerbados pelo fato de que muitas vezes essas lutas também eram confrontos entre aspirantes a líderes da organização. Homens como Seguí, Pestaña, Peiró desempenharam papéis dominantes -pode-se até dizer pessoais– no desenvolvimento da CNT, e embora eventualmente a posição revolucionária tenha prevalecido nos manifestos e resoluções da organização, em ação a tendência reformista e revisionista continuamente se manifestou, seja pela ação de indivíduos que então apresentaram à organização o fato consumado(Seguí por seu pacto com a UGT; Nin ao assumir a responsabilidade de filiar a CNT à Terceira Internacional) ou por negociações nos bastidores com políticos: “Pedi para falar”, disse Juan Peiró no Congresso da CNT realizado após a proclamação da República em 1931 “para afirmar que desde o ano de 1923 nem sequer um Comitê Nacional, nem sequer um Comitê Regional, deixou de estar em contato com os elementos políticos” continuou “não para instaurar a República, mas para conseguir livrar-se da ditadura de Primo de Rivera”. E durante o período 1936-1939 esta atividade política atingiu seu clímax com a participação efetiva da CNT no governo com todas as suas consequências. E não há indícios de que o revisionismo da CNT tenha terminado com a derrota. A posição do MLE (Movimento Libertário Espanhol) na Espanha hoje (1957) não é clara; no exílio, divide-se em dois campos, a maioria defendendo o retorno aos princípios revolucionários da CNT e a minoria a favor da continuação, ou mesmo da extensão, da política colaboracionista. E durante o período 1936-1939 esta atividade política atingiu seu clímax com a participação efetiva da CNT no governo com todas as suas consequências. E não há indícios de que o revisionismo da CNT tenha terminado com a derrota. A posição do MLE (Movimento Libertário Espanhol) na Espanha hoje (1957) não é clara; no exílio, divide-se em dois campos, a maioria defendendo o retorno aos princípios revolucionários da CNT e a minoria a favor da continuação, ou mesmo da extensão, da política colaboracionista. E durante o período 1936-1939 esta atividade política atingiu seu clímax com a participação efetiva da CNT no governo com todas as suas consequências. E não há indícios de que o revisionismo da CNT tenha terminado com a derrota. A posição do MLE (Movimento Libertário Espanhol) na Espanha hoje (1957) não é clara; no exílio, divide-se em dois campos, a maioria defendendo o retorno aos princípios revolucionários da CNT e a minoria a favor da continuação, ou mesmo da extensão, da política colaboracionista.
Qual tem sido o papel dos anarquistas nessas lutas internas da CNT? Em uma conferência nacional anarquista realizada em Barcelona no inverno de 1918, com o propósito específico de discutir qual deveria ser a relação dos anarquistas com a organização sindicalista, foi acordado que embora um movimento de massas de trabalhadores como a CNT não pudesse ser descrito como anarquista, “deve estar impregnado tanto quanto possível com o espírito libertário ou anarquista e ser conduzido e dirigido por eles”. [114] Em 1922, em um congresso de grupos anarquistas realizado em Madrid, foi resolvido:
“que todos os anarquistas deveriam se inscrever na CNT e tratá-la como seu campo especial de ação. Até aquele momento, muitos haviam se mantido distantes da organização sindicalista, que lhes parecia representar uma concepção estreita do anarquismo como uma filosofia para todos os homens; agora era urgente que eles exercessem toda a sua influência sobre ela, se não quisessem vê-la capturada pelos bolcheviques, que estavam praticando suas táticas de infiltração habituais”. [115]
A política de fazer da CNT “seu campo específico de ação” só poderia resultar na perda da identidade e independência anarquista da FAI, ainda mais quando tantos dos líderes da CNT também eram membros dirigentes da FAI. [116] O resultado deste duplo papel foi que, no final de 1936, a FAI deixou de funcionar como uma organização especificamente anarquista, tendo jogado fora todos os seus princípios apenas pela participação de alguns de seus membros nos governos da Catalunha e Madrid como representantes da CNT (Santillán, Herrera, Oliver, Montseny, etc.) e por fim a fusão da FAI, FIJL(Federação Ibérica da Juventude Libertária) e da CNT em uma só organização: o MLE(Movimento Libertário Espanhol).
Trinta anos antes, Malatesta, com aquela profunda compreensão de seus semelhantes que inspirou todos os seus escritos, havia visto claramente os efeitos da fusão do movimento anarquista com a organização sindicalista quando escreveu:
Toda fusão ou confusão entre o movimento anarquista e o movimento sindical termina ou por tornar este último incapaz de realizar sua tarefa específica ou por enfraquecer, distorcer ou extinguir o espírito anarquista.
Anarquismo e Violência
Sempre consideramos que estava fora do escopo deste estudo fazer uma análise dos aspectos militares da luta na Espanha, além do fato de que tal assunto não é da competência do presente escritor. Mas seria fugir às responsabilidades que assumimos se não tentássemos lidar com certas questões de princípio decorrentes do desenvolvimento da luta armada.
A violência, ao contrário da crença popular, não faz parte da filosofia anarquista. Tem sido apontado repetidamente por pensadores anarquistas que a revolução não pode ser vencida nem a sociedade anarquista estabelecida e mantida pela violência armada. O recurso à violência é, pois, indício de fraqueza e não de força, e a revolução com maiores possibilidades de êxito será, sem dúvida, aquela em que não haja violência, ou em que a violência seja reduzida ao mínimo, para tal. uma revolução indicaria a quase unanimidade da população nos objetivos da revolução.
A menos que os anarquistas declarem que a única revolução ou insurreição que encontrará seu apoio é aquela que dará início à sociedade libertária, eles devem enfrentar a situação criada por esses levantes, cujos objetivos representam apenas um passo em direção à sociedade desejada, e declarar qual será sua posição em tais lutas. De um modo geral, sua posição sempre foi clara; que toda manifestação do povo por sua emancipação deve ser apoiada pelos anarquistas como anarquistas. Ou seja, sempre dispostos a fazer concessões à causa comum, mas sem, ao fazê-lo, perder sua identidade. Acreditamos que tal posição exige que os anarquistas exponham sem medo o que acreditam ser os erros de uma revolução e, ao mesmo tempo, mantendo sua liberdade de ação, estejam prontos para parar de cooperar quando acreditarem que os objetivos da luta foram sacrificados pela conveniência.
O uso da violência tem sido justificado tanto como princípio quanto como meio para atingir um fim; quase nunca, no entanto, por anarquistas. No máximo, os anarquistas justificaram seu uso como uma necessidade ou tática revolucionária. O mal-entendido é em parte o resultado da confusão em termos pelos quais os próprios anarquistas são responsáveis. Referimo-nos, é claro, àqueles que se autodenominam anarquistas pacifistas, ou anarquistas não violentos, e que assim implicam que aqueles que não estão incluídos nessas categorias devem ser anarquistas violentos! A falácia, a nosso ver, é fazer da não-violência um princípio, quando na verdade ela não passa de uma tática. Além disso, os defensores da “não-violência” falham em fazer uma distinção entre a violência que é usada como um meio de impor a vontade de um grupo ou classe e aquela violência que é puramente defensiva.
Na Espanha, a tentativa de tomada do poder pela força foi feita por Franco e seus amigos militares e falangistas. Para tanto, eles tinham um plano cuidadosamente preparado para ocupar todas as cidades importantes da Espanha. O que o povo deveria ter feito no dia 19 de Julho? Na opinião do eminente defensor dos métodos não violentos Bart de Ligt, a melhor forma de “combater” Franco teria sido o povo espanhol permitir-lhe ocupar todo o país “temporariamente” e depois “organizar um grande movimento de resistência não violenta (boicote, não cooperação e assim por diante) contra ele”. Ele continua:
Mas nossas táticas também incluem, e muito mais do que as táticas militares modernas, uma colaboração internacional efetiva. Não adotamos a ideia enganosa de não-intervenção; onde quer que a humanidade seja ameaçada ou atacada, todos os homens e mulheres de boa vontade devem intervir em defesa. Também neste caso, desde o início, um movimento paralelo de não cooperação de fora deveria ter sido organizado para apoiar o de dentro, em uma tentativa de impedir que Franco e seus amigos conseguissem os materiais para a guerra, ou pelo menos para mantê-los no mínimo.
Que os defensores da não-violência não podem ser dogmáticos é demonstrado pelo seguinte:
“E mesmo na situação atual, todos os sinceros resistentes à guerra deveriam ter intervindo sistematicamente em nome do povo espanhol e especialmente em nome da revolução libertária, lutando contra Franco com os métodos indicados acima … quaisquer que sejam os métodos usados pelos espanhóis para se defender, está em estado legítimo de defesa, e isso é ainda mais verdadeiro para aqueles revolucionários que -durante a Guerra Civil- estão se esforçando para realizar a revolução social. Mais uma vez o movimento operário internacional negligenciou uma das mais nobres de suas tarefas históricas ao cair nas medidas enganosas dos governos imperialistas, autodenominados democracias ou países realmente fascistas, e abandonar aqueles que lutaram na Espanha com heroísmo inigualável pela emancipação da classe trabalhadora e pela justiça social. Se tivesse intervindo a tempo, as massas da Espanha ainda teriam sido capazes de se livrar do golpe militar em 1936 e se concentrar na reconstrução social. Se tivesse feito isso, a violência teria sido reduzida ao mínimo e a possibilidade de uma verdadeira revolução teria sido tão grande que mudaria a face do mundo”.
No início de sua análise da Espanha, Bart de Ligt apontou que:
Atendendo às tradições ideológicas e às condições sociais, políticas e morais em que esta guerra civil eclodiu em Julho de 1936, os antimilitaristas espanhóis nada puderam fazer senão recorrer às armas perante os militares invasores. Mas, ao fazer isso, viram-se obrigados a usar as mesmas armas que seus inimigos. Eles tiveram que se engajar em uma guerra devastadora que, mesmo em caso de vitória, deve trazer condições objetivas e subjetivas tão desfavoráveis quanto possível para a realização da revolução social. Se olharmos as coisas de perto, vemos aqui novamente uma espécie de ditadura; se os homens desejam se defender de um invasor violento, é o invasor que dita ao defensor quais métodos de combate ele deve usar. Por outro lado, se o defensor pode elevar-se imediatamente acima da violência, ele é livre para usar seus próprios métodos realmente humanos.
Seria superfulo dizer que preferimos ver a vitória, mesmo que parcialmente, para aqueles que lutam por justiça, paz e liberdade, mesmo com armas na mão, do que aqueles que só podem prolongar a injustiça, a escravidão e a guerra. Mas devemos admitir que o povo espanhol, em sua luta contra o fascismo, escolheu o método mais custoso e ineficaz que pôde, e que não conseguiu se livrar do golpe militar no momento oportuno, ou seja, muito antes a Guerra Civil estourar. [117]
Qualquer leitor espanhol do texto acima deve balançar a cabeça e suspirar com a ingenuidade exibida nesta apresentação do argumento não violento. Se o proletariado internacional tivesse apoiado os trabalhadores espanhóis, se o golpe militar tivesse sido detida, e se mil e uma outras condições tivessem sido cumpridas... quem sabe o que poderia ter acontecido na Espanha! Mas não esqueçamos a importantíssima frase do que citamos acima. Se todos esses os “se” tivessem sido realizados, Bart de Ligt admite que “a violência teria sido reduzida ao mínimo e a possibilidade de uma verdadeira revolução teria sido tão grande que mudaria a face do mundo.” Em outras palavras, uma admissão de que sob certas condições a violência não precisa degenerar, uma posição que muitos defensores da não-violência dogmaticamente descartam como insustentável.
É quando o uso da violência se prolonga e a luta armada deixa de estar relacionada com seus objetivos que nos encontramos em um terreno comum com os autodenominados anarquistas não-violêntos, e consideramos que os anarquistas, em justiça a si mesmos e a seus semelhantes, trabalhadores, devem questionar a validade do prolongamento da luta armada. Na Espanha, essa situação surgiu depois de alguns meses. Os atrasos em dar continuidade aos sucessos iniciais e o fracasso em impedir o estabelecimento de uma ponte com o Marrocos permitiram a Franco reorganizar e reforçar seu exército e lançar sua ofensiva em grande escala do sul e ameaçar Madrid com o cerco. Diante dessa situação, os dirigentes da CNT-FAI capitularam ao ponto de vista da Frente Popular pela militarização. As consequências dessa capitulação foram tratadas com certa extensão no curso deste estudo. A CNT-FAI poderia ter agido de outra forma? Essa é uma questão que talvez um dia os revolucionários espanhóis estejam preparados para enfrentar e responder.
Limitar-nos-emos à expressão de uma opinião em termos gerais. Acreditamos que os anarquistas só podem participar daquelas lutas que são a expressão da vontade de liberdade e justiça de um povo. Mas quando tais lutas devem ser organizadas e conduzidas com a mesma crueldade do inimigo, com exércitos de recrutas treinados em obediência cega aos líderes; pela militarização da retaguarda e censura da imprensa e da opinião; quando são coniventes com prisões secretas, e expressar críticas é considerado Alta Traição (como no julgamento dos líderes do POUM)… antes que esse estágio tenha sido alcançado, anarquistas que não temem a impopularidade ou o “julgamento da história” devem declarar sua incapacidade de cooperar e conduzir suas lutas contra ambos os regimes de qualquer maneira que considerarem consistente com suas aspirações e seus princípios.
Meios e fins
A distinção entre os movimentos revolucionários libertários e autoritários em sua luta para estabelecer a sociedade livre é o meio que cada um propõe que deve ser usado para esse fim. O libertário sustenta que a iniciativa deve vir de baixo, que a sociedade livre deve ser o resultado da vontade de liberdade de grande parte da população. O autoritário, por outro lado, acredita que a vontade de liberdade só pode surgir quando o sistema econômico e político existente for substituído por uma ditadura do proletariado que, à medida que a consciência e o senso de responsabilidade do povo crescerem, desaparecerão e a sociedade livre emergirá.
Não pode haver um terreno comum entre tais abordagens. Pois o autoritário argumenta que a abordagem libertária é nobre, mas “utópica” e fadada ao fracasso desde o início, enquanto o libertário argumenta, com base na evidência da história, que os métodos autoritários irão simplesmente substituir um estado coercitivo por outro, igualmente despótico e remoto do povo, e que não “murchará” mais do que seu predecessor capitalista. A sociedade livre só pode crescer a partir da associação livre de homens livres (isto é, homens cujas mentes estão livres de preconceitos e que acreditam ardentemente na liberdade para os outros, assim como para si próprios).
Ao preparar este estudo, uma das conclusões a que chegamos é que apenas uma pequena parte do movimento revolucionário espanhol era de fato libertária, uma visão que não somos os únicos a defender. A posição foi colocada, sucintamente e não sem tristeza, pensamos, por um antigo militante escrevendo sob o pseudônimo de “Fábio” na revista anarquista Tiempos Nuevos (Abril de 1945). Ele apontou que:
“Se a colaboração fosse considerada um erro, o assunto não seria grave. Erros podem ser corrigidos. Não colaborando mais, a questão estaria resolvida. O que a colaboração revelou não tem solução possível. É o que poucos de nós suspeitamos há algum tempo: que havia algumas, não muitas, centenas de anarquistas na Espanha”.
Além disso, parece que o culto da ação havia cegado um grande número de militantes experientes para as consequências desastrosas da ação se tornar um fim em si mesma. Eles mesmos foram vítimas das ilusões que tantas vezes criticaram nos socialistas, de acreditar que o poder só é mau quando está em “mãos erradas” e servindo a uma “causa errada”, e não que “o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”, incluindo anarquistas e sindicalistas.
Assim, eles estavam preparados para usar a máquina de guerra, que haviam denunciado tão abertamente em Maio de 1936, tanto em nome da revolução social quanto como meio de derrotar o “fascismo”. De fato, todas as políticas da CNT-FAI após Julho de 1936 estavam em contradição direta com tudo o que a organização representava, conforme declarado em seus Dictamenes aprobados por el congreso (Pareceres aprovados pelo Congresso) em Zaragoza em Maio de 1936. [118] E vale a pena examinar alguns dos mais importantes deles.
No Dictamen sobre la situacion politica y militar, que já citamos no início do capítulo XVI, ficou bem clara a posição da organização em relação à democracia parlamentar. No entanto, apesar de reconhecer a “falência” das atuais instituições sociais e políticas, a CNT-FAI, após Julho, procurou reestabelecê-la como o meio mais eficaz de lidar com a situação criada pela insurreição militar. Acreditava que a resistência armada e a economia do país só poderiam ser efetivamente organizadas de cima. Essa posição foi expressa repetidas vezes, mas nunca de maneira mais descarada do que em um editorial de primeira página obviamente inspirado publicado por Solidaridad Obrera (21 de Fevereiro de 1937) no qual se lê:
“Quando Madrid se viu sem governo e dono do seu próprio destino, organizou a sua própria defesa. Isso mostra que os governantes eram um obstáculo. Em todas as ocasiões em que as pessoas dirigem suas próprias vidas, a vitória acontece. Quando se assume a responsabilidade de governar e dirigir um povo com tão extraordinária formação ética e moral, aqueles que dirigem a guerra e a revolução não devem sentir essas dúvidas e vacilações endêmicas. Não há justificativa para isso além da falta de liderança.
Quando falta fé no povo que governa, renuncia-se. Governar sem fé no futuro nacional equivale a preparar-se para a derrota. Nestes momentos supremos da vida da Espanha, somente aqueles homens que têm absoluta certeza na vitória podem dirigir seu destino. Homens que combinam coragem com inteligência. A revolução tem que ser sentida tanto na mente quanto no coração. Otimismo e habilidade são qualidades indispensáveis na superação das enormes dificuldades que se opõem à vitória. Isso deve ser realizado a todo custo. Nosso falecido Durruti costumava dizer: “Renunciamos a tudo, exceto à vitória.” Este é o nosso lema. Para dirigir o povo, é indispensável que os encarregados de governar as massas incorporem este pensamento: “Para ser obedecido, a primeira coisa que se precisa é a autoridade”. E a única maneira de obtê-la é pela habilidade. E isto implica talento, dom de liderança, fé no destino do povo que se governa; atividade, previsão, antecipação de eventos e não ser levado a reboque por eles”.
A data desse extraordinário pensamento dúbio é importante, pois em Fevereiro de 1937 a CNT tinha quatro ministros no governo! Mas alguns leitores podem achar difícil entender por que, se “em todas as ocasiões em que o povo age por iniciativa própria, a vitória acontece”, a CNT deveria estar tão ansiosa para se juntar ao governo ou como um governo que “tem fé no povo ” precisa “impor obediência”.
Novamente, o Dictamen sobre Alianzas Revolucionarias(Opiniões sobre as Alianças Revolucionárias), com vistas à “derrubada do regime político e social vigente”, declara que:
“A UGT, ao assinar o Pacto das Alianças Revolucionárias, reconhece claramente a quebra do sistema de colaboração política e parlamentar. Como consequência lógica deste reconhecimento, deixará de oferecer qualquer tipo de colaboração política e parlamentar com o regime em vigor.
Para que a revolução social seja uma realidade efetiva, é necessário destruir completamente o regime político e social vigente que regula a vida do país”.
Os apologistas da política da CNT-FAI provavelmente argumentarão que para derrotar Franco era preciso mudar a tática da organização –tanto mais que a UGT não havia aceitado a Aliança.
Responderemos o último ponto primeiro. De Julho a Setembro de 1936 nenhuma das organizações operárias esteve diretamente representada no governo central. Nesse período, que tentativas foram feitas para formar uma aliança revolucionária com a UGT? (E uma aliança revolucionária não significa um pacto entre os dirigentes, como foi o pacto CNT-UGT de 1938, mas, como o próprio termo indica, com as seções revolucionárias da UGT.)
O primeiro argumento dos apologistas sobre a tática ignora o significado dos dois parágrafos citados acima, nos quais se faz referência ao reconhecimento da “quebra do sistema de colaboração política e parlamentar” e ao fato de que a revolução social exige a destruição completa do “regime político e social que regula a vida do país”. Estas não são declarações de táticas, mas declarações de fato, de experiência da natureza da colaboração política, incorporadas em um princípio. Os dirigentes da CNT-FAI podem ter razão em acreditar que uma revolução social e a derrota de Franco não eram possíveis, mas, a nosso ver, pelo mesmo raciocínio deveriam também ter chegado à conclusão de que menos ainda se poderia esperar do governo e da colaboração política. [119] O fato, é claro, é que eles escolheram descartar a correção da análise anarquista do problema social com base no fato de que a situação era tão excepcional que não havia sido prevista e permitida pelos teóricos anarquistas em seus escritos! Essa presunção espanhola muito característica, que tantas vezes é um disfarce para a ignorância, é reafirmada em uma edição da Solidaridad Obrera (2 de Fevereiro de 1938):
“Estamos bem conscientes de que, acima de tudo, A GUERRA EXIGE, ou seja, devemos dedicar todos os nossos esforços a esta luta terrivelmente absorvente cujas reivindicações certamente não foram previstas em nenhum texto doutrinário. ”. [120]
Uma das consequências dessa política “circunstancialista” foi que os slogans dos propagandistas da CNT-FAI atenuaram a “revolução social” e, em vez disso, usaram sua máquina de propaganda realmente poderosa para promover a luta “antifascista” e procurar explorar sentimentos nacionalistas e patrióticos crus. O uso feito por Franco primeiro dos mouros e depois dos italianos e alemães foi todo o grão para seu moinho. Isso, e a insistência dos dirigentes da CNT-FAI na militarização e na continuação da luta armada a todo custo, parecem-nos mais uma confirmação de nossa opinião de que o movimento revolucionário espanhol era mais do que tingido de nacionalismo (assim como de regionalismo). Fato que também é ilustrado em um discurso de Federica Montseny em um comício em Madrid em 31 de Agosto de 1936, ou seja, apenas algumas semanas após o levante, quando o entusiasmo revolucionário era mais forte e a situação “militar” ainda não era desesperadora. Ela disse de Franco e seus amigos:
“com este inimigo sem dignidade nem consciência, que nem se sentem espanhóis, porque se fossem espanhóis, se fossem patriotas, não teriam solto na Espanha os regulares(soldados africanos) e os mouros para impor a civilização dos fascistas, não como uma civilização cristã, mas como uma civilização mourisca, povo que fomos colonizar para eles virem agora colonizar-nos, com princípios religiosos e ideias políticas que querem impor ao povo espanhol. [121]
Assim falou uma revolucionária espanhola, considerada uma dos membros mais inteligentes e talentosos da organização (e ainda tratada como uma das figuras de destaque pela seção majoritária da CNT na França). Nessa única frase estão expressos sentimentos nacionalistas, racistas e imperialistas. Alguém protestou nessa reunião?
Mas voltando às “Opiniões” do Congresso de Zaragoza de Maio de 1936. Sobre o tema “Deveres do Indivíduo para e para a Coletividade e o Conceito de Justiça Distributiva” declara-se que:
O comunismo libertário não tem nada em comum com nenhum sistema de coerção: fato que implica o desaparecimento do sistema de justiça correcional existente e, além disso, dos instrumentos de punição (prisões, penitenciárias, etc.).
Expressa-se a opinião de que o “determinismo social” é a principal causa do chamado crime e que, uma vez eliminadas as causas, o crime deixará de existir. Assim, as causas desaparecerão “quando as necessidades materiais do homem forem satisfeitas, bem como dando-lhe a oportunidade de receber uma educação racional e humana”. E em termos concretos:
Por isso, entendemos que, quando o indivíduo deixar de cumprir seus deveres tanto na ordem social quanto em sua função de produtor, caberá às assembléias populares, em espírito de conciliação, buscar a solução justa para cada caso individual. O comunismo libertário, portanto, baseará sua “ação corretiva” na medicina e na pedagogia, os únicos preventivos aos quais a ciência moderna concede tal direito. Onde qualquer pessoa vítima de sintomas patológicos ameaça a harmonia que deve existir entre as pessoas, a pedagogia terapêutica será usada para buscar curar o distúrbio e despertar nele um sentimento moral de responsabilidade social que uma hereditariedade doentia lhe negou.
Até que ponto esses métodos foram aplicados ou mesmo defendidos pelos líderes revolucionários em suas relações com seus semelhantes ou em sua imprensa? Mais uma vez, podemos ouvir as objeções dos autodenominados “realistas” revolucionários de que, na situação particular pela qual a Espanha passava, não era possível aplicá-los –nem mesmo presumivelmente no período em que os ministros da justiça e da saúde pública eram ambos membros da CNT! E que, em todo caso, desertores, “covardes”, traficantes, simpatizantes e soldados do lado de Franco, os neutros, os pacifistas, os “preguiçosos”, os desajustados e os indiferentes não eram vítimas, mas “traidores que tinham que aprender uma lição”!
Como se pode dizer que não são produtos da sociedade em que vivem? Numa sociedade sem violência não haveria covardes; sem guerras não haveria desertores; onde não há escassez de mercadorias não há mercado negro...
O fato é que para os revolucionários, assim como para o governo, todos os meios eram justificados para alcançar os fins de mobilizar todo o país em pé de guerra. E nessas circunstâncias, a suposição é que todos devem apoiar a “causa”. Aqueles que não o fazem; aqueles que resistem ou não reagem da maneira prescrita são perseguidos, humilhados, punidos ou liquidados.
Milhares de membros do movimento revolucionário ocuparam cargos oficiais em instituições para-governamentais. Sentavam-se nos tribunais populares, bem como guardavam e administravam as prisões. Não há evidências de que eles se opuseram às punições e às centenas de sentenças de morte impostas pelos tribunais. A imprensa da CNT fornece um catálogo sombrio de sentenças de morte pronunciadas e executadas, sem um murmúrio de desaprovação. Quaisquer comentários são de fato de aprovação. “Que sirva de exemplo!” foi a manchete de Solidaridad Obrera (16 de Setembro de 1936) ao anúncio da execução de um líder rebelde em Minorca.
Pode-se até dizer que a atitude da CNT-FAI em relação à violência legalizada durante o período 1936-1939 é tal que torna seu desvio colaboracionista insignificante. A violência para eles não era mais uma arma de defesa contra o ataque armado das forças de Franco. Era a arma da vingança (execução de prisioneiros “fascistas”), da intimidação (execução pública de desertores), da dissuasão (“Pena de morte para o ladrão” — Solidaridad Obrera, 17 de Setembro de 1936). Dizemos sem hesitação que um anarquista não pode justificar o fuzilamento de qualquer pessoa que esteja desarmada, seja qual for o seu crime. Ainda menos justificação há em executar aqueles que se recusam a matar ou que ajudaram “o inimigo” com informações, etc. Acreditamos que a luta revolucionária, em sua duração, pode ser protegida da quinta-coluna por meio de sua detenção -nas melhores condições possíveis. “E devemos poupar a vida daqueles homens que foram responsáveis pelo extermínio de centenas de nossos camaradas?” Seremos questionados por aqueles trabalhadores espanhóis que acreditaram com o anarquista Gonzalo de Reparaz na filosofia do “Terror contra o Terror” [122] ou com a “Vingança e uma vingança feroz” de Juan Peiró. Olho por olho e dente por dente”. [123] E só há uma resposta: Sim!
Há muitas maneiras de mudar a sociedade. Uma é exterminando, moral ou fisicamente, todos aqueles que discordam de sua maneira de pensar; a outra é primeiro convencer pessoas suficientes da validade de suas ideias. Entre esses dois extremos há uma série de variações do primeiro tema, mas, afirmamos, não pode haver variações do segundo. Os autodenominados “realistas” entre os libertários acreditavam que o compromisso é moralmente justificado, uma vez que produz resultados. Se julgarmos os “resultados” pela história dos movimentos socialistas e comunistas internacionais ou pelos plataformistas[124] do movimento anarquista internacional e dos “circunstancialistas” da CNT-FAI espanhola, só podemos tirar uma conclusão: onde os meios são autoritários, os fins, a sociedade futura real ou sonhada, é autoritária e nunca resulta no livre sociedade. A violência como meio gera violência; o culto das personalidades como meio gera ditadores —grandes e pequenos— e massas servis; governo –mesmo com a colaboração de socialistas e anarquistas– gera mais governo. Certamente, então, a liberdade como meio gera mais liberdade, possivelmente até a Sociedade Livre!
Para aqueles que dizem que isso nos condena à esterilidade política e à torre de marfim, nossa resposta é que seu “realismo” e seu “circunstancialismo” invariavelmente levam ao desastre. Acreditamos que há algo mais real, mais positivo e mais revolucionário em resistir à guerra do que em participar dela; que é mais civilizado e mais revolucionário defender o direito de um fascista à vida do que apoiar os tribunais que têm poderes legais para fuzilá-lo; que é mais realista falar com o povo da sarjeta do que das bancadas do governo; que, a longo prazo, é mais gratificante influenciar as mentes pela discussão do que moldá-las pela coerção.
Por último, mas não menos importante, a questão é a da dignidade humana, do auto-respeito e do respeito pelos semelhantes. Há certas coisas que ninguém pode fazer sem deixar de ser humano. Como anarquistas, aceitamos de bom grado as limitações assim impostas às nossas ações, pois, nas palavras do velho anarquista francês Sébastien Faure:
Estou ciente de que nem sempre é possível fazer o que se deve fazer; mas sei que há coisas que de maneira alguma se pode fazer.
Londres
Julho–Dezembro de 1952; Janeiro-Abril de 1957
BIBLIOGRAFIA (1957)
Fontes principais
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POSTSCRIPT BIBLIOGRÁFICO (1972)
POSTSCRIPT BIBLIOGRÁFICO (1972) EU Na bibliografia de The Grand Camouflageo autor Burnett Bolloten declara que na preparação dessa grande obra ele consultou nada menos que 2.500 livros e panfletos sobre o assunto e lista aqueles que ele citou ou achou úteis. Sua bibliografia chega a dezessete páginas, mas o que impressiona o leitor é o número diminuto de obras publicadas entre 1945 e 1960. A Espanha era um assunto pouco lucrativo para o mundo editorial. Por exemplo, o trabalho do Sr. Bolloten, embora concluído em 1952, não foi publicado até 1961. Durante esses anos, foi oferecido a vários editores americanos, incluindo cinco editoras universitárias, e foi recusado por todos eles. Os tempos certamente mudaram e com o crescente número de PhDs em busca de um assunto e máquinas de impressão insaciáveis e impérios editoriais em busca de reimpressões e autores, a Guerra Civil Espanhola emergiu de seu esquecimento imerecido. Se o leitor ficará mais esclarecido no final do que quando começou a ler algumas das obras mais populares impressas é outra questão.
Há uma série de obras importantes que surgiram desde 1957 (quando completei a versão revisada de Lições da Revolução Espanhola), e que poderia ter sido aproveitado no presente volume, mas porque eu não estava tentando escrever uma história, mas buscando apenas tirar conclusões dos aspectos revolucionários da luta, eu teria me encontrado principalmente envolvido em adicionar notas de rodapé que simplesmente sublinharam os argumentos, mas não os modificaram. A vantagem obtida seria, pensei, compensada por uma confusão do argumento com excesso de detalhes, além do fato de que há um limite para a quantidade de revisão e expansão que um trabalho pode suportar sem ter que ser completamente reescrito e Eu não tinha intenção de fazer isso. Por outro lado, sinto que devo aproveitar a publicação do meu trabalho em inglês para referir-me a algumas das obras importantes que agora estão à disposição do estudioso da Revolução Espanhola.
II O Labirinto Espanhol de Gerald Brenan (Londres: Cambridge University Press, 1943) ainda é o melhor livro sobre os antecedentes sociais e políticos e contém uma bibliografia valiosa; ele está disponível em uma edição de bolso. La anarquia a través de los tiempos (Barcelona: 1935) , de Max Nettlau, foi publicada em tradução italiana como Breve Storia dell'Anarchismo (Cesena: Edizioni l'Antistato, 1964) e contém capítulos sobre as origens do anarquismo e sobre o anarquismo coletivista e comunista na Espanha. Também por Nettlau é La Première Internationale en Espagne(1868–1888) (Dordrecht, NL: Reidel, 1969), um trabalho monumental de seiscentas páginas sobre o assunto, pacientemente editado por Renée Lamberet. Além de estar além do bolso da maioria das pessoas, derrotou todas as tentativas que fiz de lê-lo; provavelmente é uma obra não para ser lida, mas para ser consultada (e apenas pelo estudante mergulhado no assunto das origens da Primeira Internacional na Espanha). Muito mais legível, embora também um trabalho de erudição, é Origines del anarquismo en Barcelona , de Casimiro Martí (Barcelona: Editorial Teide, 1959), que foi, creio eu, o primeiro estudo sério do anarquismo a emergir da Espanha de Franco.
Do material de apoio mais recente cobrindo as três primeiras décadas do presente século, uma reimpressão do panfleto de M. Dashar, The Origins of the Revolutionary Movement in Spain, foi publicada em 1967 (Londres: Coptic Press, 1967), enquanto José Peirats em Los anarquistas en la crise Española (Buenos Aires: Alfa, 1964) dedica as primeiras cem páginas de sua obra aos anos que antecederam 19 de julho de 1936, como também fez nos seis primeiros capítulos do volume 1 de sua história da CNT tantas vezes referidos no presente trabalho.
As primeiras duzentas páginas de The Spanish Republic and the Civil War, de Gabriel Jackson (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1965), tratam da República de 1931 em detalhes consideráveis.
III A melhor obra geral sobre a Guerra Civil é La Revolution et la Guerre d'Espagne, de Pierre Broué e Émile Témime (Paris: Éditions de Minuit, 1961). É um trabalho de erudição e engajamento, ambos os autores estão profundamente envolvidos em resgatar a verdade sobre a guerra e a revolução, e é bom ver que finalmente está disponível em tradução para o inglês [ The Revolution and the Civil War in Spain ( Londres: Faber and Faber, 1972)]. Se não for sabotado pelos revisores, deve se tornar a obra geral padrão e ajudar a neutralizar o dano causado pela obra geral mais popular e menos engajada publicada no mesmo ano: A Guerra Civil Espanhola, de Hugh Thomas(Londres: Eyre & Spottiswoode, 1961). Expliquei detalhadamente em outro lugar por que considero este último o livro mais cínico sobre a Guerra Civil que li e não repetirei os argumentos aqui. [125] Uma edição revisada de A Guerra Civil Espanholadesde então foi publicado pela Penguin Books (1965). No prefácio, o autor escreve que a nova edição “expande ligeiramente os aspectos econômicos e sociais da guerra. As origens dos comunistas e dos anarquistas na Espanha foram mais exploradas. Fora isso, o livro permanece praticamente o mesmo de quando apareceu pela primeira vez. Na verdade, a única “expansão” significativa é o capítulo de onze páginas sobre “Os Coletivos”, um assunto que o Sr. Thomas havia negligenciado na edição original – exceto por pequenas referências! No entanto, ele foi se fortalecendo e agora é considerado uma autoridade nos coletivos por alguns depois de ter contribuído com um artigo muito mais longo no volume sobre a Espanha editado por Raymond Carr, The Republic and the Civil War in Spain (Londres: Macmillan 1971 ).
4 Mais material foi publicado sobre os coletivos nos últimos anos, notavelmente o trabalho crítico de Frank Mintz, L'Autogestion dans l'Espagne Révolutionnaire (Paris: Bélibaste, 1970), que procura responder a questões práticas como “Por que a coletivização levou lugar?" “Como foi realizada a coletivização?” “Existem aspectos de originalidade sobre a coletivização?” O mérito deste trabalho é que o autor procura reunir material de uma ampla gama de fontes publicadas e resumir os resultados. É, no entanto, típico de muitas teses em não ser fácil de ler, mas é uma contribuição valiosa para o assunto.
Uma importante fonte de trabalho sobre os coletivos que acaba de aparecer é Espagne Libertaire, 1936–1939, de Gaston Leval (Paris: Éditions du Cercle et Éditions de la Tête de feuilles, 1971). Esta é uma versão ligeiramente ampliada de Né Franco né Stalin: Le Collettivita anarchiche spagnole nella latta contro Franco e la reazione staliniana (Milão: Milano Istituto editoriale italiano, 1952) com o qual o leitor já está familiarizado, mesmo que apenas por causa das muitas ocasiões Eu me referi a isso em meu próprio trabalho.
Uma contribuição da Espanha é 30 meses de collectivisme a Catalunya , de Albert Pérez-Baró (Barcelona: Ediciones 62, 1970). O autor é militante da CNT desde os anos anteriores a 1936 e esteve intimamente ligado à legislação sobre coletivização na Catalunha. Não consegui ver uma cópia deste trabalho, mas Frank Mintz o descreve no CIRA Bulletin (Lausanne) no. 22 (1971) como “indispensável para a compreensão de muitos eventos que marcaram a transformação econômica da Espanha republicana”. O mesmo escritor analisa outra obra da Espanha (aliás, ambos os volumes são em catalão) Josep Maria Bricall's Política económica de la Generalitat (1936–1939) Volum primer: evolució i formas de la producció industrial(Barcelona: Ediciones 62, 1970), que ele considera “fundamental”. “Ele contém documentação e estatísticas mais detalhadas do que qualquer coisa publicada até agora na Espanha e na Catalunha” e é ricamente ilustrado.
Sobre o tema da economia espanhola, uma obra que considero impressionante e instrutiva é a Estructura económica de España de Ramón Tamames (Madrid: Ed. SET, 1960 [ 3ºed. revisada e ampliada, 1965]). Este é um trabalho de origem e um estudo crítico de cerca de oitocentas páginas que cobrem todos os aspectos da economia espanhola. Na verdade, não trata das coletivizações de 1936-1939, embora as poucas páginas sobre a reforma agrária na Segunda República sejam pertinentes. O autor cita números interessantes e significativos sobre a expropriação de terras durante a revolução. Até maio de 1938, nada menos que 5,7 milhões de hectares (14 milhões de acres) haviam sido ocupados, dos quais: 6 milhões de acres foram expropriados porque seus proprietários os abandonaram ou por motivos políticos, 5 milhões de acres por causa de seu uso social e 3 milhões de acres foram assumidos apenas provisoriamente (p. 46). Outra “estatística” interessante é dada na página 11,
V Dos livros de referência sobre a revolução, a história em três volumes de Peirats, La CNT en la revolución Española (Toulouse: Ediciones CNT, 1951–1953) ainda é a obra mais importante disponível para o aluno, e é encorajador ver que agora está de volta impresso em nova edição (Paris: Ruedo Ibérico, 1971). Mas, sem dúvida, o livro de referência mais impressionante que apareceu desde Peirats, e em inglês, é The Grand Camouflage , de Burnett Bolloten , que apareceu pela primeira vez em 1961 com o subtítulo A Conspiração Comunista na Guerra Civil Espanhola e desapareceu misteriosamente das listas dos editores. logo depois, apenas para reaparecer em 1968 sob o selo de outra editora com o subtítulo A Guerra Civil Espanhola e a Revolução 1936–1939e uma introdução de HR Trevor-Roper que é interessante em descrever as dificuldades encontradas pelo autor em procurar uma editora em primeiro lugar e a conspiração de silêncio que se seguiu à sua publicação. O professor Roper sugere que talvez seja porque “o estabelecimento literário anglo-americano ainda está preso às posturas da moda da década de 1930 que o Sr. Bolloten implicitamente mina?” A principal pista para o que ele quer dizer com isso é o ensaio de Orwell sobre “A Prevenção da Literatura”, escrito no início de 1946, quando as diatribes literárias de Orwell foram transferidas de seus bêtes-noires de guerra, os fascistas, os pacifistas e os anarquistas, para o russos e outros intelectuais viajantes, e presumo que a passagem-chave desse artigo a que o professor Roper se refere seja:
Quinze anos atrás, quando se defendia a liberdade do intelecto, era preciso defendê-la contra os conservadores, contra os católicos e, até certo ponto - pois eles não eram de grande importância na Inglaterra - contra os fascistas. Hoje é preciso defendê-la contra os comunistas e os “companheiros de viagem”. Não se deve exagerar a influência direta do pequeno Partido Comunista inglês, mas não pode haver dúvida sobre o efeito venenoso do mito russo na vida intelectual inglesa. Por causa disso, os fatos conhecidos são suprimidos e distorcidos a tal ponto que torna duvidoso que uma verdadeira história de nossos tempos possa ser escrita.
Este não é o lugar para tentar desvendar o confundicionismo político de Orwell, porque de qualquer forma concordo que no que diz respeito à Guerra Civil Espanhola a “linha” posta pelos comunistas na época – isto é, fascismo versus democracia, sendo esta última representado pelo governo da Frente Popular, que havia sido vitorioso nas eleições gerais de fevereiro de 1936 - foi engolido por anzol, linha e chumbada pela esquerda de direita, para não mencionar conservadores excêntricos como a duquesa de Atholl, mas acho que A obra-prima de Bolloten não foi publicada nos anos cinquenta simplesmente porque, em primeiro lugar, não havia “interesse” no mundo de língua inglesa pelo assunto e, em segundo lugar,que quando foi publicado foi sabotado pelos académicos que monopolizam as revistas e que se ressentiram com a intrusão de um mero jornalista num assunto que acabavam de “descobrir” como um lucrativo campo de exploração, bem como com o facto de Bolloten minar o toda a base de suaabordagem elitista com o parágrafo de abertura desta notável obra:
Embora a eclosão da Guerra Civil Espanhola em julho de 1936 tenha sido seguida por uma revolução social de longo alcance no campo antifranquista - mais profunda em alguns aspectos do que a Revolução Bolchevique em seus estágios iniciais - milhões de pessoas perspicazes fora da Espanha foram mantidas na ignorância, não apenas de sua profundidade e alcance, mas mesmo de sua existência, em virtude de uma política de duplicidade e dissimulação sem paralelo na história.
Prestei duas vezes homenagem a Bolloten e não posso fazer mais do que citar o que escrevi quando revi Thomas e Bolloten em Anarchy no. 5 (julho de 1961):
É significativo que outro livro, A Grande Camuflagem: A Conspiração Comunista na Guerra Civil Espanholade Burnett Bolloten, que apareceu ao mesmo tempo que o do Sr. Thomas, foi ignorado ou, onde foi revisado com o livro de Thomas, recebeu tratamento escasso. É uma pena porque é um trabalho muito mais importante e, apesar de não tentar apresentar um quadro completo da Guerra Civil, o leitor aprenderá mais em suas 350 páginas sobre os problemas reais dessa luta do que das 700 páginas da "história" abrangente de Thomas. … A razão pela qual o livro do Sr. Bolloten é mais interessante do que o título leva a crer é que, para analisar o papel contra-revolucionário dos comunistas, ele primeiro teve que dar ao leitor uma imagem da revolução social que ocorreu e isso ele faz capítulo após capítulo com referências que às vezes ocupam mais espaço do que seu texto. Por exemplo, o capítulo sobre “A Revolução no Campo” tem apenas vinte páginas, das quais mais de sete são referências de fontes. Mas nessas referências há material para um grande volume.
E quando tive que escrever uma introdução para uma tradução espanhola de meu próprio trabalho, disse que havia decidido não expandir mais o texto, apesar dos muitos livros que apareceram sobre a Guerra Civil Espanhola desde 1957,
porque, na minha opinião, apenas um — The Grand Camouflage , de Burnett Bolloten , é uma valiosa fonte de trabalho, além de ser um dos poucos que tem uma compreensão realista do assunto. Não fiz uso de Bolloten aqui porque isso significaria examinar todas as suas fontes, avaliá-las e produzir pelo menos cinco volumes! Mas exorto todos os estudantes sérios e comprometidos do assunto a estudar Bolloten e seguir suas notas de rodapé. Não sou modesto o suficiente para sugerir que Bolloten também ilumina a tese exposta nas páginas que se seguem.
Mas também exorto os leitores da introdução do professor Trevor-Roper a não assumir que ele simpatiza ou resume o trabalho que está apresentando, seja o que for que ele escreva. De fato, é uma ilustração vívida da crassa ignorância dos acadêmicos – o professor Roper é Regius Professor de História Moderna na Universidade de Oxford – quando ele escreve:
A revolução anarquista de 1936 já foi descrita antes, mas raramente, penso eu, tão vividamente quanto pelo Sr. Bolloten. Sua descrição, amplamente documentada de fontes locais diretas, é uma das partes mais fascinantes de seu livro. Mas é, com efeito, apenas a introdução. Pois essa revolução, embora tenha efetivamente dissolvido a velha República, em nada contribuiu para a tarefa imediata de resistir à rebelião de Franco . (enfase adicionada)
O que? E o Professor responde, como todos os companheiros de viagem dos anos trinta: “Essa força provou ser o Partido Comunista.” E em que base ele baseia suas afirmações?
O Partido Comunista Espanhol era insignificante em força em 1936. A Espanha nunca aceitou o comunismo, ou mesmo o fascismo ou qualquer outra ideologia que tenha se enraizado na Europa. As ideias européias que ela abraçou foram as heresias rejeitadas da Europa - ou, se ortodoxias, ortodoxias radicalmente transformadas por sua passagem pelos Pireneus. Não Marx, mas Bakunin é o profeta do radicalismo espanhol. E assim, em 1936, enquanto os anarquistas foram capazes de fazer uma revolução, os comunistas espanhóis eram fracos demais para pensar em conspiração. Tinham no máximo 40.000 membros, representados por 16 deputados nas Cortes. No entanto, dentro de um ano, o Partido Comunista era o mestre efetivo do governo republicano.No final da guerra, o general Franco estava realmente lutando não contra a Frente Popular, mas contra uma ditadura comunista . (enfase adicionada)
Devo resistir à tentação de analisar as passagens que coloquei em itálico, mas citei longamente o professor Roper porque sua maneira de lidar com os fatos e seus próprios processos de pensamento são típicos dos historiadores acadêmicos, que pelo menos no mundo de língua inglesa “assumiram” a Guerra Civil Espanhola, embora haja sinais de contra-ação. Noam Chomsky em seu longo ensaio sobre “Objectivity and Liberal Scholarship”, incluído no volume Pelican publicado em 1969 com o título American Power and the New Mandarinstrata do efeito do que chama de “subordinação contrarrevolucionária” na escrita da história e ilustra seus argumentos com referência às atitudes dos historiadores em relação à Guerra Civil Espanhola e, em particular, à revolução nas ruas. Ele examina com algum detalhe uma das obras da erudição liberal (o premiado The Spanish Republic and the Civil War , de Gabriel Jackson ) e conclui: “Parece-me que há evidências mais do que suficientes de que um profundo viés contra a revolução social e uma O compromisso com os valores e a ordem social da democracia liberal burguesa levou o autor a deturpar eventos cruciais e a ignorar as principais correntes históricas.
Suspeita-se que a publicação finalmente do trabalho de Broué e Témime em tradução para o inglês deva muito à ligação do professor Chomsky com o MIT (Massachusetts Institute of Technology), que comprou os direitos do inglês, e é, penso eu, significativo que, embora pareça com a muito respeitável marca de Faber and Faber (1961), carrega o título intransigente A Revolução e a Guerra Civil na Espanha , assim como o trabalho de Bolloten agora aparece com o subtítulo A Guerra Civil Espanhola e a Revolução 1936–1939, enquanto uma década antes foi apresentado como uma exposição da Conspiração Comunista na Guerra Civil Espanhola.Talvez a trindade profana de Thomas-Joll-Raymond Carr, que coça as costas literárias uns dos outros a cada passo, esteja finalmente sendo esmurrada. A revisão habilidosa do Sr. Carr de Broué e Témime no Observer deixa bem claro que ele vê a luz vermelha, mas também está confiante de que os intrusos podem ser expulsos com sucesso. E com um volume vendido a £ 6, muitas pessoas não poderão pagar. Os editores deveriam ser pressionados a lançar uma edição em papel barata.
Uma obra-prima que o estudante sério não deve ignorar, apesar de suas graves deficiências, é Tres Días de Julio, de Luis Romero (Barcelona: Ariel, 1967). Nesta obra de seiscentas páginas, copiosamente ilustrada, o autor, premiado romancista espanhol, tenta resumir o que aconteceu em todas as principais vilas e cidades da Espanha em três dias cruciais de julho de 1936, ou seja, 18 de julho. , 19 e 20. Num artigo comemorativo sobre “Espanha 1936” que escrevi para a Freedomem 1963 delineei o tipo de “história” que gostaria de ver. Era um relato cotidiano das atividades das duas organizações operárias, CNT e UGT, desde a fundação da República em 1931; a primeira seção levaria para as eleições de fevereiro de 1936, a segunda, “mas com muito mais detalhes”, cobriria o período de fevereiro até o levante militar de julho, e a terceira seção “buscaria recriar os eventos de digamos no mês seguinte ao levante, e isso mostraria até onde foi o trabalho de 'demolição' da ordem existente e até que ponto os revolucionários foram capazes de criar novas organizações sociais e econômicas para substituí-la e lidar com os múltiplos problemas não apenas criados pelo levante militar, mas que existem em qualquer sociedade com grandes concentrações de população”.[126]
Señor Romero passou três anos neste trabalho, e embora por várias referências eu tenha certeza de que é uma contribuição séria, o fato de o autor ter escolhido apresentar seu material como literatura e não como história, e sem uma única nota de rodapé quanto às fontes , nem mesmo uma bibliografia, nenhum estudante sério pode usá-lo como fonte de material sem uma pesquisa mais aprofundada, embora eu ache que o leitor informado irá lê-lo com considerável interesse como uma obra dramática. Por exemplo, sobre a ocasião em que Companys convoca os anarquistas catalães para se encontrarem com ele na Generalitat, Romero escreve: “Os carros param no meio da Praça da República. No balcão principal da Generalitat tremula uma enorme bandeira da Catalunha. Um corpo de Mozos de Escuadra guarda o portal. Os cruzamentos das ruas parecem tomados por Guardas de Assalto e cidadãos com braçadeiras com as cores da Catalunha! Os representantes da CNT e da FAI, armados até os dentes, descem dos carros; os Mozos de Escuadra permanecem calmos. Um comandante, que certamente deve ser seu chefe, avança em direção ao grupo reunido naquele mesmo portal: Durrruti, García Oliver, Joaquin Ascaso, Ricardo Sanz, Aurelio Fernández, Gregorio Jover, Antonio Ortiz e 'Valencia'. 'Somos os representantes da CNT e da FAI; Companys nos chamou, e aqui estamos. Aqueles que estão nos acompanhando são nossos guarda-costas.'” avança para o grupo que se reuniu naquela mesma porta: Durrruti, García Oliver, Joaquin Ascaso, Ricardo Sanz, Aurelio Fernández, Gregorio Jover, Antonio Ortiz e 'Valencia'. 'Somos os representantes da CNT e da FAI; Companys nos chamou, e aqui estamos. Aqueles que estão nos acompanhando são nossos guarda-costas.'” avança para o grupo que se reuniu naquela mesma porta: Durrruti, García Oliver, Joaquin Ascaso, Ricardo Sanz, Aurelio Fernández, Gregorio Jover, Antonio Ortiz e 'Valencia'. 'Somos os representantes da CNT e da FAI; Companys nos chamou, e aqui estamos. Aqueles que estão nos acompanhando são nossos guarda-costas.'”
Bom material dramático, mas também factualmente preciso.
Obviamente, o que foi dito é menos interessante para o Señor Romero como romancista, mas muito mais importante para Peirats ou para mim, que estamos preocupados com a revolução, embora a atmosfera em que essas discussões e decisões foram tomadas seja relevante, e é nesse contexto que considero interessante o livro do Señor Romero. Mas como ele não cita suas fontes, só podemos usar seu material com reservas.
VI Houve surpreendentemente poucos trabalhos críticos publicados nos últimos quinze anos. José Peirats escreveu uma Breve storia del sindicalismo libertario spagnolo (Genova: Edizioni RL, 1962), que cobre mais ou menos os mesmos tópicos tratados em minhas Lições e é consideravelmente mais crítico do que ele se permitiu em seus três volumes história. O original em espanhol foi posteriormente publicado com o título Los anarquistas en la crise politica española(Buenos Aires: Livros de Anarres, 1964). Além de lidar com mais detalhes com os anos da República (1931-1936), é idêntico à edição italiana, embora no período intermediário Peirats e alguns de seus amigos tenham se separado do movimento oficial espanhol no exílio e de acordo com um escritor encontrado eles próprios “cortados de qualquer apoio da base”. Esse escritor, César M. Lorenzo, de 32 anos, é, segundo a sinopse da editora, “filho de militantes da CNT espanhola que buscaram refúgio na França após a queda da Catalunha”, e seu livro Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1868–1969(Paris: Le Seuil, 1969) é uma mina de informações detalhadas, muitas delas documentadas, mas sofre de duas grandes falhas. A primeira é que este livro de quatrocentas páginas é dominado por Horacio Prieto, que é citado pelo autor ou incluído em notas de rodapé quase todas as páginas, [127]e não haveria razão para objetar se pudesse ser demonstrado que Prieto, de fato, dominou o pensamento da CNT-FAI na Espanha e no exílio nessa medida. Ele não o fez de forma alguma, embora não haja como negar que ele era o que os espanhóis chamavam de membro “influente” da organização – pode-se chamá-lo de “criador de ministros anarquista”, pois foi ele quem, como secretário nacional da CNT, manobrou a entrada dos quatro ministros da CNT no governo Caballero em novembro de 1936. De minha parte, sempre o considerei um dos intrigantes políticos mais desagradáveis que a CNT lançou e todas as referências a ele em O livro de Lorenzo confirma a impressão que tive com o que li anteriormente por ele. Mas, para ilustrar o viés pró-Horacio Prieto, abri o volume aleatoriamente (não havendo índice, o que é lamentável em um livro tão bem produzido e inadmissível em um volume de quatrocentas páginas que o editor oferece como uma “histoire lumineuse et déconcertante”, mas compreensível em vista do fato de que o viés de Horacio Prieto a que me referi seria emergir da forma mais embaraçosa!) na página 283 e com certeza Horacio Prieto é mencionado pelo nome não menos que três vezes, como ele está na página 284, embora apenas duas vezes na página 285, mas nesta página o autor começa citando um palestra proferida por Prieto ao Comitê Nacional da CNT sobre problemas econômicos e sua solução. Lorenzo descreve a palestra como “muito longa e muito técnica” e que “na introdução e na conclusão, ele declarou que a ação política e econômica eram inseparáveis, que o comunismo libertário era apenas utópico, que a própria CNT era uma instituição semelhante a um Estado com suas ordens permanentes, suas regras, seu funcionamento submetido a normas morais e ideológicas, sua rede administrativa e seus órgãos diretivos. Ele enfatizou a importância das chaves políticas para o poder econômico (as reservas de ouro em particular) e a importância da legislação, indicando que os libertários não poderiam alcançar nada valioso em questões econômicas se não tivessem acesso às suas chaves”. Eu poderia achar tais argumentos estimulantes se o Sr. Lorenzo não passasse a citar Prieto literalmente, onde ele rejeita as tentativas dos trabalhadores de coletivizar a terra e a indústria da melhor maneira possível nestes termos: e seus órgãos diretivos. Ele enfatizou a importância das chaves políticas para o poder econômico (as reservas de ouro em particular) e a importância da legislação, indicando que os libertários não poderiam alcançar nada valioso em questões econômicas se não tivessem acesso às suas chaves”. Eu poderia achar tais argumentos estimulantes se o Sr. Lorenzo não passasse a citar Prieto literalmente, onde ele rejeita as tentativas dos trabalhadores de coletivizar a terra e a indústria da melhor maneira possível nestes termos: e seus órgãos diretivos. Ele enfatizou a importância das chaves políticas para o poder econômico (as reservas de ouro em particular) e a importância da legislação, indicando que os libertários não poderiam alcançar nada valioso em questões econômicas se não tivessem acesso às suas chaves”. Eu poderia achar tais argumentos estimulantes se o Sr. Lorenzo não passasse a citar Prieto literalmente, onde ele rejeita as tentativas dos trabalhadores de coletivizar a terra e a indústria da melhor maneira possível nestes termos:
O coletivismo tal como o conhecemos na Espanha não é o coletivismo anarquista, mas a criação de um novo capitalismo, ainda mais incoerente que o velho sistema capitalista que acabamos de destruir; trata-se de uma nova forma de capitalismo com todos os seus defeitos. com toda a sua imoralidade, que se reflete no egoísmo inato, no sempre presente egoísmo dos trabalhadores que administram um coletivo. Está plenamente provado que não existe entre nós hoje a observância, ou qualquer amor ou respeito pela moralidade libertária que afirmamos defender ou propagar.
E assim por diante, por três páginas. Não se deve ter medo da crítica, mas deve-se suspeitar daqueles que criticam os anarquistas e anarco-sindicalistas por não serem bons anarquistas, enquanto ao mesmo tempo argumentam que métodos não autoritários nunca levarão ao surgimento do anarquismo. Prieto, o ministro-criador anarquista, acreditava mesmo durante a luta em 1936-1939 que, a menos que os anarquistas participassem do jogo de poder, eles nunca progrediriam, e ele continua até hoje defendendo o partido anarquista. E isso me leva à segunda falha, ou fraqueza, do livro de M. Lorenzo, e é que ele mesmo não tem outras idéias, e assim sua conclusão após expor por quatrocentas páginas a fragilidade política até mesmo dos anarquistas quando eles provam o doce frutos do poder, é de Prieto, que não há alternativa antiautoritária à luta pelo poder. Nesse caso, não há futuro para o anarquismo, a não ser como uma filosofia pessoal para uma elite.
Este poderia ter sido um livro muito importante se M. Lorenzo não tivesse mostrado tanta lealdade a seu pai... Horacio Prieto!
VII Não tenho visto a imprensa libertária espanhola no exílio regularmente há cerca de seis anos, embora o que tenho visto indique que aqueles que se preocupam com sua publicação estão mais interessados em manter unido o movimento envelhecido no exílio, baseado em ilusões sobre o passado e esperanças exageradas de o futuro do que tirar lições de sua experiência única. Um jornal que deu esperanças de que esse padrão estava prestes a ser quebrado foi o Presencia ( Tribuna Libertaria) que apareceu pela primeira vez em Paris em novembro-dezembro de 1965. Presumo que apenas dez edições foram publicadas, mas elas incluem algum material original. De particular interesse para este escritor foi um simpósio projetado sobre o tema “O movimento libertário espanhol em 1936-1939 renunciou a continuar a revolução até sua conclusão?” Ao apresentar a série (nº 5), os editores sugerem que o tema poderia ser colocado de maneira mais simples nos seguintes termos: “Se o 19 de julho de 1936 se repetisse - como se por mágica ocorresse exatamente da mesma forma e no mesmo contexto – o movimento libertário deveria agir como agiu?”
Infelizmente, apesar de convidar luminares do movimento libertário espanhol como García Oliver, Federica Montseny e Santillán, apenas Peirats e Cipriano Mera contribuíram.
A contribuição de Peirats é importante, pois é ainda mais crítica do que ele foi no volume mencionado anteriormente, e a declaração chave que ele faz é certamente que
não há dúvida de que houve uma renúncia à revolução assim que o levante militar em Barcelona e na Catalunha foi resolvido. E apesar do fato de que a revolução não poderia ter ocorrido em melhores circunstâncias…. É verdade que a parte mais difícil da tarefa deveria ser assumida pelas minorias mais determinadas. Em particular os militantes experientes da CNT-FAI. Mas a população, que compreendia a gravidade das questões envolvidas, as carregava maciçamente nas costas, evitando que a situação se alterasse. A renúncia ocorreu justamente no momento em que um grupo de destacados membros da CNT-FAI se dirigiu à Generalitat para ouvir a bajulação que o presidente Companys lhes derramou. Para o historiador,
Peirats sublinha a acusação quando mais tarde escreve: “Verdadeiramente falando, não foi um caso de renúncia, mas sim de rendição da revolução”. Não poderia haver desculpa para os anarquistas, que sabem mais sobre as maquinações da máquina política e estatal do que ninguém, apresentarem desculpas como terem sido pegos desprevenidos ou serem ingênuos no que diz respeito à política “em vista do facilidade com que alguns deles se adaptaram ao protocolo político e à situação”. De fato, Peirats observa que “no período 1936-1939 surgiu uma nova classe, herdeira de todas as tarefas anteriormente ocupadas pela classe que havia desaparecido. E incluiu algumas seções do movimento libertário.” Em suas conclusões, Peirats também acusa os luminares da CNT-FAI de serem revolucionários tacanhos e sem imaginação, “sem uma verdadeira moralidade anarquista”, e nas circunstâncias eles fizeram o que qualquer um faria e pegaram o caminho mais fácil e “optaram pelo menor esforço”. Mas para os anarquistas de Peiratsnão pode fazer o que “todo mundo faria nas circunstâncias”. Então, quando ele faz a pergunta “O que o movimento libertário poderia fazer?” ele logo se vê concluindo que metade da questão pode ser respondida com outra pergunta: “O que não deveria ter sido feito?” Voltamos a “Meios e fins” e Peirats faz uma série de observações estimulantes sobre o assunto. Na próxima edição da Presencia(n.º 6, novembro-dezembro de 1966) Cipriano Mera deu o seu contributo ao debate através de uma entrevista infelizmente demasiado curta e superficial para ser de grande valor. Na verdade, a entrevista dá ideias para uma entrevista mais aprofundada. Pois Mera parece estar interessado em estabelecer os fatos e tirar conclusões e nada preocupado em justificar seu próprio papel no “exército popular” em 1937 após a militarização das milícias (ver capítulo XVI). Reconhece que “todos nós tivemos a nossa quota-parte de responsabilidade” no que diz respeito à política colaboracionista da CNT, e acrescenta que já passou o tempo para um confronto com os culpados, mas mesmo assim “desejo afirmar que a política da o fato consumado e as decisões executivas começaram logo no início da guerra”.
A outra revista que gostaria de incluir neste pós-escrito é Noir et Rouge (Paris). A última questão, não. 46, publicado em junho de 1970. É, sem dúvida, um dos jornais anarquistas mais importantes do pós-guerra, e vale a pena consultar o material crítico sobre a revolução espanhola. Nas edições 36 e 38 encontram-se as traduções francesas das contribuições de Peirats e Mera para Presencia , bem como os comentários dos editores sobre o artigo do primeiro e uma interessante resposta de Peirats. O aluno também encontrará valiosas contribuições sobre o tema da autogestão com referências especiais à experiência da Argélia e à “revolução” francesa de maio de 1968.
Finalmente, gostaria de encaminhar o leitor para a edição especial da revista Government & Opposition sobre o assunto “Anarchism Today” (vol. 5, no. 4, outono de 1970), que inclui uma contribuição bem documentada de J. Romero Maura sobre “O Caso Espanhol”. O que o autor procura fazer é “formular uma explicação hipotética de como aconteceu que o movimento anarquista só na Espanha teve tanto sucesso na construção de uma massaorganização, em grande parte baseada em trabalhadores industriais com um impulso revolucionário tão poderoso e sustentado”. O Sr. Maura dá as cinco principais explicações geralmente avançadas para esse fenômeno. A primeira “busca a resposta na especificidade do personagem espanhol”, mas seu Maura rejeita com razão essa “visão romântica”, apontando que “as classes médias indígenas na Espanha nunca se anarquistaram e não parecem ter sido menos apegadas aos seus bens e interesses mundanos do que as classes médias de outros lugares”. A segunda “baseia-se no atraso da economia espanhola”; o terceiro é baseado na ideia “de que deve haver algum tipo de relação causal entre o fato de que o anarquismo industrial da classe trabalhadora foi mais forte na Catalunha e o surgimento ali de um poderoso movimento nacionalista de classe média. ” A quarta explicação “alega que o anarquismo foi o resultado explosivo da falta de liberdade política”. E, finalmente, o fenômeno anarquista espanhol é atribuído à “desilusão dos trabalhadores com uma constituição liberal-democrática que não deu aos trabalhadores nenhum poder real”.
O Sr. Maura não tem dificuldade em descartar essas explicações. A verdadeira explicação que ele sente deve, em primeiro lugar, ser buscada “na própria natureza da concepção anarquista da sociedade e de como realizar a revolução”. E em seu ensaio ele tenta explicar como essa concepção foi gerada e “por último, mas não menos importante, como a adesão estrita às concepções originais em matéria de organização permitiu ao movimento manter seu ímpeto por um longo período de tempo”. Devo salientar que neste ensaio o Sr. Maura não está preocupado com os eventos de 1936-1939 e, portanto, é uma pena que ele destrua este estudo bem documentado com um parágrafo de conclusão que faz várias generalizações sobre esses eventos. que não pode ser levado a sério, assim como a citação de “um dos líderes da FAI”. Talvez o Sr.mais os eventos de 1936–1939, e que suas palavras finais sobre o último, “Mas essa é outra história”, podem não ser assim!
Tendo dito isso, devo acrescentar que acho o ensaio do Sr. Maura revigorante, suas teses controversas e estimulantes (embora não tenha certeza de onde ele se posiciona) e estou muito interessado em algumas de suas conclusões. Por exemplo: “Embora se saiba muito pouco sobre o crescimento e a decadência do sindicalismo francês e italiano, uma coisa é bastante clara, a saber, que sua concepção da greve geral revolucionária era um mito perigoso”. O senhor Maura acrescenta que “a ideia da greve geral foi concebida como uma alternativa à insurreição armada”, que depois da Comuna de Paris foi considerada derrotada “de uma vez por todas… pelos exércitos da burguesia”. estado. Os sindicalistas franceses e italianos pensavam que a greve geral, ao atomizar a violência e impedir por meio da sabotagem a coordenação do esforço do Estado, tornaria impossível o uso de exércitos convencionais contra os trabalhadores”. Concordo quando o Sr. Maura afirma que “isso foi uma ilusão”, e cita o caso dos “anarcocomunistas da USI italiana (União Sindicalista Italiana) que perceberam os perigos desse erro” e acrescenta que “mas para todos Os esforços de Armando Borghi não conseguiram impor seus pontos de vista sobre um movimento que não controlavam”. Mas considera que em Espanha
esse erro de julgamento nunca ganhou terreno…. Os fundadores da Solidaridad Obrera e da CNT tinham antecedentes anarcocomunistas, tanto que — ao contrário do programa do sindicalismo revolucionário em outros lugares — seu objetivo declarado era acabar com o comunismo libertario. Eles nunca abandonaram a concepção anarcocomunista da batalha final como aquela que seria decidida pela força bruta.
Eu estaria de acordo com o Sr. Maura não fosse por sua última frase, que me parece grosseira e sem imaginação e, de qualquer forma, em contradição com o que ele escreve sobre o movimento italiano citado acima. O que eu acho que é imaginativo em sua “hipótese” e merece mais pesquisa é que a “história de sucesso” da CNT, comparada com o resto da Europa, foi mais profundamente influenciada por influências anarquistas do que marxistas ou reformistas; que “seu objetivo declarado era acabar com o comunismo libertario”.
VIII Leitores de Malatesta: Vida e Idéias(Londres: Freedom Press, 1965) não precisa ser lembrado da greve geral versus as questões de insurreição levantadas com certa extensão na Parte III do volume, na qual discuto “Malatesta's Relevance for Anarchists Today” (271-309). Cito Malatesta como sugerindo que a ideia da greve geral foi lançada e “recebida com entusiasmo por aqueles que não tinham fé na ação parlamentar e viam nela um novo e promissor caminho para a ação popular”. Mas o problema é que a maioria deles via a greve geral como “um substituto para a insurreição, uma forma de 'matar a burguesia de fome' e obrigá-la a capitular sem desferir um golpe”. Para tais pontos de vista, o comentário enigmático de Malatesta era que, longe de matar a burguesia de fome, “deveríamos passar fome primeiro”.
Acho que o Sr. Maura tira conclusões erradas do confronto Monatte-Malatesta no congresso anarquista de Amsterdã porque ele não distingue entre a greve geral, que é basicamente uma ação autoritária de um setor da sociedade - os trabalhadores produtivos organizados - e uma insurreição, que é uma insurreição do povo contra a classe dominante e só é possível, e muito menos bem-sucedida, se abranger uma parcela esmagadora da comunidade. Afirmo que o primeiro – o conceito de greve geral – é “uma batalha final… decidida pela força bruta”, cujo resultado dependerá em grande parte do número de trabalhadores organizados e da natureza de seu trabalho. A insurreição, por definição, é “uma ascensão em resistência aberta à autoridade estabelecida” pelo povoe depende de seu sucesso não em manter a sociedade como refém, mas em ser a expressão da sociedade e, portanto, ser bem-vindo. A ideia do anarquismo ser decidido “pela força bruta”, como sugere o Sr. Maura, é estranha a tudo o que os anarquistas defendem.
O senhor Maura, como estudioso da luta espanhola, certamente terá observado que enquanto os elementos revolucionários na Espanha, apesar das inúmeras greves gerais entre fevereiro e julho de 1936, não puderam lançar uma revolução para derrubar o governo da Frente Popular e suas instituições (que incluíam as forças armadas), eles foram, no entanto, a vanguarda que inspirou outros a resistir e derrotar a sublevação militar de Franco em dois terços da península e desencadeou uma revolução social que modificou radicalmente o sistema econômico existente e envolveu vários milhões de trabalhadores e camponeses.
IX Acho que se pode esperar um volume crescente de material sobre diferentes aspectos da Guerra Civil Espanhola, principalmente vindo da Espanha. E como um escritor apontou, há uma tendência para relatos mais detalhados de eventos específicos, como, por exemplo, Manuel Cruells em Els fets de Maig (Barcelona: Juventut, 1970), que é um volume de 140 páginas na edição de maio Dias de 1937 por um jornalista barcelonês que presenciou os acontecimentos. E a outra fonte, creio, serão reimpressões de material contemporâneo, muitos dos quais há muito tempo esgotados. Uma dessas reimpressões é Guerra di Classe (1936–1937) de Camillo Berneri (Pistoia: Ed. RL, 1971), uma coleção de doze artigos publicados em Guerra di Classe, o jornal italiano que editou em Barcelona em 1936-1937, que inclui peças tão controversas e importantes como sua “Carta aberta à camarada Federica Montseny”, “Guerra e revolução” e “Contra-revolução em andamento” (esta última apareceu no dia antes de ser assassinado pelos stalinistas).
Claramente, quanto mais material aparecer, melhor, e de todos os cantos da esquerda (por exemplo, Revolution & Counter-Revolution in Spain, de Felix Morrow (Nova York: Pathfinder, 1938), reapareceu, assim como também o Spanish Cockpit , de Franz Borkenau (Londres: Faber e Faber, 1937) Mas para os anarquistas já foi publicado material mais do que suficiente para que as lições dessa luta épica emerjam clara e inequivocamente.
NOTAS DE RODAPÉ DO POSTSCRIPT BIBLIOGRÁFICO (1983) Estas notas de rodapé limitam-se a chamar a atenção dos leitores para quaisquer novas edições dos livros mencionados no “Pós-escrito Bibliográfico” e quaisquer novos títulos relevantes que tenham surgido durante os dez anos desde a redação do “Pós-escrito”. Os mesmos números de seção foram mantidos.
II Livros de fundo. Três trabalhos úteis apareceram. Murray Bookchin's The Spanish Anarchists: The Heroic Years 1868–1936 (New York: Free Life Editions, 1977). Embora seja um livro interessante e valioso, ele realmente lida com o movimento sindicalista e não com os anarquistas, e por não se perguntar seriamente a questão básica “Quem de fato eram os anarquistas espanhóis?” ele obviamente tem dificuldades quando se trata de categorizar alguns de seus assuntos. Juan Peiró, que sempre se declarou anarquista em seus escritos e tem poucos críticos entre os revolucionários espanhóis, é descrito de várias maneiras por Bookchin como um “centrista”, como um “ cenista moderado”.”, e como um “sindicalista de direita”. Federica Montseny é descrita como uma das “luminares da FAI” e como “a mulher faista mais conhecida ” apesar de ter declarado publicamente que a única organização a que pertencia era a CNT. E se o autor tivesse consultado seus consideráveis escritos na Revista Blanca (que primeiro seu pai e depois ela editou em Barcelona de 1923 a 1936), ele certamente teria chegado à conclusão de que ela era uma anarquista individualista total, se não uma stirnerista. .
Obviamente, o autor colocou a questão, mas adverte o leitor de que inclui sua solução como uma de suas “não-ortodoxias” ao escrever este livro. O que ele fez foi usar os termos “anarquista” e “anarco-sindicalista” “quase intuitivamente, ordinariamente combinando libertários de todas as tendências sob a rubrica 'anarquista' quando eles pareciam confrontar os marxistas, o poder do estado e seus oponentes de classe como uma tendência bastante unificada na sociedade espanhola e destacando os 'anarco-sindicalistas' quando eles estavam funcionando em grande parte de um ponto de vista sindicalista”.
Ao fazer isso, acho que ele contribuiu para a confusão política existente, embora isso não o tenha impedido de escrever um livro valioso. Se ele tivesse aceitado as conclusões de um respeitado anarquista espanhol escrevendo em 1945 sobre aqueles anos de “colaboração”, eles teriam revelado “o que poucos de nós suspeitamos por algum tempo: que havia algumas, não muitas, centenas de anarquistas em Espanha”, ele poderia ter sido dissuadido de escrever este livro. E isso seria uma pena.
Los anarquistas en la crise politica Española, de José Peirats, está agora disponível em tradução com o título Anarchists in the Spanish Revolution (Toronto: Solidarity Books, 1977). Esta edição, ao contrário do original, inclui um glossário de nomes de trinta e cinco páginas e um índice, que se supõe ter sido compilado pelo grupo editorial e não por Peirats. Não consigo imaginar Peirats descrevendo Armando Borghi como “escritor italiano dedicado ao jornalismo de propaganda” ou Coronel Casado como “famoso por ter arquitetado a junta que leva seu nome e deposto o ditador Negrín, no final da guerra”.
A terceira trata inteiramente do que foi, de certo modo, um incidente menor na turbulenta década de 1930 na Espanha. Assim como todo historiador que se preze escreve sobre a Primeira Internacional na Espanha invariavelmente inclui uma referência a Giuseppe Fanelli, geralmente como um assunto para o ridículo (Bookchin é uma exceção, e até inclui duas fotografias dele), também todos os historiadores que lidam com a República da década de 1930 invariavelmente se referem ao massacre de Casas Viejas no final de 1933, e ao velho Seisdedos (Seis Dedos) que supostamente seria o líder anarquista da insurreição local que levou ao “massacre”. Bem, todos eles entenderam errado, porque Brenan e Hobsbawm erraram, e como todos os outros historiadores tomaram emprestado e embelezaram seus relatos, eles também terão que comer torta humilde. Os anarquistas de Casas Viejaspor Jerome R. Mintz (Chicago: University of Chicago Press, 1982) é sobre o desenvolvimento do movimento anarquista em uma cidade na Andaluzia (não muito longe de Gibraltar), desde seu início em 1914 e a revolta em 1933 até as experiências pessoais dos sobreviventes nos tempos conturbados que se seguiram, conforme relatado ao autor durante um período de dois anos no final dos anos 1960. Além de estabelecer os fatos do levante e o papel desempenhado pelos “Seisdedos”, o professor Mintz expõe o uso da religião como a chave para conceituar o anarquismo espanhol. Como ele aponta na introdução, “À primeira vista, o modelo religioso parece tornar o anarquismo mais fácil de entender, particularmente na ausência de observação detalhada e contato íntimo. O modelo foi, no entanto, também usado para servir aos fins políticos dos oponentes do anarquismo. Aqui, o uso dos termos 'religioso' e 'milenarista' carimba os objetivos anarquistas como irrealistas e inatingíveis. O anarquismo é assim descartado como uma solução viável para os males sociais.
“A supersimplificação postulada tornou-se uma séria distorção da crença e prática anarquista. Gerald Brenan, Eric Hobsbawm e Raymond Carr, por exemplo, todos sustentaram que havia uma conexão entre greves anarquistas e práticas sexuais”. E ele cita a descrição mais recente, da Espanha de Raymond Carr, no qual são apresentados assim: “Puritanos austeros, eles procuraram impor o vegetarianismo, a abstinência sexual e o ateísmo a um dos camponeses mais atrasados da Europa…. Assim, as greves eram momentos de exaltação, bem como demandas por melhores condições.” O professor Mintz comenta que “os anarquistas equilibrados ficaram surpresos com tais descrições do suposto puritanismo espanhol por historiadores excessivamente entusiasmados”. O mito “religioso” deveu-se em grande parte à influência de Juan Díaz del Moral, um advogado e historiador que também era proprietário de terras e que produziu uma história massiva das revoltas camponesas da Andaluzia. Os historiadores ingleses começando com Brenan adotaram del Moral como sua autoridade. Assim, em O Labirinto Espanholno capítulo sobre “Os anarco-sindicalistas” Brenan escreve: “Neste ponto será necessário fazer uma pausa em nosso relato do desenvolvimento do anarco-sindicalismo nas cidades industriais para dizer algo sobre o que estava acontecendo no país. As principais áreas do anarquismo rural na Espanha são a Andaluzia e o Levante. Com a ajuda da história admiravelmente objetiva e detalhada de Díaz del Moral do movimento na província de Córdoba, deve ser possível obter uma idéia bastante exata disso” (p. 173). Mais tarde, aponta o professor Mintz, Raymond Carr, Hobsbawm e Joll “aceitaram a caracterização de Díaz del Moral e até mesmo identificaram uma época e um povo que eles julgaram ser comparável – a Inglaterra do século XVII com seus anabatistas e homens da Quinta Monarquia”. Franz Borkenau foi mais longe no The Spanish Cockpitquando declarou que “o anarquismo é uma religião”, mas George Woodcock em sua história do anarquismo também se apaixonou pelo del Moral via interpretação de Hobsbawm. Ele não apenas cita del Moral via Hobsbawm em seu livro Primitive Rebels, como também o livro de Brenan, Spanish Labyrinth , para ilustrar sua visão de que “todo anarquismo tem, é claro, um elemento moral-religioso que o distingue dos movimentos políticos comuns, e isso elemento é muito mais fortemente desenvolvido na Espanha do que em qualquer outro lugar”, mas nas páginas opostas ele se refere ao “milenarismo anarquista” varrendo o campo “como um grande renascimento religioso” e aos “extremistas liderados por fanáticos como Durruti e seu inseparável companheiro Ascaso, que estavam dispostos a usar todos os meios para acelerar o milênio revolucionário” (pp. 354–355).
O professor Mintz fez mais do que estabelecer os fatos sobre o levante em Casas Viejas. Como ele mesmo coloca em seu prefácio:
Este estudo da rebelião anarquista é em si parte de uma revolução na pesquisa histórica, um aspecto da qual é o reexame da história, usando dados daqueles em uma posição desprezada - narrativas pessoais e histórias de vida de escravos e meeiros no sul dos Estados Unidos, por exemplo , e, neste caso, relatos de camponeses sobre as circunstâncias na Andaluzia. Os novos dados são principalmente orais; os narradores são incultos, muitas vezes analfabetos. Essas versões orais desafiam histórias que muitas vezes se baseiam quase exclusivamente nos pontos de vista das classes educadas e elitistas. A introdução dessas novas fontes no estudo da história social e política pode evocar uma mudança de percepção tão radical quanto a provocada pelo movimento impressionista na pintura – agora como então, a imagem do mundo banhada em luz fresca,
4 Em 1975, a Freedom Press publicou minha tradução da obra monumental de Gaston Leval, Espagne Libertaire 1936–39 , com o título Coletivos na Revolução Espanhola , incluindo um prefácio e doze páginas de notas bibliográficas do tradutor.
O estudo original de Frank Mintz de 1970 foi publicado em uma edição expandida em espanhol com o título La autogestion en la Espana revolucionaria(Madrid: La Piqueta, 1977). Em sua introdução, o autor se refere aos revisores que elogiaram o original francês por sua meticulosidade, mas o criticaram por ser indigesto no que diz respeito ao leitor médio. Como eu era um desses críticos e admiradores, cito a resposta do meu amigo: “Não sei o que é um leitor mediano, e prefiro que as pessoas pensem antes de engolir um gato acreditando ser uma lebre (mesmo quando o gato tem foi cozinhado por mim).” A edição em espanhol inclui novos apêndices e novo material descoberto pelo autor nos arquivos militares em Salamance em julho-agosto de 1975. Esta nova edição é uma fonte inestimável de trabalho e inclui uma bibliografia de trinta e seis páginas, mas, infelizmente, nenhum índice.
Em Ronald Fraser's Blood of Spain: The Experience of Civil War 1936–1939(Londres: Allen Lane, 1979), uma história oral, há várias seções que tratam da coletivização rural e urbana. O autor entrevistou homens e mulheres que realmente participaram ativamente da luta e que ainda vivem trinta e cinco anos depois nas aldeias onde participaram da revolução social. No caso de Mas de las Matas (Tereul), pode-se comparar o que alguns de seus habitantes estão pensando e dizendo sobre a coletivização agora com o relato de Gaston Leval sobre o que aconteceu na época, e é uma leitura fascinante. Uma testemunha disse ao autor: “Fiquei tão entusiasmado, tão fanático, que peguei tudo na casa de meus pais – todos os estoques de grãos, a dúzia de cabeças de ovelha, até as moedas de prata – e os entreguei ao coletivo. ” Ele veio de uma próspera família de camponeses que possuía duas casas e mais terras do que poderiam trabalhar apenas com a mão de obra familiar. “Então você vê que eu não estava na CNT para defender meu salário diário; Eu estava nele por razões idealistas. Meus pais não estavam tão convencidos quanto eu, com certeza.” Esse idealismo juvenil lembra as lembranças de Malatesta sobre a vida de militante naqueles dias de “entusiasmo” quando os internacionalistas “estavam sempre prontos para qualquer sacrifício pela causa e eram inspirados pelas esperanças mais otimistas”. Ele escreveu muitos anos depois “todos deram à propaganda tudo o que podiam, assim como o que não podiam pagar; e quando o dinheiro era curto, vendíamos alegremente objetos domésticos; enfrentando de forma resignada as reprimendas de nossas respectivas famílias”. Eu estava nele por razões idealistas. Meus pais não estavam tão convencidos quanto eu, com certeza.” Esse idealismo juvenil lembra as lembranças de Malatesta sobre a vida de militante naqueles dias de “entusiasmo” quando os internacionalistas “estavam sempre prontos para qualquer sacrifício pela causa e eram inspirados pelas esperanças mais otimistas”. Ele escreveu muitos anos depois “todos deram à propaganda tudo o que podiam, assim como o que não podiam pagar; e quando o dinheiro era curto, vendíamos alegremente objetos domésticos; enfrentando de forma resignada as reprimendas de nossas respectivas famílias”. Eu estava nele por razões idealistas. Meus pais não estavam tão convencidos quanto eu, com certeza.” Esse idealismo juvenil lembra as lembranças de Malatesta sobre a vida de militante naqueles dias de “entusiasmo” quando os internacionalistas “estavam sempre prontos para qualquer sacrifício pela causa e eram inspirados pelas esperanças mais otimistas”. Ele escreveu muitos anos depois “todos deram à propaganda tudo o que podiam, assim como o que não podiam pagar; e quando o dinheiro era curto, vendíamos alegremente objetos domésticos; enfrentando de forma resignada as reprimendas de nossas respectivas famílias”. ” Esse idealismo juvenil lembra as lembranças de Malatesta da vida de militante naqueles dias de “entusiasmo” quando os internacionalistas estavam “sempre prontos para qualquer sacrifício pela causa e eram inspirados pelas esperanças mais otimistas”. Ele escreveu muitos anos depois “todos deram à propaganda tudo o que podiam, assim como o que não podiam pagar; e quando o dinheiro era curto, vendíamos alegremente objetos domésticos; enfrentando de forma resignada as reprimendas de nossas respectivas famílias”. ” Esse idealismo juvenil lembra as lembranças de Malatesta da vida de militante naqueles dias de “entusiasmo” quando os internacionalistas “estavam sempre prontos para qualquer sacrifício pela causa e eram inspirados pelas esperanças mais otimistas”. Ele escreveu muitos anos depois “todos deram à propaganda tudo o que podiam, assim como o que não podiam pagar; e quando o dinheiro era curto, vendíamos alegremente objetos domésticos; enfrentando de forma resignada as reprimendas de nossas respectivas famílias”.
V Como já observado, a reimpressão de Londres de 1968 de The Spanish Civil War and Revolution 1936–1939 de Bolloten desapareceu das listas de editoras, mas uma nova edição americana ampliada foi publicada pela University of North Carolina Press em 1979. O título foi novamente mudou, desta vez para A Revolução Espanhola: A Esquerda e a Luta pelo Poder durante a Guerra Civil , e a introdução politicamente ingênua de Trevor-Roper foi substituída por um prefácio curto e inofensivo de Raymond Carr, que os editores provavelmente esperam que ajude a vender um mais algumas cópias.
Estaria falhando em defender Bolloten para todos os estudiosos da revolução espanhola se não me referisse com algum detalhe à reorganização editorial desta nova edição. O texto tem 477 páginas de material de fácil leitura, seguido de 100 páginas de notas com cabeçalhos referentes às páginas do texto, facilitando assim a consulta das notas importantes no momento da leitura do texto; depois há uma bibliografia de 30 páginas, que infelizmente em alguns casos não foi atualizada no que diz respeito a novas edições ou traduções para o inglês; e por último, e mais importante, um inestimável índice de 50 páginas. Muitas das notas de rodapé da edição original foram corretamente incorporadas ao texto. Dois capítulos sobre “Catalunha: Revolução e Contra-Revolução” e “Barcelona: Os eventos de maio” foram adicionados, bem como um “Epílogo: o fim da revolução”, que cobre a ascensão de Juan Negrín após as jornadas de maio de 1937 até o fim da Guerra Civil em março de 1939, que obviamente não pode ser tratado adequadamente. com apenas 20 páginas. Mas o autor está certo em se concentrar nos eventos até as jornadas de maio de 1937.
Um capítulo da edição original foi omitido, embora mal ocupasse uma página. No entanto, pareceu-me na época que era uma das declarações mais importantes do livro e cativou o autor para mim desde o início. O primeiro parágrafo dizia:
Embora a eclosão da Guerra Civil Espanhola em julho de 1936 tenha sido seguida por uma revolução social de longo alcance no campo antifranquista – mais profunda em alguns aspectos do que a Revolução Bolchevique em seus estágios iniciais – milhões de pessoas perspicazes fora da Espanha foram mantido na ignorância, não apenas de sua profundidade e alcance, mas até mesmo de sua existência, em virtude de uma política de duplicidade e dissimulação sem paralelo na história.
Aos meus protestos pela exclusão deste breve capítulo, o autor respondeu generosamente: “Estou totalmente de acordo com você que foi um erro de minha parte eliminar os parágrafos iniciais que apareceram em The Grand Camouflage . Sempre que tiver a chance de revisar o livro novamente, restaurarei essas passagens.” E sua razão para querer fazê-lo é significativa: “pois desde então aprendi que, embora tenham sido escritos há vinte anos, as pessoas, em geral, ainda não têm conhecimento da revolução sem paralelo que ocorreu na Espanha”. [128]
Acho que o novo material apresenta o líder socialista/sindicalista Largo Caballero sob uma luz muito favorável - como uma vítima de intrigas - enquanto ele era uma velha raposa, como são todos os líderes sindicais - não menos da variedade anarco-sindicalista, como Juan López, Peiró e Pestaña. Também discordo da importância que ele atribui ao livro de Lorenzo, pelas razões apresentadas em meu pós-escrito bibliográfico. Mas essas são críticas menores. The Spanish Revolution, de Bolloten , é certamente o mais importante livro de relatos e fontes disponível em inglês e merece uma distribuição mais ampla neste país.
Dois outros livros de referência estão agora disponíveis em inglês. Durruti: The People Armed by Abel Paz (Montréal: Black Rose Books, 1976), mal traduzido do francês, é especialmente útil pelo material que apresenta sobre Durruti e seu grupo, que não pode ser encontrado em nenhum outro lugar. Sofre por ser um estudo completamente acrítico do homem. Talvez como antídoto, o leitor deva ver o que García Oliver tem a dizer sobre Durruti em suas memórias, El Eco de les Pasos(Barcelona: Ruedo Ibérico, 1978). Afinal, ambos eram membros do grupo de ação direta “Los Solidarios”. Seus comentários estão longe de ser adulatórios. Mas quão confiáveis são essas memórias escritas quase quarenta anos após os eventos? Várias outras figuras importantes do movimento anarco-sindicalista e anarquista espanhol, incluindo Juan López e Cipriano Mera, publicaram suas memórias na última década.
Para leitores ingleses , Blood of Spain, de Ronald Fraser, brevemente referido na nota de rodapé anterior, é realmente importante, porque, como diz a sinopse na sobrecapa, você tem um “mosaico” de mais de trezentos relatos pessoais registrados entre 1973 e 1975, 95 por cento dos quais foram gravado na Espanha, o resto na França. E o autor declara: “Nenhum problema foi colocado no meu caminho. Além da cautela nas áreas rurais, especialmente na Andaluzia, onde ainda havia medo, as pessoas falavam abertamente”. (Minha própria experiência, limitada à Catalunha, e muito antes - desde 1958 - era que nas áreas rurais as pessoas falavam abertamente, porque sabiam em quem não se podia confiar na comunidade, enquanto em Barcelona, por exemplo, você não conhecia vizinho na mesa do café ao lado e, portanto, você só falou abertamente em casa ou fora da multidão.) Para quem realmente quer tirar conclusões, aprender lições com a revolução espanhola, como seres humanos tentando fazer algum sentido em suas próprias vidas hoje, na Grã-Bretanha, este livro em cada uma de suas seiscentas páginas tem uma joia para provocar reflexão e reflexão. Há tantas entrevistas que eu gostaria de citar textualmente! Margarita Balaguer, uma costureira de dezoito anos de uma casa de moda de alta costura “que ela tentou sem sucesso coletivizar, achou a libertação das mulheres a mais recompensadora de todas as conquistas revolucionárias. Desde que conseguia se lembrar, ela lutou contra a noção aceita de que 'homens e mulheres nunca poderiam ser amigos'. Agora ela descobriu que tinha melhores amigos entre os homens do que entre as mulheres. Uma nova camaradagem havia surgido.” E a autora cita suas próprias palavras: “Era como sermos irmãos. Sempre me incomodou que os homens deste país não considerassem as mulheres como seres com plenos direitos humanos. Mas agora houve essa grande mudança. Acredito que surgiu espontaneamente do movimento revolucionário.”
Em 1939, Franco venceu a guerra. Quantos mais como Margarita Balaguer já haviam feito sua revolução e sobrevivido como seres humanos a esses trinta e seis anos de ditadura e obscurantismo religioso. Não se encontram respostas nas grandes obras históricas, mas fica-se com uma ideia do que pode ser positivo para alguns indivíduos mesmo de uma revolta que fracassou nesta comovente e importante obra.
VI Dez anos atrás, observei que “surpreendentemente poucos trabalhos críticos” foram publicados nos quinze anos entre as edições do meu livro. Tal ainda é o caso, apesar do fato de que Franco está morto há pelo menos sete anos e a batalha política e sindical livre para todos, no momento da redação deste artigo, levou à vitória esmagadora do Partido Socialista de González em um típico programa social-democrata britânico. Talvez não seja necessário tirar lições da experiência de 1936-1939: os acontecimentos falam por si. Onde estão a CNT e a FAI hoje?
O livro de Peirats já está disponível em inglês e, além do material de apoio (já referido), é uma crítica muito dura à hierarquia da CNT-FAI, muito mais crítica do que qualquer coisa que escrevi em meu livro. E o prefácio, escrito em 1974 antes da morte de Franco, é pessimista quanto ao futuro do movimento. O curto pós-escrito escrito após a morte de Franco é compreensivelmente otimista, mas eu não pensaria em citar contra ele a observação de que “uma nova etapa promissora está se abrindo para o anarquismo na Espanha”. O que me sinto justificado em apontar para os anarquistas que querem aprender seriamente algo com a experiência espanhola é que mesmo Peirats, quando a edição de 1953 de minhas Lições foi publicada, condescendentemente se referiu a ela no CENIT (Toulouse) como “esta obrita ” (apesar de “esta obra menor” ter sido inspirada pela publicação da sua monumental história!), mas que à parte, criticou o livro por ser demasiado “severo” não só do “movimento” mas também de “indivíduos”. Obviamente, se alguém está colocando a ideia de que os sindicatos anarco-sindicalistas diferem dos sindicatos socialistas por serem organizados de baixo para cima em vez de de cima, não há líderes para culpar se as coisas derem errado. Mas, na prática, quanto mais bem-sucedidas forem as organizações anarco-sindicalistas, mais sujeitas estarão a enfrentar rapidamente os tipos de problemas que são endêmicos nos sindicatos reformistas. Enquanto os propagandistas anarco-sindicalistas não reconhecerem esses problemas, a experiência da CNT na Espanha em 1936-1939 será perdida para eles.
Peirats disse na época (1954) que embora apenas uma pequena parte da documentação sobre os eventos de 1936-1939 tivesse sido publicada, “pode-se dizer que o material básico para exame está disponível para o aluno. E é hora de realizar a tarefa de completar uma análise objetiva. É importante para os anarquistas tirar as lições dos fatos e ações de seu próprio movimento”. E ele declara que eu fiz isso, além de ser muito “ severo ”, e depois acrescenta “ muito lateral ” (muito tendencioso) e seletivo. Ele conclui: “nenhuma de suas declarações será contrariada pela história. Mas quando alguém escreve para o público em geral, é uma medida de justiça, não de clemência, dar aos fatos sua importância relativa.” Acho que os leitores do livro de PeiratsOs anarquistas da Revolução Espanhola podem muito bem concordar comigo que tardiamente o historiógrafo da CNT expôs as lições com mais “severidade” e menos “clemência” para os líderes do que será encontrado em minhas Lições . E as memórias de López, Oliver e Mera, e Horacio Prieto (através de seu filho Cesar Lorenzo) são tão politicamente reveladoras dos escritores (ao demonstrar que o poder, o ofício, não só corrompe os outros, mas ministros anarquistas, coronéis anarquistas também) quanto eles são da fragilidade moral e política de seus antigos camaradas.
A escassez de livros que buscam tirar conclusões da experiência espanhola (refiro-me apenas ao que está disponível em inglês; tenho certeza de que não é o caso da Espanha, embora desconfie que o grande boom editorial pós-franquista chegou um fim - apesar do fato de que mais histórias aparecem de tempos em tempos) é uma confirmação da observação de Bolloten de que as pessoas em geral ainda desconhecem a revolução sem paralelo que ocorreu na Espanha" - mas obviamente apreciam "uma boa leitura" sobre a guerra ou sobre os vermelhos queimando igrejas e matando padres. Onde alguém ocasionalmente encontra material tirando lições de um ponto de vista anarquista/revolucionário é na imprensa alternativa. Por exemplo, Telos, um “jornal trimestral americano de pensamento radical” (no nº 34, inverno de 1977–1978) aproveitou a ocasião da publicação da história de Murray Bookchin para publicar uma longa resenha crítica de Michael Scrivener desse livro e de Sam Dolgoff sobre os coletivos e minhas lições. Alternativas Sociais 2, n. 3 (fevereiro de 1982), publicado na Austrália, traz um longo ensaio de Gregg George sobre “Social Alternatives and the State: Some Lessons of the Spanish Revolution”, que indica o quão importante essa experiência pode ser para os anarquistas cujos pensamentos e propaganda são direcionados para século XXI e não ao XIX.
ADENDO BIBLIOGRÁFICO A previsão de Vernon Richards de um “volume crescente de material sobre diferentes aspectos da Guerra Civil Espanhola, principalmente vindo da Espanha”, provou ser correta. Uma abundância de histórias e memórias acadêmicas e populares foi produzida nos trinta e seis anos desde a última atualização do autor em seu pós-escrito. O crescimento da internet significou que as pessoas interessadas agora têm na ponta dos dedos uma riqueza de recursos primários e secundários que teriam arrebatado Richards com a mesma certeza que os aspectos menos saudáveis da web o teriam horrorizado. Qualquer breve levantamento dessa literatura deve necessariamente ser incompleto. Neste caso, é duplamente porque me limitei ao que está disponível em inglês, exceto por uma breve consideração de autores que considero particularmente importantes e merecedores da atenção de editores e tradutores.
Neste período, nossa compreensão histórica do anarquismo espanhol antes e durante a Guerra Civil foi - a meu ver - mais aprimorada pelo trabalho relacionado aos comitês de defesa e ao papel das mulheres. Na primeira categoria, as contribuições de Agustín Guillamón e Chris Ealham foram transformadoras. Em Pronto para a revolução: os comitês de defesa da CNT em Barcelona, 1933–1938(Oakland: AK Press, 2014), traduzido por Paul Sharkey, Agustín Guillamón—provavelmente o historiador mais prolífico que trabalha na Guerra Civil hoje—enfoca a composição, o funcionamento e o papel dos comitês encarregados de formar as tropas de choque do ansiado conflito da CNT. -para a revolução. Em detalhes meticulosos, Guillamón demonstra a contribuição fundamental dos comitês para a derrota do exército amotinado em Barcelona em julho de 1936 e na subsequente transformação revolucionária da cidade. Enquanto isso, Anarchism and the City: Revolution and Counter-Revolution in Barcelona, 1898–1937, de Chris Ealham(Oakland: AK Press: 2010) é o melhor relato em um único volume do movimento anarquista durante o período republicano. Sua representação envolvente do universo social e cultural do anarquismo de Barcelona é essencial para entender o contexto em que os comitês de defesa operavam. Os leitores interessados também devem procurar uma cópia do volume que Ealham editou com Michael Richards, The Splintering of Spain: Cultural History and the Spanish Civil War (Cambridge: Cambridge University Press, 2009). A própria contribuição de Ealham, “O Mito da Multidão Enlouquecida: Classe, Cultura e Espaço no Projeto Urbanista Revolucionário em Barcelona, 1936–1937,” é uma interpretação perspicaz, simpática e lindamente escrita de seu assunto.
Sobre as mulheres anarquistas, o estudo de Martha Ackelsberg sobre o agrupamento Mujeres Libres, Free Women of Spain: Anarchism and the Struggle for the Emancipation of Women(Oakland: AK Press, 2004) é tão inspirador quanto confiável. Mujeres Libres foi uma organização autônoma de mulheres anarquistas que se transformou em uma federação de milhares de pessoas durante a Guerra Civil, mas nunca foi reconhecida como um ramo oficial do Movimento Libertário Espanhol. Ackelsberg, que pôde entrevistar vários ex-membros no decorrer de sua pesquisa, descreve os esforços feitos pelas mulheres na luta pela igualdade tanto dentro do movimento anarquista quanto na sociedade mais ampla da Espanha republicana. A pronta disponibilidade do livro de Ackelsberg em uma edição acessível infelizmente não impediu comparações insustentáveis entre Mujeres Libres, uma organização que opera na retaguarda, e batalhões de mulheres lutando na linha de frente nos conflitos atuais. Além do trabalho de Ackelsberg,Anarchism: A Documentary History of Libertarian Ideas: From Anarchy to Anarchism (300CE–1939), vol. 1 (Montréal: Black Rose Books, 2005).
Paul Sharkey sem dúvida será familiar aos leitores como um tradutor incansável de obras valiosas da história anarquista. É devido a seus esforços que várias das obras mencionadas por Vernon Richards em sua bibliografia estão agora disponíveis em edições em inglês, juntamente com uma lista enorme e crescente de materiais primários e secundários mais curtos disponíveis no site da Biblioteca Kate Sharpley - a própria uma mina de informações e comentários. Exemplos notáveis do trabalho de tradução de Sharkey incluem: Frank Mintz, Anarchism and Workers' Self-Management in Revolutionary Spain (Oakland: AK Press, 2012); Abel Paz, História da Coluna de Ferro: Anarquismo Militante na Guerra Civil Espanhola (Oakland: AK Press, 2014); e a sua contribuição para o monumental José Peirats em três volumes,The CNT in the Spanish Revolution (Oakland: PM Press, 2011–2012), esforço em que se juntou a ele Chris Ealham. O fato de trazer este trabalho inestimável para um público anglófono também se deve aos esforços de Paul Preston e Stuart Christie, cujo We, the Anarchists!: A Study of the Iberian Anarchist Federation (FAI) 1927–1937 (Londres: Meltzer Press, 2002 ) e o site christiebooks são recursos adicionais de enorme valor para os entusiastas da história anarquista. A admirável produção de Sharkey deve se expandir com a edição traduzida de The Sons of Night: Antoine Gimenez's Memories of the War in Spain(Oakland: AK Press: 2019), um livro de memórias de guerra intrigante e divertido tornado essencial pelas notas adicionais e material biográfico fornecido pelos editores, os “Gimenólogos”. O trabalho de detetive realizado por esse grupo de afinidade de historiadores prova que a passagem dos últimos sobreviventes da “geração de 36” não esgotou a possibilidade de novos insights e caminhos de investigação emergirem através do esforço de historiadores comprometidos.
Outras traduções vitais dos últimos anos incluem o tratamento elegante de Chuck Morse da obra épica de Abel Paz, Durruti in the Spanish Revolution (Oakland: AK Press, 2007) - anteriormente disponível apenas em inglês na edição resumida mencionada por Richards - e o útil, embora menos simpático, Julián Casanova, Anarchism, the Republic and Civil War in Spain: 1931–1939(Londres: Routledge, 2014), traduzido por Andrew Dowling e Graham Pollok e revisado por Paul Preston. Enquanto isso, o colaborador anônimo “Alias Recluse” fez inúmeras traduções curtas de importantes fontes primárias e comentários históricos disponíveis gratuitamente para libcom.org. É de se esperar que outras obras atualmente indisponíveis em inglês, mas repletas de perspicácia e informação, como as de Anna Monjo, Eulàlia Vega, Manel Aisa e Miquel Amorós, entre tantos outros, estejam no radar de editores e tradutores.
A esta breve pesquisa, podemos acrescentar estudos locais sobre o anarquismo espanhol durante a República e a Guerra Civil, como Pamela Beth Radcliff, From Mobilization to Civil War: The Politics of Polarization in the Spanish City of Gijón, 1900–1937 (Cambridge: Cambridge University Press, 2002), Richard Purkiss, Democracy, Trade Unions and Political Violence in Spain: The Valencian Anarchist Movement, 1918–1936 (Brighton, Reino Unido: Sussex Academic Press, 2011), e Graham Kelsey, Anarchosyndicalism, Libertarian Communism and the State: A CNT em Zaragoza e Aragão, 1930-1937(Dordrecht, NL: Springer, 1992), cuja nova edição está aparentemente em andamento. Além disso, os anos pré-guerra do movimento foram tratados em obras que incluem o inovador e recentemente republicado Temma Kaplan, Anarchists of Andalusia, 1868–1903 (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2015), George Esenwein, Anarchist Ideology and the Working-Class Movement in Spain, 1868–1898 (Berkeley: University of California Press, 1989), Jason Garner, Goals and Means: Anarchism, Syndicalism, and Internationalism in the Origins of the Federacion Anarquista Iberica (Oakland: AK Press, 2016 ) e a indispensável contribuição de James Michael Yeoman, Print Culture and the Formation of the Anarchist Movement in Spain: 1890–1915(Londres: Routledge, no prelo). Seria negligente não mencionar também a luz lançada sobre alguns dos aspectos menos conhecidos do movimento por Richard Cleminson, Anarchism, Science and Sex (Oxford: Peter Lang, 2000) e Anarchism and Eugenics: An Improvable Convergence, 1890–1940 (Manchester, Reino Unido: Manchester University Press, 2019).
Os exemplos de estudos em língua inglesa sobre o anarquismo espanhol mencionados nesta visão nada exaustiva permitem uma apreciação diferenciada do que foi um movimento heterogêneo. No entanto, eles não fizeram muita diferença nas histórias narrativas convencionais da Guerra Civil Espanhola. O historiador mais lido do período, Paul Preston, moveu-se na direção oposta à tendência da historiografia especializada, fornecendo representações cada vez mais caricaturais de anarquistas espanhóis em seu trabalho posterior, mais notavelmente The Spanish Holocaust (Londres: Harper Press, 2013). . Seu tratamento de Antonio Martín, um anarquista assassinado por nacionalistas catalães em abril de 1937, foi completamente desmascarado por um trabalho recente e ainda não traduzido de Agustín Guillamón e Antonio Gascón,Nacionalistas contra anarquistas en la Cerdaña (1936–37) (Barcelona: Descontrol, 2018). A escassa probabilidade dessa importante contribuição causar qualquer revisão significativa de tropos comuns na história dominante sobre os “ingovernáveis” anarquistas foi antecipada pelos autores em um manifesto combativo traduzido por Paul Sharkey e hospedado no site da christiebooks.
No entanto, a expansão temporal, tópica e geográfica da bolsa de estudos sobre o anarquismo espanhol, combinada com a quantidade quase esmagadora de material disponível online, expandiu enormemente o potencial para os anarquistas anglófonos revisitarem as “lições” da Revolução Espanhola. De fato, o grande volume pode ajudar a explicar o evidente e lamentável desequilíbrio entre a quantidade de material disponível e o debate e a discussão que procedem dele no meio mais amplo da esquerda libertária. A questão de onde o novato interessado, mas ocupado e confuso pode começar é justificável, e é na esperança de sugerir um caminho que a presente pesquisa é oferecida. Enquanto isso, cabe aos historiadores defender que a escavação de um passado utilizável continua sendo imperativa para projetos que buscam transformar o presente.
Danny Evans
Citado em Felix Morrow, Revolution and Counter-Revolution in Spain (Nova York: Pathfinder Press, 1938).
[1] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 1 (Toulouse: Ediciones CNT, 1951).
[2] Segundo o delegado do Hospitalet de Llobregat no congresso da CNT em Saragoça em maio de 1936: “Na Catalunha, a CNT colaborou com a Esquerra nas recentes eleições simplesmente mantendo silêncio, e Solidaridad Obrerajustificou o triunfo dos partidos de esquerda, dando assim importância ao voto que sempre negamos, sabendo que é um facto. Uma posição confusa foi adotada na campanha de propaganda que antecedeu as eleições, tanto que poderíamos ter saído a favor de que todos votassem. Isso carrega consigo uma responsabilidade tão grave que não deve acontecer novamente. Devemos também apontar para o fato de que as decisões tomadas pela Conferência não foram implementadas, pois as recomendações da Ponência eram uma reconfirmação da campanha antieleitoral de 1933, e esta não foi realizada”.
[3] Gerald Brenan, O Labirinto Espanhol (Londres: Cambridge University Press, 1943).
[4] Diego Abad de Santillán, Por qué perdimos la guerra (Buenos Aires: Imán, 1940).
[5] Ibidem, 37.
[6] O novo primeiro-ministro, Azaña, “imediatamente emitiu um decreto libertando os cerca de 15.000 prisioneiros que restaram do levante de outubro. Em muitos lugares os presídios já haviam sido abertos sem que as autoridades locais ousassem se opor ” (grifo do autor); Brenan, O Labirinto Espanhol, 301.
[7] Uma reprodução do manifesto aparece em Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 1.
[8] Victor Alba descreve a situação após dezoito meses de República: “as provocações da direita e a vacilação da esquerda resultaram na morte de 400 pessoas, das quais 20 eram policiais. Três mil pessoas ficaram feridas, 9.000 presas, 160 deportadas; 30 greves gerais e 3.600 greves locais; 161 periódicos foram suspensos, dos quais quatro eram publicações de direita”; Victor Alba, Histoire des Républiques Espagnoles (Vincennes: Nord-Sud, 1948).
[9] Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 1, reproduz um discurso proferido por Juan Peiró, dirigente da CNT, em um congresso da CNT realizado em 1931, no qual foi debatido o papel da Confederação nos acontecimentos políticos que antecederam a proclamação da República. Peiró naquele discurso revelou as mais fantásticas negociações “nos bastidores” que aconteceram com os políticos ejustificou todos eles. Peiró estava entre os sindicalistas cissionistas (os Treintistas) que mais tarde foram readmitidos na CNT no congresso de maio de 1936. Tornou-se ministro no governo Caballero. Após a derrota, ele estava na França; foi preso pela Gestapo durante a ocupação e entregue à polícia de Franco. Ele recebeu uma oferta de emprego do governo, que ele recusou e foi executado.
[10] Santillán, que era um ativo partidário da Frente Popular como único meio de resistir “ao inimigo” escreve: “Pela luta efetiva nas ruas, para usar as armas e vencer ou morrer, claro, nosso movimento foi praticamente o único confiar [claro que se referia à Catalunha, onde a CNT não era desafiada pela UGT ou pelos partidos políticos – VR]. Formou-se um comitê de coordenação com a Generalitat [o governo catalão], do qual participei com outros amigos conhecidos por sua determinação e heroísmo. Além de advogar uma possível colaboração, pensamos que, em vista de nossa atitude e atividade, armas e munições não nos seriam negadas,bienio negro da ditadura de Lerroux-Gil Robles”. Mas, apesar das contínuas e laboriosas negociações, o governo recusou armas ao povo. A resposta dada foi que o governo não tinha armas! E Santillán acrescenta mais tarde: “A ação direta ganhou o que não conseguimos obter em nossas negociações com a Generalitat”. Aqui o autor se refere a uma ação ousada de membros da CNT que abordaram vários barcos ancorados no porto de Barcelona e apreenderam fuzis e munições dos arsenais dos navios; ver Santillán, Por qué perdimos la guerra .
[11] Quando o acima foi escrito, as atas do congresso publicadas em Solidaridad Obrera nos. 1265–1283 (Barcelona, 3–24 de maio de 1936) não estavam acessíveis. Eles foram, no entanto, publicados semana a semana na revista CNT (Toulouse, 1954) e em forma de livro como El Congresso Confederal de Zaragoza(Toulouse: Ediciones CNT, 1955). É claro que as opiniões foram fortemente divididas, em linhas gerais entre as interpretações anarquistas e sindicalistas. Sobre a luta nas Astúrias, em outubro de 1934, não se chegou a um acordo sequer sobre os fatos da situação. Ao ler estas atas, percebe-se uma profunda divisão na CNT e muitas críticas ao desenvolvimento político e revisionista da Confederação, mas ao mesmo tempo um desejo generalizado de buscar um terreno comum e unidade na luta diante deles. No entanto, uma análise cuidadosa das discussões desse congresso ajudaria muito a explicar o papel colaboracionista da CNT em julho de 1936.
[12] O Programa de Unidade de Ação entre a UGT e a CNT foi publicado em tradução na Espanha e no Mundo no. 33, de 8 de abril de 1938. Em número anterior da mesma revista (nº 31, de 4 de março de 1938) publicaram-se os textos das propostas originais dessa unidade apresentadas respectivamente pela UGT e pela CNT, bem como as apreciações críticas dessas pela militante anarquista Emma Goldman e pela Federação Anarquista Espanhola.
[13] Mesmo o professor Allison Peers, que por implicação, se não em tantas palavras, preferiu Franco aos anarquistas e à revolução social, escreve na Catalunha lnfelix(Londres: Methuen, 1937): “Às 3h50 do dia 19 de julho, a primeira das guarnições de Barcelona se revoltou. Saindo de Caserna del Bruc, no distrito de Pedralbes, as tropas avançaram rapidamente pela Gran via Diagonal. Um contingente se ramificou em Urgell, passando pelo colégio industrial, na longa rua com o nome das Cortes Catalãs, e ocupou a Universidade, parte da Plaça Catalunya e várias ruas e praças circundantes. Outro contingente continuou até se juntar às tropas rebeldes do Quartel de Girona, no distrito de Gracia, e do Quartel de Artilharia de Sant Andreu, mais ao norte. Enquanto isso, os soldados do quartel de Numancia ocuparam a Plaça d'Espanya, ao pé de Montjuic, e marchando em direção ao mar, juntaram-se a vários contingentes vindos do quartel de Icaria, no porto,Tudo foi planejado de maneira excelente e, considerando o grande número de soldados, guardas e policiais envolvidos, seria de se esperar o sucesso certo ”(243–44). [ênfase adicionada—VR]
[14] Peirats aponta que na luta corpo a corpo nas ruas de Barcelona a disciplina dos militares foi quebrada, e os soldados uma vez em contato com o povo logo foram influenciados por eles; muitos foram os que usaram suas armas contra seus oficiais.
[15] Curiosamente, os líderes da CNT e da UGT ordenaram o retorno ao trabalho de todos, exceto os trabalhadores do transporte. O proletariado valenciano, no entanto, recusou-se a obedecer até que o quartel fosse atacado e os soldados desarmados.
[16] Juan López, citado por Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 1, (Toulouse: Ediciones CNT, 1951).
[17] Carlos de Baraibar, “Ayer, hoy y siempre: Marruecos,” Timón no. 2, (julho de 1938), publicado em Barcelona por Diego Abad de Santillán.
[18] Para evitar confusão para alguns leitores, deve ser explicado que havia dois governos na Espanha: o governo central com sede em Madri, posteriormente transferido para Valência, e a Generalitat que era o governo da província autônoma da Catalunha . Sob o regime de Franco, a autonomia catalã foi abolida.
[19] Citado em Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 1, (Toulouse: Ediciones CNT, 1951), 162–63. A versão de Santillán da entrevista é substancialmente a mesma no que diz respeito às conclusões, mas ele não cita nenhuma das observações de Companys. No interesse da precisão, deve-se observar que Peirats não cita o relato de García Oliver na íntegra. O texto completo pode ser encontrado em De Julio a Julio: Un año de Lucha (Barcelona: Tierra y Libertad, 1937), 193–96. Uma omissão importante dos extratos de Peirats é a declaração de García Oliver: “Fomos chamados (por Companys) para ouvir. Não podíamos nos comprometer com nada. Cabia às nossas organizações tomar as decisões. Dissemos isso à Companys.O destino da Espanha – e ninguém avaliará a real magnitude do papel desempenhado por Companys e nossas organizações naquele encontro histórico – foi decidido na Catalunha, entre o comunismo libertário, que significava uma ditadura anarquista, e a democracia, que significava colaboração”. [ênfase adicionada – VR] No entanto, não vimos nenhuma evidência documental para mostrar que as “decisões” a que Oliver se refere foram de fato tomadas pelas “organizações”. Todas as evidências apontam para que essas decisões tenham sido tomadas pelas comissões “superiores” da CNT-FAI sem consulta prévia aos sindicatos e grupos.
[20] Estamos justificados em dizer que, para que a revolução social seja bem-sucedida, é necessário abolir todos os vestígios do capitalismo proprietário e do poder burguês? Se isso for concedido, então é o cúmulo da ingenuidade revolucionária deixar centenas de toneladas de ouro nas mãos de um governo ou classe dominante de outra forma impotente. No entanto, é apenas um erro se, tendo as possibilidades de apreender esse ouro, nenhuma ação for tomada. Os trabalhadores revolucionários na Espanha estavam em condições de fazê-lo? José Peirats, La CNT en la Revolución Española, vol. 1 (Toulouse: Ediciones CNT, 1951), dedica cerca de quatro páginas às reservas de ouro - não para nos dizer o que a CNT fez a respeito, mas para lamentar que, pelas costas de todos, o governo Caballero tenha enviado quinhentas toneladas de ouro para a Rússia! Diego Abad de Santillán é mais informativo em Por qué perdimos la guerra(Buenos Aires: Imán, 1940) quando escreve sobre a recusa de Madri em fornecer fundos à Catalunha: “Foi a nossa a primeira guerra a ser perdida por falta de armas quando os fundos necessários para comprá-las estavam em o banco nacional? Enquanto isso, o inimigo, após o desastre de Talavera, avançava perigosamente sobre Madri. O plano foi concebido para apoderar-se da parte da Catalunha. O tesouro do Banco de Espanha não podia ficar à mercê de um governo que nunca fez nada direito e que estava a perder a guerra. Também falharíamos na compra de armas? De qualquer modo, tínhamos a certeza de não falhar na compra de matérias-primas e maquinário para nossa indústria de guerra, e então poderíamos nós mesmos fabricar as armas. Com muito poucos cúmplices, aventou-se a ideia de transferir para a Catalunha pelo menos uma parte do ouro do Banco da Espanha. Sabíamos de antemão que seria necessário recorrer à violência e três mil homens de confiança foram colocados em Madri e arredores e todos os detalhes foram acertados para o transporte do ouro em trens especiais. A operação levaria pouco tempo se bem realizada e, em menos tempo do que o governo exigiria para medir a situação, estaríamos a caminho da Catalunha com parte do ouro da nação, a melhor garantia que a guerra pode tomar um novo rumo. Só que, na hora de agir, os idealizadores do plano não quiseram assumir uma responsabilidade que teria grande repercussão histórica. As propostas foram comunicadas ao Comitê Nacional da CNT e a alguns dos camaradas mais conhecidos. O plano fez os amigos estremecerem de medo; o principal argumento que foi usado para se opor ao plano... foi que ele apenas aumentaria a hostilidade existente dirigida contra a Catalunha [por Madrid]. O que poderia ser feito? Era impossível também se opor às próprias organizações e o assunto foi arquivado. Algumas semanas depois, o ouro saiu de Madri, não para a Catalunha, mas para a Rússia; mais de quinhentas toneladas.” Em nenhum lugar lemos uma negação desta declaração de Santillán, que, se for verdade, é uma reflexão sobre a cautela, bem como a falta de previsão dos líderes da CNT. Aqui devemos deixar a questão até que surjam documentos ou informações adicionais que confirmem ou refutem nossas conclusões. O plano fez os amigos estremecerem de medo; o principal argumento que foi usado para se opor ao plano... foi que ele apenas aumentaria a hostilidade existente dirigida contra a Catalunha [por Madrid]. O que poderia ser feito? Era impossível também se opor às próprias organizações e o assunto foi arquivado. Algumas semanas depois, o ouro saiu de Madri, não para a Catalunha, mas para a Rússia; mais de quinhentas toneladas.” Em nenhum lugar lemos uma negação desta declaração de Santillán, que, se for verdade, é uma reflexão sobre a cautela, bem como a falta de previsão dos líderes da CNT. Aqui devemos deixar a questão até que surjam documentos ou informações adicionais que confirmem ou refutem nossas conclusões. O plano fez os amigos estremecerem de medo; o principal argumento que foi usado para se opor ao plano... foi que ele apenas aumentaria a hostilidade existente dirigida contra a Catalunha [por Madrid]. O que poderia ser feito? Era impossível também se opor às próprias organizações e o assunto foi arquivado. Algumas semanas depois, o ouro saiu de Madri, não para a Catalunha, mas para a Rússia; mais de quinhentas toneladas.” Em nenhum lugar lemos uma negação desta declaração de Santillán, que, se for verdade, é uma reflexão sobre a cautela, bem como a falta de previsão dos líderes da CNT. Aqui devemos deixar a questão até que surjam documentos ou informações adicionais que confirmem ou refutem nossas conclusões. o principal argumento que foi usado para se opor ao plano... foi que ele apenas aumentaria a hostilidade existente dirigida contra a Catalunha [por Madrid]. O que poderia ser feito? Era impossível também se opor às próprias organizações e o assunto foi arquivado. Algumas semanas depois, o ouro saiu de Madri, não para a Catalunha, mas para a Rússia; mais de quinhentas toneladas.” Em nenhum lugar lemos uma negação desta declaração de Santillán, que, se for verdade, é uma reflexão sobre a cautela, bem como a falta de previsão dos líderes da CNT. Aqui devemos deixar a questão até que surjam documentos ou informações adicionais que confirmem ou refutem nossas conclusões. o principal argumento que foi usado para se opor ao plano... foi que ele apenas aumentaria a hostilidade existente dirigida contra a Catalunha [por Madrid]. O que poderia ser feito? Era impossível também se opor às próprias organizações e o assunto foi arquivado. Algumas semanas depois, o ouro saiu de Madri, não para a Catalunha, mas para a Rússia; mais de quinhentas toneladas.” Em nenhum lugar lemos uma negação desta declaração de Santillán, que, se for verdade, é uma reflexão sobre a cautela, bem como a falta de previsão dos líderes da CNT. 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[21] Federica Montseny, Anarquismo Militante e a Realidade na Espanha (Glasgow: Federação Comunista Antiparlamentar, 1937). Max Nettlau, “Reflexões sobre o discurso de Federica Montseny,” Spain and the World 1, no. 6, 19 de fevereiro de 1937.
[22] Juan Peiró, Problemas y Cintarazos (Rennes: Imprimerie Réunies, 1946). Este trabalho foi publicado pela primeira vez em Barcelona em 26 de janeiro de 1939, dia em que a cidade caiu nas forças de Franco, e todas as cópias dessa edição, exceto duas, foram destruídas.
[23] Gerald Brenan, The Spanish Labyrinth (Londres: Cambridge University Press, 1943), 273.
[24] Seria, por exemplo, interessante conhecer as objeções da CNT às propostas de Largo Caballero em 1934 para uma Aliança Operária (Alianza Obrera) que Gerald Brenan descreve como “uma espécie de Frente Popular, confinada a partidos da classe trabalhadora e organizada localmente”. O Sr. Brenan explica a recusa da CNT da seguinte forma: “Os sentimentos entre os dois grandes sindicatos eram muito amargos e os anarco-sindicalistas se recusavam a acreditar que os socialistas pudessem mudar de pele tão repentinamente e depois de cinquenta anos de domesticidade desenvolver instintos revolucionários. Eles também tinham uma profunda desconfiança em Caballero, que sempre demonstrou forte hostilidade para com eles. Eles se deram melhor com a direita, com o Prieto”; O Labirinto Espanhol, 274.
[25] Não só a CNT-FAI, ao participar da Generalitat da Catalunha, subscreveu sua declaração política que inclui esta frase, “criação de milícias obrigatórias ( militias obrigatorias ) e fortalecimento da disciplina”, mas em setembro de 1936, em uma reunião nacional plenário dos Comitês Regionais, presidido pelo Comitê Nacional da CNT, uma resolução sobre a Constituição de um Conselho Nacional de Defesa incluía a reivindicação da “criação de uma Milícia de Guerra baseada no recrutamento ( con caracter obligatorio).” Não pode haver dúvida de que os líderes da CNT, que não estavam dispostos, a ponto de se auto-anular, a obrigar o povo espanhol a impor o anarquismo, estavam, no entanto, bastante preparados para obrigá-los a lutar contra Franco em nome do governo!
[26] Citado em Diego Abad de Santillán, Por qué perdimos la guerra (Buenos Aires: Imán, 1940).
[27] De uma carta a um amigo durante a Revolução Russa; citado em George Woodcock e Ivan Avakumovic, The Anarchist Prince (Londres: TV Boardman & Co., 1950).
[28] De Companys a Indalecio Prieto: Documentación sobre las Industrias de Guerra na Catalunha(Buenos Aires: Servicio de Propaganda España, 1939). Este volume de noventa páginas contém vários documentos, incluindo uma carta de Companys (presidente da Catalunha) a Indalecio Prieto (ministro da defesa nacional do governo central) na qual ele demonstra com números o que a indústria bélica da Catalunha contribuiu para a luta armada, apontando que muito mais poderia ter sido alcançado se os meios para expandir a indústria não tivessem sido negados pelo governo central. Outros documentos tratam das conquistas da CNT na indústria de guerra da Catalunha, as estatísticas mostram as quantidades produzidas e chamam a atenção para o fato de que durante esse período a Catalunha produziu artigos que nunca haviam sido fabricados na Espanha. Finalmente, há o relatório sobre Tentativos de acuerdo entre Cataluna y Madrid(Tentativas de acordo entre Catalunha e Madri) de onde foi extraída nossa citação.
[29] Os comunistas afirmaram ter trinta mil membros no final de 1935. A maioria dos observadores, como Borkenau e Brenan, dá três mil como um número mais provável. Esta é também a opinião do general Krivitsky, que esteve intimamente ligado às atividades do partido durante a luta contra Franco. Frank Jellinek em seu pró-comunista The Spanish Civil War (Londres: Victor Gollancz, 1938) dá uma ideia da fraqueza do Partido Comunista Espanhol: “Tinha que ser reconhecido que os comunistas, embora ainda estivessem quites (outubro de 1934 ) insignificante, aumentou seu número de membros quinhentas vezes. ” (ênfase adicionada) Mas o que eles eram antes de serem “insignificantes”?
[30] Esta propaganda sobre a inatividade da frente de Aragão foi usada pelos comunistas em todo o mundo para desacreditar os anarquistas. Pode ser encontrado neste país no panfleto do Partido Comunista por JR Campbell, Críticos de Esquerda da Espanha (Londres: Partido Comunista da Grã-Bretanha, 1937). Segue em todos os detalhes a campanha do Partido Comunista Espanhol contra o POUM, que, segundo se dizia, estava criando uma divisão entre anarquistas e comunistas. Ao mesmo tempo, Campbell faz a referência depreciativa à frente de Aragão!
[31] De acordo com Peirats. O leitor deve se lembrar que em uma referência anterior às relações de Caballero com a CNT, citada de Gerald Brenan, The Spanish Labyrinth(Londres: Cambridge University Press, 1943), o ponto de vista contrário foi apresentado. Acreditamos que tanto Peirats quanto Brenan expressam a situação como ela existia na época que eles descrevem (ou seja, 1936 e 1934, respectivamente). A atitude dos líderes da CNT-FAI para com os políticos lança uma luz interessante sobre sua visão da política. Tanto Caballero quanto Companys foram responsáveis em algum momento ou outro por enviar anarquistas para a prisão, mas nenhum dos lados vê isso com desgosto ou vergonha, respectivamente. Parece ser aceito como parte do jogo político, sem que nenhum dos lados guarde rancor do outro. Para que em julho de 1936 a CNT da Catalunha pudesse declarar sua fé na “palavra de um democrata catalão (Companys)” e na crise do gabinete de maio de 1937 se recusar a ingressar em um governo central no qual Caballero não era primeiro-ministro.
[32] Todos os quatro ministros da CNT no governo Caballero prestaram contas de suas atividades em seus respectivos ministérios em grandes reuniões públicas. Estes foram publicados em forma de panfleto. Os ministros da CNT-FAI no governo catalão não parecem ter feito declarações semelhantes, mas encontramos duas referências de Santillán publicadas na revista Timón(Barcelona, agosto de 1938) que consideramos de considerável interesse. “Simplesmente como governadores”, escreve Santillán, “não somos melhores do que ninguém e já provamos que nossa intervenção nos governos serve apenas para reforçar o governamentalismo e de forma alguma para defender os direitos do trabalho contra seus parasitas inimigos econômicos e políticos. ” Em outro lugar ele declara que é preciso confiar e servir ao povo. “Mas não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo. Se estamos com o povo não podemos estar também com o Estado, que é o inimigo do povo. E neste momento estamos do lado do Estado, o que equivale a dizer que estamos contra o povo”.
[33] Gaston Leval, Né Franco né Stalin: Le collettivita anarchiche spanuole nella lotta contra Franco e la reazione staliniana. (Milão: Milano Istituto editoriale italiano, 1952).
[34] Leval, Né Franco né Stalin , 307. (ênfase adicionada)
[35] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 1, (Toulouse: Ediciones CNT, 1951), 161–62.
[36] Horacio Prieto era na época secretário nacional da CNT e Mariano Vázquez secretário regional dessa organização.
[37] Esta frente, em grande parte comandada por membros da CNT-FAI, foi considerada de grande importância estratégica pelos anarquistas, tendo como objetivo final a ligação da Catalunha com o País Basco e as Astúrias, ou seja, uma ligação da região industrial com uma importante fonte de matérias-primas.
[38] Ildefonso Gonzales, em uma série de artigos sobre Il Movimento Libertario Spagnuolo (O Movimento Libertário Espanhol) publicado no jornal anarquista Volontà (Nápoles) 9, n. 6–9, (junho a setembro de 1952). O escritor é militante da CNT no exílio. Estes artigos são uma contribuição importante para a compreensão das diferentes seções e influências do movimento libertário espanhol. Nenhuma tentativa é feita para encobrir as fraquezas do movimento, e o estudo inclui uma série de documentos interessantes, particularmente sobre a FAI.
[39] Em uma extensão mais limitada, pode-se encontrar um paralelo nos movimentos de resistência durante a Segunda Guerra Mundial. O otimismo durou pouco com a volta dos políticos após a “libertação”.
[40] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 1, (Toulouse: Ediciones CNT, 1951), 289.
[41] Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 1, 293.
[42] Gaston Leval, Né Franco né Stalin: Le collettivita anarchiche spanuole nella lotta contra Franco e la reazione staliniana. (Milão: Milano Istituto editoriale italiano, 1952), 81.
[43] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 2 (Toulouse: Ediciones CNT, 1952) dá uma lista incompleta de mais de cinquenta periódicos da CNT-FAI publicados naquele período, além dos jornais diários. Ver também o interessante artigo de Juan Ferrer, “El ciclo emanicipador de 'Solidaridad Obrera'”, Solidaridad Obrero (Paris), 12 de fevereiro de 1954. Segundo ele, a tiragem média de Solidaridad Obrera antes de julho de 1936 era de 7.000 exemplares. Em 1937, havia subido para 180.000 cópias diárias.
[44] Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 2.
[45] Qualquer propaganda financiada pelo Bureau de Propaganda tinha que apoiar a linha oficial ou ficar sem dinheiro. Um exemplo foi o excelente periódico Espagne Anti-Fasciste , publicado na França, que teve grande circulação entre os trabalhadores e intelectuais franceses. Assim que ousou criticar a política da direção da CNT-FAI, as verbas foram suspensas e a revista, embora não tenha cessado totalmente de ser publicada, teve seu formato consideravelmente reduzido e deixou de ter o grande apelo de sua antecessora. Em uma carta de Barcelona (fevereiro de 1937), o anarquista italiano Camillo Berneri escreveu: “Edição nº. 8 de Guerra di Classe (um semanário editado por Berneri) aparecerá quando puder. A comissão lidou com isso da mesma forma que coml'Espagne Anti-Fasciste ”; Pensieri e Battaglie (Paris: Comitato Camillo Berneri 1938), 261–62.
[46] Consulte a nota de rodapé 6 sobre a resistência da prensa CNT-FAI. Sua imprensa era essencialmente propagandista e, por isso, as notícias sobre a luta armada exageravam as vitórias e minimizavam as derrotas. Mas eles não usaram a imprensa para atacar personalidades dos partidos políticos da Frente Popular ou para obter vantagem partidária para si (exceto na medida em que buscaram construir suas próprias personalidades no Exército Popular e nos campos político e social ). De fato, sente-se que muito mais poderia ter sido feito através da imprensa para ganhar simpatia pela causa anarquista. Talvez a obsessão pela unidade antifascista que dominava a direção, bem como a linha “política” adotada pela CNT-FAI, impossibilitassem uma abordagem anarquista mais direta. Os partidos políticos, por outro lado, não tinham tais escrúpulos em usar sua imprensa para fins partidários. E ninguém usou sua imprensa de forma mais eficaz (ou desonesta) do que os comunistas. Jesús Hernández, o líder do Partido Comunista Espanhol, tem o seguinte a dizer em seu livroEu fui ministro de Stalin(México: Editorial America, 1953), 134–35: “[A maioria das forças políticas e sindicais] carecia do senso de propaganda para ser visto, ouvido e sentido em todos os lugares e em todos os momentos. Nós, comunistas, por outro lado, colocamos em ação o ditado de que 'nem Deus ouve quem não fala', e fomos mais bem sucedidos do que qualquer outro em explorar a arma de agitação e saber como despertar as emoções mais fortes em as massas para conduzi-las em nossa direção particular. Se decidíssemos, digamos, mostrar que Caballero, Prieto, Azaña ou Durruti foram os responsáveis por nossas derrotas, meio milhão de homens, dezenas de periódicos, milhões de folhetos, centenas de oradores, todos atestariam a periculosidade desses cidadãos tão sistematicamente com tanto ardor e consistência que em quinze dias todos em toda a Espanha teriam a ideia, a suspeita e a convicção da verdade da afirmação firmemente fixadas em suas mentes. Alguém certa vez declarou que uma mentira contada por uma pessoa é simplesmente uma mentira; quando repetido por milhares de pessoas se transforma em uma verdade duvidosa; mas quando proclamada por milhões, adquire o status de uma verdade estabelecida. Esta é uma técnica que Stalin e seus companheiros exploraram com perfeição.”
[47] Juan García Oliver, Mi Gestion al Frente del Ministerio de Justida (Valência: Ediciones CNT, 1937). Extratos são citados em José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 2, mas infelizmente omite aquelas observações que, do ponto de vista psicopatológico, são as mais interessantes.
[48] Por uma coincidência interessante, Juan Peiró realmente chamou seu discurso de “Da Fábrica de Vidro de Mataró ao Ministério da Indústria”. Não podemos deixar de ter a impressão de que Oliver e Peiró consideraram sua mudança de ocupação - de trabalhador para ministro - como uma conquista notável e uma ascensão de status e não um sacrifício muito grande no que diz respeito aos seus princípios anarquistas.
[49] Citado em Juan López, Los Principios Libertarios ante la Politica Española (Material de Discusión), Brighton, 15 de fevereiro de 1946.
[50] Augustín Souchy, Entre los campesinos de Aragon (Barcelona: Ediciones Tierra y Libertad, 1937); Augustín Souchy e Paul Folgare, Coletivizaciones: La obra constructiva de la Revolución Española (Barcelona: Ediciones Tierra y Libertad, 1937); José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 1 (Toulouse: Ediciones CNT, 1951), 297–386.
[51] Gaston Leval, Né Franco né Stalin: Le collettivita anarchiche spanuole nella lotta contra Franco e la reazione staliniana (Milão: Milano Istituto editoriale italiano, 1952).
[52] Gerald Brenan, O Labirinto Espanhol (Londres: Cambridge University Press, 1943); ver o capítulo intitulado “A Questão Agrária”.
[53] Gaston Leval, Reconstrução Social na Espanha (Londres: Freedom Press, 1938).
[54] Ibidem.
[55] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 1 (Toulouse: Ediciones CNT, 1951), 379.
[56] “5 de agosto de 1936 … Em muitos aspectos, no entanto, a vida [em Barcelona] era muito menos perturbada do que eu esperava depois de reportagens de jornais no exterior. Eléctricos e autocarros a circular, água e luz a funcionar”; Franz Borkenau, The Spanish Cockpit (Londres: Faber and Faber, 1937).
[57] Gaston Leval, Reconstrução Social na Espanha (Londres: Freedom Press, 1938).
[58] “Em Sevilha, as seções mais militantes dos trabalhadores, os estivadores e os garçons dos cafés pertenciam a eles [os comunistas]. A situação aqui era de guerra perpétua com a CNT com pequenos setores da UGT olhando…. Mesmo admitindo o fato de que a atmosfera de Sevilha não era propícia à formação de um movimento proletário disciplinado, deve-se concordar que a penetração comunista destruiu todas as possibilidades de solidariedade da classe trabalhadora. As consequências disso foram sentidas quando em julho o general Queipo de Llano conseguiu capturar a cidade – um dos pontos-chave da Guerra Civil – com um punhado de homens.” (enfase adicionada); Gerald Brenan, The Spanish Labyrinth (Londres: Cambridge University Press, 1943), 306–7.
[59] Franz Borkenau, A Internacional Comunista (Londres: Faber and Faber, 1938).
[60] WG Krivitsky, I Was Stalin's Agent (Londres: Hamish Hamilton, 1939).
[61] Borkenau, A Internacional Comunista ; este volume contém um capítulo sobre a Espanha que provavelmente foi escrito no final de 1937 e, portanto, não apresenta um quadro completo do papel do Partido Comunista na Espanha.
[62] Krivitsky, eu era o agente de Stalin .
[63] Eles não faziam parte das Brigadas Internacionais organizadas pelo PC, cuidadosamente selecionadas, que só chegaram à Espanha no final de 1936.
[64] John McGovern, MP, Terror na Espanha (Londres: Independent Labour Party, 1938); Emma Goldman, “Political Persecution in Republican Spain,” Spain and the World, 10 de dezembro de 1937, descreve as visitas que fez a várias prisões espanholas em setembro de 1937 e refere-se às muitas prisões onde a permissão para visitar foi recusada.
[65] Reimpresso em José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 2 (Toulouse: Ediciones CNT, 1952).
[66] Hugo Dewar, Assassins at Large (Londres: Jonathan Cape, 1951), um relato das execuções fora da Rússia ordenadas pela OGPU, inclui um capítulo que trata dessas atividades na Espanha; Jesús Hernández, Yo fui ministro de Stalin (México: Editorial America, 1953), a primeira seção deste livro do ex-ministro comunista no governo de Negrín trata do papel dos agentes de Stalin na Guerra Civil Espanhola, incluindo um longo relato de a perseguição aos membros do POUM a mando de Moscou e a história “interna” do assassinato de seu líder Andrés Nin.
[67] Solidaridad Obrera era o jornal diário da CNT em Barcelona.
[68] Augustín Souchy, The Tragic Week in May (Barcelona: Oficina Informacion Exterior CNT y FAI, 1937) é a versão oficial da CNT-FAI publicada em vários idiomas. Contém o dia a dia da luta em Barcelona e dos acontecimentos nas províncias, seguido de comentários sobre os resultados e, como apêndice, o Manifesto da CNT nas Jornadas de Maio em Barcelona. Todo o relato da luta em Barcelona foi publicado como um suplemento de quatro páginas de Spain and the World 1, no. 14, 11 de junho de 1937. Ver também George Orwell, Homage to Catalonia (Londres: Secker and Warburg, 1938); Fenner Brockway, A Verdade sobre Barcelona (Londres: Independent Labour Power, 1937); Frank Jellinek,A Guerra Civil na Espanha (Londres: Victor Gollancz, 1938) para um relato pró-comunista com todas as deturpações usuais.
[69] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 2 (Toulouse: Ediciones CNT, 1952), 191.
[70] Jesús Hernández e Joan Comorera, Espanha Organiza para a Vitória: A Política do Partido Comunista da Espanha Explicada , prefácio JR Campbell (Londres: Partido Comunista da Grã-Bretanha, 1937); ambos os discursos foram proferidos após as Jornadas de Maio em Barcelona e durante a crise do governo central. O discurso de Hernández foi um longo ataque à responsabilidade de Caballero por todos os desastres econômicos e militares.
[71] É necessário estabelecer inclusive este fato quando se lêem declarações falsas, como a de Álvarez del Vayo, que se refere ao POUM como os instigadores do levante; Freedom's Battle (Londres: William Heinemann, 1940).
[72] Souchy, The Tragic Week in May , 44–48.
[73] Esses dois parágrafos até esta palavra foram excluídos pelo censor do governo espanhol quando o Manifesto foi publicado pela primeira vez em Solidaridad Obrera, 13 de junho de 1937, mas foram incluídos sem exclusões na edição em inglês de The Tragic Week de Souchy em maio . Na edição francesa do mesmo panfleto, La Tragique Semaine de Mai à Barcelone, o Manifesto é totalmente omitido.
[74] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 2 (Toulouse: Ediciones CNT, 1952), 128.
[75] Augustín Souchy, A trágica semana de maio (Barcelona: Oficina Informacion Exterior CNT y FAI, 1937).
[76] Felix Morrow, Revolution and Counter-Revolution in Spain (Nova York: Pathfinder Press, 1938). Souchy, The Tragic Week in May , menciona que em 5 de maio um “grupo recém-fundado chamado 'Amigos de Durruti' funcionando à margem da CNT-FAI publicou uma proclamação declarando que 'Uma Junta Revolucionária foi constituída em Barcelona. Todos os responsáveis pelo golpe,manobras sob a proteção do governo, serão executadas. O POUM será membro da Junta Revolucionária porque esteve ao lado dos trabalhadores.' O Comitê Regional decidiu não concordar com esta proclamação. A Juventude Libertária também a rejeitou. No dia seguinte, quinta-feira, 6 de maio, seu comunicado oficial foi impresso em toda a imprensa de Barcelona”. Souchy não fornece o texto da declaração.
[77] Lister Oak em The New Statesman & Nation, 15 de maio de 1937.
[78] Citado em Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 2.
[79] Segundo Solidaridad Obrera , 11 de maio de 1937: “Nas celas do quartel da polícia há cerca de trezentos de nossos camaradas que devem ser libertados imediatamente. Eles estão detidos há seis dias e até agora ninguém os interrogou”.
[80] Uma indicação do inquestionável poder e prestígio ainda desfrutados pela CNT-FAI, apesar da derrota nas “Jornadas de Maio”.
[81] A seguinte passagem de Peter Kropotkin, The Great French Revolution 1789–1793 (New York: Cosimo Classics, 2009 [1927]) vale a pena ler ao lado da reclamação de Montseny de que a CNT está de volta à “rua”: “Pode-se adivinhar os resultados revolucionários que se esperavam desses representantes que sempre mantinham os olhos fixos na lei - a lei real e feudal; felizmente, os 'anarquistas' tinham algo a dizer sobre o assunto. Mas esses 'anarquistas' sabem que seu lugar não era na Convenção, entre os representantes - seu lugar era na rua; eles entenderam que, se alguma vez pisassem na Convenção, não deveria ser para debater com os 'membros da direita' ou com os 'Sapos do Pântano'; deve ser para exigir alguma coisa, seja do alto das galerias onde o público se sentava, seja através de uma invasão da Convenção, com o povo por trás.”
[82] Fragua Social (Valência), 6 de setembro de 1936.
[83] Fragua Social (Valência), 7 de outubro de 1937.
[84] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 2 (Toulouse: Ediciones CNT, 1952).
[85] Medidas ainda mais drásticas para controlar a imprensa foram tomadas menos de um ano depois no plenário econômico nacional da CNT (Pleno Nacional Economico Ampliado) realizado em Valência. As medidas propostas são discutidas em um capítulo posterior.
[86] Essa visão é apresentada em termos violentos por Horacio Prieto, ex-secretário nacional da CNT, no artigo “La Politica Libertaria”, Material de Disussion (Brighton), 15 de fevereiro de 1946.
[87] O significado de “inspiracion” é “inspiração”, ou na linguagem menos eufemística dos políticos profissionais: “ordens, diretivas . ”
[88] “Federacion Anarquista Iberica al Movimiento Internacional,” Boletim Informativo da CNT-FAI no. 367 (edição espanhola, Barcelona), 20 de setembro de 1937.
[89] A. Ildefonso em sua série de artigos sobre o “Movimento Libertário Spagnuolo”, Volontà (Nápoles) 6, nº 7, 30 de junho de 1952: “É verdade que naquele período os melhores militantes do organizações se encontravam entre os combatentes e que, ao retornar, se depararam com o fato consumado . Na realidade, eles não podiam ver o significado dessas transformações táticas em sua verdadeira luz, oprimidos e um tanto "impressionados" como estavam com "as tremendas responsabilidades da hora", e totalmente absorvidos pela febre que se apoderava de todos por certas realizações concretas de aquela revolução com a qual eles sonharam por tantos anos.”
[90] Diego Abad de Santillán, Por qué perdimos la guerra (Buenos Aires: Imán, 1940).
[91] O texto original diz: “ hace saber la obrigacion ineludible de incorporarse a filas. ” Nossa tradução é baseada na interpretação mais favorável das palavras “ obrigacion ineludible ”! (enfase adicionada)
[92] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 2 (Toulouse: Ediciones CNT, 1952); presumivelmente, as boas relações entre “os novos oficiais e tropas” a que Peirats se refere aplicam-se simplesmente à antiga Coluna Durruti. Não se pode imaginar que na divisão do Coronel Cipriano Mera, por exemplo, pudesse existir tal compañerismo pela própria afirmação de Mera de que a situação seria “daqui para frente, uma disciplina férrea, que valerá o que for oferecido gratuitamente. A partir de hoje só vou lidar com capitães e sargentos!” Sente-se que o uniforme subiu à cabeça de Mera. Ele era um trabalhador da construção civil e um membro dirigente da CNT em Madri. Tanto quanto sabemos, ele está agora no campo colaboracionista da CNT no exílio.
[93] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 3 (Toulouse: Ediciones CNT, 1953).
[94] O texto destas propostas e os comentários da FAI foram publicados em Espanha e no Mundo 2, n. 3, 4 de março de 1938.
[95] Espanha e o Mundo 2, n. 33, 8 de abril de 1938; ver também José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 3 (Toulouse: Ediciones CNT, 1953), capítulo 28.
[96] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 3.
[97] Este sentimento muito anti-anarquista não pode ser totalmente atribuído à influência da UGT na redação do documento. Reflete uma mentalidade crescente do patrão sindical que faz eco das denúncias das classes médias sobre os “preguiçosos” entre os trabalhadores e a necessidade de penalizá-los. Muito mais chocante do que a frase citada no documento da UGT-CNT é a campanha realizada pela CNT, órgão da CNT em Madri, a favor da emissão de cartões de produtores com o objetivo de eliminar os “preguiçosos do trabalho”. Estes cartões, de acordo com o Boletim Trabalhista Espanhol(Nova York), 7 de junho de 1938, “mostrando que o portador fez sua parte no trabalho para ajudar a vencer a guerra, daria direito a seu cartão de racionamento sem o qual nenhum alimento pode ser adquirido”. O slogan popular, declarou o órgão madrilenho da CNT, deveria ser: “Quem não trabalha não come”.
[98] Prieto, um socialista de direita, que era inimigo declarado de Caballero, assim como dos anarquistas, foi demitido por seu antigo amigo socialista Negrín com base em seu “pessimismo” quanto ao resultado da guerra. Prieto, em um discurso proferido ao Partido alguns meses depois, declarou que o verdadeiro motivo era sua recusa em ser comandado pelos comunistas; Indalecio Prieto, Como y porque salí del Ministerio de Defensa Nacional (Paris: Imprimerie Nouvelle, 1939).
[99] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 1 (Toulouse: Ediciones CNT, 1951), 32.
[100] Ibidem.
[101] A. Ildefonso Gonzáles, em uma série de artigos sobre Il Movimento Libertario Spagnuolo , publicados no jornal anarquista Volontà (Nápoles) 9, n. 6–9, (junho a setembro de 1952). O escritor é militante da CNT no exílio. Estes artigos são uma contribuição importante para a compreensão das diferentes seções e influências do movimento libertário espanhol. Nenhuma tentativa é feita para encobrir as fraquezas do movimento e o estudo inclui uma série de documentos interessantes, particularmente sobre a FAI.
[102] Edição em espanhol do boletim informativo da CNT-FAI, 27 de agosto de 1937.
[103] Em 1938, por exemplo, David Antona, que era secretário regional da CNT do Centro, foi nomeado governador da província de Ciudad Libre (antiga Ciudad Real), e lê-se sobre o guerrilheiro Jover, chefe do a 28ª Divisão do “Exército Popular” reorganizado, sendo abraçado pelo Premier Negrín “diante dos aclamados soldados” e promovido ao posto de tenente-coronel.
[104] De acordo com José Peirats, La CNT en la Revolución Española, vol. 3 (Toulouse: Ediciones CNT, 1953), 319, em 1938, o movimento libertário estava dividido em duas tendências principais: “aquela representada pelo Comitê Nacional da CNT era inteiramente fatalista; a do Comitê Peninsular da FAI representou uma reação tardia contra esse fatalismo.” Mas entre essas duas posições havia uma terceira tendência, que “não era circunstancialista, mas permanente, a favor de uma ampla retificação de táticas e princípios, e representada por Horacio Prieto. Essa tendência teria convertido a FAI em um partido político com a função de representar o movimento libertário no governo e nos órgãos do Estado, além de participar de campanhas eleitorais.
[105] George Woodcock, em uma longa e importante revisão de Lessons of the Spanish Revolution , intitulada “The Spanish Revolution Examined”, no jornal americano Resistance 9, no. 4 (fevereiro de 1954) . Acrescente-se que a resenha e o próprio livro foram alvo de um ataque vulgar de J. García Pradas em uma série de artigos publicados na revista colaboracionista de Toulouse España Librenºs 346-353 (julho-setembro de 1954), com o significativo título “Respecto a la CNT” (Respeito pela CNT!). Em nossa opinião, esses artigos têm pouco peso, pois evitam cuidadosamente nossa documentação e atacam nossas conclusões com opiniões baseadas na aceitação inquestionável da política “circunstancialista” da CNT e na rejeição dos princípios anarquistas como o único meio pelo qual os anarquistas podem alcançar, ou tentar alcançar, seus fins. Vale a pena lê-los, no entanto, como ilustrações de “manuais” de muitas das críticas que fizemos à mentalidade autoritária, nacionalista e abordagem demagógica de um grande número de militantes da CNT.
[106] Ver Voline, The Unknown Revolution: 1917–1921 (Londres: Freedom Press, 1955 [Oakland: PM Press, 2019]).
[107] Muitos dos documentos em que se deve basear para obter informações sobre os vários plenários realizados durante o período são simplesmente os resumos oficiais publicados pela imprensa confederal, dos quais foram eliminadas quaisquer discussões polêmicas ou amargas. Para o público, era preciso criar a impressão de unanimidade nas fileiras da CNT. Que nem tudo correu tão bem pode-se depreender, por exemplo, do relato de José Peirats sobre o plenário de outubro de 1938, do qual dispunha não só das contas oficiais publicadas no Solidaridad Obrera, mas também das notas inéditas de um membro da FAI que estava presente; La CNT na Revolução Espanhola, vol. 3 (Toulouse: Ediciones CNT, 1953). Para o observador externo ao movimento espanhol, o procedimento de nomeação dos membros dos Comitês Nacional e Regional, dos recém-criados subcomitês, dos comitês de coordenação e do comitê executivo (na Catalunha) é obscuro. (A julgar pelas conversas que tivemos com sindicalistas espanhóis, parece obscuro para eles também.) Certamente é hora de alguma luz oficial ser lançada sobre esses importantes assuntos organizacionais. E, ao mesmo tempo, outros aspectos das mesmas questões poderiam ser examinados, tais como: quão diretamente representados estavam os membros de base nos plenários, e quais eram os poderes dos delegados? Também seria interessante saber quantos delegados do plenário nacional de outubro de 1938 ocupavam cargos governamentais e municipais ou quantos do plenário econômico nacional ampliado de janeiro de 1938 ocupavam cargos gerenciais ou de supervisão. Somente com um quadro mais claro do funcionamento organizacional da CNT naquele período é possível julgar a responsabilidade das bases e, igualmente importante, testar a validade dos argumentos teóricos apresentados pelos defensores do anarquismo -sindicalismo.
[108] Ver capítulo X.
[109] Marcos Alcón, “Datos para la historia”, Cultura Proletaria (Nova York), 22 de maio de 1943.
[110] José Peirats, La CNT en la Revolución Española , vol. 2 (Toulouse: Ediciones CNT, 1952), 78.
[111] Franz Borkenau, The Spanish Cockpit (Londres: Faber and Faber, 1937).
[112] Uma frase usada por Durruti, o líder guerrilheiro anarquista morto em Madri em novembro de 1936: Renunciamos a todo menos a la vitoria foi amplamente e, em nossa opinião, desonestamente usada pelo colaboracionistas da CNT-FAI como uma indicação de que até o grande Durruti era favorável ao abandono dos objetivos revolucionários dos anarquistas em favor de uma vitória a todo custo sobre Franco. Não encontramos em nenhuma fonte espanhola o texto de uma entrevista que Durruti concedeu a um jornalista, Pierre Van Paassen, e publicou no Toronto Starem setembro de 1936. Nele, Durruti indica clara e intransigentemente qual deve ser o papel dos anarquistas, recusando-se a ser desviado dos princípios anarquistas por considerações de conveniência. “Para nós, trata-se de esmagar o fascismo de uma vez por todas. Sim, e apesar do governo. “Nenhum governo no mundo luta contra o fascismo até a morte. Quando a burguesia vê o poder escapar de suas mãos, ela recorre ao fascismo para se manter. O governo liberal da Espanha poderia ter tornado os elementos fascistas impotentes há muito tempo. Em vez disso, contemporizou, fez concessões e flertou. Mesmo agora, neste momento, há homens neste governo que querem pegar leve com os rebeldes. Você nunca pode dizer, você sabe - ele riu - o atual governo ainda pode precisar dessas forças rebeldes para esmagar o movimento dos trabalhadores... “Sabemos o que queremos. Para nós, não significa nada que exista uma União Soviética em algum lugar do mundo, por cuja paz e tranquilidade os trabalhadores da Alemanha e da China foram sacrificados à barbárie fascista por Stalin. Queremos a revolução aqui na Espanha, agora, talvez não depois da próxima guerra europeia. Estamos preocupando Hitler e Mussolini muito mais hoje com nossa revolução do que todo o Exército Vermelho da Rússia. Estamos dando um exemplo para a classe trabalhadora alemã e italiana de como lidar com o fascismo. “Não espero nenhuma ajuda para uma revolução libertária de nenhum governo do mundo. Talvez os interesses conflitantes nos vários imperialismos possam ter alguma influência em nossa luta. Isso é bem possível. Franco está fazendo o possível para arrastar a Europa para o conflito. Ele não hesitará em lançar a Alemanha contra nós. Mas não esperamos ajuda, nem mesmo de nosso governo em última análise.” “Você estará sentado no topo de uma pilha de ruínas se for vitorioso”, disse Van Paassen. Durruti respondeu: “Sempre vivemos em favelas e buracos na parede. Saberemos como nos acomodar por um tempo. Pois você não deve esquecer, nós também podemos construir. Somos nós que construímos esses palácios e cidades aqui na Espanha e na América e em toda parte. Nós, os trabalhadores, podemos construir outros para substituí-los. E melhores. Não temos o menor medo de ruínas. Nós vamos herdar a terra. Não há a menor dúvida sobre isso. A burguesia pode explodir e arruinar seu próprio mundo antes de deixar o palco da história. Carregamos um mundo novo, aqui em nossos corações. Esse mundo está crescendo neste minuto.”
[113] Na luta pela liderança da CNT durante os anos imediatamente anteriores à ditadura de Rivera, os anarquistas acusaram Seguí e seus amigos sindicalistas de mostrar uma tendência geral ao reformismo e de serem muito dispostos a aceitar a mediação do estado em disputas trabalhistas . No entanto, Seguí é geralmente considerado pelos anarquistas espanhóis como uma das personalidades de destaque na história do movimento revolucionário espanhol.
[114] Gerald Brenan, O Labirinto Espanhol (Londres: Cambridge University Press, 1943).
[115] Ver A. Ildefonso Gonzáles, sobre Il Movimento Libertario Spagnuolo publicado no jornal anarquista Volontà (Nápoles) 9, n. 6–9, (junho-setembro de 1952), particularmente no “Tendenze nella FAI . ” Ele aponta entre outras coisas que “alguns antigos militantes acreditam que o período anterior à constituição da FAI foi mais brilhante para o anarquismo espanhol, do ponto de vista da mais estrita observância dos princípios anarquistas”.
[116] Pensiero e Volontà (Roma), 16 de abril de 1925.
[117] Bart de Ligt, The Conquest of Violence (Londres: George Routledge and Sons, 1937).
[118] Que são reproduzidos na íntegra em El Congreso Confederal de Zaragoza (Toulouse: Publicaciones CNT, 1955), 179–202.
[119] As políticas da Frente Popular foram a causa de todos os nossos desastres e da nossa situação atual, também vista internacionalmente.” Esta confissão foi seguida por López delineando a política a adotar nas circunstâncias, e vale a pena repetir suas palavras porque revelam claramente aabordagem política que dominou o pensamento e as ações de tantos líderes da CNT, uma abordagem, acrescentaríamos, que ameaça e está em contradição direta com os princípios de uma organização controlada por baixo . As palavras de López foram: “Nesse sentido podemos fazer nossa crítica aos comunistas, mas de forma inteligente, buscando o momento certo. A nossa posição pública deve ser a seguinte: 'Não pretendemos o extermínio do Partido Comunista nem de nenhum partido, mas, pelo contrário, que todos se juntem à Frente Popular e dêem o máximo de esforços ao Conselho de Defesa Nacional.' Dito isto, porém, os comunistas não terão acesso ao poder”.
[120] Apesar de os “problemas” espanhóis terem sido previstos nos escritos de Errico Malatesta, Alexander Berkman, Emma Goldman, Camilo Bertoni, e outros!
[121] Relatado em Solidaridad Obrera, 2 de setembro de 1936. Também relatado por Solidaridad Obrera em 12 de setembro de 1936, é um discurso de JP Fábregas (eminente membro da CNT) no qual declarou: “Tenho uma fé cega no destino da nossa terra, porque acredito na pura essência da raça, porque tenho certeza de que simbolizamos o direito, a justiça e a liberdade.
[122] Solidaridad Obrera , 30 de janeiro de 1938.
[123] Ibidem.
[124] O grupo de anarquistas russos no exílio que em 1927 emitiu um projeto para a organização de anarquistas com o título “Plateforme d'organization de l'organization de l'Union générale des anarchistes (Projet)”, que ostensivamente foi dirigido a anarquistas russos no exílio, mas o próprio fato de ter sido publicado em francês indicava que também se destinava ao movimento internacional.
[125] Ver Anarchy 1, no. 5 (1961).
[126] Liberdade, 20 de julho de 1963; reimpresso em Freedom Reprints vol. 13, Forces of Law & Order (Londres, 1965).
[127] Não confundir com o líder socialista Indalecio Prieto. A única coisa que esses dois Prietos tinham em comum era que apoiavam a ala direita de suas respectivas organizações. Citei Brenan dizendo que a CNT se dava melhor com os socialistas de direita, com Prieto, do que com Caballero. É bastante claro que Prieto, direitista da CNT, tinha uma inclinação muito forte para o “Lênin” socialista: Caballero!
[128] Em uma carta datada de 31 de julho de 1980.