Título: Recentrando o Lugar e Imaginando Outros Mundos:
Subtítulo: Estruturas de Colonização e Possibilidades para o Futuro no Anarquismo Contemporâneo
Data: 16.06.2023
Fonte: Tradução original de “Recentering Place and Imagining Other Worlds: Structures of Settlement and Possibilities for the Future in Contemporary Anarchism”. Disponível em: https://coilsoftheserpent.org/2023/06/recentering-place-and-imagining-other-wor
Notas: Tradução por Cello L. Pfeil

Introdução

O livro Other Worlds Here: Honoring Native Women's Writing in Contemporary Anarchist Movements (2021), de Theresa Warburton, oferece uma contribuição interessante para a teoria, a prática e a política anarquistas. Na era do #LANDBACK e das atuais discussões sobre as histórias indígenas, o ressurgimento da comunidade e a resistência ao colonialismo, é ainda mais crucial que os anarquistas e todos aqueles que se interessam por resistir ao colonialismo e ao capitalismo em terras usurpadas considerem as maneiras pelas quais nossas teorias e práticas estão envolvidas no tecido da colonização.

Warburton defende que seja dada atenção específica às “lógicas da colonização” que persistem nos movimentos, teorias e práticas anarquistas. Apontando para a tendência dos anarquistas de procurar traços de anarquismo em outros movimentos, culturas e formas de resistência, ela argumenta que há uma necessidade premente de se voltar um pouco mais para dentro, para analisar as maneiras pelas quais os meios e métodos anarquistas continuam a sustentar ou a reforçar as estruturas da colonização contra as quais pretendem lutar. Warburton tece uma crítica das práticas anarquistas por meio de uma análise dos textos, das imagens, dos enquadramentos e das ações anarquistas e das formas como elas mantêm a dinâmica da colonização. Em seguida, usando a literatura das mulheres indígenas, Warburton indica algumas rotas possíveis e necessárias para os “outros mundos que já estão aqui”, imaginando alternativas ao capitalismo colonial e ao estado. Em particular, a inclusão da literatura das mulheres indígenas, além de um envolvimento mais geral com a política e a crítica indígenas, sugere uma pedagogia baseada no território que resiste tanto ao estado quanto ao capitalismo, ao mesmo tempo em que reafirma a importância do território e da conexão que rompe com os objetivos de desapropriação do colonialismo dos colonizadores. Além disso, e sendo importante para o compilado ao qual este artigo pertence, o texto de Warburton aborda especificamente as dimensões de gênero das estruturas de colonização e desapropriação colonial dos colonizadores, e abre caminho para futuros feministas centrados no diálogo contínuo e na responsabilidade com a ressurgência e as formas de ser Indígenas.

Meu objetivo com este ensaio é revisar e destacar a importância do trabalho de Warburton e usá-lo como ponto de partida para uma discussão mais aprofundada sobre a necessidade de se engajar em um trabalho anticolonial disruptivo dentro do anarquismo. Seu livro é uma obra fundamental e atual que se aprofunda na relação entre anarquismo, política anticolonial, ressurgimento indígena e estruturas de colonização, e deve ser uma leitura crucial para todos aqueles que buscam imaginar novos (velhos) mundos em terras roubadas. Como Glen Coulthard, juntamente com vários escritores indígenas, argumentou, há uma necessidade premente de que os movimentos sociais radicais de todos os tipos considerem de forma mais cuidadosa e articulada o contexto em que lutam por um mundo melhor. Ele argumenta:

Ao ignorar ou minimizar a injustiça da expropriação colonial, a teoria crítica e a estratégia de esquerda não apenas correm o risco de se tornarem cúmplices das próprias estruturas e processos de dominação aos quais deveriam se opor, mas também correm o risco de negligenciar o que poderia ser um vislumbre inestimável das práticas éticas e das pré-condições necessárias para a construção de uma ordem mundial mais justa e sustentável. (2014: 12)

São esses “vislumbres” que segundo Warburton persistem na escrita das mulheres indígenas e representam alternativas ao colonialismo dos colonos, ao capitalismo e ao estado que “já estão aqui” desde que estejamos dispostos a olhar um pouco mais de perto. É também essa cumplicidade em relação aos processos e estruturas de colonização que ela identifica nos movimentos anarquistas contemporâneos no contexto norte-americano. O desejo por um ‘novo’ mundo não é redutível a uma política anarquista, mas é uma forma radical de imaginação que há muito tempo forma um elo dentro de modelos radicais e ressurgentes de Indigeneidade (veja, por exemplo, Simpson 2017; Alfred 2010). Warburton argumenta que esses modelos devem ser vistos como pontos de referência importantes sobre como viver de forma diferente nas terras que muitos de nós continuamos a chamar de lar.

Os anarquistas frequentemente, e certamente mais recentemente, identificam o colonialismo como uma força central de opressão e dominação que precisa ser combatida juntamente com as forças dominantes do capitalismo e do estado (entre outras). Não há dúvida de que, de modo geral, os anarquistas se opõem à violência e à brutalidade históricas e contínuas do colonialismo. Mas declarar nossa oposição não torna essas estruturas inertes ou inexistentes. Como Warburton observa, há alguns trabalhos sobre o tema do anarco-indigenismo que visam trazer um olhar mais focado no colonialismo e em alternativas indígenas a ele. Mas esse trabalho, às vezes, tem se concentrado em estabelecer conexões entre o anarquismo e a ressurgência indígena, por meio de pontos de conexão e sobreposição, em vez de uma crítica mais detalhada do próprio anarquismo. Esse tem sido o foco do meu próprio trabalho, no qual minha intenção era ilustrar alguns aspectos da conexão que deveriam levar os anarquistas a dar mais atenção à ressurgência indígena (consulte Lewis 2012, 2016). Contudo, há limitações nessa abordagem e em sua capacidade de interromper os processos coloniais que existem no próprio anarquismo. Observar e estar ciente da potência e do poder da ressurgência indígena não perturba necessariamente a teoria e a prática anarquista. Como Warburton (2021: 17-18) argumenta:

Ou seja, se há uma correlação entre os compromissos éticos dos movimentos anarquistas e originários e uma ampla discussão sobre como desenvolver uma práxis ativista que aborde a colonização, por que não há um engajamento mais concentrado com a questão de como a colonização se tornou normalizada, ou consolidada, nesses espaços de movimento? Na prática, a presunção de uma afinidade natural entre os movimentos políticos anarquistas e originários ofusca os problemas que fundamentam a necessidade de reestruturação das relações entre ativistas indígenas e não-indígenas.

A partir daí, seu trabalho procura assumir essa tarefa mais específica de “explorar a conexão entre o anarquismo e a colonização, em vez de movimentos anarquistas e originários” (Warburton 2021: 18). Isso coloca o foco de volta no anarquismo como uma perspectiva política que tem muito a oferecer na criação de um mundo mais justo, mas que também precisa assumir seu próprio trabalho interno de eliminar os resíduos da colonização. Em última análise, os anarquistas precisam dedicar maior atenção às “estruturas de colonização” que persistem em nossa própria teoria, prática e movimentos.

Colonialismo dos Colonos e Desapropriação

É crucial esclarecer a especificidade do colonialismo dos colonos e as formas de desapropriação para conectar essas realidades estruturais às do capitalismo e do estado, sobre as quais os anarquistas se debruçam fundamentalmente. Fundamentalmente, Patrick Wolfe (1999: 2) argumenta que: "As colônias de colonos tinham (têm) como premissa a eliminação das sociedades originárias. A tensão de separação reflete uma característica determinada da colonização de colonos. Os colonizadores vêm para ficar - a invasão é uma estrutura, não um evento". O colonialismo dos colonos denomina especificamente o processo de ocupação permanente e contínua das terras indígenas, com os respectivos processos de desapropriação e violência. Mar e Edmonds (2010: 2) detalham as cicatrizes do colonialismo dos colonos e da colonização no próprio território:

Em termos geopolíticos, o impacto do colonialismo dos colonos é bastante visível nos cenários que ele produz: as divisões de terra simetricamente inspecionadas; cercas, estradas, linhas de transmissão de energia, represas e minas; as vastas extensões monoculturais de campos de plantio único; florestas nacionais esculpidas e preservadas e parques marinhos e selvagens; as cidades expansivas e quadriculadas; e as áreas socialmente delimitadas de habitação humana e invasão que são cercadas, policiadas e defendidas. A terra e os espaços organizados nela, em outras palavras, narram as histórias da colonização.

O colonialismo dos colonos estrutura o contexto no qual a resistência ocorre e as formas como o território e a vida são ordenados dentro desse contexto e, portanto, é uma consideração necessária quanto à maneira como organizamos, destruímos, construímos e imaginamos.

O trabalho de Glen Coulthard sobre acumulação primitiva amplia nossa compreensão sobre essa dinâmica colonial e os processos de acumulação e expansão capitalista. Coulthard (2014: 8) argumenta que o conceito de Marx de acumulação primitiva (segundo o qual os camponeses foram desapropriados de suas terras pelos cercamentos na Europa e forçados a formas de trabalho assalariado sem acesso à terra) deve ser traduzido para se tornar uma “conversa com os pensamentos e as práticas críticas dos próprios povos indígenas”. Para isso, Coulthard argumenta, assim como Sylvia Federici (2004), que o conceito de Marx precisa de um reenquadramento temporal, deixando de ser algo relegado ao passado e praticamente encerrado. Seu “desenvolvimentismo normativo” e as associações modernistas com progresso devem ser descartadas, paralelamente a uma mudança contextual “da ênfase na relação capital para a relação colonial”, evitando tomar o trabalhador assalariado como sujeito primário em vez do colonizado (Coulthard 2014: 9-11). Ao reenquadrar a acumulação primitiva dessa forma, Coulthard sugere que é a desapropriação que se torna a lógica fundamental que sustenta o capitalismo, e não a proletarização ou o impulso para as relações de trabalho assalariado. A intervenção de Coulthard indica, então, a necessidade muito real de abordar o colonialismo dos colonos como uma estrutura que se desenvolveu junto e em conexão com o capitalismo, mas que também é mantida até hoje. Essa modificação, ou recontextualização, da acumulação primitiva mostra que a raiz da expansão capitalista está na desapropriação das nações indígenas, mas também nos processos contínuos de acumulação capitalista. Não pode haver separação entre capitalismo e colonialismo em um contexto de colonização, nem na teoria e na prática anarquistas que ocupam esse espaço.

Um trabalho recente de Robert Nichols (2020) contesta a terminologia da acumulação primitiva e sua aplicação ao contexto colonial da América do Norte, defendendo o termo desapropriação. A acumulação primitiva, argumenta ele, é melhor usada para caracterizar a mudança de relações não capitalistas para capitalistas, ao passo que é difícil afirmar que ainda haja relações, mesmo dentro de alternativas indígenas, que estejam totalmente fora do capitalismo [1]. Ele (2020: 83-84) argumenta que:

A desapropriação passa a nomear uma lógica distinta de desenvolvimento capitalista baseada na apropriação e monopolização dos poderes produtivos do mundo natural de uma forma que ordena (mas não determina diretamente) as patologias sociais relacionadas à colonização, ao deslocamento e à estratificação e/ou exploração de classe, ao mesmo tempo em que converte o planeta em um meio de produção homogêneo e universal.

A desapropriação certamente captura os processos contínuos das lógicas de colonização e sua conexão com a expansão capitalista. Tanto a acumulação primitiva quanto a desapropriação, como formas de elucidar e entender a natureza estrutural do colonialismo dos colonos, poderiam encontrar maior discussão, diálogo e aplicação teórica na teoria e na prática anarquista. Podemos nos perguntar: Como esses entendimentos estruturais podem complicar nossas considerações sobre o estado e o capitalismo? Como isso muda nossas abordagens e análises? Quais são as implicações para a teoria anarquista? Quais são as maneiras pelas quais podemos nos basear nessas perspectivas para ampliar nossos próprios potenciais anarquistas dentro desses contextos coloniais? Espero que essa breve e bastante inadequada revisão de alguns aspectos do colonialismo dos colonos e da desapropriação forneça algum contexto para as relações coloniais que Warburton destaca e critica dentro do próprio anarquismo.

Em Other Worlds Here, Theresa Warburton localiza três “estruturas da colonização” nos movimentos anarquistas norte-americanos contemporâneos: “a invocação de histórias anarquistas sem uma fundamentação no contexto histórico e local, o achatamento, em vez de considerar as histórias de conflito entre comunidades originárias e não-originárias, e a tentativa de afirmar relações paralelas inerentes entre os movimentos anarquistas e a soberania indígena” (2021: 61). Concentrando-se nos pontos de referência culturais dominantes dentro do anarquismo, Warburton aponta para a “Batalha de Seattle” em 1999, como um ponto culminante frequentemente mencionado do movimento antiglobalização, que influencia ou mesmo “inicia” o atual período do anarquismo contemporâneo. Com base nesse evento e em outros, como os Motins de Haymarket e o Movimento Occupy, ela sugere que a lembrança e a referência a esses eventos ocorrem sem colocá-los no contexto dos processos contínuos de desapropriação colonial dos colonos, da resistência indígena ao Estado e ao capital e das relações com o território e o espaço. É uma história contada sem levar em conta o contexto colonial no qual ela ocorre.

Warburton argumenta que essas omissões contínuas, que apagam a presença indígena pregressa, a resistência e as alternativas ao estado e ao capital, têm como resultado uma forma de “anarquismo dos colonos” que “se alinha ao projeto colonial dos colonos tanto estrutural quanto filosoficamente”. Ela usa esse “termo tanto para reconhecer quanto para ir além do argumento de que a colonização é meramente herdada em espaços anarquistas, transbordando para a política radical a partir das estruturas sociais e políticas dominantes” (2021: 33-34). Essa dinâmica persiste em vários outros exemplos que são destacados no texto.

Em vários pontos, os anarquistas são retratados, ou retratam a si mesmos e a seus predecessores de movimento, como os principais instigadores ou mantenedores de formas radicais de resistência, como aqueles que nutrem a esperança de um mundo melhor, como os herdeiros de histórias políticas radicais, tudo isso enquanto promovem um apagamento da resistência indígena historicamente e no presente. Isso, argumenta Warburton, perpetua uma equivalência ou genealogia que é presumida entre a resistência indígena e o anarquismo contemporâneo. Warburton (2021: 40) destaca essa tendência em publicações anarquistas que fazem referência à resistência indígena histórica que ocorreu em Seattle em 1856, mas sem referência às lutas em andamento no presente. As alegações de aquiescência geral dos indígenas são mantidas, lamentando a perda “do que uma vez foi livre”, ao mesmo tempo em que reivindicam uma relação anarquista com aqueles que tentaram resistir à invasão do capitalismo e do estado. O apagamento da atual resistência indígena, e ainda mais da sua presença, possibilita uma certa “compatibilidade com os colonos”, em que “a gramática política dessa história anarquista específica tornou o Novo Anarquismo compatível com o projeto dos colonos, contra a suposição de que os movimentos anarquistas estão inerentemente alinhados com os movimentos pela autodeterminação dos indígenas” (Warburton 2021: 34).

O movimento Occupy também, embora apresente uma série de valores e práticas anarquistas fundamentais (mas sem uma inclinação política anarquista explícita no nome), tornou-se um ponto de confronto mais público em relação à política colonial. Como foi observado em várias discussões críticas das várias facetas do movimento vagamente construído (Barker 2012; Grande 2013; Tuck e Yang 2012), o movimento foi contestado pelo uso do termo “occupy” [ocupar] e pela tática de ocupação que prestou pouca atenção ao específico contexto colonial de roubo e desapropriação de terras indígenas em que ocorreu [2]. Warburton argumenta, “enquanto que o nó emergente na genealogia da política anarquista após 1999”, onde “passou a representar uma aceitação pública das possibilidades do anarquismo enquanto método viável de resistência política no século XXI” (2021: 48). Esse caso estabelece conexões semelhantes com o caso de Seattle em 1999 por ser “uma parte intrínseca da estrutura do Novo Anarquismo”, mas, da mesma forma, “negligencia o contexto histórico mais amplo do espaço, achata as relações complexas entre anarquistas e ativistas indígenas e invoca histórias de resistência indígena para colocar os anarquistas em uma posição paralela” (Warburton 2021: 49). Como Barker (2012: 4) observa, o enquadramento do movimento Occupy serviu pouco mais do que para “cooptar o poder do espaço” às custas das comunidades indígenas, reinscrevendo estruturas do colonialismo, ignorando histórias de desapropriação e resistência, e se recusou a reconhecer as relações de poder assimétricas que afetam os povos indígenas, especialmente aqueles envolvidos em formas de resistência baseadas no território.

Como argumentei em outro momento (Lewis, 2016), essa crítica ao Occupy pode ser aplicada mais diretamente aos tipos de política de construção alternativa prefigurativa, “construindo um novo mundo na casca do antigo”, dentro do próprio anarquismo, e ao trabalho mais recente que busca reformular ou, problematicamente, “reivindicar”, “os bens comuns” como campo de luta política. Como argumenta Craig Fortier (2017: 30), “O problema com a ideia dos bens comuns nos estados colonizadores é que ela evita a questão da cumplicidade contínua dos colonizadores no projeto de genocídio, roubo de terras, assimilação e ocupação. A esse respeito, as omissões da história colonial nas campanhas para reivindicar os bens comuns não são exclusivas do Occupy.” Analisando o movimento Occupy e defendendo a perspectiva de que o colonialismo é “estrategicamente central” para o contexto em que ocorre a resistência anarquista, argumentei que:

Uma oposição genérica a todas as formas de opressão e dominação e a busca de uma unidade de base ampla dentro de lutas alternativas para o futuro que seja aberta e inclusiva (como os projetos anarquistas pretendem ser) pouco podem fazer a fim de avaliar as realidades estruturais do colonialismo sem dar atenção específica e sem engajamentos diretos nas comunidades indígenas. A prefiguração anarquista, se seguir uma lógica ocupacional semelhante à do Occupy, será uma forma de terra nullius anarquista. [3] (Lewis 2016: 224)

O argumento geral aqui, portanto, não é que não houve nenhuma discussão sobre a resistência indígena dentro dos movimentos anarquistas, mas que essas discussões são frequentemente construídas por uma lente colonial e apresentam omissões gritantes em termos de espaço, terra, história e contexto. De forma ainda mais direta, elas contribuem para o apagamento da presença indígena e da resistência contínua no presente. Isso nos remete às palavras de Glen Coulthard supramencionadas com relação às lacunas na teoria crítica de esquerda em geral. E, mais ainda, como destaca Warburton, há também uma “lacuna anarquista” na falta de atenção aos escritos e à teorização das mulheres indígenas.

Gênero, Sexualidade e Indigeneidade

Theresa Warburton (2021) amplia ainda mais sua crítica e analisa as formas como os anarquistas se envolveram com questões de gênero e sexualidade como parte de nossa política. Warburton observa três abordagens principais que os anarquistas adotaram para discutir a relação com o feminismo:

1) Uma abordagem genealógica em que o feminismo seja uma constante e progressiva inquietação anarquista (93)

2) Uma abordagem equivalente em que anarquismo = feminismo e vice-versa. Essa abordagem encara o enfoque de cada perspectiva sobre a hierarquia como uma de suas principais preocupações, como um ponto de encontro fundamental e uma fonte de equivalência/sobreposição (99)

3) E, finalmente, uma abordagem de troca, em que o feminismo contribui com uma análise mais detalhada das relações de gênero do patriarcado e em que o anarquismo traz uma crítica mais profunda do estado e do capitalismo, entre outras fontes de dominação (102)

Cada uma dessas abordagens sofre de apagamentos e omissões similares em relação ao contexto contínuo do colonialismo e da resistência indígena, bem como dos entendimentos que poderiam ser obtidos ao analisar as teorizações indígenas de gênero e sexualidade e sua conexão íntima com a terra e o território. Em particular, a abordagem genealógica exclui a discussão das posições díspares que as históricas feministas anarquistas assumiram, em geral, e, em particular, em relação à política anticolonial, como a solidariedade anticolonial expressa por Emma Goldman versus o individualismo enraizado no liberalismo americano defendido por Voltarine de Cleyre (96). Já na abordagem equivalente, por outro lado, há uma universalização da experiência das mulheres, mais uma vez fora de uma consideração específica de contexto e lugar, e “a suposição de uma correspondência inerente entre anarquismo e feminismo atua no sentido de impedir um engajamento crítico com a questão de como o heteropatriarcado opera para normalizar a estrutura de colonização dentro da política anarquista nos Estados Unidos” (100). Por fim, a abordagem de troca, embora comece a incorporar as preocupações das feministas indígenas e o contexto da colonização, presume uma certa igualdade de troca entre o anarquismo, o feminismo e a teoria indígena. Em termos mais simples, no entanto, como Warburton (2021: 105) argumenta:

As feministas indígenas não devem nada aos anarquistas em troca do desenvolvimento de uma abordagem crítica à colonização que leve em conta suas dimensões sexualizadas e generificadas. Em vez disso, uma abordagem do anarquismo e do feminismo que não replique nem uma reivindicação implícita nem explícita sobre os atributos indígenas, sejam eles a terra ou o conhecimento, não requer uma troca ou síntese, mas sim uma contabilidade transformacional do que significa fazer um trabalho feminista anarquista em terras roubadas.

A tarefa em questão, que perpassa todo o trabalho de Warburton, é entender como a política anarquista, a partir de uma série de pontos focais, continua a recusar uma análise conjunta das estruturas de colonização das quais o anarquismo participa. Apesar de nossas afirmações anticoloniais, um conjunto central de relações coloniais permanece incontestado e pouco teorizado.

Internacionalismo Anarquista

O último aspecto do anarquismo contemporâneo que Warburton explora são os enquadramentos em torno do internacionalismo e do transnacionalismo. Warburton aponta para as ansiedades anarquistas em relação ao caráter branco e europeu dominante do movimento, que muitas vezes leva ao desejo de incluir o maior número possível de outros movimentos e lutas na linhagem anarquista. O foco da questão se torna, em resumo, uma questão de historiografia (2021: 149), em vez de uma análise mais profunda das maneiras pelas quais a política anarquista pode ser compatível com os discursos e as estruturas da supremacia branca e do colonialismo (151). Mais uma vez, voltamos às estruturas de colonização imbuídas no próprio anarquismo enquanto um problema profundo, em vez de um problema que possa ser resolvido pela inclusão ou pela promoção de um escopo internacionalista.

O levante zapatista de 1994 é um exemplo instrutivo. Como argumenta Warburton (2021: 152): “Em vez de inspirar um interesse em movimentos indígenas concomitantes em toda a América do Norte, no entanto, a fixação anarquista nos zapatistas tem continuamente localizado a indigeneidade fora das fronteiras reivindicadas pelos Estados Unidos e pelo Canadá, reificando as reivindicações dos EUA ao território e à soberania dentro de um paradigma anarquista”. Como resultado, há uma centralização ainda maior do estado norte-americano como ponto de referência para ordenar o mundo e uma alocação dos povos indígenas em relação a essa estrutura imperial, em vez de serem considerados como perturbadores da mesma. Essa dinâmica é reproduzida primeiramente em termos de abordagens anarquistas do nacionalismo que continuam a confundir o nacionalismo indígena com o estado-nação (158). Ela dá continuidade às mitologias anarquistas do caso Haymarket que são primordialmente interpretadas por temas de migração e transnacionalismo, em vez de pela resistência em curso no contexto da época, ou pela intensificação dos processos de colonização e expropriação (167). Por fim, dá continuidade às experiências anarquistas e às histórias de fronteiras que sustentam os enquadramentos internos/externos baseados na estrutura primária do estado, em vez de desfazer o imperialismo fronteiriço [4] e, ao mesmo tempo, “centralizar uma definição de transnacional que leve em conta a soberania das nações nativas e seu status complicado dentro das articulações de nacionalidade e estrangeirismo dos EUA” (171). Embora cada um desses aspectos mereça sua própria discussão aprofundada e precise ser confrontado diretamente dentro do anarquismo contemporâneo, Warburton argumenta que é necessário evitar a “reinscrição da ordem colonial do espaço territorial e político, que silenciosamente subsume a resistência e a autodeterminação dos indígenas dentro das fronteiras (novamente, tanto territoriais quanto políticas) reivindicadas pelo estado colonizador dos EUA” (Warburton, 2021, 171). Aqui, mais uma vez, Warburton lança um desafio direto às formas como as estruturas de colonização são mantidas nos discursos anarquistas contemporâneos.

Literatura de Mulheres Indígenas

Como, então, o anarquismo contemporâneo poderia começar a romper essas estruturas de colonização? Por meio de sua análise da escrita de mulheres indígenas, Warburton apresenta o tipo de “contabilidade transformacional” que reivindica. Ela observa as metodologias de mapeamento e narrativa que nos levam a formas mais profundas e alternativas de entender o espaço e a criação de espaços que possam desvendar as estruturas de colonização que persistem no anarquismo. “Other Worlds Here”, argumenta ela, “baseia-se nas palavras e nas obras de literaturas de mulheres indígenas para demonstrar que os anarquistas não podem mais depender de uma política que olhe para este lugar e presuma que não há política aqui; que tal política deve ser criada para vislumbrar um mundo sem o estado e sem o capitalismo” (Warburton 2021: 25).

Em particular, ela aponta para a forma como algo que surge de histórias e lugares específicos (77), como um aspecto importante das intervenções das mulheres indígenas, seja por meio da poesia, da contação de histórias, das memórias ou da genealogia, que ilustram outras formas de pensar e construir o mundo, os “outros mundos aqui”, ao mesmo tempo em que se opõem às estruturas coloniais de dominação. Warburton observa as maneiras pelas quais as mulheres indígenas têm apresentado suas próprias narrativas e histórias como formas de teoria, ao mesmo tempo em que assumem e refazem as narrativas dominantes da colonização. Há uma “reescrita” que ocorre junto com a reafirmação e o ressurgimento da terra e da vida indígenas. A literatura das mulheres indígenas explora o “e se” em oposição às narrativas dominantes, sendo uma construção de outros mundos e realidades possíveis (136) através de uma “recusa em separar os corpos dos corpos de conhecimento” (140). Dessa forma, a teoria não é algo externo à vida, ao lugar, ao corpo ou à experiência, mas algo inerentemente ligado a eles (116) [5].

Além disso, a literatura das mulheres indígenas resiste vigorosamente à mera inclusão em outros grupos de escrita, seja nas narrativas das mulheres, nas construções mais amplas do cânone literário “americano” ou como parte das literaturas indígenas dominadas pelos homens. Por exemplo, as obras poéticas de Heid E. Erdrich e Janet Rogers “oferecem uma metodologia transformadora que insiste em reconhecer o papel fundamental que a colonização desempenha na política (e na literatura) americana, demonstrando claramente como essa estrutura se manifesta por meio do discurso de gênero e exigindo que a centralização das mulheres indígenas seja um movimento transformador e não inclusivo” (Warburton 2021: 140). As obras de mulheres indígenas não podem ser simplesmente adicionadas aos cânones existentes, mas existem e resistem em seus próprios termos. Essas obras respondem a figuras americanas proeminentes, como Allan Ginsberg ou Robert Frost, usando uma metodologia que revela as estruturas subjacentes de colonização que persistem por meio da construção das narrativas históricas e culturais desses autores, em que a terra indígena é usada como “a base literal e figurativa do cânone literário americano” e “constituída por meio de discursos de gênero” (128).

Warburton (2021: 178) aponta para a crítica literária indígena e, especificamente, para o trabalho das mulheres indígenas:

sua habilidade de enfatizar a comensuração das abordagens nacionalistas e transnacionais indígenas e, ao mesmo tempo, demonstrar como essa comensuração desafia as reivindicações de soberania do estado colonizador dos EUA… como o nacionalismo literário indígena, como uma abordagem que atende aos contextos políticos, territoriais e culturais específicos das literaturas indígenas, pode ser capaz de enfatizar a especificidade dos locais tradicionais e nacionais e, ao mesmo tempo, considerar como esses textos operam em uma escala mais ampla. Esse método de engajamento crítico foi cultivado entre os acadêmicos que buscam desvincular o estado colonizador como o ponto de referência necessário para uma abordagem comparativa das literaturas indígenas.

O romance Ceremony, de Leslie Marmon Silko, serve como exemplo específico de uma “prática literária indígena transnacional em que figuras indígenas operam no mundo global como sujeitos nacionais, não do estado colonizador, mas de nações indígenas” (Warburton 2021: 179). O texto se localiza num Pacífico transnacionalista que vai além do locus da estrutura do estado colonizador dos EUA e, pelo contrário, se volta para as relações entre os povos indígenas. A obra “pode ser lida como um romance que trabalha contra a representação dos povos indígenas como grupos imóveis e isolados e, em vez disso, ilustra a centralidade do movimento em uma visão global do mundo indígena” (197). Os contextos indígenas são alocados no centro, ao mesmo tempo em que se “desidentificam” com as estruturas do estado colonizador (198).

No geral: “É precisamente a suposta completude da história (e, portanto, do ordenamento político e espacial) dos Estados Unidos que limita a habilidade das abordagens anarquistas sobre o transnacionalismo de confrontar efetivamente a persistência da estrutura de colonização nos espaços anarquistas e de responder à operação do império estadunidense em suas investigações globais” (Warburton 2021: 199). Para que os anarquistas se envolvam efetivamente com a política transnacionalista e global, o ponto de referência do estado precisa ser descartado, e um olhar mais detalhado e intencional sobre as maneiras indígenas de entender o espaço e o contexto deve ser incorporado. Dessa forma, as literaturas das mulheres indígenas oferecem inúmeras maneiras de sair, atravessar e ir além das estruturas do colonialismo dos colonos [6].

Implicações para o Avanço do Anarquismo

A crítica de Warburton deixa evidente que ainda há muito trabalho a ser feito no anarquismo. Em primeiro lugar, o anarquismo precisa considerar direta e intencionalmente o contexto do colonialismo dos colonos no qual a teoria e a ação surgem. Isso não quer dizer que não tenha havido nada digno de nota aqui - há uma história contínua de apoio e solidariedade entre os anarquistas em relação às afirmações militantes da autonomia indígena e à oposição às formas contínuas de desapropriação capitalista. No entanto, uma das principais preocupações continua sendo a maneira como os anarquistas falam, escrevem, teorizam e entendem o contexto colonial dos colonos no qual fomentam a resistência, mas também no qual estão profundamente inseridos.

Como observei anteriormente (Lewis, 2012), o envolvimento anarquista na oposição às Olimpíadas de Vancouver de 2010 sob a bandeira “‘No Games on Stolen Land” e as reuniões do G20 em Toronto em 2010 tiveram um forte caráter anticolonial e buscaram aprofundar a política de solidariedade com organizadores indígenas radicais na linha de frente. Esse trabalho continuou em eventos maiores em Standing Rock, na solidariedade contínua dos Wet'suwet'en e nas lutas contínuas contra o desenvolvimento nas Six Nations (entre muitos outros). Não acho que o compromisso anarquista com a solidariedade indígena esteja em discussão. A questão é como os anarquistas refletiram, teorizaram e aplicaram as percepções adquiridas ao participar e se comprometer com esse trabalho. Como isso embasou nossa teoria de forma que possa continuar a embasar nossa prática? Como isso alterou nossa compreensão de onde estamos localizados e o que deve ser feito? Em termos comparativos, há pouco material disponível que aborde esse tipo de reflexão teórica em um nível realmente disruptivo. O colonialismo, o colonialismo dos colonos, a expropriação, o anticolonialismo etc. continuam sendo tópicos pouco teorizados e pouco discutidos na teoria anarquista. Isso significa que, embora exista um nível de ação solidária comprometida e articulada, a reflexão e o entendimento mais amplo das estruturas contínuas de colonização e seus vínculos com o capitalismo e o estado permanecem subdesenvolvidos.

Essa discussão está acontecendo em maior grau no nível da “rua”, do protesto ou do grupo de afinidade [7], onde os anarquistas conversam, refletem e teorizam de forma contínua. Mas a discussão não atingiu um nível teórico mais amplo e sustentado, e sofre das várias lacunas que Warburton observou acima. Acho que é isso que Warburton está incentivando os anarquistas a fazer, a continuar agindo, mas também a refletir em um nível mais profundo sobre as estruturas em jogo e os esforços já existentes para desafiá-las e criar alternativas. Portanto, talvez não se trate de uma questão de oposição ao colonialismo dos colonos e à expropriação, mas de uma questão de foco e profundidade de nossas teorias e ações, e de como a política de resistência indígena poderia ser abordada de forma mais direta e intencional.

Other Worlds Here, de Theresa Warburton, é uma intervenção crucial que leva adiante a discussão sobre as implicações de ser um anarquista em terras roubadas. À medida que a resistência indígena e os movimentos ressurgentes continuam a crescer e a desafiar o poder do estado e do capital, e à medida que os anarquistas continuam a fomentar a revolta e a imaginar alternativas. Não há momento melhor do que agora para nos aprofundarmos nas formas complexas em que o colonialismo dos colonizadores se mantém dentro dos movimentos anarquistas e como esses resíduos e estruturas podem ser continuamente contestados. De certa forma, a solução é simples: engajamento direto e aprendizado com aqueles que resistiram à colonização desde o início. As obras da literatura feminina indígena destacadas por Warburton fornecem algumas raízes e caminhos para o futuro, assim como os escritos e as ações de ressurgência radical de pessoas como Leanne Simpson ou Glen Coulthard. O que o trabalho de Warburton faz é expor o problema de forma clara e simples e nos levar a um caminho melhor. Um caminho em que “Sim, outro mundo é possível. Uma das razões pelas quais podemos até mesmo saber disso, até mesmo ter esse pensamento, é porque existem outros mundos aqui - se ao menos os honrássemos” (Warburton 2021: 206)

Obras citadas

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[1] Embora as especificidades e as nuances de sua discussão estejam além do escopo deste artigo, vale a pena mencioná-las, já que Nichols se refere especificamente ao conceito anarquista, derivado de Proudhon, “Propriedade é roubo!”, e o considera no contexto da desapropriação indígena e do colonialismo dos colonizadores.

[2] Vários locais do Occupy tomaram medidas para responder a essas críticas, muitas vezes levando a longos debates em assembleias gerais e em vários comitês organizadores sobre a necessidade de tais ponderações anticoloniais. Alguns grupos chegaram ao ponto de se envolver e buscar relacionamentos com nações e grupos indígenas locais; trazendo políticas anticoloniais e decoloniais para análise, questões e processos de grupos; e pressionando por mudanças de nome para refletir melhor as realidades locais do colonialismo dos colonizadores (como Decolonize Oakland, por exemplo). Esses esforços, no entanto, foram limitados em sua capacidade de alterar fundamentalmente a teoria e a prática que estruturaram os aspectos centrais do movimento.

[3] A terra nullius, ou “terra vazia”, há muito tempo serve como justificativa para a colonização, segundo a qual os povos indígenas não existiam nas terras que foram colonizadas ou não estavam usando a terra de forma suficientemente produtiva e, portanto, os colonos e o estado tinham legitimidade para tomar e transformar a terra à sua imagem colonial.

[4] Uma influência fundamental, e leitura obrigatória, é Undoing Border Imperialism (2013), de Harsha Walia.

[5] Pode ser difícil que obras literárias repercutam entre um público que não esteja familiarizado diretamente com elas. Eu acho que isso acontece em termos de tornar as conexões mais concretas. Por isso, optei por discutir alguns dos aspectos gerais da literatura das mulheres indígenas que Warburton destaca aqui, que podem ser usados como conceitos teóricos e práticos gerais para romper as estruturas de colonização dentro do anarquismo. O ponto mais importante, talvez, seja o fato de que os próprios anarquistas precisam ler essas literaturas e começar a entender sua importância nas discussões sobre lugar, espaço, contexto e possibilidades para o futuro.

[6] Esse é um ponto que existe para a teoria e a prática indígena em geral, na medida em que pode romper ainda mais as estruturas (anarquistas) de colonização. Há um potencial frutífero de engajamento, aprendizado, relacionalidade e responsabilidade que pode advir de um envolvimento mais direto com esses corpos de trabalho, que apontam para formas alternativas de estar no mundo e nas terras que continuamos a habitar. O trabalho de Leanne Simpson (2017), mencionado acima, é particularmente instrutivo a esse respeito, pois ela se envolve com noções de estado, capital e ressurgimento a partir de sua própria perspectiva Nishnaabeg, de uma forma que, em minha opinião, espelha o trabalho das mulheres indígenas discutidas por Warburton, e de tal forma que haja muito a aprender aqui também para os anarquistas.

[7] Esse é exatamente o tópico de minha pesquisa de dissertação em andamento e que, espero, seja concluída em breve, que analisa diretamente as formas como os anarquistas e as culturas anarquistas de resistência entendiam o colonialismo e se orientaram em relação a ele como sendo uma estrutura contínua intimamente ligada ao capitalismo e ao estado. Os anarquistas podem, e de fato o fazem, discutir o colonialismo, seus impactos e como resistir a ele juntamente a outras formas de dominação. Os que entrevistei, entretanto, rapidamente apontaram que há uma falta de escritos e de circulação de ideias sobre esse tópico.