Título: Elementos Fundamentais da Crítica Antidesenvolvimentista
Data: 22 de Agosto de 2010
Notas: Titulo Original: Elementos fundamentales de la crítica antidesarrollista. Tradução e Revisão por André Tunes @Nucleo de Estudos Autonomo Anarco Comunista.
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O objetivo desta dissertação não é outro senão expor as linhas mestras através das quais corre a crítica real do capitalismo em seus estágios finais, que chamamos de antidesenvolvimentista. A questão social estava em seus começos levantada a partir da exploração dos trabalhadores nas oficinas, fábricas e minas. A crítica social criticava principalmente a sociedade de classes e o Estado, mas, numa fase posterior do capitalismo, a questão social surgiu da colonização da vida e da exploração do território. Compreendeu o território não como a paisagem ou o “ambiente”, mas a unidade entre espaço e história, lugar e habitante, geografia e cultura.

A crítica social tornou-se crítica em relação à sociedade de massa e à ideia de progresso. Longe de rejeitar a crítica anterior, correspondente a um tipo de capitalismo periciado, ela a ampliou e prolongou, abrangendo novos fatos como o consumismo, a poluição, a autonomia da tecnociência e o totalitarismo democrático. A crítica antidesenvolvimentista não nega a luta de classes, mas a preserva e supera; Além disso, a luta de classes não pode existir nestes tempos que correm, senão como antidesenvolvimentismo. Daí em diante, quem fala de luta de classes sem se referir expressamente à vida e ao território cotidiano, tem um cadáver em sua boca.

Podemos acompanhar o curso da aparência histórica entre as décadas de 1930 e 1990 dos primeiros elementos do antidesenvolvimentismo, começando com a crítica da burocracia. A burocracia é o resultado da complexidade do processo produtivo, da necessidade de controlar a população e da hipertrofia do Estado, das quais as organizações “operárias” são um apêndice. Em um certo nível de desenvolvimento, aquele em que propriedade e gestão são separadas, onde aqueles que executam ordens são totalmente subordinados àqueles que coordenam e decidem, as camadas superiores da burocracia que operam nas diferentes esferas da vida social – cultura, política, administração, economia – são, na verdade, a classe dominante. A sociedade capitalista burocratizada é dividida entre gestores e executores, ou melhor, entre dirigentes e dirigidos. Essa divisão nos remete a uma anterior, a que existe entre trabalho manual e trabalho intelectual, que é a base do desenvolvimento burocrático. O trabalho manual perde sua criatividade e autonomia por causa do sistema industrial que, ao facilitar a padronização, a divisão e a especialização, o reduz a uma atividade puramente mecânica controlada por uma hierarquia burocrática. O beneficiário da mecanização não é simplesmente o capitalista; é a própria máquina pela organização do trabalho e pela vida social que ela implica. Quem é prejudicado em primeiro lugar é o trabalhador, mas é toda a população que estará sujeita às exigências da máquina. A fábrica, a máquina e a burocracia são os verdadeiros pilares da opressão capitalista. A crítica da burocracia completa a crítica do Estado e do trabalho assalariado e dá origem à crítica da tecnologia.

O desenvolvimento unilateral da tecnologia, orientado para o desempenho e controle, serve à submissão, não à liberdade. Uma existência modelada por tecnocratas de acordo com as normas de fábrica é um modo de vida escravo. A ciência e a tecnologia evoluem sob o signo da dominação, que é a dominação da natureza e do ser humano. Mas uma crítica da ciência e da tecnologia não significa uma rejeição do conhecimento racional e do metabolismo com a natureza. É a rejeição de uma classe de ciência e uma classe de tecnologia, aquelas que engendram poder e submissão. Mas aceitamos aqueles que não alteram as condições de reprodução de uma sociedade igualitária e livre. Aqueles que obedecem às necessidades de uma vida rural e urbana equilibrada, adaptada às necessidades e desejos humanos. Em nome da Razão. Mas se ela avança no domínio do conhecimento instrumentalizado, essa razão, sujeita a imperativos de poder, se autodestrói. A crença na melhoria humana através do conhecimento científico, inovação técnica e expansão econômica, em outras palavras, fé no progresso, está em questão.

Crítica da ciência, tecnologia e do sistema industrial é uma crítica do progresso. E da mesma forma, é uma crítica do cientista e das ideologias progressistas; em primeiro lugar, a ideologia operária, tanto em uma versão reformista quanto revolucionária, baseada na apropriação, em prol do proletariado, do sistema industrial burguês e de sua tecnologia.

O capital não consiste apenas em dinheiro, meios de produção ou conhecimento acumulado; é o polo ativo de uma relação social através da qual gera benefícios em detrimento do trabalho assalariado. Quando essa relação deixa de circunscrever a produção e abrange todos os aspectos da vida dos indivíduos, a exploração capitalista muda qualitativamente e o conflito social se estende à vida cotidiana, agora dominada pelo veículo privado e pelas ansiedades consumistas, enquadradas em uma arquitetura miserável. A crítica do trabalho se soma à da sociedade de consumo e do urbanismo, forjando a crítica da vida cotidiana, uma vez esboçada como uma crítica da moralidade sexual burguesa e reivindicação dos direitos das mulheres. A construção de um estilo de vida livre deve banir a lógica alienante da mercadoria da vida. O método para fazê-lo, a autogestão, deve ser aplicada contra a lógica capitalista, caso contrário, não seria nada mais do que autogestão da alienação. A tarefa então dos futuros organismos comunitários, que nos anos 60 alguns identificaram com os Conselhos de Trabalhadores e outros com as comunas ou os municípios livres, não pode consistir na gestão do existente, mas em sua transformação revolucionária. A soberania real dos indivíduos emancipados não significa, em absoluto, a “humanização” do trabalho ou a “democratização” do consumo, mas a supressão de ambos e sua substituição por um novo tipo de atividade unitária livre de fatores condicionantes.

A crise ecológica eliminou da crítica da vida cotidiana o otimismo tecnológico, a crença em um possível uso libertador da tecnologia, e trabalhadores sentenciados, a crença no papel emancipador do proletariado industrial e o caráter potencialmente revolucionário dos conflitos trabalhistas. Fenômenos como a poluição, a chuva ácida, o consumo de combustíveis fósseis, o uso de aditivos químicos e pesticidas, o enorme acúmulo de lixo, etc., demonstraram que o reino da mercadoria não apenas condenava a maioria da população a travar a escravidão e a alienação do consumidor, mas também ameaçava a saúde e coloca em perigo a vida na Terra. A luta contra o capital não é simplesmente uma luta por uma vida livre, mas uma luta pela sobrevivência. A abolição do trabalho e do consumo não pode ser feita a partir de dentro, através de uma pretensa radicalização dos conflitos sobre salários e emprego, já que o que é urgente é o completo desmantelamento da produção, transformado em algo venenoso e inaproveitável. Sua “autogestão” também é alienante, tóxica. A crise ecológica revela, assim, os limites do crescimento produtivo e urbano, condição sine qua non da atual acumulação capitalista, quando o desenvolvimento econômico se tornou o único objetivo da política.

O desenvolvimentismo teve seu primeiro obstáculo na chamada “crise do petróleo”, à qual “o mercado” e o Estado reagiram com a construção de usinas nucleares. Os perigos que a produção de energia nuclear acarretava para grandes setores da população e, acima de tudo, a militarização social encoberta que ela acarretava, suscitaram forte oposição. A partir da unificação entre a crítica da vida cotidiana e a crítica ecológica, especialmente em seu aspecto antinuclear, a crítica antidesenvolvimentista nasceu durante os anos oitenta. O antidesenvolvimentismo tenta fundir os elementos críticos com novos precedentes: sua negação do capitalismo é, ao mesmo tempo, antiestatista, antipolítica, antigovernamental, antiprogressista e anti-industrial.

As novas frentes de combate abertas, englobadas no conceito de “nocividade”, dificilmente seriam defensáveis, desde o fim da fase fordista do capital, caracterizada pela derrota do movimento operário tradicional, a industrialização da cultura e o início da globalização, eles implicaram uma catástrofe da consciência e um boom do ambientalismo neutro. Reduzindo os problemas ambientais e econômicos e ignorando a crítica social anterior, os ecologistas aspiravam tornar-se intermediários do mercado de degradação, fixando com o Estado os limites da tolerância à nocividade. Com efeito, os ecologistas passaram a desempenhar o papel de conselheiros políticos e empresariais. Mas, por outro lado, a destruição dos meios dos trabalhadores e a colonização acabada da vida cotidiana aumentaram muito a capacidade da população de suportar o insuportável. As classes ontem perigosas foram transformadas em massas domesticadas. O escurecimento da consciência rapidamente se traduziu em desclassificação, perda de experiência, insociabilidade e ignorância, para as quais o conhecimento da verdade não levou à revolta. Faltavam os laços sociais dissolvidos pela mercadoria. A crítica antidesenvolvimentista foi estendida para abranger o ecologismo e a sociedade de massa.

A falta de resistência permitiu ao capitalismo avanços sem precedentes, exacerbando todas as suas contradições e agravando o nível de habitabilidade do mundo. A convicção desenvolvimentista de crescimento como objetivo primário da vida no planeta levou a uma crise biológica. O aquecimento global, em um contexto de deterioração universal, impulsionou o capitalismo “verde”, baseado no “desenvolvimento sustentável”, cujo resultado foi o transgênico, carros de alto padrão com motores de baixo consumo, agrocombustíveis e energia renovável industrial. As agressões ao território se multiplicaram: rodovias, trens de alta velocidade, linhas de altíssima tensão, “parques” eólicos, “pomares” solares, urbanização ilimitada, incineradoras, cemitérios de materiais tóxicos e radioativos, regulação de bacias hidrográficas, transvases, torres de telefonia celular, abandono e suburbanização do campo … A isto se deve acrescentar o progresso na artificialização da existência (da qual as nanotecnologias são a culminação), a proliferação do comportamento psicopático e a entronização de uma sociedade panóptica e criptofascista como uma resposta institucional aos perigos da anomia. Embora o maior inimigo do capitalismo ainda seja ele mesmo e as principais ameaças contra ele provenham de sua própria natureza, uma resistência minoritária foi capaz de se desenvolver graças a conflitos locais de natureza diversa, principalmente contra grandes infraestruturas, com o que a crítica antidesenvolvimentista tem sido capaz de avançar em várias direções e sob diferentes nomes, achando ao acaso desastrosos partidários e propagandistas que denunciam tanto os desastres territoriais quanto a domesticação e renúncia de seus habitantes, pessoas que entendiam que nenhum problema poderia ser resolvido ficando preso na política, pessoas que não separavam uma agressão específica da sociedade que a causava.

A sociedade desenvolvimentista atingiu o limiar a partir do qual a destruição do habitat humano é irreversível e, portanto, o controle absoluto da população é obrigatório. A defesa de uma vida livre, para se libertar de próteses tecnológicas, ricas em relacionamentos, é ao menos uma defesa do território e uma luta contra todo condicionamento, seja ele decorrente do controle social, do trabalho, da motorização ou do consumo. Mas isso só diz respeito ao seu momento defensivo. Sua fase ofensiva desurbaniza, desindustrializa, ruraliza e descentraliza. Tem que reequilibrar o território e colocar o local e o coletivo em primeiro lugar na ordem das preferências. É também uma luta pela memória e pela verdade, pela livre consciência e contra a manipulação do desejo; é, subsidiariamente, uma luta contra as ideologias que as escondem e distorcem, como a cidadania, o descrecentismo ou o que vem nos manuais para adolescentes virginianos estilo “a anarquia em dez lições confortáveis” (municipalismo, stirnerismo, bonannismo, etc.). O capitalismo em sua fase atual é eminentemente destrutivo e, portanto, está em guerra com o território e as pessoas que o habitam. A autodefesa é legítima, mas é apenas um aspecto do conflito territorial. Esta é uma batalha pela autonomia na alimentação, transporte, educação, saúde, moradia ou vestuário; uma luta pela solidariedade, pela comunidade, pela ágora e pela assembleia; pelo “comício”, “conselho geral” ou “conselho aberto”, que são alguns dos nomes que receberam a prática política da liberdade nas épocas pré-capitalistas peninsulares. A crítica antidesenvolvimentista não vem como uma novidade embalada e disponível para quem quiser usá-la. Ela resume e cobre todos os elementos críticos anteriores, mas não é um fenômeno intelectual, uma teoria especulativa que é fruto de mentes privilegiadas dispostas a longas jornadas de estudo e meditação. É o reflexo de uma experiência de luta e prática cotidiana. Está presente um pouco por toda parte, de uma forma ou de outra, como uma intuição ou como um hábito, como uma mentalidade ou como uma convicção. Nasce da prática e sempre volta para ela. Não fica em livros, artigos, círculos de conhecimento ou torres de marfim; é fruto do debate e da luta. Em uma palavra: ela é a filha da ação, este é o seu meio e ela não pode sobreviver fora dela.