COMBATENDO E DERROTANDO O RACISMO

  INTRODUÇÃO GERAL

    Raça

    Classe

  ANARQUISMO CONTRA O RACISMO

  SÓ EXISTE UMA RAÇA: A RAÇA HUMANA

  AS RAÍZES DO RACISMO

    Mercantilismo e escravidão

    Conquista Colonial

    Genocídio

    Dividindo a classe trabalhadora

  APARTHEID E CAPITALISMO RACIAL NA ÁFRICA DO SUL

    O Racismo na África do Sul antes de 1870

      Colônia do Cabo e escravidão

      Conquista colonial e desapropriação

    O Capitalismo Racial na África do Sul após a década de 1870

      O impacto da descoberta do ouro e do diamante

      Superexploração da mão de obra negra

      A superexploração foi “justificada” por argumentos racistas

      A classe trabalhadora dividida

      Nas minas

      Os “pobres brancos”

  POR QUE O ESTADO APOIOU O CAPITALISMO RACIAL

  A CRISE DO CAPITALISMO RACIAL E A PASSAGEM PARA UMA DEMOCRACIA CAPITALISTA

    Fatores econômicos que levaram à crise

    Fatores políticos que levaram à crise (lutas de massas)

    A resposta do Estado para a crise

    O potencial revolucionário dos anos 1980

  AS ELEIÇÕES DE 1994: UMA GRANDE VITÓRIA PARA A LUTA NA ÁFRICA DO SUL

  ESTADO, CAPITALISMO E RACISMO

  UM INIMIGO, UMA LUTA

  O CAMINHO A SEGUIR

  POR QUE O ESTADO NUNCA TRARÁ A LIBERDADE

      Nacionalização não é o mesmo que socialismo

    POR QUE O CAPITALISMO PRECISA SER DESTRUÍDO PARA QUE O RACISMO TENHA FIM

  LUTA DE CLASSES, E NÃO NACIONALISMO NEGRO

  OS TRABALHADORES BRANCOS SE BENEFICIAM COM O RACISMO?

    África do Sul: Era do Apartheid

    África do Sul: Após o Apartheid

    Europa e Estados Unidos

  A CLASSE TRABALHADORA NEGRA: O AGENTE DA TRANSFORMAÇÃO REVOLUCIONÁRIA NA ÁFRICA DO SUL

  UMA REVOLUÇÃO DE UMA ÚNICA ETAPA

  AÇÃO ANARQUISTA CONTRA O RACISMO

    Perspectivas gerais

    Diretrizes para ações cotidianas

COMBATENDO E DERROTANDO O RACISMO

Zabalaza Anarchist Communist Front

[Frente Anarquista Comunista Zabalaza]

(ZACF)

“O que queremos dizer com respeito pela humanidade?

Queremos dizer o reconhecimento do direito humano e da dignidade

humana em todo homem, independentemente de raça [ou] cor […]”

Mikhail Bakunin, 1867

Federalismo, Socialismo e Antiteologismo

“[…] Direitos iguais para todos, sem distinção de sexo ou raça […].”

Manifesto de Pittsburgh, 1883

Carta de fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores

[International Working People’s Association],

organização sindicalista revolucionária[1] histórica dos EUA

“É vosso dever revolucionário sufocar toda perseguição

nacionalista, lidando impiedosamente com os instigadores

dos pogroms [ataques racistas] antissemitas […].”

Exército Makhnovista e Organização Anarquista Nabat, 1919

Operários, Camponeses e Insurgentes.

Com os Oprimidos, Contra os Opressores – Sempre!”,

proclamação emitida durante o curso da Revolução Ucraniana

(de inspiração anarquista), 1918-1921

INTRODUÇÃO GERAL

Por racismo, nos referimos a uma das seguintes características: 1.) Atitudes, crenças e ideias que rebaixam outras pessoas, com base em suas supostas características físicas (por exemplo, cor da pele); 2.) Discriminação sistemática social, econômica e política de pessoas, com base em suas supostas características físicas (por exemplo, cor da pele).

Utilizaremos o termo “negro” para nos referir a todas as pessoas discriminadas com base em suas supostas características raciais. Isso inclui africanos, pessoas de cor[2] e indianos. Utilizaremos as palavras “africano”, “pessoas de cor”, “indianos” etc., quando nos referirmos a um desses grupos negros em específico.

A África do Sul caracteriza-se por níveis extremamente altos de desigualdade racial. Essa desigualdade racial vincula-se a altos níveis de desigualdade de classe (e de gênero).[3]

Raça

Os dados a seguir, publicados em 1995, nos dão uma ideia das desigualdades raciais na África do Sul: brancos, que compõem até 13% da população, recebem 61% da renda total, enquanto todos os grupos negros (africanos, pessoas de cor e indianos), que compõem 87% da população, recebem apenas 39% dessa renda. Os africanos compõem 75% da população, mas recebem apenas 28% dessa renda.

Outros indicadores da desigualdade racial são: apenas dois em cada dez crianças africanas em idade escolar atingem as médias, enquanto oito em cada dez crianças brancas alcançam essas mesmas médias; 28,3% das crianças africanas sofrem de desnutrição, a ponto de isso atrofiar seu crescimento, enquanto esse número para os brancos é de 4,9%; a expectativa de vida dos africanos é nove anos mais baixa que a dos brancos.

O censo do Banco Mundial / Southern African Labour and Development Research Unit de 1993 mostrou que 47% das famílias africanas viviam abaixo ou no mesmo patamar do relevante Nível de Subsistência Familiar [Household Subsistence Level]; no caso das famílias de cor esse número era 19%, das famílias indianas 6% e das famílias brancas 2%.

Antes dos anos 1990, a desigualdade racial também se expressava em termos de direitos civis e políticos: as pessoas negras não tinham direito ao voto, estavam sujeitas às Leis de Passe[4], tinham negado o seu direito à organização sindical e as principais organizações políticas negras eram proibidas.

Classe

Entretanto, é um erro dizer que toda a desigualdade na África do Sul segue linhas puramente raciais. Há também altos níveis de desigualdade de classe e de gênero (sexo). Um estudo recente confirmou os altos níveis de desigualdade racial, mas descobriu, ao mesmo tempo, que “quase três quartos da desigualdade total podem ser atribuídos à desigualdade dentro de grupos populacionais”.

Por exemplo, as famílias africanas 20% mais ricas (muitas das quais são compostas por empresários, gestores, trabalhadores qualificados etc.) aumentaram seus rendimentos reais em quase 40% no período de 1975-1991, enquanto os as famílias africanas 40% mais pobres tiveram seus rendimentos reduzidos em quase 40% no mesmo período. Uma queda semelhante nos rendimentos reais foi relatada para os 40% mais pobres dos brancos.

O estudo concluiu que “os anos 1960 viram surgir um abismo enorme entre as rendas dos brancos e dos negros; os anos 1980 viram surgir um abismo semelhante dentro do grupo da população negra”.[5]

Isso é corroborado por uma outra estimativa, de acordo com a qual 10% das famílias mais ricas possuem rendimento quase 60 vezes superior àquele dos 10% mais pobres; há diferença de aproximadamente 30 vezes entre brancos, pessoas de cor e indianos.

No geral, os meios de produção têm estado historicamente concentrados em uma minoria da população. Cerca de 80% da riqueza do país se concentra em 5% da população, enquanto quatro grandes corporações detêm 81% do capital social.

ANARQUISMO CONTRA O RACISMO

Como anarquistas, lutamos pela criação de uma sociedade livre e igualitária, fundamentada na democracia de base e na igualdade socioeconômica. Defendemos a destruição de todas as formas de exploração e dominação. Somos contrários à autoridade coercitiva e sustentamos que o único limite da liberdade de um indivíduo deve ser que ele não infrinja a liberdade de outros. Acreditamos que apenas uma revolução protagonizada pelas classes produtivas e exploradas da sociedade (a classe operária, os pobres e o campesinato) pode criar um mundo livre, e reconhecemos que essas classes só podem ser mobilizadas e unidas com base na oposição a todas as formas de opressão.

Pelas razões expostas, nós, anarquistas, somos inimigos declarados do racismo e dos racistas. Qualquer movimento por liberdade que não combata diretamente o racismo não passa de uma vergonhosa fraude.

O anarquismo possui uma história vigorosa de luta contra o racismo.[6] Ela passa pelas condenações e críticas do racismo feitas pelos principais teóricos anarquistas (por exemplo, Bakunin, Reclus, Makhno, Rocker) e pelos estímulos e lutas das organizações de massas contra o racismo, o capitalismo e o Estado (por exemplo, as lutas da Associação Internacional dos Trabalhadores [International Working People’s Association, IWPA], nos EUA, na década de 1880); ela passa pelos esforços da organização sindicalista revolucionária Industrial Workers of the World (IWW), nos EUA, na década de 1910, com os trabalhadores negros e imigrantes, pela centralidade da batalha contra o antissemitismo na revolução anarquista na Ucrânia de 1918-1921, e pelas lutas contra o fascismo e o racismo hoje. Os anarquistas têm combatido o racismo de maneira consistente e temos orgulho de pertencer a essa tradição revolucionária.

Historicamente, o anarquismo atraiu milhões de pessoas de cor e pertencentes às minorias racialmente oprimidas. Muitos movimentos anarquistas – na realidade, a maioria deles – conformaram-se no Terceiro Mundo, e, portanto, ocuparam-se de questões relativas ao anti-imperialismo, ao antirracismo etc. De China a Cuba, de Nicarágua a Bósnia e Herzegovina, nossa influência foi enorme. Ao redor do mundo, nosso movimento combateu o racismo de forma consistente e conquistou para seu lado pessoas de cor e pertencentes às minorias racialmente oprimidas. Incluem-se aí militantes anarquistas proeminentes, tais como Lucy Parsons (afro-americana), Frank Little (de ascendência branca e nativo-americana), Ricardo Flores Magón (de ascendência mexicana), Alexander Berkman (de ascendência judaica), Nestor Makhno (da Ucrânia, um domínio russo) e James Connolly (da comunidade imigrante irlandesa em Edimburgo, na época em que a Irlanda era ainda uma colônia britânica). Isso foi possível porque o anarquismo se opôs a todas as formas de opressão e defendeu a luta de classes. Reconheceu tanto a exploração de classe quanto outras formas de opressão, unindo todos os trabalhadores em uma luta internacionalista e antirracista contra o capitalismo, o Estado e todas as formas de opressão.

Portanto, está claro que o anarquismo não foi “eurocêntrico”, seja na composição de seus membros ou em termos do conteúdo de suas teorias e atividades. O anarquismo tampouco falhou em dar uma resposta teórica e prática ao racismo, e nem se restringiu a alguma nacionalidade em particular. Constituiu-se como uma criação das massas trabalhadoras do mundo inteiro.

SÓ EXISTE UMA RAÇA: A RAÇA HUMANA

Rejeitamos o argumento de que a humanidade pode ser dividida biológica ou cientificamente em um determinado número de “raças” distintas e imutáveis (por exemplo, africanos, asiáticos, europeus etc.). A ideia de que a humanidade pode ser dividida em “raças” distintas, com base em características físicas como cor da pele, tipo de cabelo, formato dos olhos, do nariz etc., parece algo do senso-comum. No entanto, ela é falsa. Só existe uma “raça”: a raça humana.[7]

É verdade que as pessoas se diferem pela cor da pele etc., mas já está cientificamente provado que é impossível definir as pessoas, de modo claro e rígido, de acordo com “raças” bem definidas. Isso porque não há qualquer característica física singular ou grupo de características físicas que marquem clara e rigidamente a distinção de uma raça para outra. Por exemplo, diz-se que os brancos têm cabelo liso; mas os asiáticos também têm, assim como alguns africanos. E, na verdade, muitos brancos têm cabelo encaracolado. Similarmente, nem todos os africanos têm pele escura, na mesma medida em que nem todos os brancos têm pele clara; alguns africanos são razoavelmente claros e alguns brancos são morenos. A questão de tudo isso é mostrar que nenhuma divisão rápida e “dura” pode ser estabelecida entre as diferentes raças, que se confundem umas com as outras de várias maneiras.

Não é coincidência. O cerne da questão é que não existe um gene “racial”. Apenas 6% das variações genéticas entre grupos humanos podem ser atribuídas a diferenças “raciais”, tais como as existentes, por exemplo, entre asiáticos e africanos. Um especialista no assunto, [quando a população mundial era ainda bem menor que hoje], afirmou que “se o holocausto viesse e apenas uma pequena tribo das profundezas das florestas da Nova Guiné sobrevivesse, quase toda a variação genética expressa hoje entre os inúmeros grupos de nossos quatro bilhões de pessoas seria preservada”. A variação genética ou biológica entre pessoas de uma mesma “raça” é tão grande quanto a variação genética entre aquela “raça” e qualquer outra.

Em termos práticos, isto significa que Eugène Terre’Blanche pode ser geneticamente mais próximo de um aborígene australiano ou de um índio americano do que de Paul Kruger.[8] Também significa que é impossível, para as mais diferentes “raças”, serem biologicamente “inferiores” ou “superiores” umas às outras. Significa, ainda, que a história não pode ser entendida em termos de uma “luta racial” entre raças ditas “inferiores” e “superiores”. Ao contrário; muitas das diferenças físicas entre as pessoas (como cor da pele e cor dos olhos) refletem as condições do ambiente.

É por isso que aquilo que as pessoas veem como uma “raça” difere em cada tempo e lugar. Por exemplo, livros que falavam sobre o “conflito de raças” na África do Sul na década de 1920 referiam-se ao conflito entre os africâneres brancos e os anglófonos. Responder de que “raça” você é, evidencia sua própria autodefinição e as definições de outras pessoas e forças sociais. A noção de “raça” não possui base científica, ainda que seja uma realidade social.

AS RAÍZES DO RACISMO

Então por que a “raça” e o racismo tornaram-se tão centrais para a nossa sociedade (e para muitas outras)? Precisamos primeiro compreender as raízes do racismo se quisermos lutar contra essa opressão e seus efeitos.

O racismo não é o resultado inevitável de pessoas diferentes entrando em contato entre si, da “cultura branca” ou do calvinismo. O racismo é produto de uma sociedade baseada na exploração e nas classes exploradas. O racismo é um meio de organizar e justificar a opressão de grandes massas de pessoas.[9]

O racismo pode ter existido em formas pré-capitalistas da sociedade de classes. Por exemplo, na Europa feudal, a aristocracia (lordes/cavaleiros) aparentemente justificava seu domínio sobre a massa de camponeses não-livres (servos) com base em seu “sangue azul”, pretensamente superior.[10] Entretanto, o racismo antinegro não era uma característica dessas sociedades.

O racismo é parte integrante da moderna sociedade capitalista-estatista desde que ela surgiu na Europa no século XVI. O capitalismo e o Estado produziram racismo em cada estágio de seu desenvolvimento.[11]

Mercantilismo e escravidão

Esse primeiro estágio do capitalismo vai do início dos anos 1500 até o final dos 1700 e caracteriza-se pela acumulação de capital por meio do comércio e da pilhagem. Trata-se do período em que o capitalismo começou a se expandir com força para a África, as Américas e a Ásia. Plantações com escravos foram estabelecidas nas Américas e em outras localidades; e foram abastecidas por um comércio de escravos de grandes proporções.

Foi a escravidão que produziu o racismo – não o racismo que produziu a escravidão. Inicialmente, os comerciantes e proprietários de plantações tentaram utilizar escravos brancos e indígenas americanos, mas a partir da segunda metade dos anos 1600, escravos da África (e da Ásia) começaram a suprir a força de trabalho necessária nas plantações. Esses escravos negros eram consideravelmente mais baratos; também se encontravam disponíveis em maior número e eram mais fáceis de identificar do que os escravos brancos, algo que auxiliava a polícia. A escravização e a venda de seres humanos foram “justificadas” com o argumento de que os escravos pertenciam a um povo subnormal e selvagem, inapto para a liberdade. Esse tipo de argumento tornou-se especialmente necessário com o surgimento de ideias igualitárias radicais nas Revoluções Inglesa, Americana e, mais tarde, Francesa.

Conquista Colonial

Dos anos 1500 aos 1900, o capitalismo e seu Estado estiveram envolvidos na conquista e na colonização da África, das Américas e da Ásia. Essa expansão foi motivada principalmente pela necessidade de obter mão de obra (escrava) e matérias-primas (como minérios e produtos agrícolas) baratas, e pela necessidade de encontrar novos mercados. Novamente, as ideias racistas encontraram um terreno fértil. Afirmava-se que o sucesso do imperialismo europeu refletia a superioridade natural da “raça branca”.

Além disso, os colonizadores argumentavam que estavam ajudando os “nativos” de pele escura, ao trazer-lhes a “civilização” – ensinando-os o cristianismo, o uso de roupas europeias e a “dignidade do trabalho”. Evidentemente, tais ideias contribuíram com a exploração dos operários e camponeses indígenas – grupos que tinham os seus salários ou preços de colheita precariamente pagos com base no argumento de que seu “modo de vida não-civilizado” exigia menos renda.

Tais grupos eram impedidos de construir sindicatos e órgãos semelhantes, sob o argumento de que eram “muito imaturos” para fazerem o uso “apropriado” de tais estruturas. Foram submetidos a formas cruéis e racistas de controle do trabalho e acusados de serem “máquinas musculares” incapazes de gerir o próprio trabalho sem a supervisão e um cérebro “branco”. A seguir, discutiremos mais detalhadamente a classe trabalhadora negra e as formas de exploração camponesa.

Genocídio

Em muitos territórios colonizados, particularmente nos anos 1800, não havia qualquer pretensão de tentar “civilizar os nativos”. Ao contrário, havia massacres generalizados e indiscriminados de povos indígenas, naquilo que aponta para uma campanha de extermínio (genocídio). Houve tentativas de exterminar os aborígenes australianos, os indígenas americanos, os maoris da Nova Zelândia, assim como os Khoisan sul-africanos. Além das mortes, os povos nativos também foram afetados por novas doenças, tais como a varíola, e por problemas sociais, como o alcoolismo.

Dividindo a classe trabalhadora

O racismo também tem sido promovido por patrões e governantes pois ele ajuda a dividir a classe trabalhadora, particularmente no Primeiro Mundo. Em especial, ele divide, de um lado, a classe trabalhadora e os pobres brancos, e, de outro, a classe trabalhadora e os imigrantes negros. Onde a classe trabalhadora é racialmente dividida, ela carece da solidariedade necessária para lutar e derrotar os patrões e os governantes.

Os patrões vêm promovendo a divisão da classe trabalhadora nos meios de comunicação de massa (que eles próprios controlam), ao fazerem as divisões raciais corresponderem às divisões de trabalho e ao discriminarem os trabalhadores negros. O racismo é ótimo para os patrões: trabalhadores negros, sem direitos políticos, estabilidade no emprego ou salários decentes oferecem uma força de trabalho superexplorada, “excelente” e flexível, que pode ser contratada e demitida dos piores empregos quando necessário; oferecem ainda uma boa fonte de fura-greves para ser usada como ameaça contra grevistas brancos; e permite-lhes dirigir a raiva que os trabalhadores brancos sentem do desemprego e dos baixos salários para os negros e os imigrantes, dizendo que eles estão “roubando nossos empregos”.

Então por que tantas pessoas da classe trabalhadora branca desses países aceitam e apoiam essas ideias e práticas racistas? A primeira razão foi mencionada acima – a mídia. Em segundo lugar, há uma competição econômica entre os trabalhadores, que podem estar lutando desesperadamente por um número limitado de empregos. Ou então, os patrões podem estar tentando substituir os trabalhadores qualificados por trabalhadores mais baratos e menos qualificados. Em alguns casos (jamais em todos), os trabalhadores podem responder a essa competição em termos raciais e desenvolver antagonismos raciais. Em terceiro e último lugar, a classe trabalhadora branca e os brancos pobres podem receber um “salário público e psicológico”, ao serem (ligeiramente) melhor tratados que os negros e imigrantes, e assim poderem se considerar parte de uma “raça superior” (independente do quão opressiva seja a sua vida).

APARTHEID E CAPITALISMO RACIAL NA ÁFRICA DO SUL[12]

O racismo na África do Sul se assenta na combinação de todos os processos acima mencionados. Ele é filho do capitalismo e do Estado. São esses fatores, e não a “cultura branca”, o calvinismo ou o nacionalismo africâner, que têm sido a principal força motriz por trás das várias formas de racismo na África do Sul, incluindo o Apartheid.

A classe dominante sul-africana não abarcou todos os brancos. Como em todos os países, ela compôs-se daqueles que detinham o poder político e econômico: capitalistas, funcionários de alto escalão do Estado, generais e políticos profissionais. A maioria dos brancos era, e ainda é, da classe média e da classe trabalhadora. A classe dominante também contou com negros que tinham posições importantes, como muitos dos chefes, e todos os líderes e membros de alto escalão dos bantustões.[13]

Apesar disso, a classe dominante era predominantemente branca, já que seus principais líderes tinham origem europeia e, com frequência, beneficiavam-se diretamente das políticas coloniais e das políticas do Apartheid. Em geral, havia bem poucos grandes capitalistas negros. Além desses aliados negros, os patrões e governantes brancos também procuraram cooptar aliados de outros grupos brancos, como a classe média e a classe trabalhadora. Essa aliança tornou-se possível graças aos benefícios materiais oferecidos aos brancos pelo capitalismo racial, às políticas deliberadas de governo e à força do racismo na sociedade. Alguns referiram-se a essa aliança entre todas as classes brancas e parte da elite negra como uma oligarquia ou bloco de poder.

O Racismo na África do Sul antes de 1870[14]

Colônia do Cabo e escravidão

O estabelecimento de uma colônia na região do Cabo pela Companhia das Índias Orientais nos anos 1600 deve ser visto como parte da expansão geral do capitalismo comercial (mercantilismo) nesse período. A Colônia foi inicialmente criada para fornecer um porto de escala para o comércio com a Ásia, mas não demorou muito até que as plantações com escravos fossem estabelecidas. Os escravos eram importados tanto da África quanto da Ásia.

Ao mesmo tempo, o povo Khoisan, pastoril e caçador-coletor, era despojado de suas terras, de seu gado e de seus poços de água, e sendo ainda submetido a várias restrições legais (por exemplo, leis de passe e várias formas de contrato), que os reduziam a uma condição de não liberdade, muito próxima a dos escravos.

A escravidão na Colônia do Cabo foi particularmente difusa (ao menos dois terços dos fazendeiros possuíam ao menos um escravo, em 1800). Também foi particularmente brutal, mesmo em comparação a outras colônias escravagistas, por ter sido definida por linhas estritamente raciais – ao contrário de algumas colônias escravagistas, os casamentos inter-raciais eram muito raros, e tanto as crianças mestiças quanto seus pais negros não obtinham privilégios “brancos”. Lá, além dos latifundiários e dos proprietários de escravos brancos, havia ainda uma população significativa de “brancos pobres”.[15]

Conquista colonial e desapropriação

Por volta dos anos 1870, foram estabelecidas as várias colônias de domínio branco, que mais tarde se reuniram como República da África do Sul, em 1910: a Colônia do Cabo, o Estado “Livre” de Orange, Natal e Transvaal. Essas colônias tiveram como base a conquista da terra de povos africanos, embora nem todos os brancos fossem proprietários de terras – alguns deles eram camponeses pobres [bywoners] ou trabalhadores sem-terra. Em todas as colônias, os latifundiários brancos fizeram várias tentativas para extrair trabalho das comunidades africanas, por meio de medidas como a tributação das cabanas e as exigências que equivaliam ao trabalho forçado.

Alguns africanos tiveram condições de resistir a essas exigências, tornando-se camponeses e produzindo para o mercado – alguns deles, principalmente caciques e chefes, ficaram ricos o suficiente para empregar trabalhadores; outros não tiveram opção senão tornarem-se trabalhadores, por pelo menos uma parte do ano.

Como havia acontecido em outros lugares, esses processos coloniais receberam uma justificativa racial. Por exemplo, em 1835, um dos principais colonos e oficiais do Estado na Colônia do Cabo escreveu o seguinte sobre a Província Rainha Adelaide, na fronteira oriental: “O interior tem uma ótima aparência. Dará ótimas fazendas para a criação de ovelhas […]. É demasiadamente bom para uma raça de fugitivos como os Khoisans”.[16]

Esse tipo de ideia racista – que pessoas negras não seriam capazes de cultivar adequadamente e precisariam ser ensinadas à “dignidade do trabalho” (pelos brancos) – foi uma característica típica da ideologia colonial.

O Capitalismo Racial na África do Sul após a década de 1870[17]

O impacto da descoberta do ouro e do diamante

Por volta dos anos 1870, aquilo que viria a se tornar a África do Sul era uma área majoritariamente agrícola. As colônias estavam todas voltadas para a agricultura com vistas aos mercados locais e ao mercado externo, mas a extensão da comercialização variava enormemente, indo das explorações agrícolas do Cabo, altamente voltadas ao lucro, até os fazendeiros brancos do Transvaal (e os camponeses africanos), que possuíam laços muito mais fracos com o mercado.

A descoberta do diamante e do ouro nas décadas de 1860 e 1880 em Kimberly e Witwatersrand mudaram drasticamente essa situação. A nova indústria da mineração levou a um rápido desenvolvimento do capitalismo porque ela atraía grandes quantidades de investimentos estrangeiros, elevava os impostos disponíveis ao Estado, promovia a construção de estradas e ferrovias, e promovia a emergência de grandes centros urbanos. Esses desenvolvimentos contribuíram para criar um pequeno setor industrial e financeiro e aceleraram imensamente a comercialização da agricultura.

Superexploração da mão de obra negra

Naquele momento, tanto os latifundiários brancos quanto os donos das minas necessitavam de mão de obra em grande quantidade. Parte dessa mão de obra era fornecida pelos trabalhadores imigrantes brancos e pelos africâneres pobres, mas, não raro, essa era uma mão de obra cara e escassa. Os agricultores e donos de mineradoras começaram então a acabar com o campesinato africano e os territórios independentes para criar uma massa de mão de obra.

Esse objetivo foi completamente apoiado pelos vários Estados coloniais que aprovaram e fizeram aplicar uma longa lista de leis com esse propósito (por exemplo, impostos sobre as cabanas, reservas de terras e proibição de parcerias rurais). Os patrões não queriam apenas uma grande quantidade de mão de obra, mas também uma mão de obra que fosse ultrabarata. Isso foi particularmente importante nas minas, que tinham não apenas poucos minérios, mas que ainda enfrentavam o preço internacional fixo do ouro – a única maneira de reduzir custos e tornar o seu negócio lucrativo era otimizar os custos da mão de obra. Ao mesmo tempo, os patrões queriam se livrar da competição no mercado com agricultores negros, camponeses, comerciantes e escavadores (no caso dos campos de diamante) independentes.

Com a criação dessa grande massa de mão de obra negra, diversos métodos foram usados para assegurar que ela permanecesse ultrabarata. Primeiramente, os trabalhadores africanos foram submetidos a diferentes medidas de controle coercitivo, as quais minavam seu poder de negociação (por exemplo, proibição da sindicalização, leis de passe e complexos residenciais). Em segundo lugar, os trabalhadores africanos eram com frequência empregados como migrantes – que vinham para cidades, minas e explorações agrícolas comerciais – e com contrato por períodos limitados, enquanto suas famílias permaneciam nas áreas rurais. Isso permitia aos patrões pagar salários baixíssimos sob o pretexto de que as famílias dos trabalhadores supostamente poderiam se sustentar em suas próprias terras, e assumiriam a responsabilidade de tomar conta dos trabalhadores aposentados ou inválidos. Por fim, em algumas fazendas, os patrões se utilizaram do inquilinato de trabalho: os trabalhadores só podiam viver nas fazendas e ter uma pequena horta para si como forma de pagamento por fornecer uma mão de obra supostamente livre.

A superexploração foi “justificada” por argumentos racistas

Alguns exemplos podem ser citados. Em 1892, o editor da revista patronal The South African Mining Journal justificou o controle repressivo e o sistema de complexos residenciais com o argumento de que “a posição dos Kaffirs [negros, em terminologia racista da época] é como a de crianças”, que precisam de “controle especial e supervisão quando são expostos às tentações”.[18] O dono de uma mineradora alertou: “Não devemos mimar os nativos e, com isso, acabar com sua constituição naturalmente forte”. Outro insistiu que “os nativos preferem muito mais viver em complexos que não são muito bem ventilados ou arejados”.[19] De acordo com um agricultor, em 1947, “todos os salários e sistemas residenciais não mudarão o nativo […]. Se queremos que os nativos passem a cumprir a lei, falemos na língua que eles entendem: a língua do sjambok [tipo de chicote de couro], que deve ser utilizado com frequência e vigor”.[20]

A classe trabalhadora dividida

Os patrões também utilizaram o racismo para dividir a classe trabalhadora; separaram tanto a classe trabalhadora branca da negra, quanto os vários grupos negros uns dos outros. Atenção especial foi dada à tentativa de fazer com que a classe trabalhadora branca apoiasse o sistema capitalista racial, dando-lhe uma posição privilegiada e protegida.

De acordo com um relatório do governo do começo do século XX, “a minoria europeia, que ocupa […] a posição de raça dominante, não pode permitir que um número considerável de seus membros se afunde [na pobreza] e caia abaixo do nível dos trabalhadores não europeus”.[21]

Ao mesmo tempo, era considerado ilegal que africanos e brancos fossem membros de um mesmo sindicato. Em geral, essas políticas foram bem sucedidas, particularmente no período compreendido entre os anos 1920 e 1980, embora tenha havido algumas poucas instâncias de lutas integradas dos trabalhadores, e que tenha surgido um certo número de socialistas e democratas da classe trabalhadora branca.

Nas minas

Para começar, os mineiros brancos eram separados dos trabalhadores negros em função de seu trabalho qualificado, de seus direitos políticos, de sua liberdade frente à maioria das leis de trabalho compulsório e de seu direito à residência permanente nas cidades. Mas embora os mineiros brancos se beneficiassem do capitalismo racial, esse sistema também promovia a instabilidade econômica, uma vez que os patrões tentavam constantemente substituir a mão de obra branca (mais cara) pela mão de obra negra (mais barata).

Isso contribuiu para o surgimento de greves massivas, em especial no ano de 1922. Em vez de se opor ao sistema de superexploração negra, que era a principal causa de sua instabilidade, a maioria dos mineiros brancos exigiu cotas de emprego para brancos. O Estado e os capitalistas terminaram aceitando essa demanda nos anos 1920, em parte graças à militância dos grevistas; mas isso também se deveu à preocupação dos patrões de que os africanos pudessem se inspirar nesse movimento e à crença de que era demasiado desestabilizante para o Estado racista continuar atirando em trabalhadores brancos.

Ao concordar em instituir as cotas para brancos, em aceitar o reconhecimento dos sindicatos brancos e em excluir os sindicatos registrados de nativos que portavam o estigma do passe, o Estado assegurou a continuidade da divisão racial dos trabalhadores.

Os “pobres brancos”

Muitos trabalhadores brancos não estavam nessa posição privilegiada dos mineiros brancos – mesmo antes do início da Grande Depressão, no início da década de 1930, havia pelo menos 300 mil brancos vivendo na extrema pobreza, com frequência nas mesmas favelas que os negros pobres. Esses brancos não qualificados encontravam-se permanentemente subempregados, não porque se recusassem a aceitar um “trabalho nativo por um pagamento nativo”, mas porque os patrões preferiam contratar trabalhadores negros sem direitos e superexploráveis para os trabalhos de baixa qualificação.

Se, por um lado, essas condições criavam tensões entre pobres brancos e negros, por outro, elas também possuíam um potencial político explosivo de criar uma classe trabalhadora unificada. Tais condições desafiavam a ordem social racista que os patrões tentavam construir.

Assim, o Estado, principalmente a partir dos anos 1920, começou a segregar as áreas de favela, promoveu a educação e formação dos brancos e deu preferência aos brancos na contratação para o setor estatal (a política de “trabalho civilizado”). A política de “trabalho civilizado” tinha a vantagem adicional para a classe dominante de permitir que os patrões atacassem as condições de brancos qualificados em setores como o ferroviário. Auxiliadas pela recuperação da economia, essas políticas foram muito bem sucedidas em acabar com o “problema dos brancos pobres”.[22]

POR QUE O ESTADO APOIOU O CAPITALISMO RACIAL

Como mencionado, o Estado desempenhou um papel central na construção do sistema do capitalismo racial. Isso ocorreu por várias razões.

Primeiramente, porque o Estado sempre defende e apoia a classe dominante, que, na África do Sul, extraiu sua riqueza e seu poder diretamente do racismo. Os vários estados coloniais da África do Sul existentes desde 1652 foram, todos, ditaduras racistas, estabelecidas com a função de explorar e dominar os trabalhadores e os camponeses negros e os escravos, e de separar essas classes dos pobres brancos.

Algumas vezes, eles utilizavam colaboradores negros para contribuir com esses propósitos (por exemplo, os camponeses ricos “amakholwa” antes de 1913, os líderes dos bantustões e os caciques a partir dos anos 1950); outras vezes, não. Os quadros superiores do Estado eram selecionados das fileiras da burguesia branca, e o próprio Estado foi fundado principalmente a partir dos impostos e do crédito derivados da superexploração negra.[23]

Em segundo lugar, o Estado apoiou o capitalismo racial porque isso auxiliava no controle social. O sistema de mão de obra migrante tornou difícil para comunidades estáveis da classe trabalhadora negra desenvolver-se em torno das cidades “brancas”; ademais, as leis laborais repressivas e o sistema de complexos residenciais tornavam ainda mais difícil a tarefa de organizar a resistência.

Os riscos para os patrões e governantes eram reconhecidos pelo Estado. De acordo com a Câmara do Comércio e das Indústrias [Board of Trade and Industries], em 1945:

A destribalização de um grande número de nativos, reunidos em massas amorfas nos grandes centros industriais, é um problema para o qual nenhum governo pode olhar com indiferença. A menos que sejam tratadas com grande previsibilidade e habilidade, essas massas de nativos destribalizados podem muito facilmente se tornar uma ameaça, e não um fator construtivo na indústria.[24]

Em resumo, o racismo serviu para cumprir algumas funções para a classe dominante majoritariamente branca da África do Sul:1.) Ele justificou e fortaleceu o poder e a riqueza dos patrões e governantes (que seriam supostamente membros de uma raça “superior”, representando a “civilização europeia”); 2.) Ele permitiu à classe dominante que dividisse profundamente a classe trabalhadora; 3.) Ele tornou possível a superexploração da maioria da classe trabalhadora sul-africana.

Nas minas, após a institucionalização do sistema de complexos residenciais e da utilização de mão de obra migrante nas minas de ouro, os custos da mão de obra africana de fato caíram entre 1911 e 1932. E, então, uma vez que haviam novamente subido de volta ao nível de 1911, permaneceram constantes até ao ano de 1969, a despeito dos níveis de emprego nesse período terem dobrado. Os salários reais dos mineiros africanos permaneceram praticamente inalterados ao longo de todo o período que vai de 1915 à 1970.[25]

Nas fazendas, embora os dados desse setor sejam muito menos completos, parece claro que, entre 1860 e 1960, as deploráveis condições de vida e de salubridade dos trabalhadores negros permaneceram praticamente inalteradas. As rendas, em termos monetários, permaneceram estáveis, e os rendimentos em espécie podem mesmo ter concretamente diminuído nesse período.[26]

A CRISE DO CAPITALISMO RACIAL E A PASSAGEM PARA UMA DEMOCRACIA CAPITALISTA

Em meados do século XX, esses processos haviam conduzido a um país com o seguinte tipo de estrutura social: uma classe dominante majoritariamente branca, auxiliada por colaboradores negros, como os líderes dos bantustões e caciques; uma classe média que contava com membros de todas as raças, ainda que houvesse certa desproporção em favor dos brancos, que ocupavam as posições de maior prestígio; uma aristocracia operária branca; e uma classe trabalhadora negra desesperadamente empobrecida, privada de direitos e constituída por nativos, pessoas de cor e africanos, sendo que estes últimos concentravam-se nos empregos mais baixos e recebiam os menores benefícios sociais.

O sistema do capitalismo racial entrou em crise nos anos 1970 graças a uma combinação de fatores. Juntos, esses fatores estabeleceram as bases para a passagem a uma espécie de democracia burguesa na África do Sul.

Fatores econômicos que levaram à crise

Todos os setores do capital (latifúndios, minas, indústrias, serviços) mostraram com clareza sua compatibilidade com as políticas e instituições do Apartheid. Contudo, o sistema capitalista racial também trouxe crescentes custos para as grandes indústrias, assim como para parte do setor de serviços. Esses custos tornaram-se cada vez mais importantes pelo fato de a África do Sul ter seguido os passos da economia capitalista mundial rumo a uma recessão econômica a partir do começo dos anos 1970.[27]

Por um lado, o sistema de trabalho migrante e a barreira de cor dos empregos (para não mencionar o sistema de educação Bantu) resultaram todos em baixa produtividade do trabalho e escassez de mão de obra qualificada. Escassez que se tornou evidente a partir dos anos 1950, e que, por volta de 1971, havia atingido mais de 95 mil postos de trabalho.[28]

Por outro lado, os salários muito baixos dos negros acabaram reduzindo muito o mercado consumidor interno; apenas uma em cada seis pessoas possuíam algum rendimento disponível. Obviamente, os patrões poderiam ter lidado com esse problema por meio da exportação de bens de consumo, mas não conseguiram, graças às suas políticas tacanhas e à campanha internacional de sanções. Como colocou em 1979 Raymond Parsons, um dos principais porta-vozes dos patrões e diretor executivo das Câmaras Associadas do Comércio [Associated Chambers of Commerce]: “aumentar o poder aquisitivo dos negros é a única resposta verdadeira para o crescimento”.[29]

Fatores políticos que levaram à crise (lutas de massas)

Mais importante do que os problemas econômicos que levaram o sistema capitalista racial a mergulhar numa crise, foi a luta negra. Esse tipo de resistência era inevitável, dada a brutalidade e a injustiça do capitalismo racial. Em todas essas lutas, a classe trabalhadora negra e os pobres de origem negra tiveram um papel absolutamente central.[30]

Houve uma ampla Campanha de Desafio nos anos 1950, mas ela foi suprimida no começo dos anos 1960, com o Massacre de Sharpeville, que ocorreu contra os manifestantes que se opunham à Lei de Passe e à subsequente proibição de organizações políticas negras legais e sindicatos não oficiais. As organizações socialistas já haviam sido efetivamente banidas da vida política desde 1950, pela Lei de Supressão ao Comunismo.

A falsa paz criada pela repressão terminou em 1973, quando uma enorme onda de greves selvagens produziu o movimento sindicalista negro moderno. Três anos mais tarde, em 1976, a execução, em 16 de junho, de estudantes africanos que protestavam contra a introdução do africâner para instrução nas escolas, desencadeou meses de protestos e atividades insurrecionais. No final dos anos 1970 e início dos 1980 consolidou-se o movimento sindicalista negro, com a formação de órgãos como a FOSATU [Federation of South African Trade Unions] e o CUSA [Council of Unions of South Africa]. Emergiram, também, as primeiras associações civis (a Soweto Civic Association foi fundada em 1979 e a Port Elizabeth Black Civics Organisation em 1980).

A resistência escalou em resposta à tentativa do Estado, em 1983, de estabelecer “parlamentos” segregados de nativos e pessoas de cor, e de aumentar drasticamente os preços dos aluguéis nas cidades e as taxas de serviço como parte de seu programa de reestruturação do governo local. A United Democratic Front – uma grande coalizão de sindicatos, organizações civis, da juventude e das mulheres, igrejas e outros órgãos – foi fundada em 1983; um agrupamento do National Forum de menor porte e mais radical foi fundado mais ou menos na mesma época. Em 1985, os principais sindicatos e centrais sindicais negras juntaram-se para formar o COSATU [Congress of South African Trade Unions], a maior central sindical da história da África do Sul. Uma segunda federação, a NACTU [National Council of Trade Unions] foi fundada em 1987.

A resposta do Estado para a crise

Por conta da resistência massiva, o Estado foi forçado a conceder uma série de reformas, como por exemplo a remoção das restrições dos sindicatos africanos e a abolição das cotas de emprego em 1979, além da abolição do “pequeno Apartheid”, que garantia segregação racial nas instalações públicas. O Estado também foi forçado a aceitar o fim limitado e informal da segregação nas cidades (por exemplo, fazendo vista grossa para as “zonas cinzentas”) e a abolição da Lei de Passe, em 1987. Essas reformas representaram vitórias incondicionais das lutas de massas dos trabalhadores e dos pobres.

Mas, ao mesmo tempo, o Estado lançou mão de uma dupla estratégia para assegurar a continuidade de seu domínio e tentar salvar o sistema do capitalismo racial:[31]

Por um lado, realizou reformas simbólicas, tais como o parlamento tricameral, substituindo os administradores municipais brancos por autoridades negras locais e pseudodemocráticas, criou projetos de desenvolvimento urbano administrados militarmente e removeu as restrições aos comerciantes negros nos centros urbanos. Essas reformas tinham o claro objetivo de garantir colaboradores entre a classe média negra.

Por outro lado, o Estado engajou-se numa estratégia de repressão e desestabilização das organizações de massas. Fundos e outras formas de assistência foram direcionados para organizações negras reacionárias, tais como a Witdoeke, que destruiu quatro acampamentos em Crossroads em 1986; a Ama-Afrika, no Cabo Oriental, e vários grupos justiceiros que agrediam militantes de esquerda. Inkatha, a organização nacionalista Zulu de verve reacionária e autoritária, também se beneficiou desse tipo de ajuda (por exemplo, nos casos de treinamento militar para 125 de seus militantes, na Faixa de Caprivi, em 1986, e de financiamento de seus comícios).

Havia ainda esquadrões da morte em operação, envolvidos (por exemplo, com o assassinato de Matthew Goniwe e de outros líderes da associação civil de Cradock, no Cabo Oriental, em 1985). Essa repressão tomou forma aberta com os estados de emergência de 1985 e 1987, envolvendo detenções em massa (26 mil pessoas, em junho de 1987) e destruição de grupos militantes, como os congressos da juventude.

O potencial revolucionário dos anos 1980

A resistência de massas atingiu um nível potencialmente revolucionário em meados dos anos 1980. Nesse período, vários distritos tornaram-se “ingovernáveis” para o Estado, graças ao boicote massivo dos aluguéis e das contas, à pressão massiva que colapsava muitas autoridades locais e à criação de vastas áreas onde as forças do Estado (como a polícia) não podiam entrar.

Em algumas áreas passou-se da “ingovernabilidade” ao “poder popular”, com as administrações locais e outras estruturas comunitárias relativamente democráticas começando a autogerir distritos. Um dos casos mais famosos de “poder popular” foi a Revolta de Alexandra, em 1986. Na mesma época, houve uma massiva onda de greves combativas (como no caso da enorme greve geral de 1984, que atraiu 4 milhões de pessoas, e da greve dos mineiros de 1986, a maior greve na história da África do Sul).

A resistência tinha força suficiente para esmagar o capitalismo racial, o Estado e para construir uma sociedade livre. Mas, para que esse potencial se tornasse realidade, era vital que as massas fossem conquistadas para as ideias anarquistas e que elas trabalhassem, por si mesmas, para implementá-las. Isso poderia promover a revolução da classe trabalhadora contra o Estado, o capitalismo e todas as formas de opressão, assim como e a criação de uma federação livre de conselhos operários e comunitários, defendida por milícias democráticas de trabalhadores.

No entanto, a corrente política predominante nos anos 1970 era o nacionalismo negro de esquerda. Este conclamava a classe trabalhadora negra e os pobres de origem negra a formarem uma aliança com a classe média negra e os capitalistas negros “progressistas”, a fim de substituir o regime do Apartheid por algum tipo de “governo popular” ou “democracia nacional”.

Algumas versões desse nacionalismo afirmavam que essa “revolução nacional-democrática” era um primeiro “estágio” necessário para a mudança, estágio que deveria se concretizar antes que se seguisse (inevitavelmente) rumo ao socialismo. A despeito de sua retórica por vezes combativa, essa posição política não podia, e de fato nunca se dispôs a combater consistentemente as raízes do racismo de forma revolucionária – isto é, enfrentar de fato o Estado e o capitalismo. A ANC [African National Congress] e outras organizações nacionalistas sempre foram pró-capitalistas; mesmo que às vezes usassem palavras de ordem socialistas ou falassem de socialismo em longo prazo, seu objetivo imediato era uma sociedade capitalista e um “governo popular”.

No final da década de 1950, em resposta às críticas “africanistas” de que a Carta da Liberdade seria um documento socialista e, portanto, estranho ao nacionalismo africano, Nelson Mandela afirmou: Esse documento não é “um plano para a edificação de um Estado socialista”, mas um programa que irá “abrir novos campos para o desenvolvimento de uma próspera burguesia não europeia”, que “terá a oportunidade de possuir em seu próprio nome e de seu próprio direito fábricas e usinas; assim, o comércio e a iniciativa privada viverão um boom e florescerão mais do que nunca”.[32]

O próprio Steve Biko sugeriu em seu livro Escrevo o que eu Quero que “deveríamos pensar naquilo que a campanha ‘buy black’ certa vez sugeriu em Johanesburgo, e estabelecermos nossos próprios bancos para benefício da comunidade”.

Também estavam presentes várias tendências socialistas, classistas e libertárias nessas lutas. Por exemplo, havia uma poderosa corrente socialista “operaísta” nos sindicatos, grandes segmentos que se desenvolveram numa direção próxima do sindicalismo revolucionário.[33] O movimento civil em alguns distritos desenvolveu-se numa direção nitidamente libertária: por exemplo, o movimento civil em Alexandra e em Cradock articulava-se em um organismo de base, cujos fundamentos estavam nos comitês por região, quarteirões, ruas etc.[34] Entretanto, de maneira geral as políticas do nacionalismo predominaram, mesmo que os questionamentos estivessem sempre próximos, como no caso dos sindicatos.

AS ELEIÇÕES DE 1994: UMA GRANDE VITÓRIA PARA A LUTA NA ÁFRICA DO SUL

Por meio da repressão, o Estado foi capaz de recuperar algum controle sobre a situação. Entretanto, ele não teve condições de parar a onda de lutas de massas. Isso prosseguiu até a segunda metade da década de 1980, com a reconstrução da United Democratic Front, a contínua emergência das organizações sindicais negras, os protestos estudantis etc. Ao final dos anos 1980, o Estado chegou a um impasse. A classe dominante foi forçada a entrar em negociações para substituir a democracia herrenvolk[35], racialmente excludente, por uma democracia burguesa mais bem acabada. Em abril de 1994, ocorreram as primeiras eleições não raciais na África do Sul.

Como anarquistas, reconhecemos que a realização dessas eleições e as mudanças constitucionais que elas representaram foram uma grande vitória para a classe trabalhadora negra e para os pobres de origem negra. Era a primeira vez em 350 anos que os negros sul-africanos não eram governados por uma ditadura racista, mas por um sistema parlamentar. Junto a essa democracia capitalista vieram vários direitos, que nunca tínhamos tido. Agora temos liberdade de expressão e associação garantidas. Temos o direito de fazer greves e de protestar. Temos alguma proteção contra práticas racistas e sexistas. Esses novos direitos políticos não vieram da mão benevolente do Partido Nacional racista. Eles foram conquistados pela luta, e se forem atacados, venha o ataque de onde vier, teremos de mobilizar a ação das massas para defendê-los.[36]

ESTADO, CAPITALISMO E RACISMO

UM INIMIGO, UMA LUTA

O CAMINHO A SEGUIR

POR QUE O ESTADO NUNCA TRARÁ A LIBERDADE

Embora reconheçamos que as eleições de 1994 tenham representado um importante avanço para as lutas da África do Sul, e ainda que defendamos os direitos políticos do povo (como, por exemplo, o voto), isso não significa que acreditemos que as eleições sejam o caminho para a libertação da classe trabalhadora e dos pobres de origem negra. Não acreditamos nisso. O Estado sempre servirá aos patrões, sempre colocará a “estabilidade”, o capitalismo e seu próprio poder à frente das necessidades das massas. É por isso que o novo governo continua a atacar as lutas, prender os grevistas, despejar os ocupantes e a dizer que as greves “prejudicam a economia”. Ele não irá tratar espontaneamente das necessidades dessa majoritária classe trabalhadora negra; ao contrário, defenderá os ricos e os poderosos.

O Estado não é um instrumento neutro à disposição dos cidadãos. O Estado é um órgão de coerção que existe para defender o poder e a riqueza da classe dominante. É para isso que o Estado foi construído. Além disso, o Estado é financiado pelos impostos e pelo capital que empresta do setor privado, o qual, por definição, levanta esses recursos por meio da exploração da classe trabalhadora e dos pobres. O Estado não ousará desafiar o processo de acumulação capitalista, tão necessário para seu próprio financiamento.

Ademais, a maioria dos altos cargos no aparelho de Estado (por exemplo, os servidores civis dos postos mais elevados, os oficiais militares de alta patente) são preenchidos por pessoas selecionadas das fileiras da classe dominante. Na África do Sul, isso historicamente significou a seleção de indivíduos oriundos do alto empresariado ou das lideranças do movimento nacionalista africâner. Contudo, não pensamos que seria muito diferente se essas pessoas fossem substituídas por trabalhadores e políticos negros e progressistas. Em primeiro lugar, porque o Estado é uma grande organização constituída por muitos burocratas e feita para defender a classe dominante. Mudar algumas peças na parte de cima dessa estrutura não faz com que seja possível alterar a maneira que o Estado funciona na prática. Em segundo lugar, como é bem sabido, os funcionários públicos dos postos mais elevados recebem salários altos e a maioria deles logo começa a gostar do poder e do privilégio que sua posição lhe traz. Essa “mina de ouro” confere a eles um interesse pessoal, de não “agitar o barco” demasiadamente.

As eleições não farão o Estado responsável perante a maioria da população e nem dará a ela um mandato para agir em nome de seus próprios interesses. O poder real não está nas 400 pessoas eleitas para o parlamento. Ele reside na ampla (e não eleita) burocracia governamental e nos funcionários públicos de alto escalão, nas forças armadas e nas diretorias das empresas. Se um governo eleito fosse genuinamente uma ameaça aos patrões e aos governantes, eles o sabotariam e o enfraqueceriam, tanto pela administração pública, quanto por seu controle da mídia e da economia. Se necessário fosse, eles o retirariam do caminho com o apoio do exército. Em todas essas ações, outras classes dominantes e estruturas capitalistas os apoiariam, pois elas também apoiam o poder dos patrões e dos governantes.

O Estado é uma estrutura hierárquica imposta de cima para baixo, que foi especificamente criada para concentrar o poder nas mãos de uma pequena minoria exploradora. Ele foi construído para ser controlado por um pequeno grupo e, por conta disso, sua estrutura não pode abarcar a maioria das pessoas no processo de tomada de decisões. Portanto, o Estado nunca poderá libertar as massas. No melhor dos casos, ele poderá apenas ajudar a criar uma nova elite que governará hierarquicamente a maioria (por exemplo, como aconteceu na Revolução Russa).

Como anarquistas, também discordamos da democracia parlamentar e das eleições, porque não estamos de acordo com a ideia de que 400 pessoas, sejam elas eleitas ou não, tenham o direito de tomar decisões em nome dos outros 40 milhões. Nós queremos uma sociedade em que as pessoas controlem suas vidas cotidianas por meio de conselhos de base comunitários e de trabalhadores, e não apenas que a cada cinco anos coloquem um pedaço de papel numa urna eleitoral.

Por conta da natureza do Estado, essa organização que concentra o processo de tomada de decisões nas mãos de uma minoria extremamente bem paga, e visto que o novo Estado prometeu contribuir com a promoção do empresariado negro, é evidente que um dos principais efeitos da nova configuração política foi a criação de uma nova classe média negra e de uma nova classe alta negra. Essa elite negra (selecionada principalmente dos líderes políticos, profissionais qualificados e empresários negros) irá, por causa de sua posição de riqueza e poder, agir para defender e administrar o capitalismo, e será, em termos reais e objetivos, aliada da velha classe dominante branca.

Com isso, não queremos dizer que não surgirão conflitos entre patrões e governantes negros e brancos, pois isso certamente acontecerá (por exemplo, em função do contínuo racismo de muitos capitalistas brancos, da relutância do capital branco em designar mais pessoas negras para as posições de gestores e executivos). Entretanto, esses conflitos serão sobre como administrar o capitalismo e o Estado, e não sobre se se deve destruir ou não essas estruturas de opressão.

Nacionalização não é o mesmo que socialismo

Nacionalização significa somente que uma companhia é transferida das mãos da pequena elite que controla a economia para as mãos de uma pequena elite que controla o Estado. Isso não tem nada a ver com o verdadeiro controle operário da indústria. Além disso, os patrões (visto que são eles que controlam o Estado e a economia) geralmente possuem condições de obstruir a nacionalização de qualquer companhia que queiram manter privada. De forma geral, os Estados só nacionalizam empresas em crise ou aquelas que podem comprar. Por fim, qualquer empresa nacionalizada ainda tem de funcionar numa economia capitalista mais ampla, de modo que ela será forçada a operar de maneira semelhante às empresas privadas. Os únicos ativos estatais que constituem uma exceção parcial a essa regra são os serviços sociais (por exemplo, a educação) e as indústrias “estratégicas” (por exemplo, a indústria militar), que o Estado considera vitais, mas que possuem bases comerciais ou de mercado por não serem suficientemente lucrativas.

Entretanto, se por um lado reconhecemos que a nacionalização não é o mesmo que socialismo, por outro lado nos opomos a todos os esquemas para a privatização dos ativos do Estado, que vêm sendo atualmente promovidos. Isso porque somos contrários à enorme perda de empregos que a privatização de empresas estatais quase sempre acarreta, e também porque nos opomos a qualquer tentativa de gerir serviços sociais essenciais (por exemplo, os hospitais) em termos puramente comerciais, uma vez que isso impedirá o acesso dos pobres que não puderem pagar o preço estabelecido pelo mercado. Rejeitamos a ideia de que a privatização seja um caminho para o “empoderamento econômico dos negros” porque apenas uma pequena elite de negros ricos será capaz de comprar essas empresas, e porque essa elite irá obviamente se utilizar de suas propriedades para lucrar. Para nós, o empoderamento econômico negro significa a liberdade da classe trabalhadora negra, tanto em relação à pobreza quanto em relação aos patrões de todo tipo.

Não estamos sugerindo que não haja diferenças entre os objetivos, as políticas etc. dos diferentes partidos políticos que disputam o parlamento. É óbvio que existem. Nosso argumento é que todos os partidos políticos, independente de seus objetivos etc., são forçados a se comportar de maneira bem semelhante, pela natureza da organização do Estado.

Por todas as razões acima colocadas, nunca participaremos das eleições (nem para “fazer propaganda”) porque esta é uma estratégia totalmente inútil, que apenas ensina às pessoas a se identificarem com o Estado e a confiarem nos chamados “líderes” para libertá-las, de cima para baixo. Pelas mesmas razões, não trabalharemos dentro de qualquer partido político parlamentar. Está claro que o socialismo nunca surgirá por meio do parlamento. Na realidade, todos os partidos socialistas que se envolvem no parlamentarismo desenvolvem-se inevitavelmente numa direção reformista. Isso se deve ao fato de seus líderes, que são eleitos para o parlamento, desenvolverem um interesse pessoal para trabalhar dentro do sistema (por causa de seus salários etc.). Esses líderes passam a ver as coisas desde a perspectiva de outros políticos, funcionários públicos do alto escalão etc. Tudo isso porque, na corrida para ganhar as eleições, tais partidos moderam o máximo possível seus programas para não afastar possíveis eleitores (ou seja, abandonam seus programas radicais em vez de educar o povo para o socialismo).

Também rejeitamos o argumento de que devemos votar em partidos progressistas para defender as conquistas da transição. Nossos direitos não se originaram no parlamento. Eles foram impostos ao parlamento pela luta e pelo sacrifício, e serão defendidos da mesma forma. Apenas as massas em luta contra os capitalistas e o Estado terão conquistas.

Não concordamos com o argumento de que o que está errado com o Estado sul-africano contemporâneo é que a sua constituição impõe muitas restrições aos partidos políticos negros. A Constituição Interina diz que qualquer partido com mais de 5% dos votos deve ser incluído numa coalização com o partido majoritário. É isso que eles querem dizer com “Governo da Unidade Nacional”. Ela também protege a propriedade privada. Se por um lado reconhecemos que muitos compromissos desnecessários foram feitos com o Partido Nacional racista nas negociações da Convenção por uma África do Sul Democrática (CODESA), por outro insistimos que a natureza do Estado não se modificará apenas porque um documento oficial, a Constituição, foi distintamente formulado.

POR QUE O CAPITALISMO PRECISA SER DESTRUÍDO PARA QUE O RACISMO TENHA FIM

O racismo não pode ser decisivamente derrotado enquanto o sistema capitalista continuar a existir.

Como dissemos acima, o racismo foi central para o Estado e para o capitalismo, em todas as fases de seu desenvolvimento – desde a sua emergência, no século XVI. Esse sistema é inerentemente racista e irá sempre produzir o racismo, de uma forma ou de outra. Embora o Apartheid legal tenha sido derrotado na África do Sul, já podemos ver os contornos de um novo racismo emergindo, na forma de ataques aos chamados “imigrantes ilegais” de outros países africanos. Os imigrantes têm sido culpados por tudo: desemprego, falta de habitação, taxa de criminalidade etc. Eles são privados dos direitos legais e democráticos mais básicos; enfrentam brutalidades arbitrárias, detenções e deportações por parte da polícia; são superexplorados pelos patrões, que adoram uma mão de obra sem direitos trabalhistas e sindicais fundamentais; e ainda enfrentam ataques violentos de justiceiros reacionários, que procuram um alvo vulnerável para culpabilizá-lo por sua própria pobreza e impotência. Defendemos os imigrantes e lutamos pela abolição de todas as leis racistas e anti-imigrantes. Sabemos que são os patrões gananciosos os responsáveis pelos problemas do desemprego, do crime e da pobreza, e não nossos irmãos, trabalhadores da África.

Embora o Apartheid legal esteja morto, a classe trabalhadora negra e os pobres negros ainda sofrem com o seu legado: pobreza, escolas caindo aos pedaços, falta de terras, desemprego etc. Tais problemas não serão resolvidos pelo capitalismo (pelo “mercado”) ou pelo Estado, porque essas forças se baseiam na exploração e na dominação das massas pela classe dominante. Elas sempre priorizarão os lucros e o poder dos patrões e dos governantes e não as necessidades das massas de trabalhadores e pobres.

Para lidar com esses problemas será necessária uma redistribuição completa dos recursos da classe dominante para as massas. Também será necessária uma reorganização completa da economia. Os meios de produção (minas, fábricas etc.) devem ser controlados pela classe trabalhadora, pelos pobres e utilizados para produzir em função das necessidades das pessoas, e não do lucro. A produção deve ser planejada de baixo para cima, por conselhos de trabalhadores e comunitários, e os bens distribuídos de acordo com as necessidades, e não com a capacidade de pagar. Isso é anarquismo ou socialismo sem Estado.

LUTA DE CLASSES, E NÃO NACIONALISMO NEGRO

Se o Estado e o capitalismo têm um papel central na criação e na manutenção do racismo, disso decorre que a luta contra o racismo deve ser uma luta contra o Estado e o capitalismo. As empresas e o governo não são parte da solução, mas do problema.

Discordamos, portanto, do nacionalismo negro, porque sua estratégia é assumir o controle do Estado, acreditando que o Estado pode representar e implementar a “vontade do povo”. Como demonstramos acima, trata-se de uma ideia equivocada.

O fato de que a luta contra o racismo deve ser também uma luta contra o capitalismo e o Estado significa que a luta contra o racismo deve ser uma luta de classes. Apenas a classe trabalhadora e os pobres têm a capacidade de derrotar o capitalismo e o Estado e criar uma sociedade anarquista livre – um socialismo sem Estado, ou seja, uma sociedade baseada na liberdade individual, nos conselhos comunitários e de trabalhadores, na produção e na distribuição de acordo com as necessidades, e defendida por milícias democráticas de trabalhadores. É apenas numa sociedade assim que o legado e a realidade do racismo e do Apartheid serão finalmente destruídos, pela criação de uma comunidade humana, pela redistribuição e pelo desenvolvimento, pela extinção da base estrutural do racismo em todas as suas variadas formas sob o Estado e o capitalismo.

Por que a luta de classes é único meio para lutar contra o capitalismo e o Estado e de criar uma sociedade livre?

Posto de modo bem breve: apenas os trabalhadores e os pobres têm o poder de lutar contra os patrões e os governantes porque nossa posição como criadores de toda a riqueza social nos dá um imenso poder no locus da produção.

Os patrões e os governantes beneficiam-se do capitalismo, do Estado e da exploração do trabalho da classe trabalhadora, do campesinato e dos pobres. Primeiramente, isso significa que essas classes têm interesse em manter o sistema atual e irão defendê-lo contra a luta das massas. Depois, isso significa que essas classes são incapazes de criar uma sociedade antiautoritária e socialista, uma vez que são, por definição, exploradoras. Apenas a classe trabalhadora pode criar uma sociedade livre porque somente nós não exploramos outras classes.

Isso inclui a elite negra – seus privilégios sob este sistema explicam porque ela defenderá o capitalismo e o Estado, embora ao fazer isso, esteja defendendo as raízes do racismo. O estilo de vida privilegiado da elite negra a protege dos piores efeitos do racismo (ainda que seus membros vivam nos subúrbios, eles frequentam escolas luxuosas, possuem acesso a advogados, dinheiro etc.). É um disparate dizer que todas as pessoas negras têm uma experiência comum que as une. Há um mundo de diferenças entre a vida de Tokyo Sexwale[37] e a de um trabalhador agrícola negro: eles não partilham a mesma experiência de vida apenas porque são negros. Os objetivos da elite negra ao combater o racismo não é destruir seus efeitos, como a pobreza, mas apenas refinar seu acesso aos espólios do capitalismo ao conquistar o máximo de poder econômico e político para si, de modo que possa explorar a classe trabalhadora sul-africana, principalmente a negra. Em termos objetivos, isso torna a elite negra, independente de sua retórica, aliada objetiva da velha classe dominante branca e racista da África do Sul – quando a hora da verdade chegar, eles se unirão contra todos nós, os de baixo, a classe trabalhadora e os pobres.

Esse é um outro ponto em que discordamos do nacionalismo negro: ele reivindica uma aliança de todas as classes negras como a base para a luta contra o racismo branco. Distintamente, nós reconhecemos que a classe dominante negra é pró-capitalista e pró-estatista e não pode, portanto, combater o racismo de forma consistente. Na realidade, ela faz parte de nossos inimigos, que fazem parte da classe dominante beneficiada pelo capitalismo, pelo Estado e pela superexploração da força de trabalho negra.

Para fazer com que seja possível uma aliança entre pessoas negras de diferentes classes, é necessário adotar uma linha pró-capitalista e pró-estatista, de modo a atrair a elite negra. Isso dá a esta classe um poder efetivo de veto sobre as demandas dos trabalhadores (porque qualquer coisa que seja vista como demasiadamente ameaçadora espantará a elite, o que significa que as demandas dos trabalhadores terão de ser sacrificadas na busca pela “unidade”). Isso significa que uma aliança de todas as classes não pode combater o racismo em suas raízes ou criar uma sociedade capaz de satisfazer as necessidades de todos os seus membros. Tal hegemonia capitalista será reforçada pela educação e riqueza da elite, que estará em posição de dominar tais alianças. Essa elite irá sequestrar qualquer aliança de classes para assegurar sua própria agenda. Essa é força motriz que está por trás do nacionalismo; trata-se de uma tentativa perpetrada por elites negras frustradas sob o colonialismo ou sob o Apartheid para construir alianças com as classes mais baixas, a fim de fortalecer sua própria posição e suas demandas por uma fatia maior do bolo capitalista; enquanto isso, os trabalhadores ficam presos às migalhas.

Como anarquistas, nos opomos por princípio a toda forma de opressão (por exemplo, o racismo) onde quer que ela exista, independente da classe que seja afetada por ela. É por isso que combatemos o racismo nas empresas ou no Estado. Mas isso não significa que trabalhamos junto com capitalistas, políticos ou outros inimigos da classe trabalhadora – eles são parte do problema, não a solução.

Rejeitamos toda aliança de classes que não seja a unidade entre os camponeses, pobres e trabalhadores oprimidos. Lutamos em bases classistas contra o capitalismo, o Estado e toda opressão. E não é apenas a luta contra o racismo que só é possível por meio da luta de classes, mas a própria luta de classes só será bem-sucedida se também for uma luta contra o racismo. A luta de classes não ignora o sexismo, o racismo etc., na medida em que a maioria das pessoas que são afetadas por essas opressões (e que também são as mais afetadas por elas) é da classe trabalhadora, na medida em que essas opressões estão enraizadas no sistema capitalista, e na medida em que a classe trabalhadora só pode se unir e se mobilizar com base na oposição a todas as opressões. Ou seja, tais questões são questões de classe. É impossível mobilizar a classe trabalhadora sem lidar com todos os problemas que a afetam. Em outras palavras, a luta de classes só pode ser bem-sucedida se for antirracista, antissexista etc. Portanto, nós defendemos a destruição de todas as opressões específicas que dividem a classe trabalhadora.

Também defendemos uma luta de classes unida, integrada e internacionalista. Nenhum setor da classe trabalhadora pode conquistar sua liberdade sozinho; a luta deve ser unida (é aí que reside nossa força, e porque temos interesses comuns) e internacionalista (porque nenhuma revolução pode ser bem-sucedida em um só país).

Permanecemos sempre em solidariedade com as lutas da classe trabalhadora e dos pobres, ainda que eles lutem sob o estandarte do nacionalismo. Apoiamos todas as lutas progressistas a favor de seus próprios objetivos e pela confiança que a militância traz às pessoas. Reconhecemos que, em uma luta contra o racismo, o nacionalismo negro está ao lado das forças progressistas e, por isso, o defendemos dos ataques reacionários. Reconhecemos que, no atual período, isso significa que, com frequência, é necessário lutar lado a lado com várias correntes nacionalistas que representam alianças de classe. Entretanto, não escondemos nossa política. Iremos sempre defender uma política classista, de ação direta, antiestatista, anticapitalista e revolucionária. Onde os nacionalistas chegarem ao poder, nosso papel não será defendê-los, mas nos organizar contra eles, com base na luta de classes, uma vez que serão então parte do sistema de opressão. Nosso papel como anarquistas é assumir o embate de ideias e sabemos que isso é feito mais efetivamente na própria luta.

OS TRABALHADORES BRANCOS SE BENEFICIAM COM O RACISMO?

O argumento pela luta integrada e pela unidade dos trabalhadores elaborado acima assume evidentemente que os trabalhadores têm interesses comuns. Os nacionalistas negros na esquerda e os racistas brancos na direita negam isso, afirmando que as pessoas brancas da classe trabalhadora se beneficiam da opressão negra. Essa é uma questão central, que requer uma análise detalhada. Para respondê-la, precisamos distinguir a situação na África do Sul daquela de outros países em que o racismo existe.

África do Sul: Era do Apartheid

Quando se pergunta se os trabalhadores brancos se beneficiam com o racismo, para a África do Sul da Era do Apartheid, a resposta rápida é sim. O Apartheid garantia aos trabalhadores brancos estabilidade econômica, salários elevados, boa aposentadoria etc. Na África do Sul, que foi historicamente uma colônia de assentamento branco, a pequena classe trabalhadora branca obtinha ganhos verdadeiros e enormes com o sistema racista porque os patrões precisavam fortalecer o capitalismo racial.

Esses privilégios só foram possíveis porque os trabalhadores brancos eram apenas uma parte bastante restrita da classe trabalhadora, e porque a economia estava em crescimento. Contudo, reconhecemos que a classe trabalhadora branca não foi a causa primária do racismo e do Apartheid. Essa culpa principal recai sobre o capitalismo e o Estado. Também reconhecemos que os altos níveis de privilégio racial dos trabalhadores brancos tornaram-se possíveis pelo fato de que eles formavam uma pequena minoria da classe trabalhadora, que os patrões queriam comprar.

África do Sul: Após o Apartheid

Agora que o Apartheid legal terminou, os trabalhadores brancos devem entender que não terão qualquer benefício real do racismo (exceto em circunstâncias anormais). Privilégios raciais em forma de cotas de emprego etc. já não existem mais e estão sendo substituídos por ações afirmativas, leis contra a discriminação etc. Portanto, atrelar o seu futuro às políticas racistas – que nada oferecerão, a não ser o isolamento da maioria da classe trabalhadora sul-africana – é uma receita inútil e condenada ao fracasso.

Contrariamente, esses trabalhadores devem permanecer ao lado de seus irmãos e irmãs de classe, negros e negras, se quiserem sobreviver ao abuso capitalista. Com o fim do Apartheid, a rápida erosão dos privilégios racistas vem abrindo a possibilidade de setores de trabalhadores brancos se unirem aos negros em grande número e como importantes aliados.

Não se trata de uma afirmação abstrata: já vimos isso acontecer quando os 70 mil membros predominantemente brancos da federação sindical SASBO [South African Society of Bank Officials] deixaram a FEDSAL [Federation of South African Labour] para juntarem-se ao COSATU; e no crescente recrutamento de trabalhadores brancos para o NUMSA [National Union of Metalworkers of South Africa], o CWU [Communication Workers Union] e o SAHRWU [Harbours and Railways].

Nada disso é inevitável, e o racismo permanente de amplos setores da classe trabalhadora branca pode significar que muitos nunca serão capazes de enxergar para além de seus preconceitos, em favor de seus verdadeiros interesses, e também que trabalhadores brancos progressistas estarão sob forte pressão para desfiliarem-se de sindicatos não raciais como o COSATU e seus filiados. A unidade deverá ser buscada, mas enfatizamos que isso só pode acontecer sob uma plataforma antirracista, e que as posições combativas nos sindicatos devem representar amplamente a composição de suas bases.

Rejeitamos o argumento economicamente determinista da consciência negra, de que os privilégios raciais das pessoas brancas as impedem de combater consistentemente o racismo. Mesmo sob o peso do Apartheid, surgiram na classe trabalhadora branca alguns comunistas e democratas (por exemplo, Joe Slovo, Solly Sachs e Bill Andrews), que contrapõem esse argumento. Ainda assim, reconhecemos que o privilégio racial fez com que esse grupo constituísse uma minoria entre os brancos.

Rejeitamos ainda o argumento de foram os poucos líderes brancos presentes no Congresso Nacional Africano os responsáveis pelas políticas reformistas e pró-capitalistas daquela organização. As políticas moderadas do CNA refletem o fato de que ele se baseia numa aliança de classes entre pessoas negras (e, que, portanto, deve agradar a classes média negra e o empresariado negro), assim como o fato de que o CNA aceita e funciona dentro dos limites estabelecidos pelo capitalismo e pelo Estado. Quanto à direção reformista do COSATU, ela reflete o predomínio da ideologia do CNA entre seus membros, assim como os interesses da burocracia sindical.

Rejeitamos enfim o argumento da consciência negra de que todas as pessoas negras têm os mesmos interesses e condições materiais. Isso é manifestamente falso. Os interesses dos estratos negros médios e superiores visam a derrubar as barreiras para a sua própria busca de poder e lucro. Mesmo sob o Apartheid, a classe média negra e o empresariado negro desfrutaram de um nível de vida melhor que a classe trabalhadora e os pobres negros, e essas divisões de classe têm crescido rapidamente desde os anos 1980.

Europa e Estados Unidos

Em países como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, onde a classe trabalhadora branca constitui a maioria da população, a situação é complexa. Entretanto, consideramos que esses trabalhadores não se beneficiam do racismo em seus próprios países, como não se beneficiam da exploração imperialista em outros países, contrariamente daquilo que acontece com nacionalistas da pequena-burguesia, em ambos os contextos.

Se por um lado os trabalhadores brancos desses países podem ter alguns benefícios com o racismo, tais como taxas de desemprego ligeiramente menores, esses benefícios são limitados. Ao mesmo tempo, porém, a maioria das pessoas de classe trabalhadora branca nesses países também recebe baixos salários, enfrenta o desemprego, é obrigada a frequentar escolas ruins etc. Não devemos cometer o erro de presumir que esses trabalhadores são tão prósperos quanto os trabalhadores brancos no Apartheid. Os brancos formam a maioria dos pobres e dos desempregados naqueles países.

Tais benefícios são compensados pelas sérias e negativas consequências do racismo, que divide e enfraquece as lutas da classe trabalhadora. Portanto, o racismo piora as condições de todos os trabalhadores. Logo, ele não faz parte dos interesses reais dos trabalhadores brancos nesses países. Não é por acaso que a classe trabalhadora estadunidense – há muito tempo dividida e dominada pela manipulação do conceito de “raça”, a qual é promovida pelos patrões – possui fraca tradição de solidariedade operária e de organização sindical, e conta com um sistema de bem-estar social pior que o de qualquer grande país ocidental.

Rejeitamos o argumento de que esses trabalhadores brancos recebem parte da mais-valia extraída pela superexploração das minorias negras daqueles países. Esse argumento é absurdo. Os negros formam uma pequena minoria nesses países e, além disso, enfrentam altos níveis de desemprego, de modo que não geram mais-valia suficiente para “subsidiar” os outros 70% da população (a classe trabalhadora branca). Afirmamos que quaisquer benefícios que os trabalhadores brancos possam vir a receber do racismo são insignificantes em comparação com os ganhos que podem ser alcançados por meio de uma luta de classes unificada (como no caso de sindicatos, ações de massa contra os cortes em benefícios sociais e revolução anarquista).

Ao mesmo tempo, a unidade dos trabalhadores é de interesse direto das minorias negras que, no ocidente, são especialmente oprimidas. Como mencionamos acima, a unidade de todas as classes na “comunidade negra” é a receita para o fracasso na luta contra o racismo, por conta dos compromissos que ela exige. No fim das contas, essas minorias estão muito isoladas e são muito pequenas para derrotarem sozinhas o capitalismo e o racismo. Elas precisam fazer alianças com pessoas que partilham dos mesmos interesses fundamentais, e que têm interesses objetivos numa genuína oposição ao racismo – a classe trabalhadora branca.

Lutamos, portanto, pela unidade dos trabalhadores em torno de uma base antirracista, algo que concebemos como um passo imediato e necessário rumo à revolução nesses países. É do interesse de todos os trabalhadores do ocidente – brancos e negros – que seções especialmente oprimidas da classe trabalhadora e dos pobres sejam atraídas para os sindicatos e outros organismos da classe trabalhadora, e que os sindicatos assumam a luta contra o racismo. A luta contra o racismo deve ser uma luta de classes; e a luta de classes deve ser uma luta contra o racismo. É essencial que o apoio da classe trabalhadora como um todo seja conquistado para o antirracismo. Os trabalhadores brancos não são inerentemente racistas, como é demonstrado por sua ampla participação em protestos antirracistas – vide os casos de Los Angeles (Estados Unidos, 1992), Brixton, Londres (Inglaterra, 1995) e as manifestações contra a opressão dos imigrantes (França, 1996).

A CLASSE TRABALHADORA NEGRA: O AGENTE DA TRANSFORMAÇÃO REVOLUCIONÁRIA NA ÁFRICA DO SUL

A classe trabalhadora e os pobres de origem negra farão a revolução na África do Sul. A classe trabalhadora negra e os pobres negros constituem a ampla maioria da população sul-africana. Constituem também a vasta massa de trabalhadores no interior do país. Como vítimas da superexploração – sobre a qual a classe dominante sul-africana construiu a sua riqueza e seu poder –, a classe trabalhadora negra e os pobres negros têm as mais profundas insatisfações contra os patrões e os governantes; eles também estão estrategicamente localizados no coração do capitalismo sul-africano.

Por fim, é evidente que, em particular desde os anos 1920, a classe trabalhadora e os pobres de origem negra têm sido a fração mais combativa e mais bem organizada da classe trabalhadora. Parece óbvio que não há uma grande classe trabalhadora branca ou um movimento de esquerda que seja capaz de marginalizar as questões e demandas dos negros. E que, embora haja perspectivas crescentes para uma unidade entre os trabalhadores brancos e negros, é quase certo que as camadas politicamente ativas, assim como os trabalhadores e pobres mais combativos, virão da classe trabalhadora negra.

Se é verdade que houve vários combatentes da classe trabalhadora oriundos da classe trabalhadora branca e comprometidos com uma luta antirracista e anticapitalista (por exemplo, Andrew Dunbar, sindicalista revolucionário que ajudou a formar os primeiros sindicatos negros combativos na África do Sul, o Industrial Workers of Africa, em 1917; Joe Slovo e Ray Alexander, do Partido Comunista), sabemos que a classe trabalhadora branca como um todo permanece conservadora.

UMA REVOLUÇÃO DE UMA ÚNICA ETAPA

Rejeitamos o argumento de que a transformação na África do Sul (e outras realidades semicoloniais) deve ser realizada em duas etapas. Esse argumento é promovido pelo Partido Comunista Sul-Africano (SACP), e também por outros grupos, tais como a União Nacional Africana do Zimbabwe (ZANU), partido que governa o Zimbábue, e o Sinn Fein / Exército Republicano Irlandês (IRA), da Irlanda. De acordo com essa teoria, deve haver primeiro uma “revolução nacional-democrática” para pôr fim à opressão racista/colonialista e estabelecer uma democracia parlamentar; e apenas depois, quando essa etapa estiver completada, pode haver uma luta de classes “pura” (descomplicada por questões de combate ao racismo e ao colonialismo) rumo à “revolução socialista”.

Esse argumento pressupõe que o capitalismo e o Estado podem ser desrracializados de maneira significativa. Isso é evidentemente falso: o capitalismo e o Estado são instituições inerentemente racistas e irão sempre produzir novas formas de racismo; o legado do racismo (no caso sul-africano) não pode ser enfrentado sob o capitalismo ou por meio do Estado.

Em segundo lugar, precisamente por incorporar classes exploradoras, uma aliança de classes implica necessariamente a aceitação do capitalismo e do Estado a médio e longo prazo. De que outra forma podem os capitalistas negros manterem-se em aliança com trabalhadores negros, senão pela promessa de preservação do capitalismo e do Estado? O preço de uma aliança é, portanto, a renúncia aos princípios do socialismo. As pequenas elites têm um poder efetivo de veto sobre o programa da aliança, memo com sua incapacidade de valorizar significativamente a luta. Portanto, é equivocado ver uma aliança de classes como o primeiro passo rumo ao socialismo; isso é, na realidade, um passo para trás. Também é incorreto afirmar que a classe trabalhadora irá “liderar” a aliança de classes, sendo que essa aliança só pode sobreviver se os interesses reais dos trabalhadores forem marginalizados.

Onde movimentos com tais argumentos chegam no poder (seja por meio de uma luta de grandes proporções ou mesmo de um acordo, como no caso da África do Sul), há uma forte tendência de se adiar para sempre o começo da segunda etapa. Isso acontece porque a liderança desses movimentos adquire um interesse próprio na preservação da sociedade existente, já que, no fim das contas, isso lhes proporciona altos salários e muito poder. Em consequência, desculpas tais como “as condições objetivas não estão prontas” são constantemente lançadas, com a finalidade de dizer que o socialismo não está na ordem do dia.

Afirmamos que meios e fins devem ser coerentes entre si. Não se pode chegar ao socialismo por meios inadequados. Não podemos construir uma revolução da classe trabalhadora contra o Estado, o capitalismo e todas as formas de opressão, uma revolução para criar uma sociedade sem Estado, ensinando primeiro ao povo a se unir com a classe média, os capitalistas “nacionais” ou “progressistas” e a apoiar o Estado, almejando “humanizar” o capitalismo etc. Precisamos construir hoje o amanhã, disseminando as ideias revolucionárias aqui e agora, conclamando à ação das massas e reestruturando o movimento sindical em um sentido revolucionário. As elites locais são parte do problema, não parte da solução.

AÇÃO ANARQUISTA CONTRA O RACISMO

Perspectivas gerais

Enquanto anarquistas, somos inimigos declarados do racismo. Isso significa que defendemos a necessidade da luta contra o racismo em todas as suas formas, que envolvem: empobrecimento econômico, desempoderamento social, mitos racistas (como no caso das versões racistas da história) e supressão cultural.

Acreditamos que o racismo deve ser combatido pela ação das massas. Nos envolvemos nas lutas contra o racismo pelos seus próprios objetivos, pela confiança que essas lutas proporcionam às pessoas e porque nos solidarizamos com nossa classe. Reconhecemos que é na luta que as pessoas são conquistadas para as ideias revolucionárias.

Sempre tentamos vincular as lutas diárias contra o racismo com o nosso projeto de uma sociedade livre, e enfatizamos que apenas uma revolução da classe trabalhadora pode finalmente desenraizar e derrotar o racismo.

A luta contra o racismo deve estar conectada com a luta por uma revolução socialista e libertária da classe operária e do campesinato.

Somos internacionalistas. Lutamos para unir todas as frações da classe operária e do campesinato na luta contra o racismo.

Diretrizes para ações cotidianas

Lute pela redistribuição de terras. Oponha-se à noção de que a terra deveria ser redistribuída pelo mercado. Oponha-se às indenizações compensatórias para terras que foram confiscadas sob o colonialismo e o Apartheid. Exija que a terra seja redistribuída para a classe trabalhadora e os pobres, e não para os camponeses negros ricos, os pequenos agricultores comerciais, os empresários ou dirigentes. Defenda que a terra seja autogerida pelos coletivos da classe trabalhadora e dos pobres, incluindo trabalhadores brancos que não sejam racistas.

Reivindique a modernização das escolas negras e um aprimoramento na proporção professor/aluno. Defenda métodos democráticos de ensino e de administração das escolas. Apoie a luta para corrigir as assimetrias raciais históricas que existem no ensino superior. Apoie o acesso igualitário de todas as pessoas à educação superior. Reivindique a demissão dos velhos conselhos administrativos do “Apartheid” das universidades, mas defenda que precisamos descobrir maneiras de realmente empoderar trabalhadores, professores e estudantes, e não apenas mudar algumas figuras do topo. Apoie o uso dos recursos intelectuais das universidades para auxiliar a classe trabalhadora negra e não para formar gestores e tecnocratas.

Defenda ações afirmativas. Reconheça a necessidade de desrracializar os ofícios e as profissões qualificadas. Lute pelo fim das disparidades salariais entre trabalhadores brancos e negros nas mesmas atividades ocupacionais. Oponha-se ao grande abismo salarial entre artesãos e trabalhadores semiqualificados ou não qualificados. Reivindique salários iguais para trabalhadores de colarinho branco e colarinho azul. Apoie o desenvolvimento de competências para trabalhadores negros. Lute contra as tentativas de usar ações afirmativas para construir redes de clientelismo político, para acabar com greves ou para enfraquecer sindicatos.

Reivindique um programa de desenvolvimento urbano. Defenda que o desenvolvimento só pode ocorrer se for realizado com ampla participação das organizações comunitárias democráticas. Defenda o papel central das comunidades locais na determinação das prioridades do desenvolvimento. Lute por um amplo programa de construção de casas e estradas, e de desenvolvimento da rede elétrica. Vincule isso ao combate do desemprego. Exija a modernização dos assentamentos rurais.

Mesmo reconhecendo os limites do sistema penal, defenda o julgamento dos generais e políticos do Apartheid. Oponha-se ao sistema de anistia e aos acordos de colarinho branco para essas pessoas. Mas também vincule as questões do Apartheid e seus crimes ao capitalismo e aos patrões (e não apenas às figuras políticas).

Lute contra todos os ataques aos imigrantes e às tentativas de estabelecer tensões entre imigrantes e sul-africanos. Aponte que são os patrões e governantes os responsáveis pelo desemprego, pela falta de habitação e pela alta criminalidade. Oponha-se às tentativas de justificar ataques aos imigrantes, sob o argumento de que os governos “deles” apoiaram o Apartheid. Oponha-se às deportações, às detenções e aos ataques da polícia e de justiceiros aos imigrantes. Exija direitos legais, civis e sindicais integrais aos imigrantes. Exija que os sindicatos defendam os trabalhadores imigrantes.


[1] Neste e em outros casos, por precisão conceitual, trocamos o termo anarcossindicalista (e variantes) por sindicalista revolucionário (e variantes). (N. E)

[2] Na África do Sul, “pessoas de cor” [coloured] são aquelas que pertencem a um grupo étnico miscigenado da África Subsaariana; elas são descendentes de negros, brancos e asiáticos. (N. E.)

[3] Os dados desta parte foram retirados de: A. Whiteford (1994), “The Poor Get Even Poorer”, in The Weekly Mail and Guardian, p. 8; L. Schlemmer (1996), “The Nemesis of Race: a Case for Redoubled Concern”, in Frontiers of Freedom. South African Institute of Race Relations; B. Turok (1993), “South Africa’s Skyscraper Economy: Growth or Development?”, in D Hallowes (org.), Hidden Faces: Environment, Development, Justice: South Africa and the Global Context, Earthlife Africa, África do Sul; J. Pearce (1995), “Still a Land of Inequality”, in Weekly Mail and Guardian.

[4] Sistema de passaporte interno feito principalmente para segregar a população negra e limitar sua circulação em certas áreas das cidades. (N. E.)

[5] A. Whiteford (1994), Op. Cit.

[6] Cf., por exemplo: M. Bakunin (1867), “Federalism, socialism and antiteologism”, in Sam Dolgoff (org.) (1973), Bakunin On Anarchism, Allen and Unwin, p. 146; P. A. Kropotkin (1887), Anarchism and Anarchist Communism, Freedom Press, Londres, p. 39; P. A. Kropotkin (1882), “Expropriation”, in P. A. Kropotkin (1970), Selected Writings on Anarchism and Revolution, MIT Press, Cambridge, Massachussets e Londres, Inglaterra, p. 194; P. Marshall (1993), Demanding the Impossible: a History of Anarchism, cap. 20 (sobre Élisée Reclus), Fontana, Londres; também sobre Reclus, cf. M. Fleming (1979), The Anarchist Way to Socialism: Elisee Reclus and Nineteenth-Century European Anarchism, Crom Helm, Londres, Rowan e Littlefield, Nova Jersey, especialmente os capítulos 2 e 12; Rudolph Rocker (1978), “The Nation in the Light of Modern Race Theories”, in Nationalism and Culture, Croixside Press, StillWater, Minnesota; J. Casanovas (1995), “Slavery, the Labour Movement and Spanish Colonialism in Cuba, 1850-1890”, in International Review of Social History, num. 40; P. Avrich (1984), The Haymarket Tragedy, Princeton University Press, Princeton, N. J. [sobre a IWPA]; Philip S. Foner (1974), Organised Labour and the Black Worker 1619-1973, Estados Unidos, International Pubs, Nova York; P. Arshinov (2018), “O Problema Nacional na Makhnovitchina – A Questão Judaica”, in História do Movimento Makhnovista 1918-21, 2018, Entremares e Faísca Publicações Libertárias, São Paulo; M. Malet (1982), Nestor Makhno in the Russian Civil War, Macmillan Press, Londres; cf. também: Anarchist Communist Federation, “From Panther to Anarchist”, Organise! For Class Struggle Anarchism, Magazine of the Anarchist Communist Federation, Londres, num. 28, outubro-dezembro 1992.

[7] Este é o enfoque de Rudolph Rocker (1978), “The Nation in the Light of Modern Race Theories”, Op. cit. Argumentos recentes das ciências sociais, que afirmam a mesma coisa, estão em: M. Barrett e M. McIntosh (1985), “Ethnocentrism and Socialist- Feminist Theory”, in Feminist Review, num. 20; M. H. Fried (1975), “A Four Letter Word that Hurts”, in H. Bernard (org.), The Human Way: Readings in Anthropology. Nova York, pp. 38-45; C. Lewonthin e outros (1984), Not in our Genes, Pantheon Publishers.

[8] E. Terre’Blanche (1941-2010) foi um boer supremacista branco e S. J. Paul Kruger (1825-1904) foi presidente da República Sul Africana e uma liderança boer na luta conta a dominação britânica na África do Sul.

[9] Rocker acerta em cheio quando afirma que o verdadeiro motivo por trás das ideias racistas é justificar o domínio dos patrões e os ataques contrarrevolucionários sobre as massas populares, como nos casos do nazismo e do fascismo. Rocker escreve que as ideias racistas estão “ancoradas nos próprios fundamentos de toda reação espiritual, política e social: nas atitudes dos mestres em relação a seus escravos. Assim, toda classe que alcançou o poder, sentiu a necessidade de estampar o seu domínio com o selo do inalterável e do predestinado […]. Eles se consideram os escolhidos e pensam reconhecer neles próprios, externamente, as marcas do homem e do privilégio […]. Todos os defensores da doutrina racial [como no caso do racismo] foram e são os associados e defensores de toda reação social e política, defensores do princípio do poder na sua forma mais brutal […]. Compreende-se como essa doutrina encontrou aceitação tão rápida nas fileiras dos grandes industriais”. Rudolph Rocker (1978), “The Nation in the Light of Modern Race Theories”, Op. cit.

[10] B. Magubane (1979), The Political Economy of Race and Class in South Africa, Monhtly Review Press.

[11] Algumas obras centrais que discutem essas questões são: V. L. Allen (1992), “The Genesis of Racism on the Mines”, in The History of Black Mine Workers in South Africa, The Moor Press. Cf. também: “The Origins of Racism”, in L. Callinicos (1980), Gold and Workers 1886-1924, vol. 1 de A People’s History of South Africa, Ravan Press, Johannesburgo, cap. 17.

[12] As obras centrais que ajudam a compreender esses argumentos incluem: B. Magubane (1979), The Political Economy of Race and Class in South Africa, Op. cit.; L. Callinicos (1980), Gold and Workers 1886-1924, Op. cit.; M. Legassick (1974), “South Africa: capital accumulation and violence”, in Economy and Society, vol. 3, num. 3; M. Legassick (1977), “Gold, Agriculture and Secondary Industry in South Africa, 1885-1970”, in R. Palmer e N. Parsons (org.), The Roots of Rural Poverty in Central and Southern Africa; M. Lacey (1981), Working for Boroko: the Origins of a Coercive Labour System in South Africa, Ravan. Cf. também: D. Posel (1983), “Rethinking the ‘Race-Class’ Debate in South African Historiography”, in Social Dynamics, vol. 9, num. 1, pp. 50-66 para uma crítica útil das tendências reducionistas e funcionalistas em grande parte dessa literatura. Uma crítica implícita dos mesmos pontos encontra-se em: D. Yudelman (1983), The Emergence of Modern South Africa: State, Capital and the Incorporation of Organised Labour on the South African Gold fields 1902-39. Sobre essa mesma questão, cf. também: C. Saunders (1988), “Historians and Apartheid”, in J. Lonsdale (org.), South Africa in Question, African Studies Centre, University of Cambridge, em associação com James Currey (Londres) e Heinemann (Portsmouth).

[13] Bantustões foram territórios negros na África do Sul e no Sudoeste Africano que tiveram papel importante na política do Apartheid. Cada um concentrava membros de uma mesma etnia com vistas a criar Estados independentes. Foram abolidos em 1994, com o fim do Apartheid. (N. E)

[14] Além dos trabalhos citados acima, no período pré-1870, cf. também: C. Bundy (1972), “The Emergence and Decline of a South African Peasantry”, in African Affairs, num. 7 (que deve ser lido junto com) J. Lewis (1984), “The Rise and Fall of the South African Peasantry: a critique and reassessment”, in Journal of Southern African Studies, vol. 11, num. 1; Ross, R. (1986), “The Origins of Capitalist Agriculture in the Cape Colony: A Survey”, in W. Beinart, P. Delius e S. Trapido (orgs.), Putting A Plough To The Ground: Accumulation and Dispossession In Rural South Africa, 1850-1930, Ravan. Johannesburgo; P. Delius e S. Trapido, “Inboeksellings and Oorlams: the Creation and Transformation of a Servile Class”, in B. Bozzoli (org.) (1983), Town and Countryside in the Transvaal, Ravan, Johannesburgo.

[15] Cf. C. Bundy, “Vagabond Hollanders and Runaway Englishmen”, in W. Beinart, P. Delius e S. Trapido (orgs.), Putting a Plough to the Ground, Op. cit.

[16] Citado em: R. Ross (1986), “The Origins of Capitalist Agriculture In The Cape Colony: A Survey”, Op. cit., pp. 74-75.

[17] Além das referências da nota 12, cf: Bundy, C. (1972), “The Emergence and Decline of a South African Peasantry”, Op. cit. (que deve ser lido junto com) Lewis, J. (1984), “The Rise and Fall of the South African Peasantry, Op. cit.; Keegan, T. (1983), “The Sharecropping Economy. African Class Formation and the 1913 Natives’ Land Act in the Highveld Maize Belt”, in S. Marks e R. Rathbone (orgs.), Industrialisation and Social Change in South Africa, Londres; R. Turrell, Capital and Labour on the Kimberly Diamond Fields, especialmente o cap. 2; L. Callinicos (1987), Working Life: Factories, Townships and Popular Culture on the Rand 1886-1940, vol. 2 de A People’s History of South Africa, Ravan Press, Johannesburgo; L. Callinicos (1993), A Place in the City, the Rand on the Eve of Apartheid, vol. 3 de A People’s History of South Africa, Ravan, Maskew Miller, Longmans.

[18] Citado em L. Callinicos (1980), Gold and Workers 1886-1924, Op. cit., p. 102.

[19] Ibid.

[20] Citado em F. Wilson, “Farming 1886-1966”, in Oxford History of South Africa, p. 162.

[21] Citado em L. Callinicos (1987), Working Life, Op. cit., p. 127.

[22] Uma análise excelente dessa questão é feita por M. Lacey (1981), Working for Boroko, Op. cit. Cf. também: L. Callinicos (1987), Working Life, Op. cit.; R. Morrel (org.) (1991), White But Poor: Essays on the History of Poor Whites in Southern Africa, 1880-1940, UNISA, Pretoria. Este livro contém material interessante sobre essa questão. Cf. em especial os capítulos escritos por Freund e Parnell.

[23] D. Yudelman (1983), The Emergence of Modern South Africa, Op. Cit. Neste texto, o autor afirma corretamente que, se é verdade que o Estado não pode ser simplesmente reduzido a um instrumento do capital, também é verdade que a dependência do sistema capitalista para seu financiamento assegura que o capitalismo e o Estado funcionam numa relação simbiótica.

[24] Citado em: M. Legassick (1974), “South Africa: Capital Accumulation and Violence” in Economy and Society vol. 3, num 3, p. 275.

[25] Citado em: J. Natrass (1988), The South African Economy: Its Growth and Change, Oxford University Press, Cidade do Cabo, Segunda edição, pp. 139-140.

[26] Citado em: F. Wilson, “Farming 1886-1966” in Oxford History of South Africa, pp. 158-163.

[27] Sobre as contradições econômicas que estão por trás da crise do capitalismo racial, cf: Morries, M. e V. Padayachee (1988), “State Reform Policy in South Africa” in Transformation vol. 7; J. S. Saul e S. Gelb (1986), The Crisis in South Africa, Zorg, Londres (edição revisada); T. C. Moll (1989), “’Probably the Best laager in the World’: The Record and Prospects of the South African Economy” in J. D. Brewer (org.), Can South Africa Survive? Five Minutes to Midnight, Southern Book Publishers, South Africa; T. C. Moll (1991), “Did the Apartheid Economy ‘Fail’?” in Journal of Southern African Studies, vol. 17, num. 4; T. Kemp (1991), “South Africa: Gold, Industrialisation and White Supremacy”, in Historical Patterns of Industrialisation, Longmans.

[28] Citado em J. S. Saul e S. Gelb (1986), The Crisis in South Africa, Zorg, Londres (edição revisada), p. 72; cf. também p. 84.

[29] Citado em J. S. Saul e S. Gelb (1986), The Crisis in South Africa, Zorg, Londres (edição revisada), p. 80.

[30] Para uma excelente discussão da resistência política dos anos 1980, cf.: Lodge, T. (1991), “Rebellion: the Turning of the Tide”, in Lodge, T. e B. Nasson. All, Here, and Now: Black Politics in South Africa in the 1980’s, South Africa Update Series, Ford Foundation, Foreign Policy Association. Bons relatos da história desse período são fornecidos por J. Baskin (1991), Striking Back: A History of COSATU, Ravan Press, Johannesburgo; S. Friedman (1987), Building Tomorrow Today: African Workers in Trade Unions, 1970-84, Ravan, Johannesburgo. Cf. também: J. Hyslop (1988), “School Student Movementes and State Education Policy: 1972-87”, in R. Cohen e W. Cobbett (orgs.) (1988), Popular Struggles in South Africa, Regency House, James Currey, Africa World Press; R. Lambert e E. Webster (1988), “The Re-emergence of Political Unionism in Contemporary South Africa?”, in R. Cohen e W. Cobbett (orgs.) (1988), Popular Struggles….; J. Seekings (1988), “The Origins of Popular Mobilisation in the PWV Townships, 1980-4”, in Cohen, R. e W. Cobbett (orgs.) (1988), Popular Struggles…; Swilling, M. (1988), “The United Democratic Front and Township Revolt”, in Cohen, R. e W. Cobbett (orgs.) (1988), Popular Struggles…; K. Jochelson (1990), “Reform, Repression and Resistance in South Africa: A Case Study of Alexandra Township, 1979-89”, in Journal of Southern African Studies, vol. 16 num. 1; T. Lodge (1981), Black Politics in South Africa Since 1945, Ravan Press, Johannesburgo; T. Lodge (1989), “The United Democratic Front: Leadership and Ideology”, in J. D. Brewer (org.), Can South Africa Survive? Five Minutes to Midnight, Southern Book Publishers, South Africa; T. Lodge (1989), “People’s War or Negotiation? African National Congress Strategies in the 1980s”, in G. Moss e I. Obery (orgs.), South African Review 5, Ravan Press e SARS; D. Macshane, Plaut M. e D. Ward (1984), Power! Black Workers, their Unions and the Struggle for Freedom in South Africa, South End Press, Boston.

[31] O pano de fundo e o conteúdo dessas reformas é delineado por Morris, M. e V. Padayachee (1988), “State Reform Policy in South Africa”, in Transformation, vol. 7; J. S. Saul e S. Gelb (1986), The Crisis in South Africa, Zorg, Londres (edição revisada); P. Frankel (1984), Pretoria’s Praetorians, Cambrige University Press; D. O’Meara (1983), “Muldergate and the Politics of Afrikaner Nationalism”, in Work in Progress, num. 22.

[32] N. Mandela, “In our Lifetime”, in Liberator, reproduzido em: T. Karis e G. Carter (orgs.), From Protest to Challenge: A Documentary History Of African Politics in South Africa, vol. 3, também citado em: P. Hudson (1986), “The Freedom Charter And The Theory of the National Democratic Revolution”, in Transformation, num. 1, pp. 8-9. No julgamento de Rivonia em 1964, Mandela disse a mesma coisa: “O CNA nunca advogou, em nenhum período de sua história, por uma transformação revolucionária na estrutura econômica do país, nem nunca condenou, se bem me lembro, a sociedade capitalista”.

[33] Cf: J. Baskin (1991), “Workerists and Populists”, in Striking Back: A History of COSATU, Ravan Press, Johannesburgo.

[34] Cf. T. Lodge (1991), “Rebellion: the Turning of the Tide” in Lodge, T. e B. Nasson. All, Here, and Now: Black Politics in South Africa in the 1980s, South Africa Update Series, Ford Foundation, Foreign Policy Association.

[35] Sistema de governo no qual apenas um grupo étnico participa e os outros são privados de direitos. (N. E.)

[36] Como Rocker aponta, todos os direitos políticos são arrancados da classe dominante pela luta popular. Cf. Rocker, R. (1948), Anarchism and Anarcho-Syndicalism.

[37] Riquíssimo empresário e político negro nascido em 1953, e que se envolveu nas lutas contra o Apartheid. (N. E.)