Alexandre Skirda
O DEBATE SOBRE A PLATAFORMA
A primeira polêmica [acerca da Plataforma Organizacional] envolveu um confronto com Volin, tradutor deste documento para o francês. Em Le Libertaire, Ranko o criticou por erros e distorções na tradução de alguns termos e expressões. Fez até a sugestão de que se nomeasse um companheiro “especialista”, perante o qual ambos os lados analisariam os fundamentos de suas acusações. No dia marcado, porém, Volin não compareceu ao encontro.[1] O fato é que as relações entre Volin e Makhno, e, depois, Arshinov, haviam começado a piorar há algum tempo. Até então, Volin havia sido membro pleno do Grupo de Anarquistas Russos no Estrangeiro e colaborador regular de Dielo Truda. Qual teria sido a causa do atrito entre eles? Decerto alguns descuidos pessoais e éticos de Volin em relação a Makhno[2] , além, provavelmente, das notórias diferenças de opinião sobre a Síntese, cujas ideias Volin vinha tentando disseminar há alguns anos, sempre remontando às suas experiências na Nabat [Confederação Alarme de Organizações Anarquistas]. Essas evocações tornaram-se menos confiáveis depois que Dielo Truda publicou uma carta de um dos fundadores da Nabat, o qual ficara na Rússia, descrevendo o modus operandi da confederação, em termos que contradiziam os relatos de Volin.[3] As origens sociais deles também eram diferentes: Volin era um intelectual burguês, educado com esmero por governantas que lhe ensinaram línguas estrangeiras, nas quais era fluente (alemão e francês), enquanto Arshinov e Makhno eram de origem muito humilde, não tinham a mesma fluência de expressão e não desfrutavam do mesmo prestígio entre os companheiros. Também havia os flertes de Volin com lojas maçônicas, que se encaixavam muito bem nas ideias expostas na Síntese, mas que eram criticadas por aqueles que viam nelas a colaboração de classes. Outra fonte de dissenso, embora paradoxal, eram as discrepâncias na cultura anarquista, não exatamente como se poderia esperar: Arshinov e Makhno eram anarquistas há mais de 20 anos e tinham familiaridade com todos os clássicos – os quais haviam estudado, sobretudo quando eram prisioneiros –, ao passo que Volin havia sido, de início, socialista revolucionário, convertendo-se, mais tarde, às ideias anarquistas, pouco antes de 1914, sob a influência de Kropotkin. Em suma, não faltavam razões plausíveis para os desentendimentos entre os ex-companheiros de armas dos anos 1919–1920. Como geralmente é o caso, a vida no exílio e suas dificuldades típicas agravaram enormemente as divergências de opinião.
O Grupo de Anarquistas Russos no Estrangeiro publicou, então, uma declaração em Dielo Truda, na edição de dezembro de 1926, para expor a conduta imprópria de um certo Maisky, que Volin introduzira no grupo em 1924 e que, desde então, vinha exercendo atividades danosas e antiéticas. Isso não impediu que Volin reforçasse as referências positivas sobre este personagem, que já havia abusado da confiança de seus companheiros. O grupo divulgou uma reprimenda pública a Volin, que não acertou as contas entre os dois lados; longe disso.
A “Resposta de Alguns Anarquistas Russos à Plataforma”[4] , publicada em abril de 1927, foi endossada por Volin e outros sete nomes: Sobol, Fleshin, Schwartz, Mollie Steimer, Lia, Roman e Ervantian. Mas estas várias assinaturas não enganaram a ninguém. O autor era Volin, como se constatava de imediato, tanto pelas referências reiteradas à Nabat quanto pelo estilo que lhe era característico. Era um panfleto denso, de 39 páginas, com longos excertos da Plataforma e cheio de críticas minuciosas a todos os seus pontos essenciais. Muitas eram as divergências fundamentais, como aquela referente às debilidades do movimento anarquista, que, segundo a Resposta, podia ser explicada não pela falta de uma organização ou de uma prática coletiva, mas em consequência de numerosos outros fatores:
“a.) A nebulosidade de várias ideias fundamentais à nossa concepção; b.) A dificuldade do mundo contemporâneo em assimilar as ideias libertárias; c.) A mentalidade das massas contemporâneas, que se deixam levar por demagogos de todos os matizes; d.) A repressão generalizada ao movimento, assim que ele começa a dar sinais inequívocos de progresso; e.) A relutância intencional dos anarquistas em recorrer à demagogia; f.) O repúdio dos anarquistas a todas as organizações e disciplinas artificiais.”
Um ponto crucial de discórdia foi a recusa, por parte dos autores da Plataforma, de analisar com atenção a Síntese. Outro ponto de atrito: a ideia de um partido anarquista, que logo foi interpretada como equivalente à de um partido político autoritário clássico. A Resposta, em seguida, discordava da noção do anarquismo como concepção de classe, porquanto este era, segundo sustentavam seus autores, também humano e individual. Suspeitava-se que a aspiração à condução das massas e dos eventos disfarçava uma ambição de exercer a dominação sobre as massas, em vez de “servi-las, colaborar com elas e ajudá-las”.
Quanto ao período de transição, a Plataforma, argumentava a Resposta, rejeitou-o de modo “platônico e fraseológico”, embora “o reconheça mais que ninguém em nossas fileiras”. Alegou-se ser, na realidade, uma “tentativa de estimular esta ideia e enxertá-la no anarquismo”. A parte construtiva da Plataforma foi submetida às mesmas críticas virulentas, com tudo sendo considerado negativamente. Sobre a questão da defesa da revolução, a recomendação era fornecer armas aos trabalhadores e destacamentos locais isolados, em vez de formar um exército insurgente com ampla estrutura de comando. Neste ponto, a lição da Revolução Russa não foi aprendida: os trabalhadores armados logo se transformaram em guardas vermelhos, mesmo contra a própria vontade, e os destacamentos locais isolados logo foram dispersos pelos exércitos regulares. A intenção da Resposta, porém, era outra. Seu propósito era demonstrar, a qualquer custo, o caráter antianarquista da Plataforma, sem poupar exageros, nem mesmo a alegação de que o exército insurgente convertera-se em Exército Vermelho! Complementado, inclusive, por uma polícia política, ou Tcheka, a qual, assim se alegava, era preconizada pela Plataforma. O objetivo da Resposta era promover a ideia de que a Plataforma almejava “a criação de um centro político dirigente, que contaria com um exército e uma polícia à sua disposição, significando, basicamente, a introdução de uma autoridade política provisória, nos moldes do Estado”.
O trecho da Plataforma referente à organização foi alvo da mesma ira pseudo-ortodoxa: a Resposta identificou nele o anseio de um partido anarquista centralizado, que deixaria os bolcheviques na sombra. Em conclusão, a Resposta não tergiversou: “Sim, a essência ideológica é a mesma entre os bolcheviques e os plataformistas”. A Plataforma foi somente uma “guinada revisionista disfarçada rumo ao bolchevismo e à aceitação de um período de transição”; ela era totalmente “inaceitável: seus princípios subjacentes, sua essência e seu próprio espírito”.
Esse ataque extravagante era sistemático e parcial demais para ser levado a sério: nele sentia-se o odor de uma disputa pessoal. Como poderiam os autores da Plataforma, sobretudo Arshinov e Makhno, serem tratados como inconfessos bolchevistas, quando eles tinham combatido os bolcheviques de armas à mão e visto seus companheiros serem por eles assassinados? Um fosso de sangue os separava. Por outro lado, Volin, várias vezes, manteve contatos ambíguos com as autoridades bolcheviques, mas não que este seja o ponto mais importante. O impressionante sobre a Resposta foi a falta (deixando de lado a Nabat idealizada) de qualquer referência às ideias e práticas do movimento anarquista. Os próprios autores da Plataforma afirmaram que não haviam inventado nada de novo, mas, simplesmente, aproveitado as ideias acumuladas e as experiências reais do movimento. Nós próprios vimos que Bakunin já havia concebido uma organização específica, com “unidade de pensamento e ação”, o que significa dizer um método de ação coletivo e um “controle fraternal contínuo de cada um por todos”, equivalente à noção exposta na Plataforma de “responsabilidade coletiva”.[5] Para qualquer pessoa com conhecimento suficiente da história do movimento, a afinidade entre a Plataforma e as fraternidades de Bakunin deveria ter ficado óbvia e além de qualquer discussão. Estes debates estavam dispensando atenção indevida às críticas parciais e às intenções desqualificadoras da Resposta.
O Grupo de Anarquistas Russos no Estrangeiro não entrou nessas considerações históricas ou pessoais: poucos meses depois, publicou uma “Resposta aos Confusionistas do Anarquismo”[6] , em que as críticas acerbas da Resposta de Volin e companhia foram refutadas item por item, expondo para que todos vissem as inconsistências entre elas. A acusação de “anarquismo bolchevizante” foi tachada de calúnia ignóbil. Os argumentos ali expostos tornaram-se lugar comum entre os detratores da Plataforma. Algumas opiniões sensatas, porém, foram expostas na época, como essa de L. G., que apareceu em Le Libertaire:
“A Plataforma, tal como exposta ao debate, não foi apresentada como dogma de fé: eu e muitos outros nela encontramos vários pontos bastante discutíveis. A Resposta, que acabei de ler, também contém um número comparável de equívocos. Quero citar apenas um, para não atravancar este trabalho: a Resposta afirma o erro de ver cães e gatos, lobos e cordeiros, acomodados na mesma organização, como a melhor maneira de alcançar seus fins. Para mim, a afirmação é risível, pois, neste aglomerado, nada mais haveria senão desavenças acirradas, retaliações e ressentimentos. Percebo na Resposta muita rejeição, sem qualquer sentimento de tolerância. Gostaria, que deixássemos um pouco de lado esta longa fraseologia sobre o amanhã e que pudéssemos ser mais realistas na propaganda de hoje. [7]”
Dois anos depois, Volin, Fleshin, Steimer, Sobol e Schwartz publicaram uma diatribe contra Dielo Truda, acusando seus membros, desta vez, de promover uma campanha contra os anarquistas intelectuais. O anarquismo dos trabalhadores e dos camponeses foi descrito como um “verdadeiro anarco-hooliganismo”(?!), comparável ao antissemitismo![8] O pequeno e irritante detalhe é que, à parte todas essas picuinhas, eles não conseguiram produzir um único texto em que finalmente expusessem suas próprias opiniões. Não que nisso houvesse alguma surpresa, pois este comportamento era, afinal de contas, muito frequente: incapazes de, por iniciativa própria, produzir algo positivo ou construtivo, algumas pessoas, anarquistas ou não, dizendo-se professar as tendências mais radicais, no papel pelo menos, são rápidas em perscrutar ao microscópio as realizações alheias, decretando se elas são boas ou ruins. Estas “moscas inoportunas”, por outro lado, não se dão conta do fedor insuportável em que vivem e se agitam. A realidade e os vendavais da história os deixaram à margem, para nunca mais voltar, mas é importante considerar que este fenômeno é comum e repete-se de tempos em tempos.
Enquanto isso, os debates organizados por Dielo Truda sobre a Plataforma repetiram-se em intervalos regulares. Militantes de todas as partes do mundo participaram do encontro que se realizou em 12 de fevereiro de 1927. Arshinov, Makhno e quatro outros membros, representando o grupo russo; Pierre Odéon, da juventude anarquista da França; Ranko, como delegado do grupo polonês; vários espanhóis, inclusive Orobon Fernandez, Carbo e Gibanel; e numerosos exilados, na condição de participantes individuais, como Ugo Fédelli, o búlgaro Pavel, o chinês Chen, o francês Dauphin-Meunier, e outros. A reunião foi realizada na sala dos fundos de um café de Paris, em várias línguas, como russo, alemão e, evidentemente, francês.
Arshinov fez o primeiro discurso, como de costume, expondo as teses de seu grupo, cuja implementação, acrescentou, era do interesse tanto da França quanto do movimento internacional. Na condição de refugiados, era difícil para a maioria dos participantes agir em solo francês, porquanto careciam de base social, sendo desejável que se constituísse algum órgão internacional francófono, capaz de tratar das questões essenciais do movimento. Um espanhol falou em seguida e exortou o movimento espanhol a imbuir-se de preocupações semelhantes. Odéon anunciou seu apoio à Plataforma e perguntou se as pessoas presentes tinham mandato para tomar decisões. Ranko apresentou de imediato uma proposta objetiva para que se constituísse uma comissão provisória com o propósito de criar uma Internacional Anarquista. Vários dos presentes expressaram reservas, mas, mesmo assim, formou-se uma comissão interina, composta de Makhno, Ranko e Chen, a qual emitiu uma circular para todas as partes interessadas em 22 de fevereiro de 1927, recapitulando as medidas que tinham por base a Plataforma do grupo russo. Seguiu-se uma convocação para uma Conferência Internacional, a realizar-se em um cinema de Bourg-La-Reine, em 20 de março.
Diante de um grande público, seguindo um programa, Makhno expôs todos os principais pontos da Plataforma. Os ouvintes reagiram de diferentes maneiras. Luigi Fabbri sugeriu pequenas alterações, no que foi apoiado pelos franceses e pelos espanhóis. Chegou-se a um acordo quanto à antecipação da organização internacional, com base nos seguintes pontos, que, portanto, reconheciam: 1.) A luta dos subjugados e oprimidos contra a autoridade do Estado e a força do capital como o fator mais importante no sistema anarquista; 2.) A luta operária e sindical como um dos métodos mais importantes da ação revolucionária dos anarquistas; 3.) A necessidade de constituir em todos os países possivelmente uma União Geral dos Anarquistas, compartilhando o mesmo objetivo final e as mesmas táticas práticas, com base na responsabilidade coletiva; 4.) A necessidade de os anarquistas adotarem uma agenda positiva de ação e construção da revolução social.[9]
No momento em que se preparavam para discutir a moção dos italianos, o recinto foi invadido pela polícia francesa, que prendeu todos os participantes. Algum informante do governo ou inimigo da Plataforma havia denunciado à polícia que alguma conspiração estava em andamento. No entanto, o esquema não foi totalmente abortado, pois o secretariado interino, composto de Makhno, Ranko e Chen, divulgou uma carta, em 1º de abril de 1927, anunciando a criação da Federação Internacional Comunista Anarquista, que adotara na íntegra, sem alterações, as propostas do grupo russo, antes das emendas sugeridas pelos italianos. Tudo isso precipitou os acontecimentos e revelou-se sobremodo atabalhoado em relação aos italianos, que não hesitaram em deixar claro que, “por enquanto”, não poderiam associar-se ao projeto. Outros participantes da conferência expressaram opiniões semelhantes. A situação foi, então, frustrada pela precipitação (ou, se se preferir, pelo excesso de entusiasmo) de Makhno e Ranko.
No congresso realizado em Paris, no outono de 1927, da União Anarquista francesa, os partidários da Plataforma derrotaram os defensores da Síntese e outros recalcitrantes. Os dissidentes, liderados por Sébastien Faure, cindiram e constituíram a Associação Federal dos Anarquistas [Association Fédérale des Anarchistes]. Faure, o velho tribuno, não era contra tal forma de organização e nem o tipo de pessoa que repousa sobre louros, mas queria uma “organização vigorosa e poderosa, capaz de reunir, no momento conjurado pela gravidade das circunstâncias, todas essas forças revoltosas, representadas por numerosos grupos ativistas” e por um “proletariado disposto a praticar ações decisivas, por meio de uma sucessão de distúrbios, agitações, greves, levantes e insurreições”.[10] Portanto, Faure nada tinha em comum com o diletantismo de Volin, e, durante algum tempo, arcou com pesados encargos pessoais. Rejeitou os argumentos da Plataforma por considera-los demasiado sectários, optando com obstinação pela mentalidade, decerto sentimental, de uma “família feliz”, ou, como ele próprio descreveu, em termos jocosos, “um grande festival de abraços e beijos”: ele era uma pessoa muito agradável, cheia de boa vontade. Os velhos anarquistas sentiam que o anarquismo em breve precisaria muito de afetividade e solidariedade, pois eram muito fortes as perspectivas de confrontos sociais e militares.[11]
Na Itália, o fascismo de Mussolini já se instaurara no poder há alguns anos e a reação era generalizada. Errico Malatesta estava em prisão domiciliar, com a correspondência censurada. Mesmo assim, obteve informações sobre a Plataforma e redigiu uma análise crítica, que foi publicada em Réveil Anarchiste, primeiro em Genebra, antes de ser divulgada sob a forma de panfleto em Paris. Embora também fosse partidário da organização, ele não concordava com a ideia de responsabilidade coletiva nem com a existência de um Comitê Executivo. Na avaliação dele, os autores da Plataforma estavam
“obcecados com o sucesso dos bolcheviques na terra natal deles: procuravam, à maneira dos bolcheviques, reunir os anarquistas numa espécie de exército disciplinado que, sob orientação ideológica e prática de alguns líderes, marchariam em uníssono contra os regimes vigentes e que, depois de garantir a vitória material, direcionariam a formação da nova sociedade.”
Em Dielo Truda, Arshinov publicou “O Antigo e o Novo no Anarquismo”[12] , em que respondeu às objeções de Malatesta e reiterou com infinita paciência os principais aspectos da abordagem do grupo russo. Makhno também enviou uma longa carta ao velho companheiro de Bakunin, atribuindo as divergências entre eles a mal-entendidos. Malatesta só veio a saber desta carta quase um ano depois, por causa da censura, e respondeu a ela de imediato. Talvez a tradução tenha obscurecido o significado das palavras, mas ele ainda se mostrava hostil à questão da responsabilidade coletiva, sugerindo, em seu lugar, a responsabilidade moral, e contrário à existência de um Comitê Executivo, que ele comparava a um “governo perfeito e rematado”, com a polícia de prontidão e os burocratas de plantão! Novamente, Makhno respondeu-lhe:
“Creio que um verdadeiro movimento social, como concebo o movimento anarquista, só pode ter políticas positivas depois de dotar-se de formas organizativas relativamente estáveis, que lhe forneçam os meios necessários para a luta contra os distintos sistemas sociais autoritários. Foi a falta destes meios que levou a ação anarquista, sobretudo durante as revoluções, a degenerar numa espécie de individualismo local, tudo porque os anarquistas, ao declarar-se inimigos de “toda e qualquer constituição”, viram as massas afastarem-se deles, pois não inspiravam esperança de qualquer realização prática. Para lutar e vencer, precisamos de táticas cuja natureza seja definida em um programa de ação prática. [...] Quanto às realizações práticas, os grupos anarquistas autônomos devem ser capazes, em face de cada nova situação que se apresente, de concentrar-se nos problemas a serem resolvidos e nas respostas a serem dadas, sem hesitações e sem alterações no espírito e nos objetivos anarquistas.[13]”
Tempos depois, Malatesta mudou um pouco sua opinião sobre a “responsabilidade coletiva”, a qual ele considerava “mais adequada em alguns agrupamentos militares”, pois, para ele, o conceito implicava “submissão cega de todos aos desejos de poucos”. Ele admitiu que talvez se tratasse de um problema de semântica, mas que, se se estivesse falando de uma questão de “entendimento e companheirismo que devem prevalecer entre os membros de uma associação [...], estaríamos perto da concordância”.[14] Foi, decerto, o isolamento e o problema de semântica que levaram o grande velho do movimento a esta incompreensão.
Pierre Besnard, líder da Confederação Geral do Trabalho – Sindicalista Revolucionária [Confédération Générale du Travail – Syndicaliste Révolutionnaire] (CGT-SR) e teórico anarcossindicalista, não tinha essas dúvidas sobre a responsabilidade coletiva: no verbete que redigiu para a Encyclopédie Anarchiste sobre responsabilidade, ele a descreveu como o princípio organizacional fundamental do comunismo anarquista. Nada fez para excluir a responsabilidade individual de todos os membros do grupo; não havia contradição entre a responsabilidade individual e a responsabilidade coletiva: eram conceitos complementares e imbricados.
“A responsabilidade individual é a forma original de responsabilidade: emerge da consciência. A responsabilidade coletiva é sua forma social e final. Amplia a responsabilidade para a coletividade: assim a estendendo, de acordo com o princípio da solidariedade natural, que é, ao mesmo tempo, uma lei física, tão aplicável às partes componentes da sociedade, quanto às blocos de construção de qualquer organismo, animado ou inanimado, ela torna cada indivíduo responsável por suas ações perante a coletividade como um todo. E, por meio da reciprocidade, por meio do controle, ela torna a coletividade responsável perante todos os seus membros individuais. Como o federalismo em si, do qual é, de fato, um dos elementos principais, a responsabilidade coletiva opera em duas direções: ascendente e descendente. Torna obrigação do indivíduo responder por suas ações perante o grupo e torna este último responsável perante os indivíduos em si. Portanto, pode-se afirmar que as duas formas de responsabilidade são determinantes recíprocos. A responsabilidade coletiva é a consagração e o refinamento da responsabilidade individual. [15]”
Para Besnard, isso era positivo, algo que tornava a organização tanto metódica quanto maleável, com a máxima capacidade de contração e descontração.
Maria Isidin também publicou sua própria crítica à responsabilidade coletiva (que ela rejeitou em favor da responsabilidade moral) em “Organização e Partido”.[16] Basicamente, ela opunha-se ao princípio das decisões majoritárias, que a minoria teria de acatar, sem questionamento. Arshinov respondeu-lhe, um pouco mais tarde.[17]
Makhno rebateu as críticas que procuravam salientar o caráter alegadamente antianarquista da Plataforma. Em especial, contestou os comentários de Malatesta referentes à unidade tática e posicionou-se contra a utilização de qualquer tática por qualquer membro de uma organização anarquista, posição que atribuiu ao velho agitador italiano. Esta dispersão de esforços nada poderia produzir e, em tempos de revolução, não era de modo algum a maneira adequada de conectar-se com as massas, observou.[18]
A mesma edição da revista trazia um artigo de V. Khudoley, anarquista russo que havia ficado na URSS e que era entusiástico adepto de Dielo Truda. Khudoley enfatizou a inovação de a Plataforma ter atribuído prioridade do político sobre o econômico, ou seja, do agrupamento ideológico constituído no seio dos sindicatos. Assim, o Partido Comunista Anarquista era, na opinião dele, “a minoria consciente que orienta o movimento revolucionário para objetivos libertários por meio do próprio exemplo”. As organizações de trabalhadores e camponeses, os sindicatos e as cooperativas eram “a minoria ativa que impulsionava a revolução”. Ele evocou Bakunin como precursor desta ideia. A denominação “União Geral dos Anarquistas” alimentou a crença de que todos os anarquistas deveriam sentir-se obrigados a associar-se à entidade, quando não era este o caso. A preferência de Khudoley era pelo termo “partido”, que lhe parecia mais preciso, por abranger apenas alguns dos anarquistas, com base em afinidades teóricas e em uma vontade comum de afiliar-se à organização; isso não significava, de modo algum, um rompimento com os outros anarquistas do movimento. Em suma, os defensores de uma teoria homogênea tinham liberdade para organizar-se como partido. Em última análise, Khudoley ficou surpreso ao se deparar com tanto barulho sobre um projeto que poderia ser aceito ou rejeitado por qualquer pessoa.
Também na mesma edição, Arshinov publicou um breve resumo do debate provocado pela Plataforma, no qual enumerou quatro tipos de reação ao documento: hostilidade, incompreensão, ignorância deliberada ou involuntária, e simpatia ou até entusiasmo. À luz dos objetivos almejados, os resultados, para ele, foram escassos, masa maré baixa do anarquismo em muitos países poderia ser uma explicação para tanto. A Plataforma havia sido a única tentativa, em dez anos, de fazer algum progresso prático e positivo para o avanço do movimento. Ele, porém, reproduziu uma carta muito crítica de um companheiro que escreveu a ele da Rússia:
“Em minha opinião, você exagerou ao preconizar a organização de um partido. Creio que seu pensamento desenvolve-se da seguinte maneira: os bolcheviques venceram graças à organização deles; logo, também nós devemos ter uma organização. Evidentemente, nosso exército não será vermelho, mas negro; nosso GPU [Departamento Político do Estado, polícia secreta da Rússia, de 1923 a 1924] não será estatista, mas algo diferente; nosso partido não será centralista, mas federalista. Como vários outros companheiros aqui, não concordo de modo algum com você. Seus esforços para fazer com que o movimento saia do pântano verborrágico em que meteu, com base na experiência dos anos recentes, são muito elogiáveis... Mas, na minha avaliação, você sucumbiu à tentação bolchevique.”
Este correspondente, no entanto, teve de destacar o valor da revista, a seriedade de sua abordagem das questões e a imparcialidade em seu tratamento; para ele e seus amigos, estes eram sinais de que o anarquismo estava vivo.
Arshinov mencionou outras divergências que ele tinha em relação a vários pontos da Plataforma: produção, defesa da revolução ou mesmo utilização de certos termos. Contudo, observou que, até então, as reações hostis tinham omitido o ponto essencial: “a apreciação de nosso enfoque quanto à questão da organização e quanto ao método esposado para resolvê-la”. Acima de tudo, a Plataforma era uma tentativa de encontrar uma solução para um problema prático específico. Colocou que qualquer pessoa que não tivesse medo de encarar a atual situação do movimento chegaria a esta conclusão sem qualquer dificuldade. No movimento anarquista russo, por exemplo, coexistiam duas tendências: a tendência confusionista, nos Estados Unidos, com a revista Rassviet [Aurora], que mantinha relações ambíguas com os imigrantes reacionários russos; e a tendência mística, em Moscou. Toda uma gama de outras tendências ou nuances ainda coexistiam dentro do movimento e não tinham nada a ver com o anarquismo classista e revolucionário. Nada havia de novo nesta situação e foi por isso que o movimento nunca conseguiu atuar com unidade e coordenação. Suas ações eram contraditórias e até antagônicas, anulando todos os esforços práticos. O ambiente estava tão imerso nestas contradições que não havia sentido em tentar unifica-lo ou “sintetizá-lo”. A única maneira de emergir do caos e restaurar a saúde do movimento era selecionar um núcleo de militantes ativos, com base em um programa teórico e prático, homogêneo e definido, e, assim, promover uma diferenciação ideológica e organizacional. Tal era o propósito da Plataforma. Uma organização unida em torno de suas teorias e táticas (um partido) livraria nosso movimento de todas as contradições clamorosas (internas e externas) que esmorecem os trabalhadores, demonstraria a potência das ideias e táticas do comunismo anarquista, e, sem dúvida, arregimentaria os elementos revolucionários do campesinato e dos trabalhadores. Finalmente, quem não concordasse com esta abordagem e esta mentalidade poderia expor as próprias ideias, para que se discutissem as alternativas.
Na segunda parte de seu texto, Arshinov respondeu às objeções que tocavam em alguns pontos. Com referência à produção, havia quem considerasse que a unidade proposta contradizia a descentralização, e que os sovietes de camponeses e operários, assim como os comitês de fábricas e oficinas, eram mais compatíveis com o regime de sovietes livres do que com a ideia das comunas anarquistas. A unidade de produção significava que todo o processo era comunista, que a propriedade pertencia a todos, e não a indivíduos ou grupos privados, pois, de outro modo, isso significaria a restauração do capitalismo. Esta unidade de modo algum implicava centralismo; muito ao contrário. Se houve uma oposição à descentralização, foi simplesmente para que não houvesse o bem-estar de grupos específicos em detrimento de outros. Quanto ao papel dos sovietes, tratava-se de uma questão executiva e técnica, relativa à produção ou ao consumo. Eles nada tinham em comum com os sovietes políticos, cujos membros não participavam da produção. Na Plataforma havia apenas um rascunho do primeiro estágio da jornada rumo à comuna anarquista: se lá houvesse erros ou deslizes, a inteligência coletiva do movimento os identificaria e os retificaria. Os autores foram os primeiros a procurá-los, pois não estavam interessados em ocultar problemas, mas em resolvê-los, imbuídos do mais autêntico espírito anarquista. Ademais, eles seriam resolvidos por meio do pensamento e da prática coletivas do movimento.
Quanto à organização, o aspecto mais criticado foi o formato de “partido”, pois parecia afrontar os princípios anarquistas. Tal alegação carecia de fundamento, pois era errado e absurdo achar que um partido deve ser necessariamente uma organização autoritária, com desígnios de poder. Trata-se, tão somente, de uma reunião de pessoas que compartilham as mesmas crenças e perseguem os mesmos fins específicos, os quais não consistem, necessariamente, na conquista do poder. O tão depreciado Comitê Executivo era, como o próprio nome sugere, meramente executivo, ou seja, ele deveria levar a cabo as atribuições técnicas a ele confiadas pelo congresso. Além disso, este órgão sempre existira entre as organizações anarquistas – a Internacional Sindical Anarquista, por exemplo, tinha algo equivalente, com seu secretariado. Em conclusão, Arshinov observou que a maioria das objeções baseava-se em interpretações equivocadas ou em distorções intencionais. Por conseguinte, recomendou, no primeiro caso, uma leitura mais atenta da Plataforma, e, no segundo caso, o reconhecimento da própria incapacidade. Neste ponto, encerrou seu balanço de três anos de discussões e controvérsias diversas.
No fim desta edição da revista havia uma carta do coletivo dos anarquistas de Moscou, assinada por Borovoi, Barmach e Rogdaiev, saudando os esforços de Dielo Truda; nada mais se poderia esperar de anarquistas revolucionários. Este poderia ter sido um sinal, mas o GPU atacou os meios anarquistas da URSS, até então tolerados a contragosto pelo regime. Os signatários da carta à Dielo Truda, Khudoley e dezenas de outros foram aprisionados ou deportados. Naturalmente, todas as ligações com o Ocidente foram rompidas ou proibidas. Curiosamente, Arshinov foi preso pela polícia francesa, que o acusou de engajamento em atividades políticas incompatíveis com seu status de refugiado político, e o expulsou para a Bélgica, em janeiro de 1930. Sob golpes conjuntos da repressão stalinista e francesa, o trabalho de esclarecimento e de articulação realizado pelo grupo Dielo Truda foi banido da Europa. Depois de alguns meses, a revista renasceu, dessa vez em Chicago, nos Estados Unidos. Arshinov continuou contribuindo para suas colunas, embora de maneira irregular. De repente, explodiu uma bomba: ele publicou um panfleto em que, referindo-se ao Lênin de O Estado e a Revolução, reconhecia a necessidade da ditadura do proletariado como a única saída para o impasse histórico e teórico do movimento. Na esteira do levante revolucionário espanhol de 1931, ele via apenas um caminho para os anarquistas espanhóis: o estabelecimento da ditadura do proletariado ou o reformismo e o oportunismo. Esta análise surpreendente associava-se a uma recomendação ainda mais consternadora: que era necessário manter contato com a embaixada da Rússia e com os partidos comunistas em todo o mundo!
Esse recuo, entretanto, foi compensado por alguns artigos virulentos contra o bolchevismo e Stálin, publicados mais ou menos na mesma época. Como explicar este clamoroso paradoxo? O depoimento de Nikola Tchorbadiieff, amigo íntimo de Makhno e Arshinov, com quem ele morou em Vincennes durante vários anos, sugere a única explicação lógica. Em seguida à sua deportação, que fora postergada durante algum tempo, graças à influência de vários franceses importantes, Arshinov viu-se às voltas com dificuldades materiais e pessoais com a esposa, que estava cansada da vida no exílio. Desanimado pelas controvérsias contínuas e pelo deprimente estado do movimento anarquista, Arshinov procurou Sergo Ordzhonikidze, que conhecera 20 anos antes, quando eram companheiros de cela na prisão, e que, na época, desfrutava de proximidade com Stálin. Ordzhonikidze comprometeu-se a ajudá-lo a voltar para casa, mas, evidentemente, havia condições específicas para tanto: ele teria de renegar todas as críticas ao bolchevismo e romper todos os laços com o movimento anarquista. Foi o que Arshinov decidiu fazer, não sem algumas dores de cabeça, pois teve dificuldades em dar as costas a todas as suas atividades; não só aos 25 anos como militante anarquista, mas também aos cinco anos de esforços construtivos com Dielo Truda. Além disso, nos dois panfletos que publicou, reconhecendo a existência da ditadura do proletariado e de um Estado “operário” na URSS, não havia autocrítica de suas atividades, mas somente um balanço detalhado do panorama negativo do anarquismo em vários países em todo o mundo, a ponto de, em quase 50 páginas de texto, haver apenas três ou quatro frases autênticas de compromisso político, como as recomendações de manter contato com a embaixada soviética e de defender o Estado operário contra o perigo crescente de reação mundial. Antes de retornar à URSS, em 1933, Nikola Tchorbadiieff fez-lhe a seguinte pergunta: “Você se tornou bolchevique?”, à qual Arshinov respondeu: “Você acha que eu poderia?”, e explicou seu retorno em termos de falta de perspectivas para a atividade militante na França e na Europa; na Rússia, estava disposto inclusive a juntar-se ao Partido Comunista para continuar trabalhando pelo anarquismo.[19]
Portanto, tratava-se mais de um ato de desespero pessoal do que de efetiva conversão política. Em todo caso, Arshinov seria fuzilado em Moscou, em 1937, sob acusações de ter tentado “reconstruir o anarquismo na Rússia Soviética”. Em consequência, parece que havia posto em prática seu plano de ação clandestina, que consideramos mais compatível com seu anarquismo fanático em favor da classe trabalhadora, com sua militância e com sua forte determinação pessoal – qualidades que ele já havia demonstrado sucessivas vezes.
Que presente para os adversários da Plataforma! Por suas ações, o pior inimigo deles estava confirmando as acusações que reiteravam; era algo melhor do que podiam esperar e eles exploraram ao máximo este fato. Talvez seja Max Nettlau aquele que foi mais longe. Embora nunca tenha conhecido Arshinov pessoalmente, Nettlau asseverou com frieza que ele nunca tinha sido anarquista: segundo alegou, ele teria conservado suas convicções bolcheviques de 1904 e só teria se aproximado do anarquismo em função de seus aspectos radicais e terroristas. Por uma ou outra razão, talvez Arshinov tenha esquecido de juntar-se ao grupo em 1917, mas agora estava corrigindo esta omissão; Nettlau desejou-lhe “boa viagem”, enquanto torcia para que superasse os obstáculos que vinham fazendo com que andasse em círculos.[20]
Em nossa visão, tal posição era um pouco precipitada, pois, embora realmente tivesse sido o porta-voz oficial da Plataforma, Arshinov não era de fato o único autor, o que tornava necessário o estabelecimento de uma relação de causa e efeito entre o texto, cujo tema básico era a condenação contumaz do bolchevismo, e seu retorno à URSS. Com efeito, algo deve ser sempre tomado em conta por aqueles que realmente quiserem compreender a abordagem de Dielo Truda: o fato de, durante mais de 15 anos, entre 1906 e 1921, Makhno e Arshinov terem atuado dentro do movimento anarquista; primeiro, pela ação direta, depois na prisão, e, finalmente, na revolução e no extraordinário movimento insurgente ucraniano, conhecido como movimento makhnovista. Logo, foram as lições e os ensinamentos de todas estas atividades militantes e combativas que eles puseram no papel ao redigirem a Plataforma. Quem quiser rejeitar o documento terá de “jogar fora o bebê junto com a água do banho”, ou seja, repudiar o que foi, juntamente com a Espanha entre 1936 e 1939, o experimento revolucionário mais radical do século 20. Com base nestes fundamentos, consideramos todas as picuinhas dos críticos da Plataforma inadequadas e, sobretudo, inconsequentes. Pedir “satisfação” aos autores, enfatizar em demasia as mais tênues insinuações e farejar obsessivamente o “mal” – a propalada bolchevização do anarquismo – entre as linhas de um texto tão límpido e cristalino, nada mais é que uma atitude que não permite observar para além de um “negativismo” relativo ou absoluto, a praga incapacitante de certa tradição anarquista.
O que, então, houve de tão extraordinário nessa famosa Plataforma? Para eliminar as reiteradas confusão e dispersão das ideias e dos esforços anarquistas, ela preconizava a elaboração de uma teoria coerente e a consequente coesão na ação, o que envolvia, necessariamente, a concepção de um programa comunista libertário e a adoção de uma linha política consistente. Tudo isso deveria ser um empreendimento coletivo, não de uns poucos e reconhecidos líderes ou chefes. De fato, ela envolve uma retomada da tradição bakuninista da Aliança e das Fraternidades, à luz das experiências históricas militantes vivenciadas pelos autores deste documento. Quem poderia questionar tal proposta? As mesmas velhas figuras de sempre, os procrastinadores contumazes, os vaniloquentes incorrigíveis, todos os que, afinal, tinham algo a perder, seja a mera satisfação de pequenas vaidades, seja, em última instância, o simples conforto na sociedade estabelecida. Dito isto, a oposição mais ruidosa veio da comunidade de emigrantes russos – que não tinham nada em comum com o campesinato ucraniano makhnovista – e de alguns anarquistas veteranos. Nesse ponto, a síndrome de Marx, que infligira tantos danos antes de 1914, foi substituída, com vantagens, pela obsessão por Lênin e seu partido monolítico, tanto que a simples menção de “partido” era como referir-se à corda numa casa de enforcados! Talvez Arshinov, Makhno e seus companheiros pudessem ter sido mais cautelosos, ter utilizado eufemismos, ter espalhado pontos de interrogação pelo texto e ter “pisado em ovos”, em vez de, na condição de “bons cossacos”, terem agido estrondosamente, oferecendo aos ingênuos sonhadores da anarquia o sabor do sabre!
A defecção de Arshinov não dissuadiu Makhno de difundir as principais ideias da Plataforma. Ele fez um apelo contundente ao congresso da União Anarquista Comunista Revolucionária (UACR), em Paris, em 1930.[21] Em vão; os plataformistas viram-se em minoria, com sete grupos contra 14. É verdade que Arshinov havia considerado que eles estavam próximos de um desvio centralista, uma espécie de aplicação literal dos princípios organizacionais sem considerar o espírito a eles subjacente. Mesmo assim, só em 1934 constituiu-se uma “união sagrada” dentro da União Anarquista (nesse ínterim, os adjetivos “comunista” e “revolucionário” foram abandonados), em função da preocupação crescente com a situação internacional e com a tentativa de coup de force pela extrema direita na França, em 6 de fevereiro de 1934. A esta altura, estabeleceu-se uma tendência plataformista homogênea, denominada Federação Comunista Libertária (FCL). Mais tarde, a Frente Popular e os acontecimentos na Espanha polarizariam a atenção e os esforços de maneira que a unidade prática superaria as dissensões teóricas.
[1] Le Libertaire, núm. 103 (25 de março de 1927) e núms. 106, 107 e 112 (27 de maio de 1927).
[2] Ver: Alexandre Skirda. Nestor Makhno, le cosaque de l’anarchie. Paris, A.S.,1982, pp. 323–326; Nestor Makhno. La Lutte Contre l’État et autres écrits. Paris: J. P. Ducret, 1984, pp. 136–143.
[3] O documento é o seguinte: “A Organização ‘NABAT’ na Ucrânia”, assinado por “Um nabatoviano” e publicado em Dielo Truda núm. 32 (janeiro de 1928). Em breve, a tradução deste documento ao português será disponibilizada; por ora, ele pode ser acessado em inglês e francês no livro de A. Skirda Facing the Enemy / Autonomie Individuelle et Force Collective (dados abaixo). (N. E.)
[4] Este texto pode ser acessado em inglês aqui: www.nestormakhno.info.
[5] O livro de A. Skirda Facing the Enemy / Autonomie Individuelle et Force Collective (dados abaixo) possui três capítulos que abordam a questão organizativa em Bakunin. São eles: “Bakunin: programas do anarquismo revolucionário”, “A Organização Bakuninista” e “A Aliança, a AIT e o Enfrentamento com Marx”. (N. E.)
[6] Em breve, a tradução deste texto ao português será disponibilizada; por ora, ele pode ser acessado em espanhol aqui: www.nestormakhno.info. (N. E.)
[7] Le Libertaire, núm. 133 (21 de outubro de 1927).
[8] Golos Truda, (1 de novembro de 1928).
[9] De acordo com o relato de Ugo Fedelli em Voluntà, núms. 6–7 (15 de janeiro de 1949).
[10] Sébastien Faure. Les anarchistes, qui nous sommes, ce que nous voulons, notre revolution. Paris, 1925?, p. 15.
[11] Ver: “La Synthèse Anarchiste”. In: Le Trait d’Union Libertaire, boletim da AFA, núm. 3 (15 de março de 1928). Para um exame da imprensa sintetista da época e da discussão da “Plataforma” em Le Libertaire, ver a dissertação de mestrado: Elizabeth Burello. Le Problème de l’Organization dans le Mouvement Anarchiste de l’Entre-Deux-Guerres (1926–1930): Le débat sur la Plateforme. Paris: Centre d’Histoire du Syndicalisme, 1972, 155 pgs.
[12] Em breve, uma nova tradução deste texto ao português será disponibilizada; por ora, a antiga tradução pode ser acessada em www.nestormakhno.info. (N. E.)
[13] Errico Malatesta, Anarchie et Organisation (Paris, 1927), reimpresso várias vezes desde então. Ver especialmente: Errico Malatesta, Articles Politiques (Paris, 1979), que também contém a correspondência com Makhno, exceto a segunda carta, que apareceu em Le Libertaire, núm. 269 (16 de agosto de 1930).
[14] Le Libertaire, núm. 252 (1º de abril de 1930).
[15] Pierre Besnard. “La Responsabilité”. In: La Brochure Mensuelle (setembro de 1933) e L’Encyclopédie Anarchiste, editada por Sébastien Faure.
[16] Em breve, a tradução deste texto ao português será disponibilizada; por ora, ele pode ser acessado em inglês aqui: www.nestormakhno.info. (N. E.)
[17] Piotr Arshinov. “Novos e Antigos Elementos no Anarquismo (novembro e dezembro de 1928). Em breve, a tradução deste texto ao português será disponibilizada; por ora, ele pode ser acessado em espanhol aqui: www.nestormakhno.info. (N. E.)
[18] Dielo Truda, núms. 48–49, 1929.
[19] Piotr Arshinov, “Anarquismo e Ditadura do Proletariado” [em russo] (outubro de 1931), 16 pgs., e “Anarquismo e Nossos Tempos” [em russo] (janeiro de 1933), 30 pgs. Ver depoimento de Nikola Tchorbadiieff no vídeo que produzimos com Marie Chevrier: Nestor Makhno raconté par son ami Nikola (Paris, 1987), 35 mm.
[20] Max Netllau. “Da ‘Plataforma’ ao ‘contato próximo’ com o Estado proletário na URSS” [em russo]. In: Notes on the History of Anarchist Ideas (Detroit, EUA, 1951), pp. 370–379.
[21] Reproduzido por Jean Maitron, em Le Mouvement Social, núm. 83, (1973), pp. 62–64. Quanto à revista Dielo Truda, ela se manteria ativa nos Estados Unidos por mais 30 anos.