Título: O grande jogo
Assuntos: Arte, Teatro
Data: 1916
Fonte: The Blast, San Francisco, Estados Unidos, 29 de janeiro de 1916.
Notas: A peça “O grande jogo”, de Alexander Berkman, traduzida por Natalia Montebello e publicada na Revista Verve, número 14, em 2008.
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Nota de tradução

Alexander Berkman: Imigrante russo que se tornou proeminente anarquista nos EUA. Cometeu um atentado contra um industrial durante uma greve operária e passou 14 anos na prisão. Em 1919, devido a contundentes manifestações contra a guerra, foi deportado para a Rússia junto com vários anarquistas, inclusive Emma Goldman, sua companheira na vida amorosa e política. Depois de dois anos, deixaram o país e lideraram a crítica libertária aos rumos autoritários da Revolução Russa e das ações do Partido Comunista. Gravemente doente, Berkman morreu aos 66 anos, na França, em 1936.

A peça

Personagens:

Eu (industriais e capitalistas)

Você (operários)

Negra Figura (Lei)

(Abrem-se as cortinas)

Eu ― Desçam ao interior da terra. Tragam a luz o carvão e o ouro, o ferro, a prata e as pedras preciosas.

Você ― Considere feito.

Eu ― Construam fabricas e maravilhosas ferramentas e modelem o mundo em jubilo e beleza.

Você ― Considere feito.

Eu ― Muito bem, meus homens. Maravilhoso! Quanta abundancia! Quantas riquezas! Todas minhas.

Algumas vozes ― Suas? Por quê? Nós fizemos tudo!

(Comoção no palco)

Mais vozes (enfurecidas) ― São nossas! Nós as fizemos.

Eu ― Silêncio! Eu não mandei que o fizessem?

Vozes ― Mas é nosso. Nós o fizemos.

Eu ― Chamemos a Lei!

(Entra a Negra Figura, vestida de preto, levando uma Bíblia em uma mão, a espada desembainhada na outra. As duas mãos com luvas)

(Um silêncio solene quando fala a Lei)

Negra Figura ― É seu. Assim está decretado. A integridade de nossas justas e livres instituições deve ser mantida.

(Todos reverentemente ajoelham-se diante da Negra Figura)

(Sai a Negra Figura)

Eu (orgulhosamente jubiloso) ― É meu, por Lei.

Você ― Nós somos pobres. Nossas esposas precisam de comida, nossas crianças têm fome.

Eu ― Eu darei a vocês as coisas de que precisam.

Você ― Nos dê! Nos dê!

Eu ― Em troca de mais trabalho. Venderei as coisas que vocês fazem e lhes darei um salário por isso.

Você ― Salários! Bons salários?

Eu ― Sim, um salário justo.

Você ― Tome, tome! Um salário justo!

Eu ― Entregarei a vocês comida e roupa em troca de seus salários.

Você ― Um amo carinhoso! Tome, pegue nossos salários!

(Eu pega os salários e entrega escassas rações de comida)

(Você, depois de ter devorado a comida, em pé com as mãos vazias, com semblante satisfeito)

Eu (com profunda auto-satisfação) ― A indústria e a economia são a coluna vertebral de nossa grande prosperidade nacional.

Você ― Mas nós não obtivemos nada.

Eu ― Elejam-me para o ministério e aprovarei uma lei para abrir cozinhas populares para aqueles dentre vocês que merecerem minha generosidade.

Você ― Viva! Viva! Nosso candidato!

(Um desfile com tochas)

(Fecham-se lentamente as cortinas)