Título: O Caráter Ético do Anarquismo
Autor: Luce Fabbri
Assuntos: Anarquismo, Ética
Data: 1997
Notas: Titulo Original: Carácter ético del anarquismo. Tradução e Revisão por André Tunes @Nucleo de Estudos Autonomo Anarco Comunista. Ela não possui direitos autorais pode e deve ser reproduzida no todo ou em parte, além de ser liberada a sua distribuição, preservando seu conteúdo e o nome do autor.

O tema de hoje não é muito confortável. É difícil falar de ética, principalmente vindo de uma pessoa da minha idade. Estamos acostumados a ridicularizar os idosos que dão sermões aos mais jovens. Ninguém se sente obrigado a ouvir.

No entanto, não podemos prescindir da ética: a vida seria impossível se, na vida quotidiana, não julgássemos continuamente as nossas ações e as dos outros com um critério ético, não importa quantas vezes o violamos. Quando pensamos em novas regras de convivência, instintivamente nos referimos ao que acreditamos ser bom para todos e não apenas para nós ou, pelo menos, quando fazemos uma proposta nesta área, apresentamos-na como estando de acordo com o que é “justo” ou com o que a consciência entende como “justo”.

Ao longo deste século XX que termina, prevaleceu a ideia de que a ética não pode ser aplicada à política. E, se entendermos a política como a arte de chegar ao poder, de governar, a afirmação está correta. O poder que se conquista pela força, pelo voto, ou simplesmente pela acumulação de riqueza (já que existem diferentes tipos de poder), é fundamentalmente preservado pela força (exército e polícia), embora nos regimes mais democráticos a força seja mais disfarçada e a base social tenha maiores possibilidades de exercer um certo controle e uma capacidade de iniciativa limitada. Nesta área, os partidos, organizados para chegar ao governo, não podem obedecer às normas morais de convivência (não mentir, não dar ou aceitar subornos, cumprir o que foi prometido, adequar a atividade ao programa, etc.) porque, se o fizessem, eles falhariam. Por exemplo: conseguir a maioria dos eleitores custa muito dinheiro, mesmo que você não pense em comprar votos fisicamente. Só a propaganda eleitoral exige somas que as contribuições dos apoiantes nunca cobrem. E há dinheiro fácil, à disposição dos partidos nos momentos decisivos, quando estão dispostos a tudo para vencer. Basta prometer, se chegar ao governo, privilégios especiais aos generosos financiadores. A tentação é forte. Além disso, é suposto que o partido adversário o faça e seria muito mau para o país se ganhasse.

Diz-se que o fim justifica os meios, e o fim é bom: está no programa do partido. Mas esse programa, se é realmente bom para as grandes maiorias, depois da vitória não se realiza, nem se fazem esforços para que isso aconteça, porque o interesse e a segurança do Estado o impedem. Exemplo: se se busca maior justiça social, existe certo risco de afugentar os investimentos de capital estrangeiro de que o “país” necessita; Se as liberdades e as garantias democráticas forem ampliadas, isso pode irritar o vizinho poderoso cuja política é orientada, no sentido oposto, para as correntes internas de direita, que são minoritárias, mas têm força material e dinheiro e contra as quais o governo está muito fraco. E assim acontece que os recursos que poderiam ser utilizados na educação e na saúde vão aumentar o orçamento militar. O próprio poder – aliás – está em desacordo com a ética e a dignidade de cada ser humano, pois estabelece uma superioridade injusta de um sobre o outro, uma superioridade que, qualquer que seja a sua origem, é mantida não com base num maior conhecimento ou no melhor julgamento, mas através de um aparelho coercitivo.

Mas, se entendermos a política como a arte de conviver, de garantir a continuidade da vida social, então podemos dizer que a política é ética na medida em que busca o consenso livre entre indivíduos e grupos, todos diferentes, mas todos com direitos iguais … e deveres, isto é, na medida em que não se torne um sistema de poder. A “nossa” política é ética e as demais são éticas na medida em que se aproximam de nós, pois a proposta libertária é simples e nada mais é do que aquilo que o ser humano sempre teve como modelo ideal: todos diferentes, mas com iguais deveres e direitos e todos irmãos; Ajuda mútua como metodologia de convivência.

O anarquismo não é um partido no sentido tradicional do termo, não é apenas um movimento organizado que, neste segundo sentido da palavra “política” pode ser definido como político, mas é também uma visão geral da vida, a busca de um modo de vida. E, como tal, sempre teve um fundamento ético, que o distinguiu de outras tendências do campo socialista (refiro-me ao anarquismo socialista, herdeiro do internacionalismo operário antiautoritário do século passado, e não do individualismo anarquismo dos capangas de Stirner que, na minha opinião, são algo muito diferente). Dentro do socialismo, os membros da chamada corrente “científica”, que adotaram as teorias de Marx, há muito que zombam do “moralismo” dos anarquistas. O paradoxo é que eles próprios, na medida em que fizeram campanha pelo socialismo não movidos por desejos de dominação ou interesses pessoais, mas por uma exigência de justiça, obedeceram a um impulso ético. Mas não o reconheceram, ao procurarem os caminhos do poder para lutar e conquistar um mundo melhor, já se situavam no terreno dominado pela máxima “o fim justifica os meios”, enquadrando a sua ação no quadro das leis supostamente “científicas” da história.

Neste final de século, a ciência como motor social e como explicação da história perdeu o seu carácter hegemônico na opinião do que se chama “a esquerda”: reconhece-se que é muito duvidoso que existam “leis históricas”.

A exigência de que os anarquistas sempre sentiram que a “política” entendida como um sistema de convivência, obedecesse a critérios éticos (que é a exigência instintiva e permanente do povo), agora aparece como o único que resta – se quisermos evitar o império da lei da selva – também por muitos que, sedentos de justiça, lutam como nós, por uma mudança profunda e que durante muito tempo, na sua maioria, seguiram doutrinas que, em nome do realismo científico, prometiam justiça em troca de uma renúncia – que ser pretendia transitória – para a liberdade. E a liberdade é o próprio fundamento da dignidade de cada pessoa e de toda a ética social, porque é a condição necessária da responsabilidade.

Dir-se-á: “Mas que ética?” Bem, diz-se que existem muitos tipos de ética. Eu diria que, substancialmente, existe apenas um, com dois aspectos, um individual (dos deveres de cada um para consigo mesmo), e outro social (dos deveres de cada um para com os outros). Hoje emerge um terceiro aspecto: o dos deveres individuais e coletivos para com a natureza. Estamos agora fundamentalmente interessados ​​na segunda, isto é, na ética social.

Já foi dito há muito tempo: “Comporte-se com os outros como gostaria que os outros se comportassem com você”. E esse preceito está na consciência comum, apesar de as exigências do mercado e as do poder apontarem no sentido oposto.

E um filósofo disse: “Comporte-se sempre para que seu comportamento possa ser tomado como critério geral de conduta”. Em última análise, os dois preceitos significam a mesma coisa, embora a segunda formulação seja mais ampla e precisa, mas também mais difícil de compreender e menos impactante.

Naturalmente, o ser humano é complicado e tudo o que se refere a ele é complicado. O que é muito claro na teoria, na prática dá origem a conflitos e contradições. Neste caso, existem duas zonas de conflito: uma é a zona dos costumes herdados que estão sempre em processo de transformação (neste momento em transformação muito rápida) e a outra é a dos instintos individuais.

A primeira inclui tabus ligados a superstições ou aos interesses de grupos sociais dominantes, tabus que tradicionalmente foram disfarçados de preceitos éticos (por isso se diz que a ética muda de uma época para outra). Pertencem a esta categoria as regras relativas à família e ao casamento e, em geral, às questões sexuais, entre as que permanecem no campo da ética aquelas que podem ser identificadas com o referido preceito: “Comporte-se com os outros como gostaria que os outros se comportassem com você” e, neste caso, reduzem-se a dois deveres do casal: a sinceridade recíproca e a assunção por ambos da responsabilidade para com os filhos. Este último poderia ser resumido da seguinte forma: “Comporte-se com seus filhos como gostaria que seus pais se comportassem com você”.

Pertencem a esta categoria de preceitos que se pretendem éticos mas obedecem aos interesses particulares dos grupos dominantes, também aqueles que se referem ao amor à pátria e ao dever de defendê-la dos seus inimigos a qualquer preço e por quaisquer meios. O amor à terra, à língua, àquilo com que temos mais afinidade através dos costumes e da cultura, é algo natural e bom na medida em que constitui uma extensão do amor familiar e é um trampolim para o amor à espécie. Mas as fronteiras nada têm a ver com esse apego e muito menos o Estado que se formou dentro dessas fronteiras não tem nada a ver com ele, que, pela sua natureza, é competitivo e situa-se, em relação a outros Estados, num patamar de maior ou menor poder. Portanto, os exércitos e as corridas armamentistas estão ligados a poderosos interesses particulares. Para isso, o Estado, ou seja, o governo, explora esse amor natural pela terra, ao mesmo tempo que estimula os instintos agressivos que dormem em cada um.

A imoralidade que falsamente acompanha o poder sempre foi justificada com o amor ao país. Os deveres para com o país, assim como os tabus sexuais, são, portanto, uma formação histórica e não pertencem ao campo da ética.

A outra área conflituosa – dissemos – é a dos instintos, cuja força pode por vezes colocar em crise o exercício da liberdade pessoal, condição necessária para o julgamento ético.

Esta liberdade deve ser sempre entendida dentro do princípio geral de que falávamos (“Comporte-se com os outros como gostaria…”) e que implica igualdade.

Na verdade, se entendêssemos por exercício da liberdade podermos fazer de forma irrestrita o que queremos num determinado momento, seguindo apenas o impulso expansionista e avassalador que é um aspecto do instinto vital, logo entraríamos em conflito com outros que não querem ser subjugados e têm o direito de não ser subjugados devido à sua condição de seres humanos. Se todos dessem livre curso aos seus instintos, toda a vida social seria destruída e com ela a nossa liberdade, pois o homem é um ser social e, se estiver sozinho, não é livre, mas escravo das suas necessidades primárias, que o socialmente a comunidade organizada lhe dá: ajuda-os a saciar o pão, a construir a casa, a tecer e costurar as roupas, a ensinar os filhos a ler e a escrever, a cuidar deles nas doenças… A troca destes serviços e de outros mais sofisticados dá origem atualmente, graças ao poder e ao direito de propriedade, a enormes injustiças, contra as quais os socialistas (tomando a palavra no seu sentido lato) têm lutado desde a Revolução Francesa e continuamos a lutar agora que as tendências autoritárias do socialismo falharam. Os socialistas anarquistas querem eliminar estas injustiças socializando a propriedade da terra e de outros meios de produção e ao mesmo tempo suprimindo a hierarquia e a dominação de uns sobre outros, mas movendo-se sempre no âmbito de uma sociedade estabelecida. Liberdade e justiça social são inseparáveis. Toda a história do século XX demonstra isso. Mas não uma liberdade que signifique ausência de regras; Não apela ao instinto, mas à razão de cada um. E a razão nos diz que existem normas que são convenientes para todos. E, uma vez aceitos, devem ser observados. Isso não significa acabar com a espontaneidade do não racional, do instintivo, mas apenas controlá-lo a partir da privacidade de cada pessoa. Felizmente, além dos instintos agressivos, existem também instintos de amor pela espécie nos humanos, sem os quais a nossa espécie em particular teria sido extinta há muito tempo. Tão importante quanto a razão é, para a preservação da vida, aquele impulso irracional que carregamos dentro de nós e que se chama “amor”.

Hoje vivemos num mundo neoliberal que ameaça morrer pela poluição criada pelo mercado e pelo consumismo e pela impossibilidade de uma economia de mercado que se moderniza progressivamente se manter face à avalanche de desemprego que ela mesma cria. Nesta situação de risco crescente de morte, vemos o valor da solidariedade, essa força coesiva que surge espontaneamente frente as grandes catástrofes e que é, em última análise, o impulso que nos leva a declarar-nos anarquistas e a rebelar-nos contra o “sistema”.

Esta solidariedade será necessária para garantir a sobrevivência colectiva na crise que se aproxima de sobreprodução, desemprego e subconsumo. Portanto, o socialismo não morreu, como diziam, mas está mais vivo e urgente do que nunca, um socialismo livre, baseado em normas livremente aceites, enraizado na máxima básica da ética: “Comporte-se com os outros como gostaria que os outros, nas mesmas circunstâncias, se comportassem com você”.

Neste contexto, surge um problema frondoso sobre os métodos de luta, sobre o nosso quotidiano dentro desta estrutura autoritária que repudiamos, sobre os detalhes da nossa proposta para o futuro.

O principal problema é o da violência revolucionária, o que implica uma contradição difícil de evitar, uma vez que a violência é em si autoritária. Muitos outros relacionados com a ação cotidiana estão ligados a este problema básico. Quero mencionar apenas um, que considero grave: o da chamada “expropriação individual” como método de luta. Mas há muitos outros, que aparecem pelo caminho.

Vou adiantar ideias pessoais sobre alguns pontos básicos, como contribuição à discussão.

O anarquismo é revolucionário; Mas a experiência de dois séculos de revoluções e a ambiguidade que se criou em torno desta palavra mágica, que foi desperdiçada para todos os usos, todas as demagogias da esquerda e da direita, obrigam-nos a especificar o nosso conceito de “revolução”. Para nós, não é um caminho abreviado para chegar ao poder e a partir daí moldar a sociedade de acordo com um determinado programa. Sabemos que isso não pode ser feito.

A “nossa” revolução não é a nossa, mas a de toda a sociedade. Consiste numa mudança profunda, que é lenta como tudo o que é profundo e que num determinado momento de ruptura com o passado – que é o momento verdadeiramente revolucionário – toma forma. Pode haver ou não uma fase insurrecional (geralmente há), mas isso serve para quebrar obstáculos diante de transformações que já contam com um consenso tão amplo que não há imposição e a mudança é produzida nas bases sociais pelo trabalho das mesmas bases.

Naturalmente, isto implica respeito por todas as diferenças e total liberdade de experimentação social. Hoje o capitalismo é múltiplo; Amanhã poderá haver diferentes formas e diferentes graus de socialismo que incluam a gestão individual ou familiar. O importante é que ninguém pode ser dominado ou explorado, a menos que queira, o que é difícil, mas possível.

Uma revolução libertária não é uma guerra dos pobres e oprimidos contra os ricos e poderosos, mas dos seres humanos contra a desigualdade social e o poder. Parece que é o mesmo cachorro com coleira diferente; mas a diferença está no tom emocional.

É neste contexto que surge o problema da violência, que é um problema atormentador para o anarquismo, pois, como dissemos, (quando não é puramente defensiva) a violência é autoritária por sua própria natureza. Há anarquistas que rejeitam todo tipo de violência e concebem a revolução como Gandhi (um exemplo é Tolstoi), ou seja, como desobediência ao sistema e construção obstinada de modos de vida alheios ao próprio sistema. Há quem o aceite, mas apenas como defesa do que foi criado e considerando-o uma necessidade dolorosa e perigosa. Finalmente, outros (mas hoje – depois de tanta experiência – são os últimos) exaltam-no como força criativa.

Houve um tempo em que ocorreram uma série de ataques terroristas, mais contra a sociedade injustamente organizada do que contra certas pessoas. Foi no final do século passado na França. No mesmo período houve outros, contra certos governantes na França, na Espanha, na Itália, todos obras de anarquistas, todos altamente explorados pela imprensa burguesa que achou muito fácil criar o estereótipo do “anarquista lançador de bombas”. Na realidade, trata-se de dois tipos de fatos muito diferentes: os primeiros (Vaillant, Emile Henry, etc.) inspiram-se em teorias individualistas que têm origem em Stirner e Nietzsche, abundantemente abraçadas na literatura francesa do final do século em convergência com indignação pelas duras condições em que vivia a classe trabalhadora da época. Estes últimos (Angiolillo, Caserio, Bresci) estão mais relacionados com a tradição revolucionária que, desde o Renascimento, exaltava o tiranicídio como meio de recuperar a liberdade e tinha como símbolo remoto a adaga de Bruto contra César e como referência próxima as conspirações carbonárias da primeira metade do século. Ambos pertencem à história e estão intimamente ligados ao seu tempo.

Hoje mudamos para outra área. O terrorismo sobreviveu e agravou-se nos nacionalismos raivosos e acompanha as lutas pelo poder, com ligações frequentes à área do tráfico de droga, do comércio de armas e até da máfia. Nos últimos setenta anos houve muitos ataques, de todas as correntes e partidos. Os anarquistas foram os que menos cometeram e na segunda metade do século praticamente nenhum. Por outro lado, tem havido muito terrorismo de Estado ao longo do século, com a intervenção da CIA, da Gestapo, da Checa e da KGB, e de todos os outros serviços secretos. Tem havido muito terrorismo – repito – no choque entre diferentes nacionalismos e, em geral, na luta daqueles que disputam o poder, incluindo as multinacionais. Os métodos do terrorismo são hoje completamente estranhos à revolução libertária.

Outra coisa é a raiva do povo, quando desperta, e pode ser cega e, por vezes, injusta, mas tem sempre o seu ponto de partida numa situação de injustiça intolerável e os anarquistas têm um papel a desempenhar dentro dela, para tentar garantir que ninguém o instrumentalize para os seus fins particulares e para que o movimento dê origem a uma revolução autêntica no sentido mais livre e socialista possível e não a novas formas de poder e injustiça.

Esta violência é o principal problema do anarquismo e é discutida e discutida. Não acredito que possa ser resolvido de forma absoluta, mas sim de acordo com as particularidades de cada caso, sempre colocando ênfase nos aspectos construtivos e criativos do processo de mudança e sempre considerando a necessidade de usar a força como um obstáculo ao longo do caminho e uma causa de atraso ou retrocesso. Em qualquer caso, o que se pode afirmar categoricamente é que o anarquismo nada tem a ver com aquelas formas de violência individual ou de pequenos grupos que, apresentando-se como atos de rebelião, na verdade reforçam o atual sistema de exploração, enxertando-se nele, especialmente se essa violência estiver relacionada com dinheiro, como é o caso da chamada “expropriação individual”, geralmente mais apropriação do que expropriação.

Adotar este sistema como modo de vida é viver nas costas dos outros como o mais parasitário dos capitalistas, o capitalista financeiro, que vive do sistema bancário e nem sequer está envolvido em atividades produtivas. A transferência de propriedade não modifica nenhuma estrutura.

Mas mesmo no caso em que esta “expropriação” é praticada com fins desinteressados, para financiar propaganda ou ações de combate, as consequências do uso destas táticas para qualquer movimento organizado são sempre negativas no campo prático: desintegração, lutas internas, perdas de estoques valiosos e perda de influência sobre o meio ambiente, sem falar nas lideranças que são criadas de forma instável e, como aconteceu no movimento Tupamaro, o pior, o mais antilibertário: a militarização. Mas, do ponto de vista puramente ético, o pior é o uso da violência, já tão questionável em si, não por uma necessidade imperiosa, escolhendo-a, mas como tática de financiamento.

De um modo geral, e para concluir, creio que devemos visar tudo o que nos aproxime dos outros, procurando ser, dentro da sociedade que queremos mudar, um fator fermentador e criativo, constituindo, num mundo cada vez mais violento e sombrio, focos, por menores que sejam, de alienação do poder e da exploração, focos daquela liberdade de consciência que nenhuma opressão pode destruir e que servem de pontos de referência. A nossa ação na sociedade é de dentro e de baixo e desenvolve-se não só no movimento anarquista organizado, mas também, com as limitações do caso, nos diferentes aspectos da vida,através da participação em sentido libertário em todas as atividades positivas que oferecem perspectivas de desenvolvimento não autoritário: no local de trabalho, na família, nas atividades recreativas e culturais, aplicando-as, bem como economicamente, quando necessário, na autogestão. Quanto às atividades específicas do movimento libertário, já sabemos que estão estruturadas pelo menos em intenções e numa base federalista, com um critério horizontal e acêntrico, a nível de bairro, municipal, nacional e internacional.

Esta organização flexível, em que ninguém prevalece e cada um está sozinho, tem como força coesa a ética da liberdade, ou seja, a ética da responsabilidade, a ética de quem não precisa de ninguém que os monitore e domine para cumprir o que sua própria consciência indica como seu dever.