tradução de raividições, 2006. revisão e reedição: edições insurrectas, verão 2022
Anônimo
31 teses insurrecionais
questões de organização
Axs companheirxs presxs da guerra social e muito especialmente àquelxs que, além de sofrer a prisão, têm que suportar toda a verborreia dos ideólogos pseudo-revolucionários que desejariam submetê-lxs às suas próprias limitações.
prólogo
O texto que se segue pretende retomar o debate sobre a organização desde uma perspectiva anarquista. Tema antigo, sempre presente, nunca terminado, ainda que haja tenha encontrado a certeza neste ou naquele modelo.
Não se iluda, não encontrará nas páginas que se seguem nenhuma novidade (maldita palavra de marketing) - já no século passado se debatia em termos semelhantes – nem tão pouco receitas mágicas que nos poupem o esforço de pensar e agir, questionar, criticar e experimentar; se há algo que se tenta, é precisamente incentivar isso mesmo. Nos falta debate e comunicação, ação e experimentação; nos sobra monotonias, certezas e modelos.
As “questões de organização” são propositadamente subjetivas e intencionalmente críticas. Este texto, que no próprio título já se define como insurrecional, surge do desejo de destruir o existente e trata de pesquisar os caminhos que tornem possível a materialização desse desejo, procurando, a partir da palavra, o encontro, na palavra e na ação, com todas as pessoas insurgentes que mantêm viva a demolidora paixão da liberdade.
I.
Sempre existiram duas tendências visíveis no Movimento Operário. Uma é a tendência etapista que, conservando as vitórias “parciais”, pretende fixá-las como degraus ascendentes à conquista do céu. Outra é a tendência insurrecional, que faz do presente o próprio momento de possibilidade revolucionária. Na prática não têm existido linhas precisas de demarcação de ambas as tendências. As duas tendências encontram os seus semelhantes no movimento libertário.
II.
A tendência etapista define-se na prática de reivindicação como modo gradual de alcançar transformações globais. Assumindo a negociação com o Poder e subordinando a confrontação direta com ele. Fixando as suas perspectivas revolucionárias no futuro, trata de acumular no presente o maior número de adeptos, aos quais tenta conscientizar, até que surjam as condições (??) essenciais para um ideal assalto aos Palácios de Inverno. O crescimento quantitativo é, consequentemente, o seu primeiro objetivo.
Essa tendência se organizou historicamente em estruturas clássicas (partidos, sindicatos, etc.). A estrutura clássica é representativa enquanto se erige em representante material ou espiritual, não apenas dos seus membros, mas de todo o colectivo de explorados, convertendo-se no eixo do “verdadeiro” movimento proletário.
É desse ponto que se impulsiona e estimula a “consciência de organização”, a pertença a um grupo homogêneo acima do indivíduo, do qual se pode ser e com o qual se identifica e te identificam. A estrutura clássica é uma estrutura pesada, que produz e reproduz aparatos burocráticos. Tem os seus comícios de decisão, comitês representativos e executivos e um emaranhado de protocolos, vícios e normas.
Simbolicamente, concebe-se como guardião do sangue dos mártires, do passado glorioso, dos princípios imutáveis. Estimulando o culto à personalidade, seja do herói morto ou do distinto companheiro vivo.
As organizações pesadas são conservadoras em si mesmas e tendem a se preservar no tempo, apesar das conjunturas que as fizeram surgir terem se modificado. Por isso, uma parte importante do seu tempo é dedicada a realizar “análises” e gestos que mostrem a indescritível necessidade e “atualidade” do modelo organizativo. O resto do seu tempo divide-se nas reivindicações concretas como forma de proselitismo; na organização da Organização, chegando-se ao máximo de complexidade possível; e na reprodução ideológica, tendo nas referências passadas uma verificação da sua existência.
A tendência etapista e as formas orgânicas que adota nos mostram a permeabilidade no Movimento Operário dos valores sistemáticos; a burocratização inerente à organização pesada, a delegação do indivíduo no colectivo, o estabelecimento de hierarquias difusas ou regradas, a rentabilidade da ação como valor de troca, a ação como mercadoria, a assunção de limites e programas mínimos, o reconhecimento do Poder como mediador através da negociação…
III.
No movimento libertário ocorre, como reflexo do Movimento Operário, a tendência etapista. Esta tendência cristaliza o modelo organizativo clássico composto pela organização das massas, pelas organizações específicas e pelas organizações “alargadas” de tipo juvenil, de mulheres, culturais, etc.
Este modelo surgido em princípios do século XX tem um sentido lógico no momento do seu aparecimento, de crise e reestruturação capitalista. Nele se conjugam, sob forma de contradição, tanto a necessidade e o desejo de auto-organização proletária, como o reflexo das mudanças em curso que conduzem a um novo modelo de acumulação capitalista.
No desenvolvimento deste modelo enfrentam-se e complementam-se duas tendências anunciadas. Por um lado existe a prática reivindicativa da tendência etapista, que consolida a estrutura pesada e as burocracias emergentes. Por outro lado são produzidas explosões insurreccionais que rompem com o etapismo e superam a organização pesada num sentido positivo.
A conjuntura histórica de crise capitalista propicia essa contradição. Isso pode observado na revolução espanhola. Enquanto as massas proletárias, animadas pela CNT-FAI, desencadeiam uma revolução sem precedentes, gerando os seus próprios mecanismos auto-gestionados, elas serão, por sua vez, paradas e estranguladas pela burocracia da mesma CNT-FAI, que não encontrará dificuldades em se alinhar com as outras burocracias “operárias” em organismos interclassistas, o que será justificado como “necessidade histórica”. O epílogo é a derrota do Movimento Operário, insuficientemente forte e autônomo para anular e superar, na prática insurrecional, as suas próprias organizações representativas.
IV.
A tendência insurrecional do movimento operário não se identifica com formas regradas de organização, mas com a prática do ataque direto ao Poder, sem admitir negociação, diálogo ou intermediário algum com este. Encontra a sua razão de ser e extração teórica na ação coletiva ou individual do proletariado consciente, que se revolta contra os aparatos de dominação.
O seu objetivo presente e imediato é a destruição de tais aparatos. A materialização desta tendência no movimento de massas surge em todos os momentos de luta direta que superam a mera reivindicação e se fazem donos da sua própria vida e construção teórica. Nascem no e desde o confronto e têm nele o seu sentido, gerando situações concretas de destruição do existente e a criação de realidades autogeridas. As organizações nascidas no movimento insurrecional de massas apenas têm a sua razão de ser no momento concreto da revolta generalizada. A sua construção a priori ou a sua conservação posterior apenas as conduz à prática reivindicativa e/ou à recuperação sistemática.
Desde os Ludditas até à insurreição albanesa que encontramos os sinais característicos desta tendência, de onde explorar as possibilidades, sempre presentes, da sua materialização real.
V.
A tendência insurrecional do movimento operário teve entre xs libertárixs (incluindo neste conceito todos aqueles movimentos que desempenharam uma prática antiautoritária e revolucionária) os seus maiores animadores e impulsionadores. O confronto direto com o Poder e o desejo da sua destruição imediata são inerentes ao pensamento e à prática libertária, que rejeita as “políticas por fases” e as representações simbólicas.
Se bem que a criação desta tendência no movimento libertário não tenha tido as repercussões “espetaculares” como pode ter ocorrido com a tendência etapista, ela está presente em toda a história anarquista com uma prática visível, geradora de tensões no seio do movimento libertário e do movimento operário. As suas reedições mais palpáveis correm paralelas ao desenvolvimento do movimento operário insurrecional e encontram a sua fusão com este através da catarse revolucionária.
O fato de que o movimento insurrecional libertário não ter a magnitude espetacular do movimento anarquista etapista deve-se às suas próprias características. O movimento insurrecional libertário não mantém formas de organização pesadas, nem baseia a sua ação na acumulação quantitativa, nem se ergue como representante de ninguém. Não possui, assim, referências estruturais palpáveis e os seus sinais de identidade seguem o curso do confronto direto e espontâneo do proletariado enquanto este não cai na manipulação e recuperação dos aparatos burocráticos das estruturas clássicas.
É, consequentemente, um movimento difuso, principalmente tangível nos momentos álgidos de insurreição de massas, mas que perdura nos períodos de retrocesso revolucionário, nas mil e uma formas que adquire a revolta (sabotagens, expropriações, absentismo, ...).
Esta tendência não se limita apenas ao ato violento da ação direta, mas tal como o movimento anarquista etapista, também se fornece de meios formais de propaganda, mas, ao contrário desses meios, são apenas ferramentas para avançar até ao confronto e aprofundar na luta insurrecional das massas.
VI.
Dois fenômenos são nomeáveis:
1. Que a tendência etapista no movimento libertário vê como sendo um perigo a existência do movimento anarquista insurrecional. Pistoleirxs, delinquentes, aventureirxs, provocadorxs, infiltradxs, psicopatas, são alguns dos adjetivos que tanto o Poder como o “revolucionário” etapista dedicam às pessoas insurgentes, e ainda que o etapista possa admitir, ou até aplaudir, a insurreição distante (no tempo ou no espaço), não a aceitará no aqui e no agora.
Os seus medos justificam-se. A verificação prática do ato insurrecional põe em perigo a própria estrutura conservadora do “revolucionário” etapista, resguardado do confronto no seu feudo ideológico, de onde pode manter a pose “radical” sem o risco de o ser e manter pequenos e miseráveis redutos de poder reproduzido na forma de hierarquias naturais.
2. Já não existem fronteiras exatas entre ambas as tendências. A intensificação e o retrocesso das lutas fazem com que a convergência e a mistura se dêem frequentemente. Assim, a fronteira inexistente cruza-se em ambas as direções, e a história nos monstra que x anarquista insurrecional encontra a sua lógica no movimento operário revolucionário quando este se desprende dos recuperadores, enquanto o anarquista etapista mostrou no passado a sua facilidade para criar alianças com as organizações clássicas do movimento operário.
VII.
O rótulo insurrecional, concedida por uns e autoassumida por outros, não deixa de ser mais que isso, um rótulo, que corre o risco de se cristalizar em pseudo-ideologia se não se aprofunda no âmbito teórico e prático da prática insurrecional. Mais além da possível moda que possa supor esta “novidade” (que novidade?) para aquelxs que idealizam os seus aspectos mais mórbidos e fictícios (principalmente o uso da violência como estratégia revolucionária) e que, baseando-se num imediatismo voluntarista pouco argumentado, desprezam o papel da crítica. Se dos debates surgidos das práticas insurreccionais apenas valorizamos as formas, não tardará a aparecer quem subscreva um novo –ismo que os poupe de pensar.
VIII.
Desde o que (não) existe, no pobre panorama libertário atual, nos deparamos com um número crescente (crescente pela dinâmica de cisão em que se envolveu, que evidencia a sua debilidade) de organizações pesadas que se reclamam libertárias desde âmbitos muito distintos. Umas aproximam-se mais que outras do reformismo e outras espalham-se nele indecorosamente, enquanto algumas nadam no ostracismo absoluto que não levam a lado nenhum. Das diferentes famílias anarcossindicalistas axs “autonomistas organizadxs”, nos é oferecido um arco-íris de possibilidades perdidas nos trajetos da política reivindicativa etapista.
As suas diferenças teóricas perante um inexistente auditório evidenciam as suas misérias compartilhadas, a impossibilidade de destruir ou contribuir para a destruição da miséria realmente existente e a sua inconsciente contribuição para ela.
Sem um movimento revolucionário em vista, pretendem suplantá-lo a partir de um crescimento quantitativo que os converta na organização guia das massas, deixando tudo procrastinado para um futuro inexistente no qual se voltem a produzir as “condições objetivas” de um passado mistificado. O confronto com a realidade torna-se, consequentemente, impossível.
Nem o 17, nem o 36, nem o 68, nem o 77 vão voltar, por mais que copiemos as organizações que se deram nesses momentos, fato que demonstra que em vez de aprender com os atos históricos apenas temos sido capazes de imitar as suas carcaças.
Sobram mitologias ortopédicas e mentiras complacentes e faltam autocrítica, ação e objetivos concretos para o agora, a partir dos quais projetar todas esses desejos frustrados de rebelião que, estando presentes, se afogam nos restos putrefactos das “velhas e novas” estruturas.
IX.
Três afirmações sobre o presente: 1. O proletariado não foi abolido. Modificou a sua composição no decurso das reestruturações capitalistas, convertendo-se num sujeito menos perceptível, mais irreconhecível. Ainda assim, é crescente, paralelamente à sua decomposição como sujeito unitário, a existência de uma maioria explorada privada de todo o poder de decisão sobre as suas vidas.
2. O capitalismo continua a desempenhar as suas alienações. Estas já não estão apenas sujeitas ao modelo produtivo que tem o seu eixo na fábrica e no trabalho centralizado. No momento em que o capitalismo converteu toda a atividade humana em mercadoria, o trabalho repressivo trespassou os muros do recinto fabril para abarcar todos os aspectos da sobrevivência social. A alienação é agora global.
3. A possibilidade de revolução é uma possibilidade presente. O problema teórico colocado há um par de séculos pelo socialismo não foi resolvido, apenas reestruturado, afundando-se na contradição inerente ao sistema capitalista.
X.
O objetivo revolucionário passa por incidir em tal contradição que possibilita a geração de movimentos reais, capazes de superar o estado atual das coisas. Ataquemos, através da prática subversiva, a realidade cotidiana que todos xs submetidxs à dominação capitalista sentimos, ainda que uma grande maioria veja essa realidade distorcida pela redução a espetáculo que o sistema faz dela. Utilizemos como estratégia o confronto contínuo. Onde e quando as pessoas insurrectas decidam, desde uma perspectiva global que não admita qualquer diálogo com o Poder.
Sair à rua para perturbar a miserável e embrutecedora ordem das coisas, tornando visível a brutalidade sistemática que todos percebemos particularmente. Desprender a nossa raiva é um objetivo possível no aqui e no agora, unir a nossa raiva à dxs nossxs iguais será uma necessidade inevitável.
XI.
O ataque é a ação colectiva ou individual contra o cotidiano, sem necessidade de justificações sob a forma de acontecimentos midiáticos teledirigidos ao Poder. Não é necessário nenhum massacre televisionado para atacar. Protestos dirigidos contra este ou aquele fato parcial apenas colocam em evidência a sua manipulação folclórica, que evitam a globalidade do confronto, reduzindo o protesto a um consentido desabafo vazio. O ataque mostra as suas aspirações destrutivas da totalidade porque o objeto atacado é apenas uma desculpa para questionar o existente. É, consequentemente, irrecuperável.
XII.
A violência é um aspecto secundário no ataque, não a sua razão de ser. O ataque é toda a forma de destruição do existente, de onde parte a possibilidade de gerar novos modos de invenção. A criação-destruição é um processo que se retroalimenta no decurso da luta.
XIII.
A organização informal é um caminho ótimo para a organização do ataque anarquista. A organização informal não se baseia em estruturas clássicas e pesadas, adaptando-se ao momento e à vontade de ação dxs insurrectxs, não submetendo os seus desejos à estrutura e seu programa.
A organização informal dá-se através da afinidade entre pessoas e grupos, e tem nela, e apenas nela, a sua razão de união e de formação de um tecido orgânico nunca acabado, sempre em movimento.
A organização informal ocorre no terreno e pode ser tão extensa como a própria afinidade, não estando seus membrxs sujeitxs a outros compromissos além daqueles adquiridos voluntariamente, e sendo a sua coesão tão forte como a paixão compartilhada pela destruição do poder.
Não possuindo órgão nem comícios de decisão, chega-se a esta através do encontro, da comunicação, do debate e da ação. Os atos nos dão as chaves da afinidade com xs nossxs iguais. Não resta dúvida que havemos de nos encontrar com todos aqueles grupos e pessoas, com que, mesmo sem o saber, estamos a percorrer o mesmo caminho.
XIV.
O militante é a antítese da responsabilidade individual. O primeiro é submissão à ideologia e à organização, é martírio, ação separada da vida, alienação. O segundo é ação vivida e compartilhada, ruptura da alienação, libertação do desejo. Superamos o militantismo quando nos tornamos responsáveis dos nossos atos, por mais que nos custe muitos esforços. A organização informal anarquista é a organização de pessoas responsáveis, não de militantes.
XV.
A organização informal tem uma necessidade de autonomia extrema, já que a sua própria composição é autônoma, da pessoa ao grupo, do grupo à rede.
XVI.
A organização informal tem uma necessidade de comunicação constante, como um todo impreciso que pensa e atua, que decide e luta ao mesmo tempo. O acordo entre as pessoas envolvidas se dá de forma natural e é fruto das necessidades sentidas e da responsabilidade individual.
XVII.
A organização informal tem uma necessidade de autocrítica implacável. Sendo a sua própria existência uma crítica prática ao miserabilismo imposto pela falsa paz social, torna-se imprescindível a análise dos seus atos sem procurar a autocomplacência, evitando a fossilização e a recuperação sistemática, recuperação que é a primeira forma repressiva dos sistema contra as potencialidades revolucionárias.
Tudo é questionável e suscetível de crítica, não há fórmulas mágicas. A partir daqui, a prática ratifica ou não a teoria, e vice-versa, evitando cair na reprodução de estereótipos e modelos ideológicos e questionando todo o a priorismo e mistificação.
XVIII.
A organização informal tem uma necessidade de espaços autogeridos no terreno, a partir de onde as pessoas, grupos e iniciativas insurgentes podem agir, experimentar e se encontrar. Espaços que por si só suponham ruptura e ataque conta o sistema e a partir dos quais se construam situações reais de autogestão libertária.
XIX.
A organização informal tem a necessidade de impulsionar redes de comunicação, debate e difusão de ideias. Redes que satisfaçam a necessidade de comunicação direta entre os insurgentes e as diferentes lutas em curso, sem cair na contra-informação (interpretação e transmissão de notícias, apenas) nem em transmissão ideológica oficial (em pequena escala), nos seus próprios parâmetros alienante.
XX.
A organização informal tem a necessidade de se munir de meios materiais para combater a repressão. A solidariedade com as pessoas perseguidas tem de ser uma constante prioritária, visto que é a única defesa dx revolucionárix. A solidariedade com xs companheirxs represaliadxs não pode ser uma pose ou atividade circunstancial.
XXI.
No seguimento do já dito, a organização informal evita e combate a reprodução no seu interior de relações sociais capitalistas e é geradora de relações sociais comunais e realidade latente, aqui e agora, da sociedade libertária.
XXII.
As necessidades da organização informal não são um catecismo preestabelecido que tem de ser obrigatoriamente cumprido, ponto por ponto. Trata-se de necessidades que aparecem no decorrer da luta e que podem adotar diversas e variadas formas, se bem que, no essencial, são consubstanciais ao desenvolvimento do processo. Nenhuma necessidade verdadeira surge de forma provocada e nenhuma é superior a outra, sendo que estas aparecem como necessárias pela própria dinâmica do confronto.
XIII.
A organização informal não é organização separada das lutas, nem superior ou guia destas. É parte consciente da tendência insurrecional do movimento dxs exploradxs e participante das lutas sociais. Não renunciando ao confronto nos períodos de retrocesso e falsa paz social e fundindo-se de forma natural nos movimentos autônomos de classe, quando estes se desenvolvem numa direção insurrecional.
XXIV.
Por muito que custe a quem diz o contrário, a organização informal é organização. Desde os etapistas organizacionistas, para quem toda a ação tem de passar primeiro por acabar a sempre inconcluída organização perfeita, até axs individualistas, incapazes de articular qualquer atividade na companhia de outrxs e, como consequência, instaladxs na crítica e no gueto das suas próprias ilusões, a gama de opositores teóricos e práticos ao desenvolvimento da organização informal como organização e não como mera formalidade vai desde os seus detratores mais acérrimos aos seus supostos precursores mais teóricos.
XXV.
A mistificação quantitativa passa na atualidade por duas faces da mesma moeda. A de quem necessita da acumulação significativa de paroquianos para decidir fazer alguma coisa que vá mais além das rotinas simbólicas e a de que só é são capaz de fazer desde as capelas grupusculares, supondo que estas são a garantia que previne os males de que são acusadas as organizações pesadas. Se xs primeirxs permanecem instalados no limbo, xs segundxs também não vão muito mais longe, visto que as limitações que supõem ao atuar colectivo xs afasta irremediavelmente da intervenção social e dos hipotéticos movimentos de massas, adotando pouco a pouco a consciência de vanguarda voluntarista e estou a me referir intencionalmente a “movimentos de massas” pelo medo de algumas pessoas a esse termo.
Se a organização informal não é uma organização separada, deve partir, procurar e concluir no movimento dxs exploradxs e estender a sua prática-teoria na e desde a realidade das lutas e não a partir de ilusórias barricadas e fantasiosas clandestinidades, com ânsias tão meritórias como suicidas. A organização informal deveria ser o aglutinante da tendência insurrecional do movimento dxs exploradxs no seu próprio meio, em vez de outro fator de dispersão.
Em qualquer caso, o pequeno número não vacina contra os males inerentes à organização pesada (delegacionismo, organizacionismo, burocratização, ...). Como prova basta passar olhar rapidamente os grupelhos à nossa volta, encobertos sempre nas suas asfixiantes dinâmicas.
XXVI.
Os movimentos sociais autônomos são organismos populares que respondem às necessidades sentidas. Desenvolvem-se à margem dos aparatos de recuperação do Poder, manifestando-se nas práticas da autogestão e da ação direta.
XXVII.
Os movimentos sociais autônomos surgem como negação de aspectos concretos e cotidianos da exploração capitalista. O seu objetivo é destruir esse aspecto, atacar um aparato do Poder. Consequentemente, têm um limite no espaço-tempo.
XXIX.
A criação de situações insurrecionais difusas por parte dos movimentos autônomos, a sua conexão, coesão, amplificação e radicalização transforma os momentos efêmeros de revolta em momentos de evolução e autogestão generalizada. Os movimentos autônomos transformam-se, pela via insurrecional, em movimento revolucionário.
XXX.
Os movimentos sociais diferem dos movimentos sociais reformistas, sendo que estes últimos baseiam a sua ação na reivindicação parcial, a qual não nega a dominação capitalista; simplesmente exigem desta uma cessação de poder, um serviço concreto insatisfeito.
Na prática, não é fácil diferenciar entre um e outro e é a sua própria evolução, em muitos casos, e as circunstâncias que os envolvem o que nos dará as chaves para o seu reconhecimento.
XXXI.
Há que distinguir entre movimento autônomo, como prática autônoma do proletariado, e organização autônoma, como estrutura ideologizada que pretende suplantar o movimento, mistificando-o e esvaziando-o de conteúdo. A ideologia não é autônoma, está sujeita às suas próprias limitações, é falsificação da realidade. Somente a crítica e a ação podem ser autônomas.
epílogo
O exposto nestas teses não trata de expressar o desejo de um modelo organizativo. Trata de indagar, desde a crítica, as linhas gerais que ajudem a superar o estado atual das coisas. Como já dito, não é um catecismo. Existem formas díspares de atuar e fazer e diversos caminhos que tomar, sendo impossível pré-estabelecê-los sem cair em ficções ideológicas. Mas, se é verdade que existem formas díspares de atuar e diversos caminhos para experimentar, apenas existe um para o não fazer, e esse já o conhecemos.
Outono de 1999